Para historiador, oposição conseguiu 'colar a marca da corrupção' na sigla, que pode perder força para o PSB ou virar um PMDB
Isadora Peron
Aos 33 anos, completados no último domingo, o PT, que já havia abandonado o discurso socialista, assiste, agora, à subtração do discurso da ética após o julgamento do mensalão, que abateu e condenou seus principais dirigentes políticos. A avaliação é do professor da USP Lincoln Secco, autor de A História do PT
Para Secco, o PT não consegue mais transmitir ao eleitor uma mensagem de esperança como em 1989 e em 2002, quando elegeu Luiz Inácio Lula da Silva presidente da República.
"No voto, o PT ainda se manterá forte por alguns anos", afirma o professor, que faz, porém, um alerta: se quiser se manter no poder, o partido terá de se recuperar do desgaste ideológico.
Qual PT completou 33 anos? O que ficou do PT do Colégio Sion?
O PT teve o mérito de combinar uma tradição clássica da esquerda com os novos valores de 1968. O restante da esquerda demorou para incorporar efetivamente a defesa das mulheres, negros e homossexuais, por exemplo. O PT aplicou as cotas nas suas direções internas antes de usá-las em seus governos. O que ele abandonou foi o radicalismo verbal dos seus anos primaveris e a aversão às alianças com os partidos fisiológicos.
Isso significa que o PT de antigamente jamais apoiaria a eleição de dois peemedebistas às presidências da Câmara e do Senado?
Sem dúvida. Ele faria como o PSOL faz hoje: lançaria um anticandidato.
O PT ainda é um partido de esquerda?
Esquerda e direita são conceitos relacionais. Só há dois blocos políticos relevantes no Brasil e, certamente, o PT está mais à esquerda do que o bloco liderado pelo PSDB.
Existe o risco de, como aconteceu na Europa com a saída do poder dos partidos social-democrata, uma direita ainda mais conservadora emergir no Brasil?
O PT é um típico partido social-democrata, mas condensou em pouco tempo o processo de moderação que a Social Democracia viveu em um século. O desencantamento chegou mais rápido no PT. No entanto, a extrema direita no Brasil só terá chance de ameaçar o PT se as condições internacionais lhe permitirem atuar fora da legalidade. No voto, o PT ainda se manterá forte por alguns anos.
Acredita que Lula possa voltar a disputar a Presidência em 2014?
Lula é um patrimônio do PT e de grande parte da sociedade brasileira. Ele poderia ganhar as eleições, mas só seria candidato se o governo Dilma vivesse uma crise. Como isso não está no horizonte politico, eu creio que ele será o maior cabo eleitoral de Dilma.
Qual o peso de Lula hoje dentro do PT? E o de Dilma?
Obviamente o peso de Dilma cresceu por causa de sua condição como presidente. Mas ninguém duvida que a última palavra no PT será sempre de Lula. Depois da vitória de Fernando Haddad em São Paulo ele ganhou ainda mais confiança do partido.
O PT ainda pode empunhar um discurso ético após a condenação de figuras históricas no julgamento do mensalão?
O PT se considera o grande vitorioso nas ultimas eleições, mas ideologicamente ele foi derrotado. Em 1989 aconteceu o contrário: o PT teve uma derrota eleitoral, mas uma vitória moral. Isso foi tão importante que mesmo com a queda do Muro de Berlin, a diminuição da base de sindicatos importantes da CUT nos anos seguintes e o esvaziamento militante das ruas, o PT continuou agregando as esperanças de mudancismo. Agora, não mais.
Por quê?
Porque o PT não tem mais uma mensagem de esperança como tinha em 1989 e em menor medida em 2002. Ele não projeta o novo, apenas gasta um patrimônio já constituído. O fato de que depois de sete anos o partido ainda esteja na defensiva no caso do mensalão revela que ele tem sido ideologicamente derrotado. A oposição conseguiu colar no PT a marca da corrupção.
Mas a defesa da cúpula do PT contra o julgamento do Supremo Tribunal Federal e essa "marca da corrupção" foram tímidas até agora...
Pessoalmente acho que José Dirceu deveria ser absolvido porque nenhuma Justiça é justa quando é seletiva e condena sem provas. Este sentimento perpassa também a base petista. Já a direção do PT comete um erro grave: ou ela defende os condenados, o que ela dificilmente fará, ou os esquece. O que não é possível é silenciar sobre o julgamento e, depois, permitir que José Genoino assuma o mandato. Expulsar Delúbio Soares e admiti-lo novamente. O Estatuto do PT prevê expulsão de condenados com sentença transitada em julgado. Foi uma medida tomada de afogadilho depois dos escândalos de 2005. Mas o PT não vai cumprir este artigo depois que o STF publicar o acórdão. Então por que assumiu esta impropriedade?
O senhor disse certa vez que escândalos como mensalão não iriam prejudicar a história do PT, mas sim o futuro do partido. Por quê?
Por mais que o partido se mantenha forte eleitoralmente, no longo prazo ele é julgado como produtor de valores. O discurso socialista o PT já abandonou, o da ética lhe foi tirado. Seus novos eleitores passarão a ter novas exigências, além das demandas sociais que já foram atendidas.
E qual será o futuro do PT?
Como historiador eu só posso fazer projeções duvidosas. Se a atual tendência de desgaste ideológico se confirmar, o PT continuará sendo uma agremiação com votos, mas pode perder a liderança, seja para o PSB ou mesmo para a oposição. Ele ficaria cada vez mais parecido com o PMDB. Outro cenário seria a renovação geracional rápida das lideranças, o que já vem acontecendo graças ao próprio mensalão. Só que ela teria que vir acompanhada de um acerto de contas decidido com aqueles episódios de 2005, seja assumindo tudo o que foi feito em nome da legitimidade do legado do governo Lula, seja abandonando de vez seus velhos dirigentes e redefinindo-se como agremiação supostamente republicana e de centro.
O PT comemora este ano também dez anos no poder. Qual a estratégia para não perder a Presidência em 2014? Conquistar a tão falada classe média?
O PT não precisa mudar a estratégia, pois ela deu certo até agora. O que acontecia em São Paulo? Ele tinha o voto da periferia, mas no resto do Brasil os mais pobres se dividiam e apoiavam majoritariamente a direita. O modelo paulistano se espraiou pelo País. Hoje, o PT tem forte apoio entre os mais pobres. Não que ele não queira a classe média, mas pode viver sem ela por enquanto. O que ele não pode perder é a nova classe trabalhadora que ele ajudou a integrar no mercado.
O sr. acredita que ascensão de muitos brasileiros à classe média pode prejudicar o PT, especialmente se crise financeira se agravar?
Não. O eleitorado do PT foi conquistado por políticas sociais que vão se manter. E o PT sempre tem um plano B: Lula.
Tirar o governo de São Paulo das mãos do PSDB em 2014 é considerado prioridade de Lula. O que isso vai significar para o partido?
Será a mais difícil batalha do PT depois da conquista da presidência. Se por um lado há amplo desgaste do PSDB pelo tempo que já tem no governo, o que favorece o PT, por outro não há uma tradição de acomodação do ideário petista com o pensamento dominante no interior paulista, que tem prioridades diferentes das politicas sociais petistas. O PT poderia buscar incorporar valores que agradam a um imenso eleitorado de um mundo corporativo que só existe em São Paulo em grandes dimensões. Mas a cúpula do PT paulista já deu provas de que dificilmente faz isso: ela prefere culpar os eleitores, chamando-os de naturalmente reacionários. E é por isso que Lula ignorou o PT local e impôs Fernando Haddad, um candidato palatável para a classe média.
Por que a oposição está tendo tanta dificuldade em lançar um nome forte à Presidência para 2014?
A oposição precisa de duas coisas: um novo nome e um discurso. Se ela insistir no discurso que seus intelectuais tem produzido, continuará agredindo os eleitores que ela precisa conquistar. Ir além da ética seria o caminho, mas ela inverteu os papéis do passado. Quando o PT fazia este discurso ético, elegia bons deputados e perdia eleições para o executivo. Só que o PT tinha também uma história, uma base militante. Enfim, tinha outros discursos possíveis. A oposição ainda não tem. Só que os recursos humanos e materiais com os quais ela pode contar não são nada desprezíveis e não é impossível pavimentar um caminho supostamente moderno, calcado em valores de mercado, mas sem desprezar o que socialmente já foi conquistado pelo PT. A oposição não sabe, mas as políticas sociais do PT só são "revolucionárias" porque a direita não as incorpora. Não há nada de radical em si mesmo no programa Bolsa Família. Ele não ataca o grande capital.
Fonte: O Estado de S. Paulo