Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL
O AI-5 me pegou pelo pé como assessor especial do ministro Magalhães Pinto, despachado pelo presidente Costa e Silva para a pasta do Exterior, de escassa valia aparente para um obstinado candidato ao Palácio do Planalto.
Nos rachas internos do golpe de 1º de abril de 1964, o espertíssimo mineiro perdeu o seu assessor político, meu saudoso compadre José Aparecido de Oliveira, que seria cassado logo nas primeiras listas de degola por conta de suas articulações do outro lado do muro com a banda à esquerda. Muito anos depois, a reconciliação no melhor estilo da mineirice enterrou os agravos caducos e restabeleceu a amizade com o nó que atou as duas pontas.
Sem Zé Aparecido, Magalhães Pinto apelou pela minha condição de suplente. E deixou claro que precisava de um amigo para extrair da garapa da diplomacia a rapadura da Presidência. Recusei além do limite da polidez. Entreguei os pontos com a desculpa para uso interno: se a ditadura militar encaixasse um paisano que assinara o manifesto dos mineiros seria um largo salto para fechar o pano sobre a Redentora.
Erro crasso, como se vê. Mas, não inteiramente frustrante. Com as costas quentes e a carteira vazia – a gratificação que recebia não dava para pagar o salário da nossa empregada – armei o esquema de contatos diretos com os representantes dos segmentos da sociedade que tivessem legítimos interesses no exterior, relacionados com o Itamaraty.
Abri o salão nobre ao fundo do lago dos cines do palácio da rua Larga para o almoço do futebol, com o Pelé no lugar de honra como representante do esporte, com o colar da Ordem Cruzeiro do Sul entregue pelo ministro. A foto em vários ângulos enfeitou as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo.
Depois foi a vez dos cientistas, do esporte amador, da música popular e a do AI-5.
Mesmo as lideranças políticas ligadas ao governo desconheciam o texto que o ministro da Justiça, o fanático da ditadura, Gama e Silva, redigia com os requintes da sua paixão pela força. Temia-se o pior e bastava a autoria para antecipar a obra. Entendi que era a hora de bater em retirada, pois nada mais havia a fazer. Nem candidatura ou a abertura das conversas com representantes da sociedade. Do último ponto de encontro com políticos e jornalistas no velho Monroe, onde funcionou o Senado até a mudança da capital para Brasília, tentei avançar na antecipação do tranco anunciado.
E de lá saí em companhia do Haroldo Holanda para uma conversa com o ministro da Administração, Hélio Beltrão, filho do deputado Heitor Beltrão que é nome de rua na Tijuca e uma grande figura da história da cidade.
Tentei, com uma ingenuidade que não me envergonha, convencer o ministro a seguir a linha da coerência com a biografia do seu pai.
Voltei para o Monroe, murcho e desanimado. De lá, atendi ao chamado do ministro Magalhães Pinto, reunido com o seu chefe de gabinete e demais altos integrantes da sua equipe.
O ministro teve a delicadeza de declarar que estava à espera da minha opinião para fechar as consultas sobre a decisão que deveria basear o seu voto na reunião do Conselho de Segurança Nacional.
Reconheço, mas não me arrependo, que passei da conta. Não seria a minha opinião que mudaria o seu voto. Mas, quem começara a vida pública assinando o manifesto dos mineiros não deveria encerrá-la com o apoio ao ato do Gama e Silva.
E o AI-5, mesmo com alguns cortes, superou as mais pessimistas expectativas. Na versão original, colocava em recesso o Supremo Tribunal Federal e fechava o Congresso.
O ministro da Marinha, almirante Augusto Rademaker, linha duríssima, deu um basta: "Assim você desarruma toda a casa".
DEU NO JORNAL DO BRASIL
O AI-5 me pegou pelo pé como assessor especial do ministro Magalhães Pinto, despachado pelo presidente Costa e Silva para a pasta do Exterior, de escassa valia aparente para um obstinado candidato ao Palácio do Planalto.
Nos rachas internos do golpe de 1º de abril de 1964, o espertíssimo mineiro perdeu o seu assessor político, meu saudoso compadre José Aparecido de Oliveira, que seria cassado logo nas primeiras listas de degola por conta de suas articulações do outro lado do muro com a banda à esquerda. Muito anos depois, a reconciliação no melhor estilo da mineirice enterrou os agravos caducos e restabeleceu a amizade com o nó que atou as duas pontas.
Sem Zé Aparecido, Magalhães Pinto apelou pela minha condição de suplente. E deixou claro que precisava de um amigo para extrair da garapa da diplomacia a rapadura da Presidência. Recusei além do limite da polidez. Entreguei os pontos com a desculpa para uso interno: se a ditadura militar encaixasse um paisano que assinara o manifesto dos mineiros seria um largo salto para fechar o pano sobre a Redentora.
Erro crasso, como se vê. Mas, não inteiramente frustrante. Com as costas quentes e a carteira vazia – a gratificação que recebia não dava para pagar o salário da nossa empregada – armei o esquema de contatos diretos com os representantes dos segmentos da sociedade que tivessem legítimos interesses no exterior, relacionados com o Itamaraty.
Abri o salão nobre ao fundo do lago dos cines do palácio da rua Larga para o almoço do futebol, com o Pelé no lugar de honra como representante do esporte, com o colar da Ordem Cruzeiro do Sul entregue pelo ministro. A foto em vários ângulos enfeitou as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo.
Depois foi a vez dos cientistas, do esporte amador, da música popular e a do AI-5.
Mesmo as lideranças políticas ligadas ao governo desconheciam o texto que o ministro da Justiça, o fanático da ditadura, Gama e Silva, redigia com os requintes da sua paixão pela força. Temia-se o pior e bastava a autoria para antecipar a obra. Entendi que era a hora de bater em retirada, pois nada mais havia a fazer. Nem candidatura ou a abertura das conversas com representantes da sociedade. Do último ponto de encontro com políticos e jornalistas no velho Monroe, onde funcionou o Senado até a mudança da capital para Brasília, tentei avançar na antecipação do tranco anunciado.
E de lá saí em companhia do Haroldo Holanda para uma conversa com o ministro da Administração, Hélio Beltrão, filho do deputado Heitor Beltrão que é nome de rua na Tijuca e uma grande figura da história da cidade.
Tentei, com uma ingenuidade que não me envergonha, convencer o ministro a seguir a linha da coerência com a biografia do seu pai.
Voltei para o Monroe, murcho e desanimado. De lá, atendi ao chamado do ministro Magalhães Pinto, reunido com o seu chefe de gabinete e demais altos integrantes da sua equipe.
O ministro teve a delicadeza de declarar que estava à espera da minha opinião para fechar as consultas sobre a decisão que deveria basear o seu voto na reunião do Conselho de Segurança Nacional.
Reconheço, mas não me arrependo, que passei da conta. Não seria a minha opinião que mudaria o seu voto. Mas, quem começara a vida pública assinando o manifesto dos mineiros não deveria encerrá-la com o apoio ao ato do Gama e Silva.
E o AI-5, mesmo com alguns cortes, superou as mais pessimistas expectativas. Na versão original, colocava em recesso o Supremo Tribunal Federal e fechava o Congresso.
O ministro da Marinha, almirante Augusto Rademaker, linha duríssima, deu um basta: "Assim você desarruma toda a casa".