O Globo
Alain Touraine sentiu o perigo de um
retrocesso com a chegada de Dilma Rousseff ao poder, e o consequente
crescimento da influência do PT no governo
O sociólogo francês Alain Touraine, um dos
grandes intelectuais públicos modernos, pensador de esquerda liberal morto aos
97 anos na sexta-feira, tinha interesse pela política da América Latina, em
especial a do Chile, onde chegou a trabalhar em uma mina para escrever um
clássico sobre o papel social dos mineradores, e do Brasil, que acompanhou de
perto durante os 16 anos que duraram os governos Fernando Henrique Cardoso, de
quem foi professor em Paris e amigo, e Lula, de quem se tornou próximo.
Durante cerca de dez anos tive contatos
frequentes com ele, especialmente durante os seminários internacionais da
Academia da Latinidade, organizados pelo também sociólogo e filósofo brasileiro
Cândido Mendes de Almeida, seu amigo. Touraine sempre entendeu que os períodos
de FHC e de Lula são parte de um mesmo projeto, e que o Brasil, ao fim deles,
teria encontrado uma maturidade como Nação, com um mercado interno forte e
elementos de economia avançada.
Mas sentiu o perigo de um retrocesso com a chegada de Dilma Rousseff ao poder, e o consequente crescimento da influência do PT no governo. Considerava que o consenso entre as forças políticas sobre a necessidade de combinar políticas realistas na economia e preocupação com a melhoria social prevaleceu nesse período, permitindo a continuidade dos avanços. Depois de Lula ter dado ao povo a sensação de que estava realmente no poder, depois de um governo tão popular, há que se tratar de outros problemas, advertia Touraine, que defendia que era preciso retomar o projeto exitoso de reorganização do país, que avançou com Fernando Henrique e sofreu um retrocesso com o clientelismo e o empreguismo para “os companheiros” do PT.