domingo, 3 de setembro de 2023

Dorrit Harazim - Victor Jara, presente

O Globo

Para a nação chilena, o crime contra ele tem peso histórico semelhante ao fuzilamento de García Lorca

Perto do meio-dia da terça-feira passada, agentes da Brigada de Direitos Humanos da Polícia Civil do Chile bateram à porta de um apartamento em Las Condes, bairro afluente de Santiago. Traziam uma ordem de prisão para o morador do terceiro andar, Hernán Chacón Soto, general reformado do Exército. Na véspera, a Corte Suprema do país havia ratificado sua condenação, junto a outros seis oficiais do Exército chileno da Era Pinochet, a 25 anos de prisão por um crime cometido meio século atrás: o sequestro, tortura e assassinato do cantor Victor Jara, adorado trovador do folclore nacional e do socialismo allendista.

Chacón não emitiu resistência à ordem dos policiais, pediu apenas para ir até o quarto buscar seu arsenal de medicamentos. Momentos depois, ouviu-se um tiro — talvez da mesma pistola Steyr calibre 9 mm com que cometera atrocidades. O suicida tinha 86 anos. Os outros três coronéis, dois tenentes e um general, todos reformados e com idades entre 72 e 83 anos, começarão a cumprir suas penas fechadas na penitenciária de Punta Peuco. Falta agora a Justiça chilena conseguir a extradição daquele que é tido como responsável mais direto pela morte de Jara: o ex-tenente Pedro Barrientos, escapulido para os Estados Unidos em 1990 e até recentemente protegido pela cidadania americana.

Sylvia Colombo* - Polarizado, Chile relembra o golpe

Folha de S. Paulo

50 anos do golpe no Chile coincidem com ascensão da ultradireita

Em recente entrevista à rede CNN, uma das filhas de Salvador Allende (1908-1973), a senadora Isabel Allende —não confundir com a escritora homônima, que tem outro grau de parentesco com o líder socialista— afirmou que, no aniversário de 40 anos do golpe de Estado, o então presidente Sebastián Piñera, de direita, pôde dar uma mensagem muito mais clara de reforço à democracia e rejeição da ditadura militar do que o atual líder, o centro-esquerdista Gabriel Boric, tem conseguido.

"Boric está pedindo uma revisão crítica do governo da Unidade Popular [coalizão de Allende], puramente por conta da pressão da oposição", disse a senadora, cujo último abraço em seu pai ocorreu poucas horas antes do bombardeio do La Moneda, em 11 de setembro de 1973.

Míriam Leitão - País preso entre tempos

O Globo

Da busca pela justiça por crimes cometidos na ditadura ao caminho correto do orçamento, o Brasil tem novos embates e velhas dores não resolvidas

Ele agora tem cabelos brancos, mas a primeira vez que eu o vi, numa foto de jornal, era um menino, de nove anos, abraçado à mãe na Catedral da Sé. Agarrava-se para não naufragar na dor e sustentar a mãe e o irmão menor, ao mesmo tempo. Na semana passada, com seus cabelos brancos, Ivo Herzog foi visitar autoridades em Brasília e, na foto divulgada, está ao lado do ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, mas esteve com outros integrantes do governo. Conversou nesses encontros sobre questões jurídicas que o Brasil jamais enfrentou. Uma ação movida pelo Instituto Vladimir Herzog na Corte Interamericana de Direitos Humanos levou à condenação do Estado brasileiro pela morte do seu pai, o jornalista Vladimir Herzog.

Elio Gaspari - O CNJ afasta e investiga a juíza

O Globo

Magistrada da 1ª Vara Federal de Florianópolis realizou a audiência de custódia de uma cidadã que havia sido presa, mas não existia mandado

O Conselho Nacional de Justiça resolveu abrir um processo disciplinar contra a juíza Janaína Cassol Machado, afastando-a da 1ª Vara Federal de Florianópolis. Aconteceu o seguinte:

No dia 18 de abril a juíza Cassol realizou a audiência de custódia de uma cidadã que havia sido presa (não existia mandado). Ela determinou que a prisão se tornasse domiciliar. Instada a expedir um alvará de soltura, respondeu:

“Não haverá expedição de alvará de soltura pois não está sendo determinada a soltura da custodiada, mas sim mantida a sua preventiva com recolhimento em regime domiciliar, não se submete este Juízo a nenhuma outra documentação exigida, uma vez que a mesma se encontra detida por cumprimento de ordem de prisão preventiva emanada deste Juízo Federal Substituto e só está recolhida no Instituto Oscar Stevenson por conta de outro descumprimento por parte da Polícia Federal, uma vez que foi determinada a manutenção da custodiada na sede da Polícia Federal”.

Bernardo Mello Franco - Direito de resposta

O Globo

Se estivesse vivo, antropólogo pediria direito de resposta a ministro indicado por Bolsonaro

O ministro André Mendonça levou dois dias para ler seu voto a favor do marco temporal. A tese inexiste na Constituição, mas está em debate no Supremo. Se aprovada, pode inviabilizar a demarcação de terras indígenas no país.

A opinião do ministro “terrivelmente evangélico” não surpreendeu. Ele foi indicado por um presidente que hostilizou os povos originários e incentivou a mineração ilegal em seus territórios. Ainda assim, houve espanto quando Mendonça citou aliados da causa indígena para defender o contrário do que eles pregavam.

A principal vítima do truque foi Darcy Ribeiro, mencionado nove vezes em 203 páginas de voto. Morto em 1997, o antropólogo não pode pedir direito de resposta. Mas é seguro dizer, com base em suas próprias palavras, que ele não deixaria barato.

“O que os índios pedem? A garantia da posse tranquila das terras, das matas, das águas onde eles vivem. E o direito de de viver segundo seus costumes”, sintetizou Darcy em 1991, em entrevista na TV Cultura.

Luiz Carlos Azedo - Depoimento de Mauro Cid desorientou defesa de Bolsonaro

Correio Braziliense

A PF já tem muitas provas contra o ex-presidente, inclusive trocas de mensagens incriminatórias entre o seu ex-ajudante de ordens e o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

Ao optar pela Lei de Murici, a defesa do tenente-coronel Mauro Cid deixou o ex-presidente Jair Bolsonaro e os demais envolvidos no caso da venda das joias recebidas de presente da Arábia Saudita, inclusive a primeira-dama Michele Bolsonaro, diante de um desastre anunciado, que pode até terminar na cadeia. O depoimento de Mauro Cid à Polícia Federal durou 10 horas e quebrou o pacto de silêncio em torno do ex-presidente da República, que está cada vez mais vendido na história.

O ex-ajudante de ordens teve tempo de sobra para explicar o “rolo” do Rolex cravejado com brilhantes que Bolsonaro recebeu de presente da Arábia Saudita, além de outras joias. Foi vendido nos Estados Unidos pelo general Lorena Cid, seu pai, e recomprado pelo advogado Frederick Wassef, para ser devolvido ao Patrimônio da União. Nos bastidores da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Golpistas, negocia-se uma delação premiada com a defesa de Mauro Cid. Seu novo advogado, Cezar Bitencourt, adotou uma linha independente da defesa.

Em conversa com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito, o presidente da CPMI, deputado Arthur Maia (PP-BA), e a relatora, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), receberam sinal verde para fazer o acordo. Há dúvidas sobre as consequências jurídicas que um acordo dessa natureza teria: seria um fato jurídico inédito, sujeito a eventual nulidade.

Celso Rocha de Barros - PT tem que apoiar Haddad

Folha de S. Paulo

Bons resultados dão força a ministro, que enfrenta fogo amigo e brigas difíceis

O Brasil está crescendo mais rápido do que esperávamos. No segundo trimestre de 2023, a economia cresceu 0,9%, três vezes mais do que o mercado previa.

Com a volta de Paulo Guedes para o setor privado, era previsível que a qualidade média das previsões da Faria Lima caísse. Mesmo assim, a diferença foi grande.

Os bons resultados dão força a Fernando Haddad, que enfrentará uma série de brigas difíceis nos próximos meses.

A turma de sempre vai continuar tentando piorar a Reforma Tributária. Lembre-se: de agora em diante, sempre que você ouvir "Congresso muda Reforma Tributária de Lula para que X não precise pagar impostos", é quase certo que X não será você.

O mais provável é que você seja o Y que vai ter que pagar a parte do X para fechar a conta do governo.

O que, aliás, já é verdade no caso dos fundos exclusivos. Haddad defende que esses fundos de investimento, que só estão disponíveis para quem tem muitos milhões para investir, paguem o mesmo imposto que você paga quando aplica seu dinheiro no banco.

Celso Ming - PIB surpreende

O Estado de S. Paulo

O surpreendente avanço do PIB no segundo trimestre do ano, de 0,9% sobre o trimestre anterior, não dispensa festejos, como os proporcionados pelo governo, pela Bolsa e pelos analistas de mercado. No entanto, o mais importante agora é olhar estrada à frente.

As primeiras estimativas para o desempenho do setor produtivo no segundo semestre são de relativa estagnação. Fortes indicações dessa condição são a retração real da arrecadação do governo federal em julho, de 4,20% na comparação anual, e o grande endividamento das famílias, atenuado, mas não superado pelo Programa Desenrola.

Mas, se o comportamento da economia surpreendeu positivamente no segundo trimestre, pode também surpreender nos seguintes. Com base nos novos dados do IBGE, os técnicos do Ministério da Fazenda revisaram para cima as estimativas do PIB de 2023, de 2,0% para 2,5%, projeção que parece apressada.

Bruno Boghossian - O efeito Vitorino Freire

Folha de S. Paulo

Presidente terá que traçar limites de tolerância e mostrar até onde vai para preservar arranjos políticos

A visita da Polícia Federal ao município de Vitorino Freire (MA) antecipa um teste inevitável para Lula. No momento em que o centrão amplia seus domínios no governo, a operação que envolve o ministro Juscelino Filho força o petista a traçar limites de tolerância e mostrar até onde vai para preservar arranjos políticos.

Juscelino é o primeiro ministro de Lula citado em suspeitas frescas de corrupção. Segundo a PF, o político mandou verba de emendas para o município comandado pela irmã, alertou empresários amigos que manipulavam licitações e recebeu pagamentos numa empresa de fachada. Ele nega irregularidades.

Vinicius Torres Freire - O crescimento de 2024

Folha de S. Paulo

Alguns impulsos do PIB de 2023, até agora, devem diminuir; investimento produtivo tem de subir

Quaisquer que tenham sido os motivos do crescimento bom e inesperado do PIB neste ano até agora, alguns impulsos devem diminuir no ano que vem. Não quer dizer que a economia vai crescer mais ou menos em 2024. Dadas as surpresas (erros enormes de previsão) dos últimos três anos, seria uma temeridade acreditar mesmo nos melhores chutes informados da praça. De resto, é possível que sobrevenham fatores novos de crescimento de curto prazo.

Talvez não esteja claro o peso que agropecuária, petróleo e ferro no avanço do PIB, em particular desde 2020. O impulso das commodities deve ser agora menor, de qualquer modo.

Está mais do que sabido o grande sucesso da safra de 2022/2023, multiplicado pelo câmbio desvalorizado ("dólar caro"), que elevou ainda mais os ganhos de renda da agropecuária exportadora. Será difícil que safra e preços sejam maiores de modo relevante em relação a 2022/2023 e que o câmbio esteja tão bom.

Muniz Sodré* - A vez dos boquirrotos

Folha de S. Paulo

Brasília é hoje, tanto quanto as redes, a capital federal do delírio linguístico

A imprensa tem se referido a um tipo novo de advogado em Brasília, o "falador", que dirige aos holofotes uma algaravia totalmente contrária às ações e pretensões dos clientes. Acontece principalmente nos discursos de defesa dos civis e militares implicados no imbróglio dos regalos sauditas. A descrição coincide com a divulgação do best-seller de autoajuda intitulado "O Poder de Manter a Boca Calada num Mundo Infinitamente Barulhento" (Dan Lyons). Palavroso, o título é praticamente um oxímoro para o sentido visado pelo autor, mas gira em torno da virtude de não falar demais.

George Gurgel de Oliveira* - Brasil: educação, ciência e tecnologia para a sustentabilidade

O imperativo da mudança

A dinâmica das relações entre a sociedade, a educação, a ciência, a tecnologia e a natureza muda qualitativamente a partir da revolução industrial. As inovações científicas e tecnológicas, incorporadas aos processos produtivos, modificam exponencialmente a escala de produção e consumo, colocando-se a necessidade de ampliação dos mercados, além do Estado Nacional, criando novas relações políticas, econômicas e sociais nos planos nacional e internacional.

Desde então, desencadeou-se um processo de mundialização, transformando o modelo de ser e agir da humanidade nas suas relações entre si e com a própria natureza, impactando, como nunca antes na história, os ecossistemas, colocando em risco a sobrevivência da própria humanidade. Construiu-se uma lógica de produção e consumo que, histórica e atualmente, mostrou-se insustentável.

Portanto, coloca-se a necessidade de construir uma outra perspectiva de sociedade, ampliando as formas e os conteúdos da democracia, a partir de novas relações políticas, econômicas e sociais, nas quais a Educação, a Ciência e a Tecnologia cumprem um papel de destaque.

Continua moderno e contemporâneo o desafio de melhor realizar a distribuição da riqueza material produzida pelos que trabalham, incorporando os ganhos proporcionados pela Educação, Ciência e a Tecnologia, a favor do bem estar e da felicidade humana, preservando e valorizando a diversidade cultural e espiritual da sociedade, afirmando os direitos, deveres individuais e coletivos da cidadania, onde a sustentabilidade econômica, social e ambiental são fundamentos para a sobrevivência do planeta e da própria humanidade.

Vamos fazer esta travessia? Ou queremos continuar a nos autodestruir e ao próprio planeta? Nós somos os únicos responsáveis pela destruição da própria humanidade e dos ecossistemas planetários, tanto nos tempos de guerra, como de paz, com bilhões de pessoas ainda excluídas das conquistas sociais modernas.

Até quando vamos nos agredir, nos autodestruir e a própria natureza?

Quais os nossos compromissos com a nossa casa comum, com a nossa memória ancestral, com as gerações atuais e futuras?

Jorge Caldeira* - Brasil: potência pós-fogo?

O Estado de S. Paulo

A humanidade nervosa olha para o Brasil. E o que ela vê? Brasileiros atuando como homens do paleolítico, com apetite para devastar florestas pelo fogo

Primeiro, a escala mundial do problema. As emissões anuais de gases de efeito estufa foram de 54,5 gigatoneladas em 2021. Tais emissões, mais a herança delas recebida de nossos ancestrais, geram aquecimento. O problema não vai ser resolvido apenas com a diminuição das emissões presentes (e nem a esse ponto a humanidade chegou ainda).

Agora, a escala brasileira. Em 2021, as emissões líquidas do País foram de 1,9 gigatonelada, ou 3,5% do total planetário.

A escala mundial das soluções começa pelo setor privado. O total do capital privado existente hoje no mundo é de US$ 140 trilhões, e US$ 53 trilhões (38% do total) são aplicados com cláusulas ESG. A partir de 2020, os maiores governos do planeta criaram seus instrumentos, os Planos de Carbono Neutro, direcionando ações estatais para criar soluções em escala.

O Brasil é irrelevante em capital ESG e inexistente em Plano de Carbono Neutro.

Nesse cenário se joga o futuro. A sobrevivência da humanidade vai depender da capacidade do homem de queimar menos para produzir e, sobretudo, fixar parte do carbono lançado na atmosfera.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

É insuficiente o avanço brasileiro na questão feminina

O Globo

Em discriminação contra mulheres houve evolução, mas OCDE coloca o Brasil atrás de países semelhantes

Tem sido inegável o avanço na luta contra a discriminação das mulheres. Tribunais se mostram mais ativos na aplicação de leis igualitárias, mais empresas adotam medidas para evitar prejuízos à carreira da mulher, denúncias da imprensa expõem a extensão de agressões e feminicídios. A representatividade política feminina, contudo, fica muito aquém do desejável. Mulheres são apenas 18% dos representantes no Congresso, percentual abaixo da média das Américas (35%) e do mundo (27%), revela estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A constatação torna mais retrógrada a PEC da Anistia, que prevê perdão aos partidos políticos por irregularidades como descumprimento da cota de 30% de candidaturas femininas, sistematicamente desrespeitada ou fraudada. A ideia, em debate no Congresso, de substituir tais cotas pela reserva de 15% das cadeiras a mulheres também é ruim. Primeiro, porque esse patamar é inferior ao já registrado hoje, à média do continente e à média global. Segundo, porque, apesar de o Brasil ser o 133º país em participação feminina entre os 187 avaliados pela União Interparlamentar, ela vem melhorando desde a implantação das cotas. Por fim, de nada adianta o Parlamento criar qualquer regra se, quando ela é descumprida, o mesmo Parlamento se apressa em providenciar uma anistia.

Poesia | Homens Imprescindíveis (Os que lutam) - Bertold Brecht & Mercedes Sosa

 

Música | Chico Buarque - De volta ao samba