domingo, 15 de novembro de 2020

Luiz Sérgio Henriques* - Os fenômenos mórbidos da crise

- O Estado de S.Paulo

O assustador número de mortos na pandemia não parece comover Trump nem Bolsonaro.

Com sua torrente incomum de surpresas e sobressaltos, os dias em curso parecem confirmar que estamos em meio aos fenômenos mórbidos que, segundo a frase famosa, se colocam entre o velho que morre e o novo que não consegue nascer. Longe de virar jargão, a frase descreve situações por certo inéditas e espantosas. Comecemos pelo fato de que um dos dois grandes partidos que vertebram a democracia norte-americana acaba de ser definitivamente tomado de assalto por uma extrema direita subversiva, “leninista”, a qual, impossibilitada eleitoralmente de levar a cabo a fatídica obra de esvaziamento das instituições, ameaça uma das regras mínimas da democracia, a saber, o exercício da regular alternância no poder.

Não é nada fácil para esse tipo de extremismo ter êxito na empreitada, mas o simples fato de tentá-la já é um mau presságio. Indica, antes de mais nada, alto grau de confiança na novíssima estratégia de erguer despudoradamente uma realidade paralela a partir de “fatos alternativos”. Para tanto se deve metodicamente corroer o bom senso e degradar o senso comum, implodindo a realidade objetiva e os modos compartilhados de vivenciá-la. Tudo o que é sólido se desmancha numa sequência estonteante de conspirações, irrealidades, fantasmagorias. A Terra não é redonda, ninguém jamais pisou na Lua e Trump não perdeu as eleições, pelo menos se forem contados os votos da sua preferência. E com a certeza dos simples muitos se associarão a essas sandices.

Merval Pereira - A voz das urnas

- O Globo

Há uma certeza nos meios políticos: eleições municipais têm a ver mais com questões locais do que com a situação nacional. É verdade, caso contrário o PT, que perdeu 60% de suas prefeituras em 2016, não teria chegado ao segundo turno da eleição presidencial de 2018. E o candidato tucano Geraldo Alckmim, que chegou com míseros 4,7% no primeiro turno, teria tido melhor sorte, pois o PSDB foi um dos partidos que mais cresceram no período.

O apoio dos tucanos ao governo Michel Temer, e as acusações de corrupção que atingiram sua cúpula, inviabilizaram o caminho para ser alternativa à polarização. Mas havia na debacle do PT nas eleições municipais de 2016 um sinal que o candidato do baixo clero Jair Bolsonaro percebeu mais que seus outros competidores, a rejeição ao PT, e demais partidos, pelas denúncias de corrupção, e a prisão do ex-presidente Lula.

Enquanto os candidatos centristas, como Alckmim, ou de centro-esquerda como Ciro Gomes e Marina Silva, buscavam a pacificação, Bolsonaro posicionava-se como o antipetista de carteirinha, e antipolítica, embora fosse deputado federal por 37 anos.  

A eleição que se realiza hoje mostra que o PT continua tendo problemas com a recuperação de sua imagem, pois nos municípios há poucos candidatos do PT em posição de disputa. Quanto a Bolsonaro, não está tendo influência na eleição, porque nem tem partido. A característica personalista que sempre marcou sua trajetória política - já foi de mais de dez legendas - perdeu a força no momento, e o apoio que deu a candidatos, como Celso Russomano em São Paulo e Marcelo Crivella no Rio, de nada serviu.

Míriam Leitão - O derrotado e o nosso risco

- O Globo

O grande derrotado desta eleição é Jair Bolsonaro. Publiquei essa frase aqui no dia primeiro de novembro, com base em entrevista com o cientista político Jairo Nicolau. Existem duas dimensões da derrota, a dele mesmo e a dos seus candidatos. Por outro lado, existem as perdas diárias do Brasil com este governo. Nessa última semana, Bolsonaro debochou do país, comemorou um evento que envolvia a morte de um jovem, indicou o quanto quer interferir na Anvisa, mostrou desprezo pela vida humana, e no fim de um dia de atitudes repulsivas falou em guerra contra os Estados Unidos. Essa última fala é tão ridícula que não merece ser analisada. O que o incomodou mesmo foi o fato de o senador Flávio Bolsonaro ter sido denunciado.

O grande projeto do presidente é ele mesmo e seus filhos. Ele é tão desagregador que dispersou até as forças com as quais chegou ao poder, há dois anos. Brigou, humilhou, traiu um grande número de aliados. Chegou a esta eleição sem partido. A Aliança, legenda que tentou criar, foi, segundo definição de Jairo Nicolau, “o maior desastre da história da formação dos partidos”. Os candidatos que apoiou estão tendo um fraco desempenho e sua reprovação está subindo.

Bernardo Mello Franco - A República e os quartéis

- O Globo

A República faz aniversário. Cento e trinta e um anos e ainda não tomou juízo. Começou instável, pela espada do Deodoro, e continua aí na corda bamba.

Essas frases foram escritas por Otto Lara Resende, em 1991. O diagnóstico continua certeiro. Só atualizei a contagem dos anos.

Em 15 de novembro de 1889, o país passou a ser governado por um marechal. Hoje está nas mãos de um capitão. Não foi só nisso que regredimos.

Na semana das eleições municipais, os holofotes se deslocaram dos candidatos para o comandante do Exército. O general Edson Pujol afirmou que as Forças Armadas “são instituições de Estado”. A obviedade não deveria chamar a atenção numa democracia.

“Não somos instituição de governo, não temos partido. Nosso partido é o Brasil”, disse o general. Ele cometeu um ato falho. A última frase estampava a camiseta de Jair Bolsonaro quando ele foi esfaqueado em Juiz de Fora.

Na sexta, o vice-presidente Hamilton Mourão endossou as palavras de Pujol. “Política não pode entrar dentro do quartel. Se entra política pela porta da frente, a disciplina e a hierarquia saem pelos fundos”, afirmou.

O general não costumava pensar assim. Antes de passar à reserva, ele foi punido duas vezes por se meter na política. Em 2015, Mourão afirmou que o impeachment de Dilma Rousseff significaria “o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”. Em 2017, disse que Michel Temer promovia um “balcão de negócios” para não cair.

Janio de Freitas – O alto preço de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

O Exército, que formou esse capitão, tem pago caro em desprestígio por cada asnice do presidente

Os níveis mais altos de militares do Exército, incluídos os reformados-mas-não-muito, estão sob interrogações sem respostas e, por isso, possíveis inquietações mal definidas. Nada indica, no entanto, o sentido adverso a Bolsonaro que exala dos comentários sobre contrariedade de altos estrelados com seu capitão-comandante. Na falta de indícios resistentes, a onda parece seguir a mesma pressa dedutiva que há pouco criou um Bolsonaro aderido à moderação.

Não há sinais de insatisfação no Exército com o governo. Nisso se tem confirmado a comunhão de visões entre Bolsonaro e os referidos militares do Exército. Mesmo nas práticas que mais choquem o mundo da cidadania, como a entrega da Saúde e da vigilância farmacológica a militares sem a formação específica. Ou a destruição da riqueza natural, sobre ela recaindo a recente advertência aprovadora do general-vice Hamilton Mourão: “A eleição [nos EUA] não muda a política ambiental”.

O desgaste já é em nível de ridículo. Quem, no grupo de militares palacianos, tentou conter um pouco a produção bestial, teve como resultado a demissão grosseira, caso dos generais Santos Cruz e Rêgo Barros. Ou rompeu relações, como o indemissível Mourão. Os demais conduzem-se como acovardados. Para essas pessoas que se pensam admiráveis, poderosas, distinguidas pela força da arma, responsáveis pelo país que nem entendem, verem-se até em anedótico desafio a militares de verdade, convenhamos, há de doer. Mourão nem percebeu que seu remendo usual também ficou grotesco: a pólvora contra os EUA “foi retórica”. Não, foi mesmo insuficiência mental.

Eliane Cantanhêde - Haja pólvora

- O Estado de S.Paulo

Sem Trump, Mourão, governadores, prefeitos e parte dos militares, quem sobra para 2022?

Se o presidente Jair Bolsonaro insistir nesse ritmo de metralhadora giratória contra tudo e todos, quem estará com ele na reeleição em 2022? Bolsonaro não deve eleger um único prefeito de capital hoje, joga o vice Hamilton Mourão ao mar, cria tensões e cisões desnecessárias nas Forças Armadas, não entrega reformas e privatizações ao empresariado e ao mercado, não gera empregos, irrita médicos, professores, o pessoal da cultura e qualquer um que defenda o verde e a vida.

Quem sobra? Por questões ideológicas, interesses diretos, conveniências pontuais ou simples incapacidade de compreender o que se passa, os bolsonaristas dirão que sobram o Centrão e uma faixa considerável das redes sociais e do eleitorado. É preciso saber, porém, até onde, e quando, o Centrão e esse eleitor fiel, ou recentemente conquistado, resistem. As urnas de hoje serão um teste. Trarão boas respostas e indícios.

O Centrão está de olho na contagem de votos não só para consolidar suas bases como para projetar os próximos passos: as eleições para Câmara, Senado, governos estaduais e Presidência em 2022. O que os líderes de PP, PTB, PL... vão fazer, se o apoio de Bolsonaro se revelar tóxico? Serão fiéis na alegria e na tristeza? As eleições, portanto, devem deixar claros os limites da aliança. É restrita ao Congresso e dura enquanto a caneta tiver tinta. Bagaço de laranja e caneta sem tinta não servem para nada.

Marco Aurélio Nogueira* - Bolsonaristas perdem ímpeto

- O Estado de S.Paulo

Nas capitais, o eleitor não se dispôs a apoiar candidatos vinculados ao presidente da república

pandemia não impediu a realização das eleições de 2020. É um marco para a democracia brasileira, tão maltratada ultimamente. Em ano tão atípico e cruel, algo para comemorar. Como sempre, a disputa foi aguda nas capitais, onde os temas locais prevaleceram sem que a política nacional deixasse de ressoar. Novos polos ganharam destaque, deslocando o embate PT x PSDB. Na corrida paulistana, todos bateram em Bruno Covas e tentaram associá-lo ao governador João Doria. O PT minguou, em benefício do candidato do PSOL, Guilherme Boulos. O quadro ficou diferente.

O bolsonarismo procurou sobreviver girando em torno de um "anticomunismo" estapafúrdio, que não adere aos fatos da vida. Nas capitais, o eleitor não se dispôs a apoiar candidatos vinculados a Bolsonaro. Em São Paulo, a aposta em Russomanno foi um fiasco. Assim também no Rio, com Crivella. Os bolsonaristas perderam o ímpeto de 2018, perturbados pela charlatanice errática do presidente.

Cristovam Buarque* - Olhando para o umbigo do passado

- Blog do Noblat

Os erros dos progressistas

Os conservadores olham para trás, por isto é importante conhecer os erros dos progressistas que devem acenar para a construção do futuro.

O primeiro erro é não perceberem que nos, tempos atuais, Confiança é um fator determinante para o avanço de qualquer economia. Ela não funciona satisfatoriamente sem estabilidade monetária, ética na política, instituições sólidas com regras permanentes, participação no mundo global, capacidade de poupança, distribuição de renda, paz nas ruas, todos os ingredientes para dar confiança ao mercado, consumidores e investidores.

O segundo erro foi não perceberem que no longo prazo o vetor do progresso está na educação de base com qualidade para todos, tanto para aumentar a produtividade, criar tecnologia e inovação, além de ser o caminho para distribuir renda.

Os progressistas, especialmente aqueles mais à esquerda, não perceberam que “estatal” não é sinônimo de “público”. Este foi o terceiro erro. Uma empresa pode ser do governo, seus trabalhadores empregados públicos, mas seu serviço não servir à população, pela má qualidade, pela ineficiência e custo elevado. Este erro levou-os a preferir apoiar as reivindicações dos sindicatos de servidores do Estado, do que atender às necessidades da população. No lugar de sociais, os progressistas ficaram corporativos.

Vera Magalhães - Reocupar o centro

- O Estado de S.Paulo

Mesmo premida pela pandemia, eleição 2020 pode ser início do resgate da política

Foi só na semana passada que as pessoas parecem ter acordado para o fato de que hoje tem eleição. Nos últimos dias, três debates tiraram a campanha de São Paulo da clandestinidade imposta pela pandemia e pela omissão de quem a usou como desculpa para se esquivar do seu dever de promover a discussão como combustível da democracia.

O que esses debates e as pesquisas mostraram é que, mesmo driblando as restrições do ano do vírus e privado de informações, o eleitor parece ter chegado à conclusão de que é preciso votar com a cabeça, e não com o fígado ou com o coração. As disputas municipais vão resgatando a política, feita de bode expiatório em 2018, e escanteando a nova política estridente e feita de lacração nas redes sociais.

Com o pesadelo que é aguentar Jair Bolsonaro e sua Presidência buliçosa todos os dias há quase dois anos, depois de dois governadores eleitos na sua aba defenestrados, seu partido implodido e seus náufragos boiando dispersos por legendas amorfas, parcela significativa do eleitorado que votou nele (porque votaria até no demônio para não votar no PT) parece ter acordado do transe psicótico.

Luiz Carlos Azedo - A volta ao leito natural

- Correio Braziliense / Estado de Minas

O cenário mostra recuperação dos partidos de centro e um enfraquecimento da polarização direita versus esquerda. Isso pode se repetir no segundo turno

Na elite brasileira, existe muito desprezo em relação à política municipalista, rivaliza com o preconceito em relação a Brasília. Duas causas destacam-se: (1) o fato de que sempre haverá políticos espertalhões, falsos moralistas e corruptos, imortalizados pelo prefeito Odorico Paraguaçu, genial personagem de Dias Gomes, interpretado por Paulo Gracindo, ainda hoje lembrado, mas em razão da política nacional; 2) o velho positivismo, que atribui à União a tutela da nação, como se o povo fosse incapaz de se autogovernar, quando o contrário acontece na maioria dos municípios brasileiros, apesar da crescente centralização política do governo federal, embora a Constituição de 1988 tenha dado aos municípios o status de entes federados.

Os indicadores mostram que os municípios gastam mais e melhor do que os governos estaduais e a União, em termos de investimentos públicos e prestação de serviços básicos, principalmente, nas áreas da saúde e da educação. Nesse aspecto, as eleições municipais têm colaborado para que essa tendência se afirme cada vez mais, em termos de qualidade da gestão e do gasto público, entre outras coisas, por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Além disso, a alternância de poder e a continuidade administrativa, como deve ser na democracia, funcionam como um mecanismo de peso e contrapeso bastante eficiente, tanto nas metrópoles quanto no Brasil mais profundo. A nota negativa é o aumento da violência nas áreas de expansão da atuação das milícias, no Rio de Janeiro e nas periferias de outras metrópoles; e nas regiões de fronteira agrícola, principalmente no norte do país, nas quais grileiros, madeireiros, garimpeiros e pecuaristas truculentos tentam tomar o poder político dos municípios onde atuam.

Ricardo Noblat - Estas eleições enterram o que Bolsonaro chamou de Nova Política

- Blog do Noblat | Veja

Para onde o vento sopra

Em suas lives semanais no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro pediu votos para 55 candidatos a prefeito e a vereador. Mas ontem, em mensagem postada nas redes sociais, reduziu para apenas 7 seus candidatos a prefeito, e 5 a vereador.

Os candidatos a prefeito: Coronel Menezes, em Manaus; Sartori em Santos; Delegada Patrícia no Recife; Bruno Engler em Belo Horizonte; Capitão Wagner em Fortaleza; Celso Russomanno em São Paulo; e Marcelo Crivella no Rio.

Salvo se as pesquisas de intenção de voto errarem feio, o que em tempos de epidemia é mais do que possível, estas eleições enterrarão o que Bolsonaro chamou de Nova Política quando candidato a presidente e depois de ter sido empossado.

Foi ele que matou a Nova Política, que nunca explicou direito do que se tratava. E o fez entre final de abril passado e final de maio ao concluir que se não vestisse a fantasia de presidente normal correria o risco de não completar o mandato.

Vinicius Torres Freire - A onda cinza e os meteoros vermelhos

- Folha de S. Paulo

Eleição terá vitórias das sublegendas do centrão, de PSDB-DEM e traços rubros no céu

Quem olhasse a eleição pelo binóculo embaçado das pesquisas veria uma onda cinza cobrindo as maiores cidades. O grosso das vitórias ficaria com aquela massa indistinta de conservadorismo ou de reacionarismo moderado que são as sublegendas do centrão. Não é novidade. Esse pequeno establishment costuma governar os interiores do Brasil.

Quem se ocupasse de pensar em vitórias simbólicas ou na conquista de massas de eleitores veria o sucesso da velha dupla dos anos FHC, PSDB e DEM, a interiorização maior do PT e raros meteoros vermelhos, o PCdoB e o PSOL.

Como não tem partido, Jair Bolsonaro poderia ter ficado ausente da eleição sem se chamuscar, mesmo que seus adeptos anônimos não ganhem quase nada de relevante. Mas deve levar na testa a marca da derrota em São Paulo e no Rio.

Trata-se aqui das eleições em 95 das maiores cidades do país. A ideia era verificar a situação de 95 municípios em que, por lei, pode haver segundo turno. Como em 13 deles não havia pesquisas ou não era nada prudente acreditar nelas, escolheram-se outros a fim de completar os 95. Juntos, têm mais de 80 milhões de habitantes, 38% da população brasileira.

Hélio Schwartsman - A festa da democracia

- Folha de S. Paulo

Hoje, todos os brasileiros com mais de 18 anos e menos de 70, que sejam alfabetizados e que não estejam cumprindo pena com sentença transitada em julgado estão obrigados a ir às urnas. Acho meio autoritário. Não é meu modelo favorito de direito de voto, mas é um sinal inequívoco de que a democracia está em vigor, apesar de o país ter colocado no poder um indivíduo que não tem o menor apreço por ela.

As instituições estão ou não funcionando? É um caso clássico de copo meio cheio e meio vazio. Para os mais exigentes, que esperam do sistema que ele corte pela raiz quaisquer extremismos e faça com que todos se comportem como lordes ingleses, então as instituições fracassaram. Nossos mecanismos antirradicalismo, notadamente o segundo turno, não impediram a eleição de Jair Bolsonaro, que pode ser acusado de muitas coisas, mas não de cavalheiro.

Bruno Boghossian – Nota de rodapé

- Folha de S. Paulo

Tropeço eleitoral deve desvalorizar passe de Bolsonaro no mundo político

Nas últimas eleições, alguns políticos chegaram a passar vergonha quando buscavam o apoio de Jair Bolsonaro. Um candidato a governador pegou um avião até o Rio só para tentar aparecer ao lado do favorito na corrida presidencial. O sujeito tomou um bolo do capitão, mas continuou usando sua imagem na campanha mesmo assim.

Bolsonaro puxou muita gente na onda conservadora de 2018. As eleições municipais deste domingo sugerem que o cenário mudou. Enquanto candidatos associados ao presidente lutam com dificuldade por vagas no segundo turno, fica cada vez mais claro que ele não aparece mais como um cabo eleitoral decisivo.

Depois de prometer que não se envolveria nas disputas deste ano, Bolsonaro mudou de ideia e tratou seu apoio como um item disponível para um público seleto, escolhendo a dedo as corridas de que participaria. O fracasso de alguns de seus apadrinhados ameaça desvalorizar o passe do presidente no mundo político.

Elio Gaspari - Tempestade numa proveta

- O Globo / Folha de S. Paulo

Um dia se saberá o que aconteceu na Anvisa entre as 15h e as 21h25m de segunda-feira, quando ela suspendeu os estudos clínicos que avaliavam a Coronavac

Um dia se saberá o que aconteceu na Anvisa entre as 15h e as 21h25m de segunda-feira, quando ela suspendeu os estudos clínicos que avaliavam a Coronavac. Uma rede de computadores fora do ar e uma comemoração de Jair Bolsonaro transformaram um suicídio numa lastimável tempestade de proveta.

A polícia achou o corpo do voluntário na tarde de 29 de outubro. No dia seguinte, uma sexta-feira, o centro de pesquisas do Hospital das Clínicas informou à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, a Conep, e ao Instituto Butantan.

O médico Jorge Venâncio, coordenador da Conep, disse à repórter Constança Tasch que conversou com pesquisadores “duas vezes por dia” e decidiu não suspender os testes. Ele explicou o motivo: “O voluntário tomou a segunda dose da vacina 22 dias antes, não tinha nenhum problema de saúde e chegou a fazer um check-up particular, com uma batelada de exames, pouco depois.”

Numa outra pista, correu a notificação do Instituto Butantan à Anvisa. Ela foi emitida no dia 6 de novembro, informando na sua parte conclusiva que a morte do voluntário não tinha a ver com o teste da vacina. Segundo a Agência, seu sistema de computadores estava fora do ar e a comunicação do dia 6 não havia sido lida.

Dorrit Harazim - À exaustão

- O Globo

Segundo assessores, Trump não tem qualquer estratégia além de se agarrar às chaves do poder até 20 de janeiro

Joe Biden derrotou Donald Trump por uma diferença que pode chegar perto de 7 milhões de votos populares. Um mundaréu. Biden também ultrapassou com folga os 270 votos eleitorais necessários para merecer a Casa Branca — o placar foi de 306 a 232. Mas festão de arromba dá ressaca. E a aldeia democrata que sacolejou como não fazia desde 2016 despertou para a realidade. Trump continua entrincheirado no Twitter, mantém quase intacto seu monopólio midiático, e o núcleo duro do Partido Republicano ainda o teme como líder de mais de 72 milhões de eleitores. Outro mundaréu.

Também não dá para continuar a festança diante do ressurgimento tentacular da Covid no país. Ao longo das últimas semanas, a pandemia adquiriu contornos de crise humanitária nos Estados Unidos, comparável à mortandade no Japão causada pelo tsunami de 2004 ou ao terremoto de 2010 no Haiti. O novo coronavírus é apenas mais silencioso e longevo. E insidioso.

Celso Lafer* - ONU, 75 anos

- O Estado de S.Paulo

Diplomacia do governo almeja para o nosso país a condição isolacionista de pária internacional.

O multilateralismo e suas instituições têm como função criar mecanismos institucionalizados de cooperação entre os Estados. Resultam das realidades de um mundo finito e interdependente. Respondem à necessidade de lidar com desafios que não estão ao alcance das relações bilaterais e muito menos de ações unilaterais, como pandemias e mudança climática. É o que convém lembrar preliminarmente, afastando desqualificações “globalistas”, ao comemorar os 75 anos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A ONU representa a presença da figura do terceiro no pluralismo do mundo dos Estados. Há na figura do terceiro um potencial de favorecimento do entendimento, que se revela nos conflitos bilaterais. 

Os bons ofícios, a mediação, a arbitragem são exemplos da intercessão do terceiro nas soluções pacíficas de controvérsias.

A diplomacia é uma arte do terceiro, que opera no âmbito internacional no trato da governança da complexidade, negociando, persuadindo, contendo tensões, desdramatizando conflitos.

A ONU é um terceiro. Não é um terceiro acima das partes, um tertius super partes, porque não é um governo mundial. É um tertius inter partes, um terceiro entre as partes, criado pelos Estados e institucionalizado pela Carta das Nações Unidas, assinada em 26 de junho de 1945.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Uma eleição fundamental – Opinião | O Estado de S. Paulo

Eleições municipais não são desconectadas das questões nacionais, mas o eleitor não deve votar em projetos que nada têm a ver com a cidade.

As eleições municipais não são desconectadas das grandes questões nacionais, por mais que se saiba que o prefeito e os vereadores são escolhidos para lidar com os problemas locais. Ao depositar seu voto na urna hoje, contudo, o eleitor deve pautar sua opção não com base nas rinhas políticas do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de seus desafetos espalhados pelo País, pois se assim proceder estará desperdiçando seu voto em favor de projetos eleitorais que pouco ou nada têm a ver com a cidade.

É claro que eventuais simpatias pelo presidente ou por seus adversários podem naturalmente exercer alguma influência sobre o eleitorado, mas, no frigir dos ovos, nenhum deles estará na Prefeitura ou na Câmara dos Vereadores para enfrentar os desafios municipais – particularmente imensos em cidades como São Paulo.

As pesquisas indicam que várias candidaturas apoiadas explicitamente pelo presidente Bolsonaro serão repudiadas nas urnas em várias partes do País – a rejeição ao presidente chega a 50% na capital paulista. O mesmo ocorre com algumas candidaturas petistas que receberam a atenção do ex-presidente Lula da Silva – que tentou transformá-las em veículos para sua campanha particular de descrédito da Justiça em meio aos muitos processos que enfrenta.

Música | Paulinho da Viola - Foi um Rio que passou em minha vida

 

Poesia | Vinicius de Moraes - Copacabana

Esta é Copacabana, ampla laguna 
Curva e horizonte, arco de amor vibrando 
Suas flechas de luz contra o infinito. 
Aqui meus olhos desnudaram estrelas 
Aqui meus braços discursaram à lua 
Desabrochavam feras dos meus passos 
Nas florestas de dor que percorriam. 
Copacabana, praia de memórias! 
Quantos êxtases, quantas madrugadas 
Em teu colo marítimo! 

         - Esta é a areia 

Que eu tanto enlameei com minhas lágrimas 
- Aquele é o bar maldito. Podes ver 
Naquele escuro ali? É um obelisco 
De treva - cone erguido pela noite 
Para marcar por toda a eternidade 
O lugar onde o poeta foi perjuro. 
Ali tombei, ali beijei-te ansiado 
Como se a vida fosse terminar 
Naquele louco embate. Ali cantei 
À lua branca, cheio de bebida 
Ali menti, ali me ciliciei 
Para gozo da aurora pervertida. 

Sobre o banco de pedra que ali tens 
Nasceu uma canção. Ali fui mártir 
Fui réprobo, fui bárbaro, fui santo 
Aqui encontrarás minhas pegadas 
E pedaços de mim por cada canto. 
Numa gota de sangue numa pedra 
Ali estou eu. Num grito de socorro 
Entreouvido na noite, ali estou eu. 
No eco longínquo e áspero do morro 
Ali estou eu. Vês tu essa estrutura 
De apartamento como uma colmeia 
Gigantesca? em muitos penetrei 
Tendo a guiar-me apenas o perfume 
De um sexo de mulher a palpitar 
Como uma flor carnívora na treva. 
Copacabana! ah, cidadela forte 
Desta minha paixão! a velha lua 
Ficava de seu nicho me assistindo 
Beber, e eu muita vez a vi luzindo 
No meu copo de uísque, branca e pura 
A destilar tristeza e poesia. 
Copacabana! réstia de edifícios 
Cujos nomes dão nome ao sentimento! 
Foi no Leme que vi nascer o vento 
Certa manhã, na praia. Uma mulher 
Toda de negro no horizonte extremo 
Entre muitos fantasmas me esperava: 
A moça dos antúrios, deslembrada 
A senhora dos círios, cuja alcova 
O piscar do farol iluminava 
Como a marcar o pulso da paixão 
Morrendo intermitentemente. E ainda 
Existe em algum lugar um gesto alto, 
Um brilhar de punhal, um riso acústico 
Que não morreu. Ou certa porta aberta 
Para a infelicidade: inesquecível 
Frincha de luz a separar-me apenas 
Do irremediável. Ou o abismo aberto 
Embaixo, elástico, e o meu ser disperso 
No espaço em torno, e o vento me chamando 
Me convidando a voar... (Ah, muitas mortes 
Morri entre essas máquinas erguidas 
Contra o Tempo!) Ou também o desespero 
De andar como um metrônomo para cá 
E para lá, marcando o passo do impossível 
À espera do segredo, do milagre 
Da poesia. 

        Tu, Copacabana, 
Mais que nenhuma outra foste a arena 
Onde o poeta lutou contra o invisível 
E onde encontrou enfim sua poesia 
Talvez pequena, mas suficiente 
Para justificar uma existência 
Que sem ela seria incompreensível.