O
assustador número de mortos na pandemia não parece comover Trump nem Bolsonaro.
Com
sua torrente incomum de surpresas e sobressaltos, os dias em curso parecem
confirmar que estamos em meio aos fenômenos mórbidos que, segundo a frase
famosa, se colocam entre o velho que morre e o novo que não consegue nascer.
Longe de virar jargão, a frase descreve situações por certo inéditas e
espantosas. Comecemos pelo fato de que um dos dois grandes partidos que
vertebram a democracia norte-americana acaba de ser definitivamente tomado de
assalto por uma extrema direita subversiva, “leninista”, a qual,
impossibilitada eleitoralmente de levar a cabo a fatídica obra de esvaziamento
das instituições, ameaça uma das regras mínimas da democracia, a saber, o
exercício da regular alternância no poder.
Não
é nada fácil para esse tipo de extremismo ter êxito na empreitada, mas o
simples fato de tentá-la já é um mau presságio. Indica, antes de mais nada,
alto grau de confiança na novíssima estratégia de erguer despudoradamente uma
realidade paralela a partir de “fatos alternativos”. Para tanto se deve
metodicamente corroer o bom senso e degradar o senso comum, implodindo a
realidade objetiva e os modos compartilhados de vivenciá-la. Tudo o que é
sólido se desmancha numa sequência estonteante de conspirações, irrealidades,
fantasmagorias. A Terra não é redonda, ninguém jamais pisou na Lua e Trump não
perdeu as eleições, pelo menos se forem contados os votos da sua preferência. E
com a certeza dos simples muitos se associarão a essas sandices.