sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

José Eli da Veiga*: Governo de sete faces

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Primeiros dias de Bolsonaro já começam a exibir rachaduras

Impecável o mapeamento proposto por Fernando Abrucio das forças que mais determinarão o desempenho do novo governo ("Quando o maior inimigo são os aliados", no Valor do último dia 21). Classificação que certamente demandará ajustes, assim que for possível saber quais das já visíveis tensões internas tenderão a se cristalizar. Poucas dessas forças são coesas e algumas já começam a exibir rachaduras. Mas, por enquanto, os principais vetores são mesmo os sete retratados por Abrucio. Em ordem alfabética: BBB, filhos, Guedes, Moro, Mourão, Onyx e PSL.

Serão os descompassos e atritos entre eles que mais darão trabalho e dores de cabeça ao presidente, enquanto as oposições de esquerda e de centro continuarem atordoadas pelo nocaute sofrido em outubro. Daí ser fundamental ir um pouco além, discutindo também quais poderão ser as mais prováveis alianças entre os sete esteios.

Há consistentes identificações entre trincas que poderão gerar dois aguerridos blocos polares. De um lado, BBB-filhos-PSL; de outro, Guedes-Moro-Mourão. Cenário que até poderia oferecer um confortável papel de fiel da balança aos mais antigos aliados políticos do bolsonarismo, sob a batuta de Onyx. Todavia, os primeiros dias de governo sugerem o contrário: como bombeiros, só agravam as disputas ao se comportarem como baratas tontas.

Na Esplanada dos Ministérios, é evidente que a segunda trinca surge amplamente majoritária, pois abrange toda a Economia (inclusive Banco Central), CT&I, Defesa, Justiça, Segurança Institucional e mais duas secretarias: Geral e de Governo. Talvez também Infraestrutura, Desenvolvimento Regional, Minas, Turismo, AGU e CGU. Já a primeira só conta com Agricultura, Educação, Meio Ambiente, Mulher e Relações Exteriores, com boas chances de também arrastar Cidadania e Saúde.

César Felício: Terceiro setor na mira

- Valor Econômico

ONGs temem monitoramento criado por Bolsonaro

O alerta máximo foi acionado no terceiro setor. Existe apreensão em relação ao governo federal entre organizações não governamentais, desde as mais alinhadas com bandeiras tradicionalmente da esquerda até as bancadas pelo sistema financeiro.

Nos próximos dias caberá ao ministro da secretaria de Governo, Carlos Alberto Santos Cruz, desarmar o confronto que está montado com as entidades da sociedade civil ou levá-las a uma espécie de oposição ao Palácio do Planalto. A polêmica está no inciso II do artigo 5º da Medida Provisória 870, de 1º de janeiro. É a MP inaugural do governo Bolsonaro, que determinou as atribuições dos ministros palacianos. Trata-se de um dispositivo de uma única frase: estabelece que cabe à Secretaria de Governo "supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional".

Para um grupo de 47 ONGs que solicitou imediatamente uma audiência a Santos Cruz, a MP abre espaço para uma espiral intervencionista. "Para resguardar o espaço cívico brasileiro, o que deveria ser garantido no momento é exatamente o contrário. É assegurar mecanismos para a sociedade civil sem fins lucrativos monitorar e acompanhar as atividades e ações do governo", disse a cientista política Ilona Szabó, do Instituto Igarapé, centro de estudos especializado em políticas de segurança pública e sobre drogas.

O Igarapé recebe recursos dos governos do Canadá, Noruega, Reino Unido e da Fundação Open Society, do investidor de origem húngara George Soros. O magnata ganhou notoriedade por especular contra a libra esterlina, nos anos 90, mas usa boa parte de seu patrimônio para financiar instituições progressistas e liberais. Mais recentemente, foi forçado a encerrar suas atividades na Hungria por se sentir ameaçado por um antigo auxiliar, o atual primeiro-ministro Viktor Órban, uma das referências ideológicas de Bolsonaro e dos primeiros chefes de Estado a cumprimentá-lo após a posse, dia 1º de janeiro.

José de Souza Martins*: Medicina e milagre

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Em recente artigo, o médico Drauzio Varella tratou do charlatanismo e da possibilidade ou não de milagres em matéria de saúde. Foi motivado pelas notícias sobre um suposto curador acusado por mulheres de terem sido abusadas quando em busca de alguma cura.

Num eventual elenco das personagens do ramo, sempre se suspeita de que há charlatães entre eles. Mas, comparativamente, há muitos outros casos de curadores e benzedores eficazes, de pequena popularidade, homens e mulheres que, na crença popular, com rezas e meizinhas, promovem alívio em estados de incerteza, dor e sofrimento.

Os exageros se disseminaram quando curadores passaram a ser procurados por pessoas de extração social e cultural diversa daquela em que essas práticas curativas são tradicionais. Porque essas pessoas "fora do lugar" tendem a embaralhar concepções de cura diferentes daquelas de sua socialização de origem e até com elas "incompatíveis".

Hoje, no Brasil, é muito comum que pessoas que procuram o médico, por sim ou por não, levadas pela mesma queixa, vão também ao curandeiro ou ao benzedor, a centros espíritas ou a sessões de cura de igrejas evangélicas. São os brasileiros da modernidade inconclusa. Nessa concepção acumulativa, característica da classe média da sociedade de consumo, o pressuposto é o de que os benefícios curativos e mágicos quantitativamente se somam aos obtidos através da medicina científica. Somos culturalmente duplos.

Quando o tratamento recomendado pelo médico produz efeito, quase sempre a cura é atribuída a benzimentos e orações. Para muitos, a medicina científica é uma medicina incompleta porque lhe faltaria o componente da fé. Nisso, a sociedade brasileira é apenas pseudomoderna. Saltamos do arcaico para o pós-moderno, como sugere o antropólogo Néstor García Canclini, sem passar pelo propriamente moderno. Arcaísmos nos fazem atores de uma pós-modernidade de colagem.

Claudia Safatle: É hora de decidir o destino de 135 estatais

- Valor Econômico

Há empresas para privatizar, liquidar ou incorporar.

Há um esforço real para reduzir o número de empresas estatais federais e para melhorar seus resultados que vai um pouco além das privatizações. Em 2016, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) contabilizava 155 empresas públicas federais. Hoje são 135.

As 20 companhias que desapareceram da lista foram privatizadas, liquidadas ou incorporadas. No ano passado houve a liquidação de duas empresas, a Companhia Docas do Maranhão (Codomar) e a Companhia de Armazéns de Minas Gerais (Casemg). Outras oito foram vendidas, a exemplo da Petroquímica Suape e de empresas de distribuição e transmissão de energia. A Companhia de Pesquisa de Energia Elétrica (Copel) foi incorporada pelo Grupo Eletrobras.

Ciente de que não dá para se desfazer de todas as empresas, há, também, uma determinação do governo de melhorar os resultados das companhias públicas federais. Até setembro do ano passado, último dado oficial, o resultado líquido era de quase R$ 52 bilhões positivos, uma virada importante se comparada com o resultado negativo de R$ 32 bilhões do início de 2016.

O endividamento também caiu no mesmo período. Era de R$ 544 bilhões e teve uma redução de 26%, para R$ 401 bilhões, basicamente por causa da Petrobras e da Eletrobras.

O patrimônio líquido aumentou de R$ 500 bilhões para R$ 582 bilhões entre 2016 e 2017. Há, porém, 22 empresas com patrimônio líquido negativo, que cresceu de R$ 27,8 bilhões para R$ 46,47 bilhões em igual período. Ainda não há dados oficiais para o ano passado.

Marcos Augusto Gonçalves: Para lá e para cá

- Folha de S. Paulo

Histórico de anúncios estapafúrdios e revisões já se tornou folclórico e tema para humoristas

O governo de Jair Bolsonaro tem repetido um padrão de idas e vindasque transmite a sensação de desentrosamento e despreparo de boa parte da equipe —e reflete a falta de convicção ou de conhecimento do próprio presidente acerca de temas variados.

Os mais recentes lances desse vaivém foram o recuo da ordem de paralisação da reforma agrária e o passo atrás na nova versão do obscuro edital para a aquisição de livros escolares, que abolia até mesmo a necessidade de o conteúdo se basear em fontes bibliográficas.

O histórico de anúncios estapafúrdios e revisões, que mais parecem pegadinhas, já se tornou folclórico e tema para chargistas e humoristas. No afã de demonstrar que promessas de campanha serão entregues, o presidente e seus assessores não perdem tempo para refletir. Convencidos de suas mistificações ideológicas, agem. E, quando confrontados com a evidência do disparate, dão meia-volta.

Antes mesmo da posse, lembre-se, a anunciada fusão entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente saiu rapidamente de cena, contestada pelos próprios representantes do agronegócio a quem o Mito pretendia agradar.

Em outras reviravoltas o que se evidencia mesmo é a bagunça mais básica, como se viu no anúncio presidencial de que haveria aumento de tributo sobre operações financeiras e revisão dos critérios do Imposto de Renda —declarações que provocaram corre-corre da equipe econômica e do ministro da Casa Civil para dizer que o homem havia se equivocado.

Bruno Boghossian: Apagão gerencial

- Folha de S. Paulo

Nomeações de apadrinhados inexperientes e golpes de marketing enferrujam governo

O governo levou dez dias para perceber que o protegido político nomeado para o comando da Agência de Promoção de Exportações não tinha qualificação para a vaga. A indicação de Alex Carreiro e sua demissão atrapalhada são sintomas de um apagão gerencial.

Jair Bolsonaro e seus ministros fizeram estardalhaço para remover funcionários que consideravam incapazes de seguir o programa do novo presidente. Em vez de recorrer ao golpe de marketing da “despetização”, o governo deveria ter dedicado mais tempo a uma análise cuidadosa de suas próprias nomeações.

Ninguém deve ter lido o currículo de Carreiro antes de dar a ele a presidência da Apex. A maior qualificação do publicitário era a devoção a Bolsonaro nas redes sociais e o contato com alguns figurões de sua equipe durante a campanha.

Em poucos dias no comando da agência, ele foi fritado por colegas. Na quarta (9), o chanceler Ernesto Araújo declarou no Twitter que Carreiro havia pedido demissão. O problema é que o publicitário apareceu para dar expediente no dia seguinte.

Vinicius Torres Freire: Juros caem como se houvesse amanhã

- Folha de S. Paulo

Taxas de longo prazo recuam rápido em 2019, sinal de confiança em reforma da Previdência

Os donos do dinheiro grosso parecem otimistas com o futuro imediato da economia. É o que se pode observar na melhor pesquisa da opinião de credores do governo e de investidores em geral: as taxas de juros de longo prazo, que caem rápido.

Negociantes de dinheiro e economistas da finança dizem que isso seria uma antecipação do sucesso da reforma da Previdência, da qual pouco sabemos e de tramitação ainda incerta e distante, para piorar. Mas parece que a turma acredita que o Congresso vai aprovar ao menos uma reforma parecida com a de Michel Temer, em termos de contenção de despesas.

A valorização do real desde o fim do ano passado deve ter ajudado um tico na melhoria do ambiente no mercado —o dólar passou dezembro perto de R$ 3,90 e está agora pela casa dos R$ 3,70. Mas algo mais aconteceu além de câmbio.

As taxas de juros longos baixavam desde meados de dezembro. Continuaram a baixar até um pouco mais rapidamente nesta primeira semana de negócios de 2019. Trata-se aqui de juros no atacadão de dinheiro, de negócios entre bancos ou do custo de empréstimos para o governo, grosso modo.

São as taxas que servem de referência para o preço que grandes empresas pagam para levantar capital no mercado. Se menores, em tese são um estímulo para investimento em expansão ou criação de empresas.

*Fernando Gabeira: Um novo ato em fevereiro

- O Estado de S.Paulo

Moro vai comer o pão que o diabo amassou para aprovar a sua agenda no Congresso

A relação de Bolsonaro com o Congresso é um enigma dentro do enigma. Ele promete romper com o velho esquema de governo de coalizão.

Esse já é um dos grandes desafios. Toda vez que se tentou, a percepção era de que formar um governo técnico seria possível, porém discriminar os políticos o levaria à ruína, uma vez que entre os políticos existe gente capacitada e ainda sem grandes problemas. A própria expressão discriminar é impensável num governo amplo.

Bolsonaro decidiu substituir os partidos pelas bancadas temáticas. Nada garante que elas não tenham os mesmos vícios, ou que possam oferecer fidelidade em temas que escapam ao seu campo de ação.

Houve renovação no Congresso. E foi superior às nossas previsões pessimistas, baseadas no fato de que os velhos caciques concentraram a grana para financiar a campanha.

Mas não foi possível, por falta de articulação ou mesmo perspectiva, unificar os novos com os mais experientes, aqueles que sobraram do desastre e poderiam pôr seu conhecimento a serviço de uma transformação.

Sozinhos, os novos não elegem a Mesa. E se elegessem estariam em dificuldades. Costumo dizer que 512 deputados estreantes e bem-intencionados seriam facilmente enrolados por uma só raposa regimental como Eduardo Cunha.

A saída que parece possível no momento é manter a velha direção; no caso da Câmara, Rodrigo Maia. Ele não sobrevive apenas por falta de alternativa. Sabe conciliar-se com as diferentes tendências políticas, enfim, traz um aprendizado que os novos não têm e os sobreviventes que por acaso o tenham não conseguiram capitalizar.

Dizem que Renan Calheiros é o favorito no Senado. Seria mais uma referência do passado, mostrando a limitação das mudanças. Não surgiu ainda no Senado, apesar da grande renovação, uma alternativa viável. O trunfo para evitar a vitória de Renan seria a conquista do voto aberto.

Sou favorável ao voto aberto e, dentro dos limites, lutei para que fosse ampliado o seu alcance na pauta de decisões. Mas o voto aberto numa eleição é sempre problemático.

A minoria pode se sentir constrangida em abrir um flanco para a vingança dos vencedores. Não falo de todos. Alguns são claros adversários de Renan e vão antagonizá-lo independentemente de voto aberto. E Renan saberá que votarão contra ele, mesmo na votação fechada.

Eliane Cantanhêde: Batendo continência

- O Estado de S.Paulo

O ‘sacrifício’ da Previdência é para quase todos, não para os militares das três Forças

Quem dá uma olhada na agenda do presidente Jair Bolsonaro nota que, desde a posse na semana passada, ele privilegia um setor da vida nacional: o militar. São almoços, jantares, posses, reuniões, e não só com o contingente do Exército no Planalto, mas com oficiais das três Forças. Pela ordem, Exército, Marinha e, lá no fim, mais distante, a Aeronáutica.

Hoje, Bolsonaro participa às 11h de um dos momentos mais densos nessa agenda das Forças Armadas: a transmissão de cargo no Exército. Sai o general Eduardo Villas Bôas e assume o Comando o também general de quatro estrelas Edson Leal Pujol. Uma posse com forte carga de simbologia e emoção, pois Villas Bôas teve papel importante na consolidação do projeto de vitória de Bolsonaro e sofre de uma doença degenerativa grave.

Além disso, a agenda de Bolsonaro nesta semana incluiu almoço na Marinha e, dois dias depois, trajeto de lancha e participação na posse do novo comandante da Força, almirante Ilques Barbosa Júnior. Incluiu também a transmissão de cargo no Comando da Aeronáutica, para o brigadeiro Antonio Carlos Bermudez, e jantar com oficiais das três Forças. Não é obrigação, é prazer de velhos camaradas.

O problema começa quando o governo prepara os ânimos da sociedade para a reforma da Previdência e a equipe econômica opina que, já que as medidas serão duras, o ideal é que Bolsonaro dê “o exemplo” e admita cortar na própria carne. Significa cobrar sacrifícios também dos militares.

O discurso faz sentido, mas entre as palavras e os atos existem dois obstáculos: a força das corporações, particularmente a militar, e a ligação (ou religação) de Bolsonaro com suas origens. Sem contar que os ministros civis Onyx Lorenzoni e Gustavo Bebianno são duas ilhas num Planalto lotado de generais por toda parte.

Manchete de ontem do Estado mostra que o rombo da previdência dos militares é de R$ 40,5 bilhões e foi o que mais cresceu de 2017 para 2018: 12,5%, quando o dos servidores civis aumentou 5,22% e o do INSS, 7,4%. Metade dos militares se aposenta entre 45 e 50 anos, com média de aposentadoria de R$ 13,7 mil. No INSS, R$ 1,8 mil.

Míriam Leitão: Ideias do ministro Santos Cruz

- O Globo

Santos Cruz quer “portas abertas” para a imprensa em seu gabinete e diz que a transparência é fundamental para se descobrir rápido casos de corrupção

O ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz acha que houve uma falha geral da sociedade brasileira, inclusive da imprensa, que não viu em tempo os absurdos de corrupção que ocorreram no Brasil. Ele acredita que as instituições deveriam ter dado o alerta antes, diante de tantos sinais de que algo estava errado. Ele diz que da parte dele está preparado para manter diálogo franco com movimentos sociais, imprensa, políticos. Avisou que o governo vai punir tanto a invasão de propriedade do MST quanto o grileiro que ocupar terra pública.

Santos Cruz teve uma carreira impressionante no Exército, no Brasil e no exterior. Viveu oito anos fora do país, nos Estados Unidos, na Rússia, na África. Comandou na ONU forças de paz e tropas em ofensiva de guerra. Durante a operação militar no Congo, dava entrevistas frequentes para as grandes redes de televisão do mundo. Órfão desde muito cedo, e sem qualquer parente nas Forças Armadas, ele é a prova da capacidade de formação de quadros do Exército brasileiro. A escrivaninha e a mesa de trabalho do gabinete da Secretaria de Governo estavam ocupadas por papéis quando entrei lá para entrevistá-lo. Ele se entende naquele amontoado de pastas dos muitos assuntos que está estudando. Tem notado nas suas análises dos documentos muitos sinais de desperdício. É inevitável pensar que aquela mesma sala foi ocupada por Geddel Vieira Lima para quem, naquela quarta-feira, a Procuradoria-Geral da República havia pedido 80 anos de prisão.

— Como ninguém viu? R$ 51 milhões circularam pelo país, foram sacados, transportados até chegar no apartamento. Como ninguém viu? — pergunta ele.
O fato de ter tido uma formação militar e estar agora num cargo de negociação com políticos e com a sociedade não o preocupa:

— Não tem problema nenhum. Você tem princípios de educação, conversar com pessoas, escutar, ter consideração, princípios de vida que a gente utiliza em qualquer situação. Infelizmente, a prática política foi deturpada como um jogo de interesses.

Bernardo Mello Franco: Um velho combatente pelo privilégio da farda

- O Globo

A equipe econômica defende que Bolsonaro inclua os militares na reforma da Previdência para ‘dar o exemplo’. Se a aposta for essa, é melhor ‘jair’ refazendo as contas

Está montada a arena para o primeiro duelo entre a equipe econômica e o núcleo militar do governo. Os generais prometem resistir a qualquer tentativa de incluir as Forças Armadas na reforma da Previdência. Eles cavaram a trincheira nos últimos dias, com recados públicos aos “Chicago Oldies” de Paulo Guedes.

Na terça-feira, o ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo) desembainhou a espada. “Militar é uma categoria muito marcante, de farda”, disse. Ele afirmou que a carreira possui “características especiais”. É um argumento comum a policiais, juízes, promotores e outras corporações que defendem seus interesses.

O ministro Fernando Azevedo e Lima (Defesa) também defendeu tratamento especial aos militares. “Se o nome é reforma da Previdência, não estamos nela”, decretou, em entrevista ao “Valor Econômico”.

A equipe econômica quer incluir os militares na reforma para “dar o exemplo” e mostrar que ninguém será poupado. Ao cortar regalias da farda, o governo indicaria que o aperto valerá até para os amigos do presidente. Se a aposta for essa, é melhor jair refazendo as contas.

Há mais de um quarto de século, Bolsonaro é um combatente incansável pelos privilégios dos militares. Em 1993, ele já dizia que as consequências de uma reforma seriam “as piores possíveis”. “Não posso admitir calado a marcha dos militares para a Previdência”, afirmou.

Merval Pereira: Crianças e política

- O Globo

Quem favorece características tradicionais, como respeito aos mais velhos e obediência, apoia populistas de direita

Amaneira como você cria seus filhos é indicativa de sua tendência política. Essa foi a conclusão de dois grupos de pesquisadores que estudam o crescimento do populismo de direita no mundo, reunidos para analisar os resultados de pesquisas nos Estados Unidos, Europa e América Latina. Tudo a ver com a discussão atual entre nós sobre escola sem partido e a influência de esquerda nos currículos escolares. O estudo foi publicado no site de notícias americano Vox, identificado como de tendência liberal, o que nos Estados Unidos quer dizer de esquerda.

Coordenados por Marc J. Hetherington, professor de Ciência Política na Universidade de Carolina do Norte em Chapel Hill; Jonathan Weiler, professor de Estudos Globais na mesma universidade; e Amy Erica Smith, professora adjunta de Ciência Política na Universidade do Estado de Iowa, que lançou um livro sobre a influência da religião nas eleições no Brasil, chegaram à mesma conclusão: as qualidades que cidadãos consideram mais importantes nas crianças explicam por que eles votaram ou não nos populistas de direita.

Aqueles que favorecem características tradicionais, como respeito aos mais velhos, obediência e boas maneiras, os apoiam. Os que são a favor da independência, autoconfiança e curiosidade os rejeitam. Porque essas preferências ajudam a revelar a maneira com que esses cidadãos veem o mundo, se o consideram um lugar seguro para explorar, ou perigoso.

Ao longo dos últimos anos, os pesquisadores ouviram milhares de pessoas na idade de votar, perguntando sobre um amplo espectro de assuntos ligados à política. Entre esses, havia perguntas que, aparentemente, não tinham nada com política, mas com os cuidados que se deve ter quando criamos nossas crianças.

*Washington Novaes: Com a Funai, problemas; mas como será sem ela?

- O Estado de S.Paulo

Demarcação de terras na Agricultura seria ‘declaração virtual de guerra’ aos indígenas

Mais uma vez os indígenas brasileiros e seus defensores estão às voltas com uma batalha: a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil ingressou agora em janeiro com representação na Procuradoria-Geral da República pedindo que a procuradora-geral, Raquel Dodge, entre com ação judicial na tentativa de suspender dispositivo da Medida Provisória 870, de 1.º/1/2019, que transfere da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Agricultura a competência na área de demarcação de terras indígenas. Têm motivos de sobejo os índios: no Ministério da Agricultura estão muitos dos mais encarniçados adversários da demarcação, que, a seu ver, reduziriam as terras para cultivo. Ignoram eles os numerosos pareceres jurídicos – entre eles do professor José Afonso da Silva – que reconheceram na Justiça os direitos dos índios à demarcação de terras que ocupam imemorialmente. A tese foi referendada pela Justiça.

A iniciativa dos índios é mais do que justificada: os defensores de causas indígenas consideram a decisão do presidente da República sobre essa transferência de competências uma “declaração virtual de guerra”, uma vez que, no seu entender, estão na agricultura os seus maiores opositores. A começar pela ministra Tereza Cristina, que teria uma longa história de oposição aos direitos territoriais dos indígenas, que impediriam a expansão da agropecuária (Survival International, 4/1). A Articulação dos Povos Indígenas já declarou : “Temos o direito de existir. Não vamos recuar. Não vamos hesitar em denunciar esse governo e o agronegócio nos quatro cantos do mundo”. E tem o apoio da Survival.

O texto da medida provisória proposta impõe restrições à demarcação e muda as atribuições dos Estados e municípios nessa área. Os defensores dos indígenas apontam como exemplos de violações de seus direitos, entre outros casos, o conjunto de quatro barragens de hidrelétricas no rio Teles Pires, na fronteira entre Mato Grosso e o Pará. Desde 2011 os povos Kayabi, Apiaka e Munduruku, assim como pescadores e agricultores familiares, têm denunciado sucessivos casos de desrespeito a seus direitos e à legislação no licenciamento de quatro barragens no rio Teles Pires, onde o Ministério Público ajuizou sete ações civis públicas que citam falta de consulta e consentimento dos povos indígenas e o desrespeito a condições das licenças ambientais.

Luiz Carlos Azedo: A passagem de comando

- Correio Braziliense

“Manifestações recentes dos comandantes militares e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, sobre a reforma da Previdência revelam um ativismo político preocupante”

De todas as solenidades já realizadas no governo Bolsonaro, com exceção da posse do próprio presidente da República, talvez nenhuma outra mereça mais atenção como a passagem de comando da Força Terrestre, hoje, no Clube do Exército, ocasião em que o general Eduardo Villas Boas passará o bastão de comando do Exército para seu colega Edson Leal Pujol. Não deveria ser assim, mas é o que a realidade nos mostra, em razão da presença hegemônica de generais de quatro estrelas no novo ministério e do próprio papel que Villas Boas desempenhou nos últimos quatro anos, como discreto fiador do impeachment de Dilma Rousseff e, sabe-se agora, de decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante o processo eleitoral, entre as quais a manutenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cadeia.

Villas Boas encerra sua carreira militar em precárias condições físicas, em razão de uma grave doença degenerativa, mas em pleno gozo de suas faculdades mentais. O que parecia ser um fator de desgaste e enfraquecimento de sua liderança, a deterioração de sua saúde, que o levou à cadeira de rodas, com o passar do tempo, aliada ao esforço de se fazer presente nos momentos mais importantes, se comunicar diariamente com a tropa e a sociedade pelas redes sociais e se manter em permanente diálogo com as principais autoridades do país, acabou aumentando o seu carisma na tropa e lhe reservou um lugar de honra na galeria de líderes militares reconhecidos e respeitados pela sociedade.

Por duas vezes, teve a História do país nas mãos. A primeira, durante a campanha do impeachment, quando impediu que a então presidente Dilma Rousseff decretasse o estado de sítio para reprimir a oposição; a segunda, mais recentemente, durante a campanha eleitoral, em pelo menos dois episódios que poderiam ter gerado insubordinação nos quartéis, o habeas corpus concedido ao ex-presidente Lula e a facada em Jair Bolsonaro. Nos bastidores da crise econômica, ética e política que o país enfrentou, reiterou o papel dos militares na manutenção da estabilidade, da legalidade e da legitimidade, bem como a defesa da Constituição Federal.

Entretanto, a história ainda julgará as consequências de sua intervenção no episódio do julgamento do habeas corpus de Lula, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 3 de abril do ano passado, quando deixou os bastidores para se manifestar publicamente sobre aquele momento político nas redes sociais: “Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”, escreveu no Twitter oficial de comandante do Exército brasileiro. Depois, completou: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

*Monica De Bolle: Pátria Amada, Brasil

- Época

Desse modo, tenta-se fazer das mudanças climáticas tema tão contencioso quanto o aborto ou o porte de armas.

Dizem que Jair Bolsonaro gostaria de ter escolhido “ordem e progresso” como o chamariz de seu governo. Não podendo usar o lema positivista da bandeira devido à indelével associação com o governo anterior, teria então escolhido “Pátria Amada, Brasil”, trazendo imediatamente à mente “salve, salve” e “deitado eternamente em berço esplêndido”, trechos do Hino Nacional adjacentes à exaltação nacionalista escolhida pelo presidente.

Acredito que o presidente tenha feito melhor escolha no uso da exaltação nacionalista. Afinal, Bolsonaro é fruto do nacionalismo que ressurge globalmente desde 2016, ainda que o nacionalismo em si seja antigo conhecido da humanidade. Autores, filósofos, pensadores políticos tratam dele há séculos. No século XIX, pensadores como o americano Alexander Hamilton e o alemão Friedrich List defenderam o nacionalismo, sobretudo em sua modalidade econômica, provendo substância e racionalidade às medidas que os dois países emergentes de outrora pretendiam pôr em prática. Sim, a Alemanha e os Estados Unidos foram os emergentes do século XIX, em contraposição à Grã-Bretanha, a potência liberal de outrora. Hoje o nacionalismo avança, ainda que em ritmo diferenciado e dando maior ou menor ênfase a temas variados, que vão do protecionismo comercial às guerras culturais e identitárias. A pátria amada bolsonarista não é exceção, sobretudo quando tenta imitar gestos de outros países tragados por versão esquisita do nacionalismo, como os EUA de Trump.

O filósofo britânico e tcheco Ernest Gellner definiu o nacionalismo como “a imposição de uma cultura de domínio universal e de um idioma comum por meio de um sistema nacional de educação”. Tal requisito, por sua vez, “demandaria a criação de instituições nacionais e o surgimento de uma economia nacional”. Segundo o filósofo, “tal ideologia não apenas acompanharia, mas promoveria um modo de vida mais flexível à medida que a velha economia agrária desaparecesse”. O nacionalismo, portanto, teria sido “uma das parteiras da modernidade industrial”. Curioso que, cerca de 150 anos após a Revolução Industrial, o modo de vida mais flexível ao qual se referia Gellner requeira, justamente, o globalismo severamente atacado pelos ultraconservadores nacionalistas da “nova” direita.

Dora Kramer: Bom dia a cavalo

- Revista Veja

Pior que cada um dizer uma coisa é Bolsonaro não falar coisa com coisa

Desacertos ocorrem em qualquer início: de namoro, de amizade, de profissão e mesmo de um texto que demora a engrenar. A tentativa e o erro até o alcance do acerto são normais. Mal comparando, em se tratando de governos é quase da mesma forma. O “quase” aqui faz toda a diferença, porque de governantes não se espera que sejam aprendizes.

A expectativa é que cheguem ao cargo que almejaram capacitados para tal. Foi assim, preparado para “dar um jeito” no Brasil, que Jair Bolsonaro se apresentou ao eleitorado, mas não tem sido assim que vem se apresentando à nação em seus primeiros dias como presidente da República. Governos antecessores também produziram confusões no começo, embora nenhum deles tenha exposto de maneira tão explícita e contundente o despreparo do chefe e de alguns integrantes da equipe que se dispõe a administrar a máquina pública pelos próximos quatro anos.

Os desencontros de declarações sobre atos e/ou intenções de governo francamente não são o mais grave. É ruim cada ministro ou assessor falar uma coisa. Mas o pior é o presidente não falar coisa com coisa: prega o fim da influência ideológica no governo e ao mesmo tempo atua de maneira profundamente ideológica. E não é só.

Onde já se viu um mandatário anunciar e lamentar a autorização para aumento de um imposto (sobre operações financeiras) que de fato não havia assinado? Ou admitir a cessão de parte do território nacional para a instalação de uma base aérea estrangeira que nem sequer estava em cogitação, conforme foi levado a esclarecer, ato contínuo, o general chefe do Gabinete de Segurança Institucional?

Em anos acompanhando a cena política de Brasília desde a redemocratização, tendo visto a confusão após a morte de Tancredo Neves, as maluquices de Fernando Collor, o esforço de Fernando Henrique para “segurar” os arroubos de Itamar Franco e o enganoso êxito dos populismos de Lula, francamente nunca presenciei nada nem de longe parecido em matéria de atuação presidencial.

Ricardo Noblat: Bolsonaro, com mais sorte do que Trump

- Blog do Noblat \ Veja

Armas e muro, ou marketing em estado puro

A posse de armas pelos brasileiros que a desejarem está para o presidente Jair Bolsonaro assim como a construção de um muro na fronteira com o México está para o presidente Donald Trump. Com uma única diferença: a promessa de campanha feita por Bolsonaro é realizável, embora pouco possa assegurar de fato a segurança das pessoas. A de Trump não é.

Ao contrário do que Trump disse quando era candidato, o governo mexicano não se dispõe a sacar do bolso algo como cerca de 6 bilhões de dólares para pagar pela construção do muro. Muito menos o Congresso americano, onde o Partido Democrata controla a Câmara dos Deputados, está disposto a autorizar gasto tão dispendioso só para deixar Trump feliz.

Trump tornou-se prisioneiro de uma jogada de marketing que incendiou a fantasia dos seus eleitores e lhe rendeu muitos votos. A promessa de Bolsonaro, igualmente uma jogada de marketing, deverá ser paga por Bolsonaro hoje e a um custo quase igual a zero. O decreto a ser assinado por ele facilitará a compra e a posse de armas.

Quem quiser que as compre por sua conta e risco. O Estado não gastará com isso um tostão. Quem só pagava para que o governo lhe proporcionasse a segurança de ir e vir, arcará com a despesa da compra de armas e do treinamento para estar apto a usá-las. Se o resultado final não for o esperado… Bem, que não se culpe só o governo por isso.

As muitas idas e vindas do governo do capitão nos seus primeiros 10 dias deverão se perder na memória se ele for bem-sucedido nas três metas que de fato importam: reduzir a corrupção; aumentar a segurança pública; e acelerar o crescimento da economia, o que obrigatoriamente passará pela reforma do Estado. Isso é o que lhe será cobrado daqui a 4 anos.

Os militares e a Previdência: Editorial | O Estado de S. Paulo

Causou forte impressão entre os operadores do mercado financeiro a iniciativa do governo do presidente Jair Bolsonaro de demonstrar unidade de pensamento, coerência e firmeza na apresentação das linhas gerais da proposta de reforma da Previdência Social, a ser concluída nos próximos dias. Particularmente bem recebidas foram as declarações de que o objetivo é apresentar um projeto que elimine os problemas do sistema previdenciário “pelos próximos 20 anos” (do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni) e de que o que se proporá “é uma reforma bem mais profunda” do que se previa (do ministro da Economia, Paulo Guedes). A crise da Previdência Social, seja no regime geral para o setor privado, seja no regime próprio dos servidores públicos de todos os níveis de governo, tornou-se tão grave que ameaça tolher a capacidade financeira do setor público e comprometer os planos de governo caso as regras de aposentadorias e pensões não sejam revistas com urgência e rigor.

No caso do setor público, o que foi anunciado pelo governo prevê o endurecimento das regras de aposentadorias de regimes especiais que vigoram para professores, policiais militares e bombeiros. A menção a regimes especiais provocou reação de militares da reserva que participam do governo de Bolsonaro e também de militares da ativa. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto dos Santos Cruz, disse que “militares, policiais, agentes penitenciários, Judiciário, Legislativo, Ministério Público possuem características especiais, que têm de ser consideradas e discutidas” (no debate sobre a reforma da Previdência). O novo comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior, afirmou que “não temos previdência, mas, sim, proteção social dos militares”.

Palocci e a corrupção em fundos de pensão: Editorial | O Globo

Delação de ex-ministro pode ajudar a iluminar outra parte do subterrâneo financeiro do PT

Hábil, afável, o médico Antonio Palocci passou pelo teste de governo com louvor, ao assumir o Ministério da Fazenda no primeiro governo Lula, dando respaldo a uma equipe “neoliberal”, em que estavam, entre outros, Henrique Meirelles e Joaquim Levy.

O grupo foi responsável por debelar a inflação e a recessão causada s pelo choque no mercado de más expectativas criadas pela chegada do PT ao Planalto. Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto, agiu como maestro.

Em outro polo do lulopetismo estava José Dirceu, de figurino pessoal e ideológico diferente, com espírito de guerrilheiro, protótipo de estrategista e aspirante a intelectual orgânico.

Logo se viu denunciado no escândalo do mensalão. Já o prazo de validade de Palocci foi um pouco mais longo, e começou a se esgotar na descoberta de uma conexão lobista de Ribeirão Preto, instalada em uma casa em Brasília frequentada pelo ministro.

Não o impediu de ser colocado por Lula no posto-chave de chefe da Casa Civil no primeiro governo Dilma, cuja campanha eleitoral conduziu. Dirceu, condenado como mensalista, terminou preso. Palocci não resistiu às suas traficâncias no mundo empresarial e também foi encarcerado, mas, ao contrário de Dirceu, resolveu contar o que sabe em troca do alívio de sentenças.

Tolice soberana: Editorial | Folha de S. Paulo

Como esperado, governo Bolsonaro retira o Brasil de pacto global sobre migração

Por se tratar de uma área da administração pública em que se podem tomar medidas concretas sem custo orçamentário, a política externa tem sido, nestes primeiros dias de mandato, o terreno preferencial para o governo Jair Bolsonaro (PSL) marcar posições.

Em consonância com a visão do chanceler Ernesto Araújo de que a diplomacia “estava presa fora do Brasil”, o governo anunciou na terça-feira (8) a retirada do país do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, firmado no âmbito das Nações Unidas com o objetivo de coordenar os fluxos migratórios.

A decisão, já esperada, ecoa o pior do discurso nacionalista da gestão, que tem no novo chefe do Itamaraty seu expoente. Afinal, soaria como um contrassenso manter-se em algo que leva “global” no nome, dada a verdadeira paúra que Araújo nutre pelo chamado “globalismo” e fantasmas semelhantes.

Para justificar a saída brasileira, Bolsonaro afirmou que o país “é soberano para decidir se aceita ou não migrantes” e “não será qualquer um que entrará no Brasil via pacto adotado por terceiros”.

Em tempo de guerra comercial é melhor preservar parceiros: Editorial | Valor Econômico

O Banco Mundial (Bird) acaba de reduzir ainda mais a previsão de crescimento da economia global, o que é um mau sinal para o comércio exterior internacional, inclusive do Brasil. Ironicamente, a revisão para o desempenho da economia decorre do aumento da tensão causada pelas disputas comerciais recentemente desencadeadas por Washington. A produção industrial perdeu a tração, alguns países emergentes ainda se ressentem da instabilidade financeira e a preocupação com o aperto das condições monetárias nos Estados Unidos e na Europa continua no horizonte.

No relatório "Perspectivas Econômicas Globais", o banco prevê crescimento mundial de 2,9% neste ano, abaixo dos 3% de 2018. A perda de fôlego é generalizada, atingindo os principais parceiros comerciais do Brasil. A previsão é que a China cresça 6,2%, abaixo dos 6,5% esperados para 2018; e os Estados Unidos, 2,5%, menos do que os 2,9% do ano passado. A Argentina deve continuar em retração, recuando 1,7%, um pouco menos do que os 2,8% de 2018. A estimativa para o Brasil, porém, é de crescimento em relação ao ano passado, de 2,2%, mas inferior aos 2,5% anteriormente esperados.

Antes mesmo da divulgação desses números, a Organização Mundial do Comércio (OMC) já estava prevendo um novo recuo nas transações internacionais. Depois de ter saltado 4,7% em 2017 e 3,9% em 2018, a previsão da OMC era de expansão de 3,7% neste ano, percentual que pode ser revisto para baixo agora.

Só piorou um pouco: Editorial | Veja

O novo presidente conseguiu um feito ainda inédito na estreia dos governos democráticos: foi publicamente desmentido, ele próprio, por membros de sua equipe

Na experiência democrática brasileira, nenhum governo começou com harmonia e serenidade. Fernando Collor, que assumiu em pleno colapso econômico provocado pela explosão inflacionária, abriu os trabalhos confiscando o dinheiro da poupança, o que deixou o país perplexo. Itamar Franco, presidente acidental, tomou posse com trapalhadas de todos os lados — não tinha programa, não fez sequer um discurso à nação e montou um ministério que se resumia a um condomínio de amigos. Collor terminou seu governo em desastre. Itamar fez história com a estabilização da moeda promovida pelo Plano Real, que levou Fernando Henrique Cardoso ao Palácio do Planalto.

Por ardis do destino, o começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, justamente o dele, foi o mais parecido com a primeira semana completa de Jair Bolsonaro no Planalto. O ministério de Lula entrou em campo protagonizando trombadas de um amadorismo ímpar. O ministro da Ciência e Tecnologia elogiou a pesquisa para a fabricação da bomba atômica — e foi logo desmentido em público pelo governo. O ministro dos Transportes disse que, em caso de falta de verbas no ministério, o Exército poderia usar seus batalhões para construir rodovias e estradas — e foi desmentido pelo próprio Exército. Na época, neste mesmo espaço da Carta ao Leitor, VEJA fez o seguinte balanço da estreia de Lula: “E assim transcorreu a semana, entre lançamentos de factoides e desmentidos quase imediatos”.

Dançando com o diabo: Editorial | Época

O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um grande formulador, capaz de ter uma visão de longo prazo para o país, consistente com as ideias liberais das quais ele é um dos principais porta-vozes no Brasil há muitos anos. Hoje, o diagnóstico dos problemas brasileiros parece claro. Depois da Constituição de 1988, uma série de direitos sociais foram incorporados como conquistas por uma população pobre que antes estava fora do foco das políticas públicas. 

Ao mesmo tempo, porém, ficaram intocados privilégios e subvenções com dinheiro público dados a elites endinheiradas e a uma classe média influente encastelada nas corporações estatais. Nestes 30 anos, a ação do Estado se democratizou, mas seu peso sobre a sociedade brasileira cresceu exponencialmente. Nas últimas décadas, um Estado obeso e disfuncional passou a ser o mais sério entrave para a economia brasileira, que, há muitos anos, cresce pouco. Esse mesmo Estado virou uma “fábrica de desigualdades”, o “inferno dos empreendedores” e o “paraíso dos rentistas”, que vivem dos altos juros pagos pelo governo por causa do desajuste fiscal.

Na atual encruzilhada histórica em que se encontra o Brasil, o liberalismo radical de Guedes, com sua terapia de choque para os problemas nacionais, é positivo, como diz o economista André Lara Rezende, um dos pais do Plano Real, em reportagem publicada nesta edição. A pregação liberal, porém, não basta. É preciso ter um plano de execução viável para colocá-la em prática. As condições políticas, como o próprio Guedes alardeia, parecem ser favoráveis como nunca. A eleição de Jair Bolsonaro como presidente representa uma ruptura com o sistema político que governou o país a partir de 1988. 

Há até mesmo uma base social inédita para o choque liberal. Bolsonaro se elegeu com um discurso de enxugamento do Estado, e há uma multidão de batalhadores da classe média emergente nas grandes cidades que ascenderam socialmente com o próprio esforço durante o governo Lula e não querem viver de emprego público nem depender de benefícios estatais, o “açúcar” de nossa Suécia tropical, como diz, ironicamente, o filósofo Roberto Mangabeira Unger.

Livro de Ivan Alves Filho - Lançamento


Getúlio Cavalcanti: O bom Sebastião

Antonio Machado: Canção

Tradução de Manuel Bandeira

Abril florescia
Na paisagem mansa.
Entre os jasmineiros
E as roseiras brancas
Do balcão fronteiro
Vi as irmãs sentadas.
A menor coisa,
A maior fiava. . .
Entre os jasmineiros
E as roseiras brancas,
A mais pequenina,
Risonha e rosada,
De agulha suspensa,
Sentiu que eu a olhava.
A maior seguia,
Silenciosa e pálida,
O fuso na roca,
Que o fio enroscava.
Abril florescia
Na paisagem mansa.
Numa tarde clara
A maior chorava,
Entre os jasmineiros
E as roseiras brancas,
Ante o branco linho
Que na roca fiava.
— Que tens? perguntei-lhe.
Silenciosa e pálida,
Indicou o vestido
Que a irmã começara:
Na túnica negra
A agulha brilhava;
Sobre o véu luzia
A agulha de prata.
Apontou a tarde
De abril que sonhava:
Naquele momento
Os sinos dobravam.
E na tarde clara
Me ensinou suas lágrimas
Abril florescia
Na paisagem mansa.
Noutro abril alegre,
Noutra tarde clara,
O balcão florido
Solitário estava.
Nem a pequenina,
Risonha e rosada,
Tampouco a irmã triste,
Silenciosa e pálida,
Nem a negra túnica,
Nem a touca branca...
Apenas no fuso
O linho girava
Por mão invisível;
E na obscura sala
A lua do límpido
Espelho brilhava . . .
Entre os jasmineiros
E as roseiras brancas
Do balcão florido,
Minha imagem dava
Na lua do espelho,
Abril florescia
Na paisagem mansa.