segunda-feira, 28 de maio de 2012

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna: ressugências do passado assombra os vivos

Expandir o capitalismo brasileiro, projetá-lo além-fronteiras, torna-se o projeto in pectore do segundo mandato de Lula, consagrando-se sans phrase no governo de Dilma Rousseff. Ressurgências do passado costumam assombrar os vivos, trazendo de volta tempos mal vividos, enredos que não se completaram, espectros que saem das sombras a fim de nos cobrar ações para que, afinal, possam repousar em paz, como na tragédia clássica de Hamlet, na bela leitura de Derrida (Espectros de Marx, Relume Dumará, 1994). Espectros que nos rondam, quando os vivos não enterram bem seus mortos, e se investem desajeitados dos papéis que tão bem couberam neles em farsas que são pantomimas do que eles viveram, nas poderosas imagens de Marx de O Dezoito Brumário.

O desenvolvimentismo que ameaça retornar com galas oficiais que venha, então, com suas roupas próprias, no estilo prosaico do agronegócio, do empreendedorismo e da associação crescente com as empresas multinacionais. Ele não conhece a face amedrontadora de um inimigo fatal nem a necessidade heroica de mobilizar a Nação para combatê-lo. Seu mundo não é o da encarniçada luta política sem quartel, mas o do cálculo da racionalização de mandarins, que, como na China, tentam tecer por cima o rumo dos nossos destinos. Quanto aos espectros, basta abrir uma janela que eles se dissipam no ar.

WERNECK VIANNA, Luiz, professor-pesquisador da PUC-Rio. Os espectros do desenvolvimentismo. O Estado de S. Paulo, 27/5/2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Eleição de 2012 criará 3.672 vagas de vereador
Comissão dificulta a soltura de presos
CPI vota amanhã quebra de sigilo da Delta
Em 104 escolas do Rio, mais da metade repete

FOLHA DE S. PAULO
STF votará regra que veta pagamento extra a juízes
Membros da CPI querem explicação de Lula e ministro
Empresa aérea Azul anunciará compra da Trip

O ESTADO DE S. PAULO
Governo vai simplificar tributos e pode subir alíquota
PSDB cobra Lula após denúncia de pressão ao STF
País tem legião de ‘pobres invisíveis’
Azul anuncia hoje fusão com a Trip
Enem deverá triplicar correção extra da redação

VALOR ECONÔMICO
Varejo dependente de crédito cresce menos
Montadora reduz remessa de lucros
BC tenta melhorar expectativa de investidores estrangeiros
PT fica com 89,5% das doações

CORREIO BRAZILIENSE
Brunelli garante cela só para ele
Será que Demóstenes vai ficar calado?
Código Florestal: Os detalhes dos vetos de Dilma

ESTADO DE MINAS
Indústria mineira: Salário cresce três vezes mais que a produtividade
Companhias Trip e Azul devem anunciar fusão hoje

ZERO HORA (RS)
Jobim nega pressão de Lula a Mendes

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Estaleiro sob ameaça
Comissão da Verdade local está definida

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Democracia e hegemonia petista :: Luiz Sérgio Henriques

Nos anos 1970, Norberto Bobbio, filósofo de fina estirpe liberal-socialista, lançou um contundente repto ao velho Partido Comunista Italiano (PCI). Segundo Bobbio, com toda a sua sofisticação enraizada na matriz gramsciana e no conhecimento por ela proporcionado do problema nacional italiano, derivado de uma reunificação tardia e "passiva", nem sequer o PCI escapava da tradição estreita da Internacional Comunista, para a qual o objetivo central da tomada do poder levava a privilegiar o partido revolucionário e a desconhecer as mediações institucionais modernas, como, entre outras, o Estado Democrático.

Prevalecia, no dizer de Bobbio, uma visão instrumental do Estado e, mais em geral, das formas do processo político, o que requeria dos intelectuais comunistas uma explícita reelaboração dos temas da sua tradição. O repto de Bobbio não era pouca coisa nem estava endereçado a um partido intelectualmente tosco. Ao contrário, gente como Pietro Ingrao, Giuseppe Vacca, Umberto Cerroni, Cesare Luporini e outros participaram ativamente daquele debate que versava, em última instância, sobre as relações entre marxismo e Estado ou, mais precisamente, as possibilidades de mudança social num país que já não estava na periferia do capitalismo.

O mundo girou, e quase meio século nos separa irreparavelmente daquelas discussões. A Itália e a Europa assistiram, se não à demolição, pelo menos a um forte questionamento das próprias estruturas da social-democracia, que, segundo o PCI dos anos 1970, mereciam ser oxigenadas por novos movimentos de "socialização da política" na direção de um equilíbrio mais avançado. O problema da época - que parecia ser a "transição para o socialismo" em países de ponta - desapareceria por muitos anos diante da ofensiva das forças e das ideologias de mercado, que, essas, sim, por bem ou por mal, dariam à sua maneira uma resposta às dificuldades de financiamento do Estado de bem-estar social erguido no segundo pós-guerra.

Nem por isso se pode dizer que aquelas preocupações suscitadas por Bobbio estejam definitivamente arquivadas num baú de ossos. Ao contrário, os fortes abalos que têm varrido o mundo da globalização neoliberal repuseram ou confirmaram a esquerda no poder, inclusive no Brasil. Houve quem considerasse, nos últimos anos, que o "trem da História", se ainda valer a velha imagem determinista, se tivesse reposto em movimento a partir da América Latina. No Brasil, repito, um potente partido de esquerda, ainda que alheio em boa parte ao xadrez político que poria fim ao regime autoritário - basta lembrar a abstenção no colégio eleitoral de 1984 ou o voto contrário ao Texto Constitucional de 1988 -, se beneficiaria como nenhum outro agrupamento do novo tempo democrático, conseguindo contínua expansão das suas bancadas legislativas e pelo menos três mandatos presidenciais sucessivos, diante de uma oposição que não dá sinais consistentes de renovação e vitalidade.

Inevitável que se reatualize, na circunstância de hoje, o discurso sobre esquerda, ou esquerdas, e instituições. Ou sobre a esquerda no poder e outras figuras assumidas pela esquerda no passado, como o velho PCB. Ter-se-ia o PT afastado da virulência dos anos de origem, quando liquidava o passado do movimento operário sob o fogo cerrado da teoria do "populismo" e apregoava a ideia de um partido classista, puro e duro, que iria refundar o País longe da contaminação causada pelos partidos burgueses ou "reformistas" de um modo geral? Sua atual política de alianças - que em muitos casos abrange agrupamentos efetivamente conservadores e não raro, como no episódio do mensalão, parece confundir-se com interferência indevida na economia interna de partidos aliados e do próprio Parlamento - significaria algum tipo de retomada do aliancismo programaticamente adotado pelos comunistas do PCB a partir da crise do stalinismo, ainda antes do golpe de 1964?

São perguntas que até o momento recebem respostas empíricas, quando muito. Nenhuma elaboração intelectual coerente parece fundamentar o novo rumo, a não ser que consideremos como tal um certo apelo ultrapragmático à "governabilidade", que justificaria a cooptação de aliados com os quais seria difícil ou impossível negociar os termos de um verdadeiro alinhamento mudancista.

Nenhuma dúvida de que um grupo pode redefinir seu sistema de alianças, seus objetivos táticos ou estratégicos e até suas orientações de valor. Mas é inegável que, sem uma justificação adequada, não se entende por que motivo um político como Ulysses Guimarães teve acesso vetado ao primeiro palanque presidencial de Lula e, agora, se estabelece como que um "pacto de ferro" com o PMDB - na verdade, um pacto de baixa densidade programática. E isso justamente no momento em que esse partido, tendo visto materializar-se o seu programa fundamental a partir da redemocratização, se vê carente de ideias e de um grupo dirigente de âmbito nacional, como aquele outrora reagrupado em torno do próprio Ulysses, de Tancredo Neves e tantos outros.

Não obstante a hegemonia petista neste último período, só os ideologicamente transtornados poderiam confundi-la com a antiga questão da "transição para o socialismo". Não seria necessariamente razão para desilusão: em diferentes conjunturas, partidos de origem operária conduziram processos de expansão capitalista, encarregando-se, em troca, de trazer para a arena pública, com todos os títulos de legitimidade, os setores subalternos. Em cada caso, o que definiu o caráter inovador ou frustrado de tais experiências foi a relação com as instituições democráticas: também entre nós, essa relação será capaz de determinar, por décadas, a qualidade da nossa democracia política, bem como as possibilidades de crescente e continuada inclusão social.

Luiz Sérgio Henriques, tradutor, ensaísta. , é um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil, site: www.gramsci.org

FONTE; O ESTADO DE S. PAULO

CPI vota amanhã quebra de sigilo da Delta

Oposição quer interpelar Lula sobre diálogo com Gilmar Mendes, ministro do STF

A CPI que investiga o escândalo Cachoeira vota amanhã requerimento de quebra de sigilo da matriz da Delta Construções, empreiteira investigada por corrupção. Parlamentares querem acesso à movimentação financeira para comprovar propinas. A CPI também decidirá se convoca os governadores Marconi Perillo, Agnello Queiroz e Sérgio Cabral. PSDB e DEM estudam medidas para cobrar explicações de Lula, que teria pressionado o ministro Gilmar Mendes, do STF, para adiar o julgamento do mensalão. JORGE BASTOS MORENO revela detalhes do encontro.

CPI votará quebra de sigilo da Delta amanhã

No mesmo dia, convocação de governadores será analisada e Demóstenes vai depor no Conselho de Ética do Senado

Paulo Celso Pereira

BRASÍLIA. As investigações sobre a conexão da construtora Delta com o esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira devem avançar ao longo desta semana. Amanhã, a CPI deve votar a quebra dos sigilos da matriz da empreiteira e analisar a convocação dos governadores Marconi Perillo, Agnello Queiroz e Sérgio Cabral. Quase ao mesmo tempo, o Conselho de Ética do Senado ouvirá o senador Demóstenes Torres no processo que responde por quebra de decoro parlamentar. Na quinta, o senador volta a depôr, desta vez na CPI. A Justiça de Goiás deverá ouvir os réus do caso, inclusive Cachoeira.

Apesar dos diversos depoimentos, boa parte dos parlamentares acredita que as informações efetivamente relevantes para a CPI virão de documentos. A expectativa é que todos os réus no processo façam como Carlinhos Cachoeira, valendo-se do direito de ficar calados. Assim, o cruzamento das informações já recebidas é tido como o eixo central da apuração.

- Temos que trabalhar com prova técnica. O alvo agora é a Delta. O dinheiro que saía em espécie das contas necessariamente era para propina. É coisa de pouco tempo para chegar aos indícios de quem o recebeu - disse o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).

O parlamentar reclama da falta de acesso ao cruzamentos de dados da construtora. O cotejamento está sendo feito pela área técnica do Senado, mas ainda não foi disponibilizado aos integrantes da CPI:

- Há dez dias eles nos prometeram uma chave para acessar essas informações, mas ainda não entregaram. Isso é grave. Precisamos bater a data dos saques em espécie com as datas dos pagamentos de governos por obras da Delta. Isso é fundamental - diz Miro.

O que parece inevitável é que a CPI quebre o sigilo da matriz da Delta Construções. O requerimento está pronto para ser votado amanhã, junto com os pedidos de convocação dos três governadores. Marconi Perillo e Agnello Queiroz são citados nas investigações e Sérgio Cabral é amigo do ex-presidente da Delta Fernando Cavendish. Até a semana passada, a blindagem de aliados impediu que qualquer pedido de convocação fosse votado, mas a situação se agravou especialmente para o governador de Goiás, que teve sua versão para a venda de uma casa a Cachoeira posta em dúvida por um dos depoente.

O ponto alto do dia será o depoimento de Demóstenes Torres no Conselho de Ética do Senado. Quase três meses depois do fatídico pronunciamento em que senador disse ter recebido de Cachoeira apenas um fogão e uma geladeira, a expectativa é que o parlamentar enfim apresente uma longa defesa sobre o caso. Desde que O GLOBO revelou a atuação do senador na promoção de negócios do bicheiro, Demóstenes calou-se prometendo apresentar a defesa no Conselho.

Apesar da grande expectativa, os parlamentares são céticos quanto à possibilidade de Demóstenes de fato apresentar argumentos sólidos que o inocentem. A tendência é francamente favorável à condenação dele no Conselho, onde o voto é aberto. Até por isso, o senador tem atuado para convencer os pares a absolvê-lo no plenário do Senado, onde o voto é secreto.

Na quinta-feira, Demóstenes será ouvido pela CPI do Cachoeira, mas poderá ficar calado, pois está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal e sua tese de defesa é de que os grampos que o relacionam ao bicheiro foram obtido de forma ilegal. Na quarta-feira serão ouvidos Gleyb Ferreira da Cruz e Lenine Araújo de Souza, braços direitos do bicheiro; o diretor da Delta Cláudio Abreu; o bicheiro José Olímpio de Queiroga Neto; e o presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), Jayme Eduardo Rincón, citado por integrantes da quadrilha de Cachoeira em grampos feitos pela Polícia Federal.

FONTE: O GLOBO

PSDB cobra Lula após denúncia de pressão ao STF

O PSDB prepara medidas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que teria pressionado o ministro Gilmar Mendes, do STF, para adiar o julgamento do mensalão em troca de proteção na CPI do Cachoeira. O partido discute se leva o caso à Justiça, se propõe a convocação de Lula e Mendes para depor na CPI ou se pede uma acareação entre os dois.

Lula deve explicações à CPI, diz oposição

PSDB quer ouvir ex-presidente sobre pressão relatada por ministro do Supremo

Fábio Fabrini, Eugênia Lopes

BRASÍLIA - O PSDB prepara medidas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, segundo o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o teria pressionado para adiar o julgamento do processo do mensalão em troca de proteção na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a relação do contraventor Carlinhos Cachoeira com parlamentares.

O ministro do Supremo tem relações estreitas com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM, sem partido-GO), acusado de envolvimento com a organização de Cachoeira.

Setores do partido discutem três propostas: interpelar o ex-presidente na Justiça, convocá-lo para depor na CPI, bem como a Gilmar Mendes, e propor uma acareação entre os dois. A estratégia será fechada hoje, na véspera da sessão administrativa da CPI que irá decidir a convocação do governador de Goiás, o tucano Marconi Perillo.

"Não há ainda uma definição. Estamos apenas conversando. Mas até amanhã (hoje) a gente troca ideias sobre qual vai ser o procedimento", afirmou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR). Em sua avaliação, as denúncias contra Lula são graves. "O que houve foi uma afronta a duas instituições: o Congresso e o Judiciário."

Para os petistas, as propostas do PSDB têm como único objetivo tirar ao foco da CPI. "Essa proposta é uma bobagem. Diria até que é falta do que fazer. Esse assunto não interessa à CPI", afirmou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), integrante da comissão. "Acho que eles (tucanos) querem fugir do assunto Perillo", disse o ex-líder Cândido Vaccarezza (PT-SP).

Considerado um dos parlamentares "independentes" da CPI, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) afirmou que é "um absurdo" tentar convocar Lula. "É querer transformar um caso grave numa disputa partidária", observou. Ele se disse ainda "perplexo" com o episódio envolvendo Lula e o ministro Gilmar Mendes. "Parece que não estamos diante de um caso policial, mas de manicômio judicial", afirmou.

Integrante da CPI, o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR) disse ter conversado com o líder do partido na Câmara, Bruno Araújo (PE), que lhe deu aval para defender a convocação de Lula. "A denúncia é gravíssima: um ex-presidente dizer que manda na CPI e usar isso para chantagear um ministro do Supremo", argumentou. "Se é mentira, o Lula tem de vir a público se explicar. É quase impossível um encontro fortuito entre duas autoridades desse porte", disse.

Acordo. Na reunião da CPI marcada para amanhã, o PT costura com partidos aliados um acordo para a convocação de Perillo e, possivelmente, do governador de Tocantins, Siqueira Campos, outro tucano citado nos grampos da Polícia Federal.

Além das convocações dos governadores e da quebra de sigilo da matriz da Delta Construções, a CPI ouvirá na quinta-feira o depoimento de Demóstenes Torres, braço político do esquema de Cachoeira. O senador depõe amanhã no Conselho de Ética, que analisa pedido de cassação de seu mandato.

FONTE: O ESTADO S. PAULO

Comportamento de Lula é indecoroso, avaliam ministros

Por Rodrigo Haidar

“Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de poder tenta interferir em outro”. A frase é do decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, em reação à informação de que o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tem feito pressão sobre ministros do tribunal para que o processo do mensalão não seja julgado antes das eleições municipais de 2012. “É um episódio anômalo na história do STF”, disse o ministro.

As informações sobre as pressões de Lula foram publicadas em reportagem da revista Veja deste fim de semana. Os dois mais antigos ministros do Supremo — além de Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio — reagiram com indignação à reportagem. Ouvidos neste domingo (27/5) pela revista Consultor Jurídico, os dois ministros classificaram o episódio como “espantoso”, “inimaginável” e “inqualificável”.

De acordo com os ministros, se os fatos narrados na reportagem da semanal espelham a realidade, a tentativa de interferência é grave. Para o ministro Celso de Mello, “a conduta do ex-presidente da República, se confirmada, constituirá lamentável expressão de grave desconhecimento das instituições republicanas e de seu regular funcionamento no âmbito do Estado Democrático de Direito. O episódio revela um comportamento eticamente censurável, politicamente atrevido e juridicamente ilegítimo”.

Já o ministro Marco Aurélio afirmou que pressão sobre um ministro do Supremo é “algo impensável”. Marco afirmou que não sabia do episódio porque o ministro Gilmar Mendes, como afirmou a revista Veja, tinha relatado o encontro com Lula apenas ao presidente do STF, ministro Ayres Britto. Mas considerou o fato inconcebível. “Não concebo uma tentativa de cooptação de um ministro. Mesmo que não se tenha tratado do mérito do processo, mas apenas do adiamento, para não se realizar o julgamento no semestre das eleições. Ainda assim, é algo inimaginável. Quem tem de decidir o melhor momento para julgar o processo, e decidirá, é o próprio Supremo”.

De acordo com Veja, o ministro Gilmar Mendes foi convidado para um encontro com Lula no escritório de Nelson Jobim, advogado, ex-presidente do Supremo e ex-ministro da Defesa do governo petista. Lula teria dito a Mendes que é inconveniente que o mensalão seja julgado antes das eleições e afirmado que teria o controle político da CPI do Cachoeira. Ou seja, poderia proteger Gilmar Mendes.

O encontro foi patrocinado por Jobim. Lula começou por oferecer "proteção" a Gilmar Mendes, no âmbito da CPI do Cachoeira, uma vez que ele teria a comissão sob seu comando. Gilmar reagiu negativamente e Jobim tentou consertar: "O que o presidente quis dizer é que o Protógenes pode querer convocá-lo". Ao que Gilmar teria retrucado que, nesse caso, quem precisa de proteção é ele, pelas suas ligações com o esquema de Cachoeira. Ao repetir que suas ligações com o senador Demóstenes nunca passaram dos limites institucionais, Lula teria perguntado sobre a viagem de Gilmar e Demóstenes a Berlim. “Vou a Berlim como você vai a São Bernardo do Campo. Minha filha mora lá. Vá fundo na CPI”. Mendes confirma o encontro com Demóstenes na Alemanha, mas garante que pagou as despesas da viagem de seu bolso. Sem favor de ninguém.

O ministro Celso de Mello lamentou a investida. “Tentar interferir dessa maneira em um julgamento do STF é inaceitável e indecoroso. Rompe todos os limites da ética. Seria assim para qualquer cidadão, mas mais grave quando se trata da figura de um presidente da República. Ele mostrou desconhecer a posição de absoluta independência dos ministros do STF no desempenho de suas funções”, disse o decano do Supremo.

Para Marco Aurélio, qualquer tipo de pressão ilegítima sobre o STF é intolerável: “Julgaremos na época em que o processo estiver aparelhado para tanto. A circunstância de termos um semestre de eleições não interfere no julgamento. Para mim, sempre disse, esse é um processo como qualquer outro”. Marco também disse acreditar que nenhum partido tenha influência sobre a pauta do Supremo. “Imaginemos o contrário. Se não se tratasse de membros do PT. Outro partido teria esse acesso, de buscar com sucesso o adiamento? A resposta é negativa”, afirmou.

De acordo com o ministro, as referências do ex-presidente sobre a tentativa de influenciar outros ministros por via indireta são quase ingênuas. “São suposições de um leigo achar que um integrante do Supremo Tribunal Federal esteja sujeito a esse tipo de sugestão”, disse. Na conversa relatada por Veja, Lula teria dito que iria pedir ao ministro aposentado Sepúlveda Pertence para falar com a ministra Cármen Lúcia, sua prima e a quem apadrinhou na indicação para o cargo. E também que o ministro Lewandowski só liberará seu voto neste semestre porque está sob enorme pressão.

Marco Aurélio não acredita em nenhuma das duas coisas: “A ministra Cármen Lúcia atua com independência e equidistância. Sempre atuou. E ela tem para isso a vitaliciedade da cadeira. A mesma coisa em relação ao ministro Ricardo Lewandowski. Quando ele liberar seu voto será porque, evidentemente, acabou o exame do processo. Nunca por pressão”.

O ministro Celso de Mello também disse que a resposta de Gilmar Mendes “foi corretíssima e mostra a firmeza com que os ministros do STF irão examinar a denúncia na Ação Penal que a Procuradoria-Geral da República formulou contra os réus”. Para o decano do STF, “é grave e inacreditável que um ex-presidente da República tenha incidido nesse comportamento”.

De acordo com o decano, o episódio é grave e inqualificável sob todos os aspectos: “Um gesto de desrespeito por todo o STF. Sem falar no caráter indecoroso é um comportamento que jamais poderia ser adotado por quem exerceu o mais alto cargo da República. Surpreendente essa tentativa espúria de interferir em assunto que não permite essa abordagem. Não se pode contemporizar com o desconhecimento do sistema constitucional do país nem com o desconhecimento dos limites éticos e jurídicos”.

Celso de Mello tem a convicção de que o julgamento do mensalão observará todos os parâmetros que a ordem jurídica impõe a qualquer órgão do Judiciário. “Por isso mesmo se mostra absolutamente inaceitável esse ensaio de intervenção sem qualquer legitimidade ética ou jurídica praticado pelo ex-presidente da República. De qualquer maneira, não mudará nada. Esse comportamento, por mais censurável, não afetará a posição de neutralidade, absolutamente independente com que os ministros do STF agem. Nenhum ministro permitirá que se comprometa a sua integridade pessoal e funcional no desempenho de suas funções nessa Ação Penal”, disse o ministro.

Ainda de acordo com o decano do Supremo, o processo do mensalão será julgado “por todos de maneira independente e isenta, tendo por base exclusivamente as provas dos autos”. O ministro reforçou que a abordagem do ex-presidente é inaceitável: “Confirmado esse diálogo entre Lula e Gilmar, o comportamento do ex-presidente mostrou-se moralmente censurável. Um gesto de atrevimento, mas que não irá afetar de forma alguma a isenção, a imparcialidade e a independência de cada um dos ministros do STF”.

Celso de Mello concluiu: "Um episódio negativo e espantoso em todos os aspectos. Mas que servirá para dar relevo à correção com que o STF aplica os princípios constitucionais contra qualquer réu, sem importar-se com a sua origem social e que o tribunal exerce sua jurisdição com absoluta isenção e plena independência".

O anfitrião do encontro entre Lula e Gilmar Mendes, Nelson Jobim, negou que o ex-presidente tenha feito pressão sobre o ministro do Supremo. De acordo com notícia publicada no Blog do Noblat na noite deste domingo, em entrevista ao jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, que será publicada nesta segunda-feira (28/5), Jobim repetiu o que disse desde que a semanal chegou às bancas: "nada do que foi relatado pela Veja aconteceu". O ex-ministro ainda disse ao jornal: "Estranho que o encontro tenha acontecido há um mês e só agora Gilmar venha se dizer indignado com o que ouviu de Lula. O encontro foi cordial. Lula queria agradecer a colaboração de Gilmar com o seu governo".

FONTE: CONSULTOR JURÍDICO

Conversa errada, no local errado, com pessoa errada

Ministro Gilmar Mendes diz que esperava encontro social com Lula, mas acabou tendo diálogo pouco republicano com o ex-presidente

Jorge Bastos Moreno

Na bela manhã de quinta-feira, dia 26 de abril, o ministro do STF Gilmar Mendes saiu de casa para, finalmente, encontrar-se com o ex-presidente Lula - com quem, até essa data, mantinha relações mais que cordiais - no escritório do amigo e ex-ministro Nelson Jobim.

O encontro fora marcado por Jobim, a pedido de Lula. Mas, para Gilmar, o contexto era outro. Há muito, desde a cirurgia de garganta de Lula, ele se sentia devedor de uma visita ao ex-presidente.

O ministro chegou a tratar com Clara Ant, assessora de Lula, sobre a melhor data da visita. Quando estava próxima de realizá-la, Gilmar soube que Lula se internara de novo. Numa conversa com o presidente do Senado, José Sarney, este lhe comunicou que iria visitar o ex-presidente em São Paulo.

- Por favor, diga ao presidente Lula que estou tentando visitá-lo. O senhor bem que poderia me ajudar, marcando isso com ele - pediu Gilmar a Sarney.

Se há uma coisa que político gosta de fazer é mediar encontros.

Quando recebeu o convite de Jobim para encontrar-se com Lula, Gilmar ficou eufórico: finalmente, iria rever o amigo.

Na cabeça do ministro, o encontro seria social e afetivo e realizado por desejos de ambos. E, para ser mais justo, mais pela insistência de Gilmar do que de Lula.

Foi neste contexto que o encontro foi realizado. Convém esclarecer, também, que tudo isso e o que se segue foram reconstruídos seguindo os rastros das conversas que o ministro Gilmar Mendes passou a ter com vários interlocutores sobre o ocorrido.

Coincidentemente, Gilmar, naquele mesmo dia, tinha marcado um encontro com o presidente dos Democratas, o senador Agripino Maia. Maia contaria aos correlegionários que Gilmar chegou ao encontro esbaforido, soltando fogo pelas ventas.

A história espalhou-se logo pelos Três Poderes. Formalmente, Gilmar relatou ao presidente do Supremo, Ayres de Britto. Mas contou ao amigo Sigmaringa Seixas e este, supõe-se, a Dilma.
Pelo contexto relatado acima percebe-se, claramente, que a ação de Lula era totalmente dispensável. Primeiro, a de ter usado Jobim como intermediário. Segundo erro, ao tentar sensibilizar Gilmar para assumir uma posição técnica, não política.

Se o ex-secretário da presidência de Lula e hoje funcionário do seu Instituto, o mineiro Luis Dulci, gostasse de trabalhar, teria preparado um resumo para o ex-presidente sobre as decisões mais importantes tomadas por Gilmar a favor do PT: rejeição da denúncia contra Gushiken: voto a favor de Palloci e recusa de denúncia contra Mercadante, entre outros. Em todos esses episódios, os chamados "ministros amigos" foram todos votos contra o PT. Mercadante, inclusive, nem poderia ter sido eleito senador e, muito menos, estar hoje no ministério da Educação, se tivesse dependido do voto de Sepúlveda Pertence.

Apesar de todas essas posições de Gilmar terem sido eminentemente técnicas, pode se dizer que houve também reciprocidade de Lula no trato com o ministro. Gilmar vai morrer agradecendo a Lula a solução de diversos problemas do Supremo que dependiam administrativamente do governo.

Tanto isso é verdade que, no governo Lula, durante encontro social com um dos ministros, Gilmar Mendes, certa vez, tripudiou:

- Não adianta vocês me enrolarem, eu vou ao meu amigo Lula e ele resolve tudo.

Bem, isso sem contar a relação - e esta é a grande revelação - entre os casais Lula da Silva e Gilmar Mendes. Em todos os aniversários, inclusive no último que passou em Brasília, comemorado só entre os íntimos, Gilmar e sua mulher Guiomar estavam lá. No Torto, no Alvorada e até mesmo no restaurante "Feitiço Mineiro", o casal Mendes era presença constante. Maria Letícia e Guiomar transformaram-se em grandes amigas.

Por que Lula teria agido assim? Prevalece a máxima do "perdoa, mas não esquece". Lula não se esquece de que, por espionagem a Gilmar Mendes, numa conversa com o próprio Demóstenes, fora obrigado a demitir Paulo Lacerda da Abin. Lula sentiu-se humilhado, já que a decisão foi resultado de uma delicada conversa sua, na época, com Gilmar, mediada pelo mesmo Jobim.

No encontro fatídico de agora, Lula voltou ao tema de raspão:

- Será que aquele grampo não foi feito pelo próprio Cachoeira ou mesmo Demóstenes ou alguém da turma deles?

Como, a essa altura, a conversa já não estava mais sendo republicana, Gilmar tirou a toga:

- Que é isso, Lula! A prova de que seu governo era uma bagunça está no fato de que o homem de confiança da Abin, o homem de Paulo Lacerda na operação "Satiagraha", era o Dadá! Você sabia disso?

A coisa esquentou mesmo quando Lula, diante da declaração de Gilmar de que nada tinha a temer da CPI, perguntou-lhe com um tapinha nas costas:

- E a história de Berlim?

Quem diz que tapinha não dói? Doeu mais que a pergunta. O revide foi mais forte:

- Lula, você continua, como sempre, desinformado! Vá em frente!

Foi aí que Gilmar teve a prova definitiva de que tinha sido escolhido pelo PT como símbolo da tentativa de desmoralizar o Judiciário.

O que tem deixado Gilmar Mendes mais indignado é que se considera vítima de um bem articulado plano de difamação que corre não apenas pelas mídias sociais, mas no mais antigo e eficaz meio de comunicação: o terrível boca a boca.

A conversa começou republicana, com Gilmar lembrando a Lula da necessidade de se preencher as próximas duas vagas do Supremo com critérios bem técnicos e não políticos. É que se suspeita de uma manobra para o mensalão ser votado só depois da nomeação dos novos ministros. Gilmar defende o julgamento agora para evitar a confusão e suspeição em que se revestiriam essas nomeações, até porque, sendo em agosto, o tribunal não estaria desfalcado de dois ministros que conhecem bem a matéria como os demais.

O assunto CPI começou quando Lula disse que a tinha sob comando e, numa prova de que estava entre amigos, chegou até a confidenciar ter acertado nomeando Odair Cunha ( PT -- MG) como relator:

- O Vaccarezza não seria uma boa solução. O seu poder de articulação é tão grande, que ele acabou se envolvendo com parlamentares comprometidos com esses esquemas.

FONTE: O GLOBO

Oposição cobra explicações de Lula

PSDB e DEM criticam diálogo do ex-presidente com ministro Gilmar Mendes

Gustavo Uribe e Mariana Timóteo da Costa

SÃO PAULO. O PSDB e o DEM estudam adotar estratégia comum para cobrar explicações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre encontro no qual teria pressionado o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes a adiar o julgamento do processo do mensalão. Os partidos de oposição ainda discutem se pretendem interpelar o líder petista por meio de ação judicial ou protocolar requerimento pedindo a sua convocação na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Cachoeira, no Congresso Nacional.

- O fato é gravíssimo e demonstra uma tentativa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de interferir no julgamento do processo que manchou a sua administração. O DEM vai buscar esclarecer essa história e nós vamos discutir os procedimentos a partir de amanhã, mas, por enquanto, não descartamos nada - afirmou o líder do DEM na Câmara dos Deputados, ACM Neto.

Sob a ameaça de convocação do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), para depor na CPMI, a oposição reagiu ontem à suposta tentativa do ex-presidente de adiar o julgamento do mensalão. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) considerou "grave" que um ex-presidente possa ter se envolvido em uma "operação de chantagem". O líder do PSDB na Câmara, Bruno Araújo (PE), afirmou, em nota, que a bancada tucana se reunirá para definir que medidas deve tomar:

- Esse tipo de intromissão no funcionamento do STF demonstra que Lula não tem a real dimensão do que representa a posição de um ex-presidente. Nós já vínhamos denunciando a utilização político-partidária da CPI por parte de integrantes do PT e membros da base aliada do governo. Esse episódio apenas comprova algo que é notório.

O vice-presidente do DEM, deputado federal Ronaldo Caiado (GO), avaliou que a eventual manobra do dirigente petista representa um "atestado de culpa no processo do mensalão" e configura uma atitude incompatível com um ex-mandatário do Palácio do Planalto.

FONTE: O GLOBO

Membros da CPI querem explicação de Lula e ministro

Integrantes da CPI do Cachoeira anunciaram que vão pedir explicações ao ex-presidente Lula e ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo, sobre um encontro que os dois mantiveram em abril. Segundo Mendes, Lula tentou pressioná-lo para que ajudasse a adiar o julgamento do mensalão no Supremo. A assessoria do ex-presidente nega.

CPI quer explicações sobre encontro entre Lula e Gilmar Mendes

Integrantes da comissão pedem esclarecimento sobre suposta oferta de acordo para adiar julgamento do mensalão

Jobim confirma encontro em seu escritório, mas nega versão de Mendes e diz que ele nunca demonstrou indignação

BRASÍLIA, SÃO PAULO - Integrantes da CPI do Cachoeira anunciaram que vão pedir explicações a Lula e ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes sobre encontro em que o ex-presidente teria feito lobby para adiar o julgamento do mensalão.

Mendes relatou que, em encontro em abril, Lula propôs blindar qualquer investigação sobre o ministro na CPI que investiga as relações de Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários. Em troca, Mendes apoiaria o adiamento do julgamento do mensalão.

A história foi revelada pela revista "Veja".

A assessoria de Lula negou o conteúdo da conversa e afirmou que ele nunca interferiu em processo judicial.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) afirmou ontem que estuda interpelar judicialmente Lula. "O que foi noticiado é uma afronta tanto ao Parlamento como ao STF".

O deputado Fernando Francischini (PSDB-PR) defendeu a convocação de Lula para que ele conte sobre "quais parlamentares da CPI ele diz ter influência". Como a oposição não tem maioria na comissão, um requerimento de convocação de Lula dificilmente seria aprovado.

A história gerou críticas no próprio Supremo.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, nunca deveria ter ocorrido o encontro.

"Está tudo errado. É o tipo de acontecimento que não se coaduna com a liturgia do Supremo, nem de um ex-presidente da República ou de um ex-presidente do tribunal, caso o Nelson Jobim tenha de fato participado disso."

O encontro entre Lula e Mendes ocorreu no escritório de Nelson Jobim, ex-ministro do governo Lula e ex-ministro do Supremo.

Lula disse a Mendes, segundo a "Veja", que é "inconveniente" julgar o processo agora e chegou a fazer referências a uma viagem a Berlim em que o ministro se encontrou com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), hoje investigado na CPI.

Jobim confirmou o encontro em seu escritório, mas negou o teor. "Não houve essa conversa. Foi uma visita de cordialidade. Lula queria dar um abraço em Gilmar porque ele foi muito colaborativo [com o governo]" diz ele, que afirmou ter presenciado o encontro do início ao fim.

O ex-ministro se diz surpreso também com o relato de que Gilmar teria ficado perplexo com a conversa.

"Lula saiu antes dele e não houve indignação nenhuma do Gilmar. Isso só apareceu agora na revista", argumenta Nelson Jobim.

O senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) disse que ele e Pedro Taques (PDT-MT) vão pedir esclarecimentos a Mendes. "Queremos entender o que se passou."

O senador Wellington Dias (PT-PI), suplente da CPI, defendeu o ex-presidente. "É impensável ele fazer uma proposta dessa natureza."

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), também da CPI, disse que não cabe à comissão apurar o encontro.

Outro integrante da CPI, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) afirmou que o episódio "é gravíssimo". "Existe uma conduta reprovável, ou de Lula ou de Gilmar. Ou Lula tentou constranger um ministro do STF ou Gilmar não contou a verdade".

Rubens Bueno (PPS-PR) disse que o episódio demonstra "o chefe do mensalão tentando acobertar o maior crime político do país".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Encontro de Lula e Mendes mobiliza o STF e a oposição

Por Fernando Exman, Edna Simão e Marta Watanabe

A notícia de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria procurado o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para propor que o julgamento do mensalão fosse adiado em troca de proteção na CPI do Cachoeira já provoca reações na Corte. Deve alimentar a polêmica tanto sobre os rumos e a influência de Lula sobre as investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito quanto sobre o interesse do ministro Gilmar Mendes na denúncia.

Segundo a "Veja", Lula teria se reunido com Gilmar Mendes no escritório do ex-ministro Nelson Jobim. No encontro, descreve a reportagem, Lula teria dito que seria "inconveniente" julgar neste momento o caso do mensalão, o suposto esquema feito na gestão do petista para comprar apoio no Congresso. Lula também teria feito referências a uma viagem a Berlim em que Mendes se encontrou com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO, ex-DEM), cujo elo com o bicheiro Carlinhos Cachoeira têm sido investigados pela CPI.

Dos três participantes do encontro, dois contestam o relato do terceiro, Gilmar Mendes. Jobim negou ao blog do jornalista Jorge Bastos Moreno que Lula teria mencionado o mensalão no encontro. Segundo o ex-ministro, uma assessora do ex-presidente avisara três dias antes que faria uma visita ao seu escritório em Brasília. Lá chegando, Lula teria encontrado Mendes. O julgamento do mensalão, segundo Jobim, teria sido um assunto de sua iniciativa. Ele refuta a versão de Mendes sobre o encontro e a suposta chantagem do ex-presidente da República. O ex-ministro não diz, no entanto, se o presidente e o ministro do Supremo haviam sido avisados previamente da presença de um e do outro no seu escritório.

A assessoria de Lula diz que não houve nenhuma conversa sobre o mensalão e que o ex-presidente não fará comentários sobre o assunto.

Fontes próximas a Lula dizem que encontro com Mendes, teria acontecido à revelia de Lula. O ex-presidente, teria ido ao escritório do ex-ministro sem saber da presença de Mendes. Em nenhum momento Lula teria ficado a sós com Mendes. Para essas fontes, Lula teria caído numa armadilha, parte de uma manobra para vincular a CPI de Cachoeira ao mensalão por meio da figura do ex-presidente.

Segundo a "Veja", a reunião teria acontecido em 26 de abril, um dia depois que foi instalada no Congresso a CPI para investigar as ligações de Cachoeira com políticos de todos os partidos. A matéria da Veja foi veiculada somente no sábado, um mês depois do encontro. Foi também à "Veja" que Mendes, em 2008, disse ter sido vítima de um grampo telefônico numa conversa com Demóstenes Torres. O episódio levou à queda do diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda. O grampo nunca foi comprovado.

O caso já repercute no Supremo. O ministro Marco Aurélio considerou que o ex-presidente Lula teria tido uma atitude "algo descabido" num "lamentável episódio", mas assegurou que gestões desse tipo não influenciarão o julgamento do mensalão. "Em termos republicanos e democráticos, não se admite determinadas práticas", destacou o ministro. "Que fique uma certeza: um ministro do Supremo não é cooptável."

O ministro Ricardo Lewandowski, revisor do processo no Supremo, negou que tenha sido alvo das gestões do ex-presidente. "Jamais fui procurado pelo presidente Lula para tratar de nada a respeito do processo do mensalão e jamais sofri qualquer tipo de pressão", disse Lewandowski, por meio de sua assessoria de imprensa.

Na sexta-feira, antes de a reportagem da "Veja" ser publicada, o presidente do STF, ministro Ayres Britto, também descartou a possibilidade de a Corte ser pressionada. "Ainda está para aparecer alguém que ponha uma faca no pescoço dos ministros do STF", afirmou. Ao "O Estado de S.Paulo" Ayres Britto disse não acreditar que Lula faria isso, "porque em nove anos nunca fez".

A revista "Veja" diz ainda que Lula também estaria procurando outros ministros do Supremo, os quais teria nomeado para o cargo, também para pressionar pelo adiamento da inclusão do caso do mensalão na pauta do Supremo. O julgamento está previsto para ocorrer em agosto.

A oposição considerou "gravíssima" a denúncia e uma afronta de Lula ao Judiciário e ao Congresso. "Isso revela que o presidente Lula, tal como os que negam o Holocausto, quer negar a existência do mensalão. A ação dele tem sido neste sentido", afirmou o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), integrante da CPI do Cachoeira. "Estamos avaliando que providência tomar. Se cabe, por exemplo, uma interpelação judicial. Estamos procurando fazer o que é viável."

Para o líder tucano, tentar convocar ou convidar Lula para ir à CPI, que tem ampla maioria governista, seria uma iniciativa fadada ao fracasso. "Ninguém aprovaria isso", acrescentou. "É grave a tentativa de usar a CPI politicamente como instrumento o político para atingir objetivos obscuros."

Já o líder do DEM na Câmara, deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (BA), frisou que o partido também vai avaliar o assunto hoje. "Vamos conversar com o PSDB para tomarmos uma decisão conjunta", contou. Na avaliação dele, o comportamento de Lula "só reforça que o PT está manipulando politicamente a CPI e quer tentar comprometer o julgamento de grave caso de corrupção ".

Mendes e Jobim não atenderam aos telefonemas do Valor.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

PT fica com 89,5% das doações

Alvo de críticas por parte de petistas, pela doação de R$ 8,2 milhões ao diretório do PSDB em 2010, e investigado no mensalão do DEM depois de ter sido filmado entregando pacotes de dinheiro a um ex-secretário do governo do Distrito Federal, José Celso Gontijo, dono de empresas imobiliárias e de call center em Brasília, doou R$ 600 mil ao PT em 2011.

Gontijo doou como pessoa física, mas o grosso dos recursos arrecadados pelo PT no ano passado veio de empresas. Dos R$ 54,6 milhões doados por pessoas jurídicas para 29 partidos em 2011, o PT ficou com 89,5%. Empreiteiras, fornecedores da Petrobras, agronegócio, petroquímicas e setor financeiro foram, nesta ordem, os setores que mais contribuíram para o PT quitar dívidas da campanha de 2010. Foi a maior arrecadação petista em ano sem eleição.

PT arrecada 89,5% das doações de empresas em 2011

Por Raphael Di Cunto

Dos R$ 54,6 milhões dados por empresas para os 29 partidos políticos registrados na justiça eleitoral em 2011, o PT ficou com 89,5%. Naquele ano, o partido recebeu R$ 50,1 milhões de 75 doadores, segundo prestação de contas entregue a Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As doações declaradas cumpriram as exigências da lei.

Com uma dívida de R$ 53,9 milhões que só aumentava desde a campanha eleitoral de 2002, o PT recorreu aos tradicionais doadores para quitar os débitos e entrar na eleição municipal deste ano com um caixa mais folgado. Apelou para empreiteiras, bancos, empresas do setor alimentício e petroquímico e até para um empresário envolvido no mensalão do DEM no Distrito Federal.

Seu principal adversário, o PSDB, recebeu apenas R$ 2,35 milhões - equivalente a 4,3% do total. O PMDB, segundo que mais arrecadou, ficou com 5,2% dos recursos distribuídos por empresas para financiar os partidos. A maioria das legendas sequer arrecadou recursos privados em 2011, ano em que não ocorreu eleição e em que o orçamento das siglas dependeu majoritariamente do fundo partidário.

O setor que mais contribuiu com o PT foram as empreiteiras, responsáveis por 45% dos R$ 48,9 milhões que o partido recebeu da iniciativa privada, segundo levantamento do Valor no balanço da legenda. Esse também foi o setor com maior número de doadoras, 21, e com a líder em contribuição: a Andrade Gutierrez, com R$ 4,6 milhões.

Fornecedoras de serviços e equipamentos para a Petrobras ficaram em segundo lugar, com 10,8% das doações, seguidas pelo agronegócio, com 10,3%. O setor petroquímico deu 9,9% dos recursos, com R$ 4 milhões da Braskem, que tem a Petrobras entre as suas acionistas. Já o setor financeiro, que teve o Bradesco e BMG como doadores, responde por 7,9% das colaborações.

A Braskem disse, em nota, que "contribui com partidos que demonstrem alinhamento com os compromissos da companhia em relação ao desenvolvimento nacional, regional e do setor químico e petroquímico". O Bradesco não comentou e o BMG disse que doa para vários partidos.

Na lista, há companhias com contratos vultuosos com o governo federal. A cingapuriana Jurong Shipyard nem começou a construir seu estaleiro em Aracruz, no Espírito Santo, mas já deu R$ 1 milhão para o PT. A empresa pretende atuar no setor de petróleo e gás, com a construção de navios e sondas de perfuração, produtos que tem como principal cliente a Petrobras. Procuradas, ambas preferiram não se pronunciar.

Em alguns casos, o governo tem até participação na empresas, como a JBS, em que o BNDESPar, braço de investimentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tem 30,4%. Quinta maior doadora petista, a companhia disse, através de sua assessoria, que faz doações para todas as legendas. "O BNDES é um investidor da JBS, assim como em outras empresas", respondeu.

O BNDES disse, em nota, que "realizou 986 mil operações de crédito para empresas de todos os portes, então é natural que clientes do banco estejam entre as companhias que realizam doações a quaisquer partidos políticos".

De fato, a legislação permite que essas empresas doem tanto para candidatos quanto para partidos. As únicas restrições são os valores, que não podem ultrapassar 2% do faturamento do ano anterior, e que as doadoras não sejam concessionárias de serviços públicos. Esta regra, porém, tem alcance limitado, já que esses serviços costumam ser prestados por consórcios com outro CNPJ, o que permite à empresa doar em seu próprio CNPJ.

Entre as empresas que doaram estão ainda a Agropecuária Santa Bárbara, controlada pelo Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, e a Ensin - Empresa Nacional de Sinalização e Eletrificação, de propriedade de Jorge Marques Moura e Labib Faour Auad, donos também da Consladel. Reportagem de 2009 do "Fantástico", da TV Globo, mostrou um funcionário da Consladel negociando pagamento de propina para instalação de radares.

O Valor procurou os diretores da Consladel e da Ensin desde terça-feira, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. O secretário nacional de Finanças, João Vaccari Neto, afirmou, em nota, que as doações são legais. "O PT não é responsável pela conduta e pelos problemas fiscais das empresas doadoras. O PT cumpre rigorosamente o que determina a legislação atual com relação às doações partidárias", disse.

As doações de pessoas físicas representaram apenas 1,5% do total arrecadado. O percentual só não foi menor, porém, devido à contribuição de três grandes empresários: José Celso Gontijo, que é investigado no mensalão do DEM (leia abaixo) e deu R$ 600 mil; Ronaldo de Carvalho, que é um dos donos da Drogaria São Paulo e contribuiu com R$ 100 mil; e Benjamin Nazário Fernandes Filho, acionista majoritário da Benafer, uma das maiores distribuidoras de aço plano do país.

Vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Fernandes Filho disse que acompanha a política faz tempo e que doou R$ 1 milhão como pessoa física. "O PT enfrentava problemas financeiros por causa da campanha. Alguns amigos meus, que são do partido, pediram ajuda", conta o empresário, que diz ter doado também para a reeleição do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB). "Era logo no começo do governo Dilma, e eu achava que ela estava tomando medidas muito efetivas. Queria que continuasse assim, por isso resolvi doar", diz.

A campanha que elegeu Dilma Rousseff (PT) presidente deixou uma dívida de R$ 26,7 milhões em 2010. Essa conta foi absorvida pelo diretório nacional do PT, que estabeleceu o prazo interno de um ano para quitá-la, segundo Vaccari. O pedido para os empresários surtiu efeito e o partido teve uma receita extraordinária para um ano não eleitoral, de R$ 109,9 milhões.

O valor é uma vez e meia maior do que o arrecadado em 2009, quando a receita do diretório nacional petista atingiu R$ 44,8 milhões, e está bem acima do que as outras legendas arrecadaram no ano passado - segundo maior orçamento, o PMDB recebeu R$ 44,5 milhões, contra R$ 38,5 milhões do PSDB.

Parte do crescimento na receita deve-se ao aumento no fundo partidário - o PT, como o partido mais votado para a Câmara dos Deputados em 2010, tem direito à maior parcela, de R$ 51 milhões. Outra parte, mais significativa, veio das doações. "O PT arrecadou tanto porque a vida do partido continua normal. Os outros partidos não existem fora dos anos eleitorais. O PT existe, faz eventos, palestras, manifestações", diz Vacari.

Embora tenha reduzido a dívida do partido em 72% em comparação com 2010, o dinheiro, porém, ainda não foi suficiente para dizimá-la. No fim do ano passado ainda havia débito de R$ 15,1 milhões, referente a contas e impostos não pagos ao Ministério da Fazenda, INSS, Prefeitura de São Paulo, a empresa TV a satélite Sky, agências de viagem e pequenos fornecedores.

O maior credor ainda é a Coteminas, do ex-vice-presidente José Alencar (morto em 2011). A empresa renegociou a dívida - de R$ 5,7 milhões no fim de 2011- e recebe R$ 300 mil por mês do PT. A dívida refere-se à confecção de 2,75 milhões de camisetas para a campanha de 2004, serviço que foi investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios sob a suspeita de que viesse de caixa dois, o que foi negado pelos envolvidos.

Outro investigado pelas relações com o PT, o BMG teve a dívida de R$ 1,9 milhão quitada pelo partido em 2011. Ao mesmo tempo, doou R$ 1 milhão para a legenda no ano passado. O banco foi investigado por supostamente ter participado do mensalão ao forjar empréstimos para o PT como forma de lavar dinheiro público desviado. A investigação não foi suficiente para que o PT voltasse a registrar empréstimo do banco.

A assessoria do BMG afirmou que "nenhum de seus dirigentes faz parte da ação penal que se denominou de mensalão" - eles respondem a outra ação, referente a suposta fraude no empréstimo, e que está separada da análise do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). O Banco Rural, outro investigado, também teve a dívida de R$ 1,87 milhão paga, mas não doou para o partido em 2011.

A receita extra também não foi suficiente para tirar o patrimônio líquido da sigla do vermelho. O passivo a descoberto, que era de R$ 44,5 milhões em 2010, depois de ajustes feitos no ano passado, caiu para R$ 6,4 milhões em 2011. Entretanto, o resultado ainda mostra que a soma de bens e recebíveis do PT é insuficiente para cobrir todas as suas dívidas.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Eleição de 2012 criará 3.672 vagas de vereador

Legislativo municipal aumentará em 1.083 cidades; número pode crescer

As eleições municipais deste ano vão abrir 3.672 novas vagas de vereadores, inchando ainda mais a estrutura das câmaras municipais de 1.083 municípios. O total de cadeiras nos legislativos municipais chega hoje a 51.748. O crescimento será de 7,1%. Em balanço inédito, a Confederação Nacional dos Municípios mostra que o número de legisladores pode crescer ainda mais porque as cidades têm até 30 de junho para aprovar novas leis que regulamentam a criação de vagas. A pesquisa não aponta o impacto financeiro, mas a expectativa é que o desembolso será milionário. No Estado do Rio, Teresópolis, que ainda não superou a tragédia das chuvas de 2011, passará de 9 para 21 vereadores. Especialistas dizem que a lei, que estipula o crescimento de vagas por número de habitantes, deve ser reavaliada.

O inchaço das câmaras

Legislativos de 1.083 cidades criam 3.672 vagas para vereadores; total ainda pode aumentar

Roberto Maltchik

BRASÍLIA - A despeito do aperto orçamentário de grande parte dos municípios, o inchaço nas câmaras municipais não para de crescer. Balanço inédito das leis municipais aprovadas após o Censo de 2011 mostra um acréscimo de 3.672 novas vagas de vereadores em 1.083 cidades brasileiras. Essas vagas serão preenchidas após as eleições de outubro. O aumento foi possível porque o Congresso estipulou novos critérios para o limite das câmaras, com base na revisão da população feita pelo IBGE no ano passado. Levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) em 50 cidades do Rio de Janeiro revela que 32 elevaram o contingente de parlamentares.

Em todo o Brasil, o número de vereadores crescerá 7,1% sobre o total de 51.748 eleitos em 2008, conforme mostram os dados recolhidos pela CNM ao longo dos últimos dez meses. Foram pesquisados 2.098 municípios de 2.153 que tinham margem legal para fazer a alteração. Ou seja: cidades nas quais o número de habitantes cresceu, permitindo aos vereadores decidir se aprovariam ou não um aumento das vagas no Legislativo, com as respectivas adequações nas estruturas administrativa (novos servidores e reformas nos gabinetes).

Em São Gonçalo, Região Metropolitana do Rio, por exemplo, a nova regra permitiu que o número de vereadores pulasse de 21 para 31. E a lei municipal estipulou que, em 2013, a Câmara terá 26 representantes. Em fevereiro, o GLOBO revelou que o Legislativo de São Gonçalo pôs no orçamento de 2012 um gasto adicional de R$ 6 milhões para construir uma nova sede capaz de atender o aumento da clientela. Teresópolis, município serrano que ainda tenta se recuperar da destruição provocada pelas chuvas de 2011, terá o maior aumento de vagas entre as cidades fluminenses pesquisadas: passará de 12 para 21 vereadores, nove acima dos eleitos quatro anos atrás.

- Será que, mesmo com a margem legal, o município tem dinheiro para suportar esse gasto adicional? O município está bem, está desenvolvido? Me parece que essas alterações atendem muito mais aos interesses políticos, à necessidade da expansão partidária, do que aos interesses do eleitor, que precisa de Legislativos atuantes, fiscalizadores e bem fiscalizados - avalia o cientista político Emerson Masullo, da Universidade Católica de Brasília.

Nos municípios pesquisados, em 2008 foram eleitos 20.476 vereadores. Com as alterações nas leis orgânicas, o número de vagas passa para 24.148 parlamentares, elevação de 17,9%. O inchaço, entretanto, pode ser ainda maior. Os próprios vereadores têm autorização para aprovar novas leis que aumentam o número de cadeiras até o próximo dia 30 de junho. E, de acordo com o levantamento da CNM, mais 604 casas legislativas estão dispostas a fazê-lo.

Apenas 411 câmaras informaram que não mudaram a lei, nem o farão. Se todos os 2.153 municípios com folga legal criassem vagas, o aumento poderia chegar a oito mil cadeiras, estima a CNM com base no número de habitantes por município aferido no Censo concluído em agosto de 2011. Dos municípios pesquisados, apenas Conchal (SP) - cidade de 25 mil habitantes e vocação agrícola - foi obrigado a reduzir o número de vereadores em 2013, passando dos atuais 13 para 11. O aumento de cadeiras é facultativo, porém 930 câmaras municipais não só ampliaram as vagas de vereadores como ajustaram suas estruturas ao teto permitido pela legislação.

A CNM não mediu o impacto financeiro do inchaço, pois a maior parte das câmaras municipais terá até o fim do ano para aprovar leis com os valores dos salários dos agentes públicos pelos próximos quatro anos, o que inclui vereadores, prefeitos e secretários municipais. O limite de gastos por Legislativo varia entre 3,5% da Receita Corrente Líquida (RCL) - nas cidades cujo número de habitantes varia de oito a 15 milhões de habitantes - e 7%, onde a população é inferior a 100 mil pessoas.

Considerando que o gasto médio atual dos legislativos municipais no Brasil é de 3% da RCL, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkosky, afirma que é nítida a tendência de aumento dos gastos administrativos com a máquina inflada. Porém, alerta que também poderão ocorrer aumentos significativos de gastos onde a decisão foi de não mudar a lei orgânica.

- Por um lado, temos municípios aumentando a máquina. Por outro, temos cidades com margem para aumentar os gastos e que poderão reajustar até dezembro os salários dos agentes públicos pelos próximos quatro anos. Isso resultará em vencimentos mais altos na Câmara e no Executivo, com implicação sobre o salário dos prefeitos e dos secretários e, o mais grave, sobre as contas públicas - avalia Ziulkosky.

No Rio, 21 das 50 cidades pesquisadas aprovaram leis que fizeram o Legislativo atingir o limite de vereadores por número de habitantes. Em 12 municípios, o total de cadeiras crescerá entre cinco e nove com as novas leis. Em Volta Redonda, Niterói e Barra Mansa serão mais sete cadeiras. Belford Roxo, Resende e Araruama terão seis novas vagas, enquanto Saquarema, São Gonçalo, Cabo Frio, Macaé e Rio Bonito terão mais cinco.

FONTE: O GLOBO

Para especialistas, nova lei deveria ser reavaliada

Se texto fosse cumprido com rigor, cidades com redução populacional perderiam vereadores, dizem cientistas políticos

Roberto Kaz

O acréscimo de ao menos 3.672 novos vereadores nas câmaras municipais brasileiras a partir de 2013 está previsto na lei, mas nem por isso deixa de ser questionado por especialistas no assunto.

Paulo Baía, professor do departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ ), diz que, se a lei fosse seguida ao pé da letra, municípios que diminuíram de tamanho deveriam minguar também no número de representantes:

- Não vejo inchaço ou desperdício. O número de vereadores e deputados é proporcional ao número de habitantes. Mas por outro lado, é raro haver um movimento de adequação em casos opostos, quando os municípios diminuem de tamanho. Considero a lei correta, mas teria de ser aplicada na sua amplitude. Se fosse, diminuiria o número de vereadores em 40% dos municípios brasileiros, que tiveram queda populacional no último censo. Normalmente, só se trabalha com a lógica do aumento.

O cientista político faz uma ressalva:

- O fato de a população ter aumentado não obriga que haja um aumento no número de vereadores. Os parlamentares têm que trabalhar, sobretudo, com o princípio de razoabilidade. Ou seja: se não houve aumento na arrecadação do município, não é razoável que cresça o número de representantes. Isso deveria ser avaliado com muito critério, o que normalmente não acontece.

Baía aponta que a população civil tem caminhos legais para mudar essa situação:

- A população também pode influenciar, dando entrada em processos nas diferentes câmaras de vereadores, exigindo um referendo popular. É um processo demorado, que exige mobilização, mas quando sai, vem com muita força. Por isso responsabilizo muito também a população, pela inércia no seu ativismo político.

Eurico Figueiredo, professor de Ciência Políticas da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que a lei deveria estipular um teto no número de parlamentares:

- A lei diz que o número de representantes deve ser atualizado de acordo com o crescimento populacional, mas você pode discutir a eficácia dessa representatividade. O aumento na quantidade de parlamentares não significa necessariamente um ganho em qualidade. Por isso, acho que ela poderia ser revista em um aspecto, garantindo um teto máximo e um piso mínimo para o número de deputados e vereadores.

Ele brinca:

- Imagina quantos representantes a China teria se seguisse essa mesma lógica? Seria uma barbaridade! O teto máximo precisa ser debatido - diz.

FONTE: O GLOBO

Julieta Venegas e.Marisa Monte - Ilusion

Indecência::Ricardo Noblat

"[José Dirceu está] desesperado" (Lula, sobre o estado de ânimo do seu ex-auxiliar)

De duas, uma. Ou Lula ainda está sob o efeito de remédios contra o câncer na laringe, o que compromete seu apurado tino político, ou então se rendeu à certeza de que é mesmo infalível. Para chegar bem ao seu final, a CPI do Cachoeira terá que dar em nada. E o encontro de Lula com o ministro Gilmar Mendes precisará ser esquecido rapidinho.

É improvável que nada produza de relevante a CPI in ventada por Lula para atazanar a vida de seus desafetos ligados a Cachoeira, e retardar o julgamento do mensalão. O que ela produzir poderá significar problema para Dilma. Esta semana, a CPI quebrará o sigilo das contas da Delta, a empreiteira favorita dos políticos que apoiam o governo.

Quanto à memória coletiva, até que comece o julgamento dos mensaleiros em agosto não haverá tempo para que esqueça o encontro de Lula com Gilmar. Ele é simplesmente inesquecível. O celular de Gilmar tocou na última semana de abril último e ele ouviu o convite: "Lula virá aqui no dia 26. Quer conversar com você".

Era Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), onde o mensalão será julgado. O escritório de Jobim funciona no apartamento onde ele mora, em Brasília. "É inconveniente julgar esse processo agora", disse Lula a Gilmar depois dos cumprimentos de praxe. São 36 réus. Lula contou que José Dirceu "está desesperado".

Mensaleiros como José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e Duda Mendonça também estão. Foram advertidos por seus advogados sobre a forte possibilidade de serem condenados e presos. "Não tem como adiar o julgamento?", perguntou Lula. "Se for adiado, o Supremo sofrerá um desgaste profundo", argumentou Gilmar.

Foi aí que Lula comentou que tem o controle político da CPI do Cachoeira. E ofereceu proteção a Gilmar. "Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula", revelou Gilmar ao procurador-geral da República, ao advogado-geral da União, ao colega Ayres Britto, presidente do STF, e à "Veja".

O constrangimento de Gilmar não inibiu Lula. "E a viagem a Berlim?", ele perguntou. Corre em Brasília a história de que os casais Gilmar Mendes e Demóstenes Torres teriam viajado para Berlim com as despesas pagas por Cachoeira. Gilmar confirmou a viagem. Mas respondeu que pagara as próprias despesas.

"Viajei com o Demóstenes que eu e o senhor conhecíamos antes", justificou-se. Em seguida, bateu na perna de Lula e aconselhou: "Vá fundo na CPI". Gilmar ainda ouviu Lula dizer que encarregaria Sepúlveda Pertence, ex-ministro do STF, de convencer a ministra Cármen Lúcia a atrasar o julgamento. Pertence indicou Cármen para o STF.

"Vou falar com Pertence para cuidar dela", antecipou Lula, preocupado com a situação de Ricardo Lewandowski, lembrado por dona Marisa para a vaga que hoje ocupa no STF. Amigo da família da ex-primeira-dama, Lewandowski é o ministro encarregado de revisar o processo do mensalão relatado por seu colega Joaquim Barbosa.

"Ele (Lewandowski) só iria apresentar o relatório no semestre que vem, mas está sofrendo muita pressão [para antecipar]", queixou-se Lula. Joaquim Barbosa foi chamado por Lula de "complexado". Lula ainda se referiu a outro ministro — José Dias Toffoli, ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil.

"Eu disse a Toffoli que ele tem que participar do julgamento", avançou Lula — para quem o julgamento do mensalão só em 2013 evitaria que ele fosse contaminado por "disputas políticas". O que Lula não disse: nesse caso, os ministros Ayres Britto e Cezar Peluso estariam aposentados. Os dois devem votar pela condenação de alguns réus.

Gilmar errou ao ir ao encontro de Lula. Ministro pode receber advogados, ouvir seus argumentos, mas é só. Lula acha que o julgamento do mensalão equivale ao julgamento do seu governo - por isso errou gravemente ao pressionar um juiz. Foi indecente e escandaloso o episódio que ele e Gilmar e Jobim protagonizaram.

FONTE: O GLOBO

A defesa é o melhor ataque:: Melchiades Filho

Márcio Thomaz Bastos era o ministro da Justiça quando a Polícia Federal, a ele subordinada, concluiu em relatório, após meses de diligências e escutas, que Carlinhos Cachoeira comandava uma rede de políticos e arapongas a fim de fraudar contratos públicos e proteger casas clandestinas de jogo.

Hoje, MTB é advogado do bicheiro. Busca livrá-lo do inquérito da PF e conter seu eventual ímpeto de falar.

Márcio Thomaz Bastos era ministro da Justiça, também, quando pintou a versão de que o mensalão não passara de um caso corriqueiro de caixa dois eleitoral. A PF já coletava provas de que os mensaleiros drenaram os cofres públicos para comprar apoio político ao governo Lula. Houve dano ao erário (R$ 92 milhões do Banco do Brasil), e não mera manipulação de "recursos não contabilizados" de campanha.

Hoje, MTB advoga para o ex-diretor de um dos bancos que, segundo a PF, ajudou a esquentar o dinheiro desviado. Empenha-se para, no mínimo, adiar o julgamento no STF.

No tribunal e no Congresso, é generalizada a percepção de que o ex-ministro não cuida apenas do interesse de seus clientes, influindo sobre a estratégia de todos os réus do mensalão e do Cachoeiragate.

Tão enganadora quanto a discussão em torno da periodicidade do mensalão -se não foram mensais, os pagamentos "não existiram"- é a atual ladainha em torno do -óbvio- direito a defesa de Cachoeira, Dirceu, Demóstenes, Delúbio & Cia.

A anomalia reside no papel dúbio de MTB. Lidera a polícia para, mais tarde, socorrer os incriminados. Numa hora, age para recuperar o dinheiro pilhado do governo; noutra, é a pessoa a receber parte dele na forma de honorários (só de Cachoeira, serão R$ 15 milhões).

O ex-ministro se diz movido por "desafios", deixando a Deus "julgamentos morais". Sua conduta, porém, desafia o bom senso e abala a crença na polícia "republicana".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Sobre fumaça e fogo:: Wilson Figueiredo

Do maltraçado projeto de se criar uma comissão parlamentar de inquérito para desconversar, e mista ainda por cima, não se pode descartar o ditado popular, segundo o qual, onde há fumaça, tem de haver fogo. O ex-presidente Lula se deu conta de que a CPI era o meio mais adequado para reduzir a cinzas a oposição, que se comporta como pinto no lixo em tais oportunidades. Mas aumentou a distância do ex-presidente em relação à presidente Dilma Rousseff. Lula não demorou a ficar sozinho com seu instinto de riscar fósforo para ver se o tanque tem gasolina. A presidente já estava noutra.

Soprar fumaça nos olhos dos cidadãos foi o que se propôs Luiz Inácio Lula da Silva, quando ia sendo esquecido como ex-presidente dotado de inesgotável capacidade de não fazer e, sobretudo, não reconhecer que, cada vez mais, este país não está à sua disposição. Assim que ouviu falar de CPI, Lula vislumbrou a oportunidade de liquidar a oposição, nem sempre ao seu alcance. Graças à lei do menor esforço, o brasileiro se acostumou a admitir que Lula seja o que ele pensa que é, quando não passa de agente provocador de confusão desde que sobreviveu ao mensalão e tomou as rédeas da oportunidade nas mãos.

A esta altura da expectativa geral, não adianta pretender algum controle sobre o que já está latente nos fatos acumulados num delta republicano por onde se escoa a infeliz idéia de governar sem oposição, em nome da democracia digna de coisa melhor e, até agora, nivelada por baixo.

No encaminhamento da CPI, para filtrar impurezas políticas do lixo administrativo (ou seriam impurezas administrativas do lixo político?), o ex-presidente foi mais longe em veemência e trincou o PT. O que se ouve e se lê é a continuação do mensalão por outra gente, e nada impede, e até facilita, a fusão das águas turvas ao chegarem ao delta.

Para o ministro (Casa Civil) Gilberto Carvalho, um dos poucos que seguraram a coerência do petismo em três mandatos consecutivos (os dois de Lula e o primeiro de Dilma), foi alto demais o preço pago por fora da ética e da moral: “O erro foi ter adquirido o vício da corrupção”, dizia o mais autêntico porta-voz de Lula, numa entrevista em fevereiro de 2010 em O Globo, na qual lamentava que “o vício da corrupção, infelizmente, entrou no nosso partido”, e o presidente de plantão não reconheceu.

Lula não renuncia ao hábito de esconder insucessos e sair à galega (seja lá o que isto queira dizer) para confundir, como preferia o Chacrinha, o que se passou e o que ainda se passará. Enquanto se processa a apuração do Delta que aponta para o que ainda se esconde sob a rubrica de mensalão, Lula guardava silêncio. Atrás da desculpa de que nada sabia - antes de informado por três políticos que sabiam de tudo, Miro Teixeira, Marcondes Perilo e Roberto Jefferson - o então presidente da República se considerou traído e passou a ser o último a saber do que se passava ao redor. A saída de José Dirceu da chefia da Casa Civil foi o recibo de quitação presidencial para os fatos tidos como inexistentes. Foi um salve-se quem puder. Dirceu veio a ser o avalista e ainda está pagando a despesa deixada por Lula.

O tempo levou de cambulhada as contas sem recibo que sustentavam a maioria parlamentar ao redor do governo. Mas Lula confirmou,
aos procuradores da República que foram ter com ele, que soubera desde o começo, e mais do que disse não veio a público. Logo voltou ao refrão de que nada soubera antes.

Ao primeiro sucedeu o segundo mandato e Lula, cuja loquacidade para emitir subterfúgios republicanos lhe desatou a língua , voltou a falar pelos cotovelos. Cuidou então de identificar e eleger a sucessora e, daí em diante, passou a ser perseguido pela certeza de que tinha se esgotado o prazo útil. Ainda lhe coube o privilégio de não ver seus erros aproveitados pela oposição, que ficou com o papel de condenada ao purgatório, qual seja, a sala de espera da eternidade.

Lula, que já não cabia em si, retroagiu na maneia de ser e sentiu a oportunidade de atear fogo à CPI, ajuda dos deuses no momento em que o oposicionismo de salão alcançava seu mais alto ponto no governo Dilma Rousseff . Então, abriu-se a janela por onde se vê mais do que está à vista. Onde há fumaça, é certo que há fogo. É só procurar.

Wilson Figueiredo é jornalista

FONTE: JORNAL DO BRASIL

A verdade:: Renato Janine Ribeiro

O Brasil sempre lidou mal com sua história. Nossas rupturas não são para valer, mesmo quando deveriam ser. Mudamos tudo para manter tudo como estava, na célebre frase do romance de Lampedusa, "O Leopardo". Ou "façamos a revolução antes que o povo a faça", como disse o governador de Minas Gerais, Antonio Carlos, em 1930. Daí que nossas mudanças fiquem truncadas.

Vejamos os grandes acontecimentos de nossa história. A independência foi proclamada pelo príncipe herdeiro de Portugal, a conselho do pai ("Pedro, toma essa coroa antes que um aventureiro lance mão dela"). A abolição foi assinada pela princesa regente do Império. A República foi proclamada por Deodoro, que o imperador fizera marechal. A revolução de 1930 foi liderada por Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda do presidente que ele depôs. A ditadura Vargas foi derrubada em 1945 por Gaspar Dutra, ex-ministro da Guerra do presidente que ele depôs. A segunda ditadura caiu em 1985, colocando na presidência José Sarney, que um ano antes chefiava o partido do regime.

Com tudo isso, como "passar o Brasil a limpo"? Cada coisa ruim de nossa história - a colônia, a escravidão, o despotismo, a fraude eleitoral da oligarquia, o golpe militar de 1964 - sai de cena derrotada, mas na hora de mudar não se vai adiante. Não se cobra, não se conserta, não se renova.

Não precisamos ter medo da verdade nem da Comissão

A Comissão de Verdade é a tentativa, simbólica e mais que simbólica, de ir além disso. O Brasil demorou a criar a sua. Vários países já o tinham feito. Finalmente o fizemos. Pela primeira vez em nossa história, tratamos o passado vergonhoso de maneira consequente. Se ele é infame, por que calá-lo? Se foi repudiado nas ruas, por que não apurar o que ele efetivamente foi? Vá lá uma anistia, mas anestesia e amnésia por quê?

O Supremo Tribunal decidiu não rever a anistia autoconcedida pelos mesmos que violaram leis humanas e acima do humano. Mas como perdoar, sem antes saber quem e o que está sendo perdoado?

Na verdade, a lógica da Comissão é a mesma da lei do governo FHC, que manda indenizar as vítimas da ditadura. É também a lógica das ações afirmativas, que o Supremo recentemente validou por unanimidade.

Em todos esses casos se reconhece que quem mandava no Brasil agiu mal - fosse o regime militar, fosse a oligarquia escravagista. Essa ação má e injusta causou vítimas e danos. Ora, numa linha de ação consistente mas inédita em nosso país, desde a iniciativa citada do presidente Fernando Henrique o Estado brasileiro explicitamente condena a ação má desses grupos e, consequência lógica também nova entre nós, busca reverter os resultados igualmente maus que produziram. Essa a razão, por exemplo, de compensar os afrodescendentes para que seu terrível ônus histórico, que os situou nas camadas subalternas da sociedade, seja temporária e instrumentalmente convertido em bônus.

Isso também exige trabalhar a memória. Mentiras e silêncios precisam ser substituídos pela verdade.

Uma tradição forte que nos vem da Grécia antiga celebra o bem, o belo e o verdadeiro. Essa trindade de valores deveria andar junta. A verdade sobre o passado exige expor o que nele representa o mal. Só assim produziremos algo do bem. Tratando-se de uma história construída a partir do poder, tem que ser revelado o mal exercido com e pela dominação. Quando passamos, gradualmente, à democracia, a contínua linha histórica baseada na exclusão e na opressão não deve subsistir. Mas não basta distribuir renda. É preciso abrir o pensamento, a compreensão do passado, a construção do futuro. Nada disso se fará com a mentira ou a ignorância.

Pessoalmente, não defendo a revisão da anistia. Mas isso porque a verdadeira discussão é sobre a memória. Notem que já esquecemos os presidentes da ditadura. O último governante que lembramos com admiração, antes dos recentes, foi Kubitschek, que a ditadura cassou; antes dele, Getúlio, cuja herança ela quis liquidar. Contra o mal na política, a verdade é o que há de mais precioso. Só precisa ter medo dela quem tem razões para temê-la. É bom separar o joio, raro, do trigo, abundante. Dezenas de milhares de oficiais das nossas Forças Armadas, que nada têm a ver com a tortura, só podem se sentir bem ao se demarcarem da minoria que, um dia, agiu contra a honra da farda.

O Brasil ganha, desenvolvendo um processo de mudança consistente, pelo qual não só reduz a pobreza medida em poder de compra mas também, e sobretudo, revisa a fundo os significados atribuídos pela sociedade ao que são liberdade e opressão, crescimento econômico e exploração do outro, florescimento da pessoa e sua escravização ou humilhação.

Isso não ocorre só no Brasil. Um século atrás, três por cento da população mundial, se tanto, tinham direitos humanos em ampla escala. Hoje, mesmo não sendo otimista, essa proporção terá passado a trinta, talvez quarenta por cento no mundo. Falta muito. Mas nunca tanta gente - incluindo mulheres, povos de cor, como os chamava Sukarno, minorias comportamentais, como homossexuais - desfrutou de direitos como esses. Essa multiplicação por dez do porcentual de seres humanos respeitados, em cem anos, é um avanço que nunca antes ocorreu - e nunca mais ocorrerá, nessa dimensão. Se e quando todos os habitantes do mundo tiverem reconhecidos seus direitos humanos, o avanço a partir de hoje será uma multiplicação por dois ou três, não por dez, que foi o que conseguimos nas últimas gerações. Ora, para realizar este processo, é preciso acabar com a mentira. Saber o que foram (ou, infelizmente, ainda são) a tortura e a opressão extrema é uma condição para se construir um mundo melhor.

Renato Janine Ribeiro - é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO