domingo, 19 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Decisão na Argentina

Folha de S. Paulo

Qualquer que seja o resultado da eleição, há pouca chance de melhora na economia

Os argentinos decidem neste domingo (19) de quem será o mandato para presidir o país nos próximos quatro anos. As opções do segundo turno, o peronista Sergio Massa e o anarcodireitista Javier Milei, dificilmente resgatarão a nação vizinha da arapuca econômica em que se meteu.

Porção menosprezada no antigo império espanhol, a Argentina tornou-se um dínamo no final do século 19, quando a sua renda per capita se aproximava da dos Estados Unidos. O país sul-americano explorava com eficiência seu invejável potencial agropecuário, educava rapidamente a população e atraía muita imigração europeia.

Essa máquina engripou em meados do século 20, não por coincidência no momento em que ideias econômicas intervencionistas e populistas encontraram no peronismo a sua encarnação política. Hoje a renda argentina não ultrapassa um terço da norte-americana.

Dorrit Harazim - O possível

O Globo

Falta quase tudo para imaginar o nascimento oficial de uma nação palestina. Mas a História está cheia de viradas

‘A realidade é uma das possibilidades que não posso me dar ao luxo de ignorar’, escreveu Leonard Cohen em seu romance experimental dos anos 1960, “Beautiful losers”, considerado bizarro até mesmo para aqueles tempos. (Posteriormente a obra virou cult, em parte por frases incompreensíveis como “Beijá-la ali foi adentrar em algo privado e ossudo como o ombro de uma tartaruga”.) Poeta e trovador gigante, Cohen explorou a vida e pôde cantar suas profundidades com lirismo. Para o planetinha estressado dos tempos atuais, o luxo da ignorância acabou. É hora de encarar a realidade — no caso, a necessidade do possível. E, no Oriente Médio, essa necessidade do possível se chama Estado Palestino.

A cada nova semana de avanço das tropas israelenses sobre Gaza, visando a aniquilar a estrutura do Hamas e, quem sabe, resgatar os cerca de 240 reféns em mãos terroristas, mais clara fica a necessidade de um compromisso. Não se trata aqui de imaginar que o fluxo da humanidade vá, de repente, se dar as mãos e formar uma base capaz de dissolver a lógica da guerra. Afinal, não são os cidadãos que desencadeiam e fazem guerras, são as lideranças políticas.

Elio Gaspari - O PT menospreza os riscos de 2026

O Globo

Nas eleições presidenciais, é comum que um candidato saia vitorioso muito mais pela fraqueza do adversário do que pelo vigor de sua proposta. Em 2022 e em 2018, as vitórias de Lula e de Bolsonaro deveram-se mais à vulnerabilidade do derrotado. No ano passado, houve mais votos contra Bolsonaro do que a favor de Lula. Na eleição anterior, havia acontecido o contrário com Bolsonaro. Ele prevaleceu, ajudado muito mais por um sentimento antipetista do que por suas ideias, que eram poucas e confusas.

O primeiro ano de mandato de Lula está para terminar, com um desempenho que cultiva a agenda negativa. A situação da economia e as amarras políticas dificultam-lhe a agenda positiva, mas uma certa autoconfiança típica de quem está no poder, mostra-se como fonte alimentadora do voto contra.

Dois episódios recentes:

Primeiro, a classificação dos crimes de guerra de Israel em Gaza como atos ‘terroristas”. Para um presidente que assumiu com áulicos sonhando em levá-lo ao Prêmio Nobel da Paz, da Venezuela à Ucrânia, Lula atravessou continentes para escorregar em cascas de bananas. Na guerra de Israel contra o Hamas, uma frase palanqueira, desperdiçou o prestígio adquirido pela diplomacia brasileira no Conselho de Segurança da ONU.

Míriam Leitão - Ministro Haddad e as vitórias difíceis

O Globo

Titular da Fazenda venceu diversas batalhas no governo, mas os que perderam podem jogar sobre ele qualquer custo de problemas futuros

O ministro Fernando Haddad reverteu um jogo perdido, mas a cobrança sobre ele continuará forte. Os que perderam o debate sobre a mudança da meta fiscal começaram a segunda discussão: qual é o tamanho do contingenciamento necessário para que a meta seja mantida em zero? O ministro terá que continuar fazendo uma delicada costura interna porque o ano que vem tem ainda muitas incertezas.

Mesmo que aprove todas as medidas que mandou para o Congresso pode não chegar nos R$ 160 bilhões de receitas a mais que projetou. Tem ainda o fator político, porque 2024 é ano eleitoral e qualquer mau desempenho do governo será jogado sobre ele.

Quem avalia assim não são os que divergiram de Haddad, mas pessoas com proximidade com o ministro e que acham que ele está certo no que fez. O temor que se tem é que o fato de ter vencido a queda de braço com os ministros que queriam expansão de gastos possa ser usada para jogar sobre ele qualquer custo de problemas futuros.

Celso Ming - A desaceleração da economia

O Estado de S. Paulo

Ficou mais difícil contar com um crescimento do PIB neste ano de algo em torno dos 3%, como garantia o ministro Fernando Haddad. Os últimos números do IBC-Br sugerem que o avanço da atividade econômica deste 2023 fique mais perto dos 2,5%.

O IBC-Br, cujo nome e sobrenome é Índice de Atividade Econômica do Banco Central, existe para dar ideia antecipada da evolução do PIB. O PIB, a renda nacional, é uma estatística trimestral de apuração complexa que só é divulgada cerca de dois meses e meio após o encerramento do trimestre-calendário. O IBC-Br sai todos os meses, mas é cálculo aproximado.

O IBC-Br, que saiu na última sexta-feira, mostrou queda de 0,06% em setembro, na comparação com agosto (veja o gráfico), o que contrariou as expectativas de crescimento no período em pelo menos 0,2%. Assim, o terceiro trimestre apontou recuo da atividade de 0,6% e lança um arrasto negativo também para o quarto trimestre. Desta vez, o setor que puxou para baixo foi o de serviços, movimento que já vinha sendo observado pelos indicadores que medem o comportamento do varejo.

Affonso Celso Pastore - As metas de resultado primário

O Estado de S. Paulo

Será que Lula está disposto a queimar capital político para controlar a expansão dos gastos?

Na última semana duas agências de classificação de risco insistiram na importância de que o Brasil mantenha a meta de resultado primário nulo para 2024. Como o não cumprimento da meta dispara o gatilho, que em 2025 limita o aumento real dos gastos primários em 50% do crescimento das receitas, há na militância petista um movimento para que ela seja mudada, o que enfraqueceria o arcabouço, que já nasceu fraco. O ministro Haddad ganhou a primeira batalha, mas ainda não ganhou a guerra.

Com uma taxa nominal de juros implícita da dívida pública bruta acima de 11% ao ano, a taxa real de juros é significativamente maior do que a taxa de crescimento econômico, exigindo que, para estabilizar a relação dívida/PIB, superávits primários fossem bem mais elevados do que os estabelecidos no arcabouço. Ainda que as metas nos próximos três anos fossem atingidas, a dívida/PIB continuaria crescendo, o que eleva os prêmios de risco, realimentando o crescimento da taxa de juros paga pelo Tesouro. Este efeito se intensifica caso as metas não sejam cumpridas, fechando-se um círculo vicioso que precisaria ser rompido.

Eliane Cantanhêde – Mais um ‘mito’?

O Estado de S. Paulo

Milei: onde a política afunda, os salvadores da pátria emergem e atacam a democracia

Javier Milei replica na Argentina os “fenômenos”, ou “mitos”, Donald Trump nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro no Brasil e Hugo Chávez na Venezuela, entre tantos outros exemplos a confirmar que, quando os políticos falham, os partidos caem em descrédito e as instituições se tornam disfuncionais, a política abre espaço a aventureiros com boa lábia e poucos escrúpulos, que se lançam como “salvadores da pátria”.

Trump, Bolsonaro e agora Milei atacam as eleições com histórias mirabolantes sobre fraudes, para agitar seus seguidores, atiçar os ânimos e vandalizar as instituições. Derrotados na reeleição, Trump liderou a invasão do Capitólio e Bolsonaro incitou o quebra-quebra no Planalto, no Congresso e no Supremo. Milei já está na mesma toada. E se perder?

Bernardo Mello Franco - O Risco Milei

O Globo

Para Juan Luis González, país chega ao segundo turno em situação inédita de tensão

O que acontece quando um país instável cai nas mãos de um líder instável? A pergunta aparece no prefácio de “El Loco”, biografia não autorizada de Javier Milei. Autor do livro, o jornalista Juan Luis González confessa não ter encontrado a resposta para o enigma argentino.

“Não há uma experiência passada que permita imaginar como seria um governo Milei. Muitas ideias dele nunca foram aplicadas na Argentina, como dolarizar a economia, fechar o Banco Central e acabar com as obras públicas”, diz o biógrafo. “Além disso, há a instabilidade de Milei, um personagem que fala com seu cachorro morto e pensa que os clones do animal lhe dão conselhos políticos. É muito difícil prever o que acontecerá”, resigna-se.

Lançado em julho, o livro se tornou um best-seller instantâneo. González reconstituiu a trajetória do candidato de extrema direita: de menino solitário, que sofria bullying até do pai, a polemista histriônico, que ganhou fama com gritos e insultos na TV. A morte do bicho de estimação, em 2017, é descrita como um ponto de virada.

Merval Pereira - Resultado indecifrável

O Globo

A Argentina é tão “indecifrável”, na definição do ex-presidente do Uruguai José Mujica, um ícone da esquerda, que o ministro da Fazenda de um governo falido pode vencer a eleição.

Marqueteiros ligados ao PT estão trabalhando com afinco, e ajuda da IA (Inteligência Artificial), para conseguir reverter o “efeito Orloff” na eleição presidencial deste domingo. Nos anos 1980, uma propaganda de vodca originou no Brasil a expressão “efeito Orloff”, pois todos os erros cometidos na economia argentina acabavam se reproduzindo no Brasil. A mensagem básica da propaganda resumia-se a uma frase — “eu sou você amanhã” — para evitar a ressaca por beber uma vodca de má qualidade.

A Argentina hoje está na mesma situação em que o Brasil já esteve. Se vencer o ultradireitista Javier Milei, será assim como em 2018, quando aqui surgiu o fenômeno bolsonarista, e Fernando Haddad representava o petismo, com Lula na cadeia. Na Argentina é o peronismo do candidato Sergio Massa, que tem várias facções, que está sendo contestado por um outsider completamente fora dos padrões, Javier Milei.

Luiz Carlos Azedo -Dois cenários para as relações com a Argentina

Correio Braziliense

"Desde a redemocratização de ambos os países, o pior momento das relações entre Brasil e Argentina foi durante os governos do atual presidente Alberto Fernandes e Jair Bolsonaro, que nunca se encontraram"

As relações entre o Brasil e a Argentina nem sempre foram pacíficas, como na guerra Cisplatina (1825-1828). Algumas vezes, foram até estreitas demais, como durante a Operação Condor, na segunda metade dos anos 1970, na qual houve estreita colaboração entre os órgãos de segurança dos regimes militares dos países contra seus oposicionistas.

Neste domingo, com o país dividido entre o anarco-capitalista Javier Milei (La Liberdade Avanza) e o peronista Sérgio Massa (Unión por la Pátria), as conexões do Brasil com "los hermanos" novamente estão em xeque. O primeiro diz que não pretende ter relações com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que a Argentina sairá do Mercosul, se for eleito — o que praticamente inviabilizará o acordo do bloco com a União Europeia (UE). O segundo promete estreitar ainda mais os laços com o Brasil e fortalecer o bloco econômico sul-americano.

Pesquisa divulgada pela AtlasIntel (10/11), a última divulgada em razão da legislação eleitoral, com 8.971 entrevistados, revelou que Milei aparece com 52,1% e Massa, com 47,9%. Em razão do último debate, no qual Massa, o atual ministro da Economia, surpreendeu Milei, analistas dizem que a diferença entre ambos reduziu.

Muniz Sodré* - Promíscuas parcerias

Folha de S. Paulo

Promiscuidade é palavra-chave para se entender a expansão local do crime

Cena de interesse acadêmico para a operação de GLO no Rio: a Polícia Federal prende um criminoso, cuja escolta eram dois policiais militares e um sargento do Exército. Se, por hipótese, o ato se estendesse à estrutura de sustentação do absurdo, seria preso também algum vereador, algum deputado, algum promotor, algum juiz.

Promiscuidade é palavra-chave para se entender a expansão local do crime. O fenômeno pode evidenciar-se em outros estados, mas a imprecisão dos limites fluminenses entre poder oficial e criminalidade beneficia-se de uma transfusão inatingível por planos pontuais de segurança pública.

Bruno Boghossian - Milei e o mito da moderação

Folha de S. Paulo

Ultradireitista só vencerá se tiver apoio de políticos e eleitores dispostos a endossá-lo como um cheque em branco

Após o primeiro turno, Javier Milei se reuniu em segredo com Mauricio Macri. O ultradireitista pediu (e levou) o apoio do ex-presidente argentino, que indicou economistas para a campanha do aliado. No jantar, falou-se de um governo de cooperação em caso de vitória, mas Milei se esquivou desse plano em público.

O candidato populista passou a última etapa da campanha na Argentina encenando o conhecido espetáculo de equilibrismo dos histriões da política. Buscou o abraço do establishment de direita e tentou envernizar um programa de governo explosivo, mas teve o cuidado de não afastar o eleitorado que se deixou seduzir pelo barulho original.

Vinicius Torres Freire - As opções mortais da Argentina

Folha de S. Paulo

Estabilização vai causar mais dor social; presidente não terá maioria parlamentar

Suponha-se que Javier Milei ganhe a eleição. Sua coalizão, "La Libertad Avanza", tem 38 dos 257 deputados da Câmara. No segundo turno, Milei tem o apoio do fracassado ex-presidente Mauricio Macri e de Patricia Bullrich, presidenciável derrotada, ambos da "Juntos por el Cambio" (JxC), de centro-direita. Juntas, as coalizões teriam 131 deputados, maioria. Não vai acontecer.

A JxC talvez não dure até o ano que vem. Um dos partidos do grupo, a União Cívica Radical (UCR), rompeu com Macri, que chama de traidor e culpa pela derrota de Bullrich. A UCR tem 25 deputados —alguns talvez se juntem a Sergio Massa. O PRO de Macri tem 41, mas alguns não toleram Milei. Etc. O "Unión por la Patria" de Massa tem 108 deputados. Ninguém tem maioria.

Ricardo Rangel - Um Congresso disfuncional

Revista Veja

O Parlamento fecha os olhos e insiste em velhos hábitos

No ano de 1215, nobres ingleses se rebelaram contra um rei que cobrava impostos escorchantes e crescentes e o obrigaram a assinar a Magna Carta. Criou-se o Parlamento, um conselho para fiscalizar o monarca e garantir que ele cumprisse a lei e não gastasse irresponsavelmente.

É função precípua do Parlamento, desde sua origem, manter o Executivo na linha. Mas Bolsonaro infringiu a lei incontáveis vezes, gastou muito mais do que poderia, desmontou as instituições e atentou contra a democracia — e o Congresso nada fez. As finanças se deterioram, Lula dinamita a responsabilidade fiscal, gasta de maneira temerária e avisa que quer gastar ainda mais — e o Congresso aplaude. Até porque ano que vem tem eleição. Os parlamentares não são só lenientes, como participam e se locupletam com entusiasmo. O Centrão (a turma que fez a festa no mensalão, no petrolão e no orçamento secreto) faz a festa com o Orçamento Secreto 2.0 — O Retorno: as emendas RP9 de antes agora são emendas RP2 e emendas Pix. E pau na máquina.

Fernando Schüler* - A reforma e os sem-lobby

Revista Veja

Poderíamos ser melhores, como país, do que estamos demonstrando

Os táxis agora estão lá, na Constituição. Não me surpreendo. Talvez tenhamos a única Constituição do planeta dizendo que um colégio (no caso, o Pedro II, no Rio de Janeiro), deve permanecer federal. Agora transformamos a alíquota zero para a compra de táxis em um direito constitucional. Ninguém deu lá muita bola para esse grãozinho de areia, no mar de regimes especiais em que se transformou nossa reforma tributária. E ninguém fez conta para saber quanto a brincadeira custará ao contribuinte “desorganizado”. De minha parte, fiz um ensaio. Supondo-se que tenhamos 245000 taxistas (número que recebeu a bolsa-taxista), trocando de carro a cada cinco ou seis anos (desconto médio de 20000 reais?), teríamos um custo perto de 1 bilhão de reais. O número pode variar um pouco. A pergunta é: para que isso? A justificativa diz que não seria razoável que um benefício já consolidado e de tamanha importância para esses dois grupos seja extinto. Detalhe: os dois grupos são as pessoas com deficiências e do espectro autista. Táxis entraram de carona, sem muita lógica. Os aplicativos estão aí, não há mais monopólio, os preços caíram. Então por que raios uma conta dessas no bolso do contribuinte? E mais: como algo assim vira um direito constitucional?

Poesia | É noite. A noite é muito escura - Fernando Pessoa com narração de Mundo dos Poemas

 

Música | Copacabana de Sempre - Andrea Amorim, Roberto Menescal e Brasilidade Geral