quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

William Waack: Flagelo convergente

O Estado de S. Paulo.

Os dois líderes das pesquisas não convencem em como tirar o Brasil da estagnação

Os seguidores de Lula e os de Bolsonaro detestam que seus respectivos chefes sejam comparados entre si. Sim, são gritantes as diferenças, mas ambos convergem em ponto crucial. Os líderes das pesquisas não apresentaram até aqui um conjunto de ideias coordenado de como tirar o País da estagnação.

Cada um ajudou a aprofundar aquilo que o professor e economista da FGV Fernando de Holanda Barbosa deu o título em recente publicação de “flagelo da economia de privilégios”. Os privilegiados, segundo o autor, são empresários obtendo subsídios, tratamento fiscal diferenciado, conjuntos de trabalhadores com tratamentos especiais, funcionários dos três Poderes com salários acima do setor privado, além de aposentadorias e pensões também especiais.

O “conflito social” entre enormes grupos de privilegiados e o resto produz as cíclicas crises fiscais das quais a atual está longe ainda de ter sido debelada. E ela precisa ser resolvida logo, sob o risco de tirar qualquer perspectiva de futuro para o País.

Luiz Carlos Azedo: Consolidação de Tebet pode sangrar candidatura de Doria

Correio Braziliense

A senadora do MDB desconversa quanto às articulações com os dissidentes do PSDB, mas participou de uma reunião com os senadores José Aníbal (SP) e Tasso Jereissati (CE), além de Michel Temer (MDB)

Não está fácil a vida do governador João Doria, pré-candidato do PSDB a presidente da República. Ontem, a Executiva do Cidadania, reunida com representantes de 24 diretórios regionais, por 17 a 3 decidiu ampliar os entendimentos para a formação de uma federação partidária e montou uma comissão para conversar também com o Podemos, o MDB e o PDT. Há resistências à candidatura de Doria no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Paraná, na Bahia, na Paraíba, no Distrito Federal, em Goiás, no Pará e no Amapá, estados que admitem até não coligar e disputar as eleições com chapa própria. Simpático à aliança com Doria, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, líder histórico da legenda, defende a federação com os tucanos na perspectiva de um projeto futuro de fusão, que seria um reencontro social-democrata. Pré-candidato à Presidência, o senador Alessandro Vieira (SE) foi escolhido para coordenar as conversas da comissão com as demais legendas.

Enquanto a federação com o Cidadania está no telhado, Doria enfrenta uma articulação dos dissidentes do PSDB com a candidata do MDB, Simone Tebet (MS). Para o senador Tasso Jereissati (CE), a emedebista pode surpreender na campanha. Tebet também conta com o apoio do senador José Aníbal (SP), outro adversário de Doria que trabalha para que os aliados do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite — que disputou com Doria e perdeu as prévias do PSDB —, venham a se engajar na candidatura de Tebet. Embora Doria tenha 2% de intenções de votos e Simone, 1%, as pesquisas de opinião mostram uma rejeição muito mais alta ao governador de São Paulo: enquanto a senadora tem 5%, o tucano registra 23%.

Maria Hermínia Tavares*: O passado do país se foi de vez

Folha de S. Paulo

Mesmo sem Bolsonaro o extremismo antidemocrático continuará atuante

É possível derrotar Bolsonaro nas urnas e virar esta página infame da história brasileira. Mais: é provável que isso venha a acontecer em outubro que vem, embora o caminho até lá seja tudo menos tranquilo, mesmo para quem, como o desafiante Lula, desfruta de folgada dianteira nas pesquisas.

Afirmar que a derrota espreita o ex-capitão não significa ignorar que ele fará o que puder "dentro das quatro linhas constitucionais", se bastar, e além delas, se necessário, para tumultuar o processo eleitoral e desqualificar os resultados caso lhe sejam adversos a fim de continuar no Planalto a qualquer preço, tratorando as instituições democráticas.

Além disso, mesmo que o império das leis e a força dos fatos o obriguem a passar a faixa ao sucessor, continuará existindo espaço político para a extrema direita, sob sua liderança ou de outro político do gênero.

Vinicius Torres Freira: PT contra Alckmin e mudanças reais

Folha de S. Paulo

Partido tem seus motivos políticos, mas dá sinal também de que não quer mudar

Petistas eram de Marte, e tucanos eram de Vênus. Parecia distância astronômica das maiores quando se dava de barato que a democracia não iria para o vinagre.

Depois de 2013, o caldo azedou até o ponto de se descobrir que, na lonjura dos infernos de Plutão, mora a extrema direita.

Inventar coalizões que tentem preservar a democracia a partir de 2023 é o mínimo que se espera dos candidatos do universo da razão e da decência elementares.

Um caso pode ser o da aliança do PT com Geraldo Alckmin e partidos e quadros que o ex-tucano possa atrais para a órbita de Lula da Silva. Mas, como é cada vez mais gritante, Alckmin desce quadrado, se desce, para muito petista e boa parte da esquerda.

Primeiro trata-se de uma disputa de poder: o PT não quer que gente de fora vá bicar um governo que, imagina, vai receber de bandeja em outubro; não seria preciso dar lugar para a direita (fora o centrão que receberá cargos caso Lula vença). Mesmo que a maioria dos petistas vá parar de tossir e mugir quando Lula bater o martelo, a ideia é vender caro a insatisfação.

Bruno Boghossian: A peneira eleitoral vem aí

Folha de S. Paulo

Fusões, desistências e sabotagens dos próximos meses vão determinar verdadeiros concorrentes

Nos próximos meses, a peneira eleitoral vai começar a determinar os verdadeiros candidatos da próxima corrida ao Palácio do Planalto. Pouca coisa deve mudar nesse período no cenário desenhado pelas pesquisas de intenção de voto, mas fusões, desistências e sabotagens tendem a reduzir o rol de concorrentes de 2022.

Dois times podem ficar pelo caminho. O primeiro conta com nomes que têm planos sólidos de campanha, mas se verão com poucas chances de sucesso ou serão abatidos por suas próprias legendas. A outra classe é daqueles que só entraram no jogo para ganhar projeção e acumular poder na negociação de alianças com outros candidatos.

Ruy Castro: Maracugina para Queiroga

Folha de S. Paulo

O ex-médico está irritado. Mas seu problema é com os números, que ele erra por milhares ou milhões

Marcelo Queiroga, ex-médico e atual porta-voz do presidente e ministro da Saúde Jair Bolsonaro, está muito irritadinho no cargo. A qualquer pergunta descontrola-se, faz má-criação ou abandona a entrevista. Em setembro de 2021, em Nova York, quando ajudou a carregar as malas de Bolsonaro na visita deste à ONU para um esquete humorístico, Queiroga estomagou-se com um protesto e mostrou o dedo para as câmeras. Era caso de Maracugina na veia.

Disse há tempos que espera "um bom julgamento da história". Tarde demais. Seu antecessor Eduardo Pazuello entregou-lhe o país com 11,5 milhões de casos de Covid e 280 mil mortos. Queiroga já elevou esses números para, até agora, 23 milhões de casos e 620 mil mortos. Números, aliás, são um problema para ele. Sempre que tem de citar algum, embarafusta-se com os zeros e erra por milhares ou milhões.

Roberto Macedo*: Emendas parlamentares, aqui e nos EUA

O Estado de S. Paulo.

No Brasil, o dinheiro das emendas é pulverizado em pequenos projetos nas bases eleitorais dos congressistas

Minha indisposição quanto a essas emendas é antiga. Meu primeiro artigo aqui sobre o assunto foi em 7/7/2011(!), intitulado Porcas emendas parlamentares, inspirado pela forma com que o assunto é encarado nos EUA, onde permanece como problema, ainda que não tão sério como no Brasil. Hoje vou comparar com mais detalhes as emendas nos dois países.

Lá, verbas desse tipo têm via metáfora uma conotação pejorativa, e é comum chamálas de pork barrel. Consultando dicionário de inglês, vi que se trata da “apropriação legislativa destinada a prestigiar legisladores diante de seus constituintes”. Mas pork é carne de porco, e barrel é barril, lembrando tempos antigos quando a carne cozida era guardada em barricas com banha de porco. Eram mesmo uma porcaria, com seu conteúdo gorduroso, pegajoso e sanitariamente vulnerável.

Adriana Fernandes: Bônus, ‘pra que te quero?'

O Estado de S. Paulo

Os protestos de terça-feira serviram de teste para o governo medir o poder de articulação dos servidores

Bolsonaro não desistiu de dar o reajuste para as três carreiras policiais do governo federal. Pelo contrário. Em ano de eleições, ele apenas deixa o barco correr com o discurso de que pode recuar do aumento na certeza de esfriamento do movimento das outras categorias, que buscam também o aumento nos seus salários depois do congelamento em 2020 e 2021. 

dia de mobilização de mais 40 categorias em todo o País na última terça-feira acabou servindo de teste para o governo medir a temperatura do poder de articulação dos servidores. Os serviços públicos não pararam na dimensão que alardearam, e os servidores da Receita, que tinham puxado o movimento, ficaram de fora dos atos programados em todo o País. 

Alvaro Gribel: Lula, o mercado e o teto de gastos

O Globo

Ex-presidente reafirmou que quer Alckmin como vice e disse que pretende buscar alianças até com a centro-direita. Isso era tudo que a Faria Lima queria ouvir. 

A entrevista do ex-presidente Lula a jornalistas que o apoiam foi acompanhada com atenção por investidores do mercado financeiro. Na medida em que as principais falas de Lula apareciam em destaque nas telas dos operadores da bolsa, a moeda brasileira ia ampliando os ganhos sobre o dólar. Se por um lado Lula falou mal do mercado e disse que a política fiscal no seu governo estará em segundo plano, por outro, reafirmou que quer Alckmin como vice e que pretende buscar alianças até com a centro-direita para voltar à Presidência. Isso era tudo que a Faria Lima queria ouvir.

“O candidato que saiu na frente (das pesquisas) está rumando para o centro. É isso que os investidores querem”, sintetizou o economista Roberto Motta, da Genial Investimentos, em uma live voltada para investidores pessoa física, para logo em seguida ser chamado de comunista por apoiadores de Bolsonaro. Motta explicou que não fazia juízo de valor sobre o candidato petista, apenas que, pela interpretação do mercado, Lula aproveitou que falava a jornalistas de esquerda para se afastar das alas mais radicais do partido. “Lula estava em ambiente hostil para dar declarações que surpreenderam o mercado”, completou o economista.

Cristiano Romero*: Os três consensos que estabilizaram o Brasil

Valor Econômico

Dilma rompeu com dois dos três acordos que FHC e Lula seguiram

Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os dois primeiros presidentes da era pós-estabilização da economia, governaram o país durante 16 anos, amparados por uma espécie de três consenso: social, econômica e política. Respectivamente, o primeiro consenso, consagrado na Constituição de 1988, diz respeito à necessidade de o país, depois de um longo regime de exceção, dar prioridade ao chamado resgate da dívida social; o segundo, rever o modelo econômico predominante desde meados da década de 1970; e o terceiro, dadas as desigualdades sociais, econômicas e culturais que caracterizam o país desde sempre, governar por meio de alianças que assegurem sua estabilidade política, historicamente, ameaçada por movimentos antidemocráticos.

Deu-se ainda no governo Sarney (1985-1990), após três tentativas fracassadas de estabilização econômica (os planos Cruzado, em 1986, Bresser, 1987, e Verão, em 1989), a criação do novo consenso econômico. O modelo econômico vigente no país desde a ditadura militar precisava mudar. O modelo anterior, de substituição de importações, baseava-se numa economia fechada e fortemente dependente da atuação do Estado. Este não era apenas regulador das atividades econômicas, mas também o principal empresário.

Com a crise da dívida, em 1982, o Brasil quebrou e, por isso, não foi mais possível sustentar o Estado-empresário. O que se viu nos anos seguintes foi o sucateamento contínuo das estatais e da infraestrutura. Isso ocorreu não por razões ideológicas, mas por escassez de recursos públicos para investimento. O modelo anterior faliu. Uma das razões do fracasso dos planos de estabilização era o fato de a economia ainda viver sob a égide do modelo fracassado.

Com os preços internos congelados, o forte aumento da renda real provocado pela queda súbita da inflação durante o Plano Cruzado estimulou o consumo. A oferta, por sua vez, não conseguiu atender à explosão da demanda. Como a economia era fechada, não havia produto importado para ampliar a oferta, concorrer com o nacional e segurar os preços. Além disso, as dívidas interna e externa herdadas da ditadura forjaram situação fiscal insustentável, cujo enfrentamento dependia, ironicamente, da inflação nas alturas, fenômeno que corroía o valor das despesas públicas Ainda no governo Sarney, iniciou-se movimento de saída daquele modelo. A gênese do programa de privatizações surgiu ali, bem como o desmonte do Estado-empresário.

Claudia Antunes*: Será Boric um novo Obama?


O Globo

O fascínio provocado por Gabriel Boric, o presidente eleito do Chile, evoca o impacto do frescor de Barack Obama na primeira campanha à Presidência, em 2008. Ambos passaram de movimentos sociais ao Legislativo, mas sem ter adquirido, no momento em que concorreram, ares de raposa política. Obama emergiu no pós-Guerra Fria; Boric, na democracia, questionando as certezas da velha esquerda. Sua conta no Twitter é encimada por uma citação de Albert Camus: “A dúvida deve seguir a convicção como uma sombra”.

O americano disputou as primárias democratas com uma mobilização em que recebeu milhares de pequenas doações. Boric venceu as primárias do seu campo, derrotando o pré-candidato comunista, depois do movimento maciço que pôs em xeque o modelo socioeconômico chileno. Apoiou os protestos, mas teve embates com ativistas que recusavam o diálogo com os políticos.

A despeito do slogan de campanha — “Sim, nós podemos” —, Obama pôde pouco. No discurso de posse, convocou à unidade, sem levar em conta que a oposição republicana já estava tomada por uma vertente reacionária que negava qualquer conciliação e viria a assombrar o governo do primeiro presidente negro dos Estados Unidos.

Tendo assumido depois da crise financeira gerada por mercados desregulados, Obama trouxe para si os economistas que acompanhavam os democratas desde Bill Clinton. À base de estímulos, a economia cresceu, mas a desigualdade ficou intacta. Seu projeto para ampliar o acesso à saúde ficou longe de um sistema universal. Na política externa, dizia que “os Estados Unidos devem liderar pelo exemplo”, mas manteve a essência da “guerra ao terror” de George W. Bush. Para lhe fazer justiça, já no segundo mandato, quando os republicanos haviam reconquistado o controle do Congresso, bloqueando qualquer avanço interno, restabeleceu relações com Cuba e negociou o acordo nuclear com o Irã.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É um acinte pacote de bondades de Aras a procuradores

O Globo

Num momento em que a elite do funcionalismo pressiona de modo oportunista por reajustes salariais no ano eleitoral, é um escândalo inaceitável a revelação, feita ontem pelo jornal O Estado de S.Paulo, de quanto ganharam os procuradores mais privilegiados do Brasil no final do ano passado. Em virtude de duas decisões tomadas pelo procurador-geral Augusto Aras, 720 dos 1.145 integrantes do Ministério Público Federal receberam mais de R$ 100 mil em dezembro. Dezoito deles, mais de R$ 400 mil. Um embolsou R$ 471 mil, valor superior ao bônus de diretores de grandes empresas como a Petrobras.

Que fizeram os excelentíssimos procuradores para ter direito à regalia? Nada. Apenas receberam de Aras autorização para solicitar licenças-prêmios acumuladas ao longo de anos, antecipação das férias de 2022 e outras regalias. Isso num momento de crise sem precedentes, em que todo o país precisa se esforçar para promover um ajuste fiscal que consiga trazer o Estado para um tamanho compatível com o que a sociedade pode financiar.

Poesia | Ascenso Ferreira: Sucessão de São Pedro

— Seu vigário!

     Está aqui esta galinha gorda

     que eu trouxe pro mártir São Sebastião!

     — Está falando com ele!

     — Está falando com ele!

Música | Maria Rita - Encontros e Despedidas