sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Opinião do dia – José Álvaro Moisés

O grande desafio vai ser Serra e Aécio construírem juntos uma oposição consistente. Não apenas capaz de fazer oposição no Congresso, pressionar as posições do governo, mas também apresentar um modelo alternativo de desenvolvimento. Aécio se credenciou nessa campanha como uma liderança.

José Álvaro Moisés, cientista política, USP, no debate “O Brasil pós-eleições”, Valor Econômico, 31 de outubro de 2014.

PSDB de Aécio Neves pede auditoria na votação

• Executiva nacional exige investigação para apurar irregularidades no processo eleitoral

Andreza Matais - O Estado de S. Paulo

O PSDB nacional protocolou nesta quinta-feira no Tribunal Superior Eleitoral pedido de auditoria especial para verificar o resultado das eleições presidenciais. O candidato do partido, Aécio Neves, perdeu para a petista Dilma Rousseff por 3,28 pontos porcentuais entre os votos válidos, menor diferença da história. A diferença equivale a 3,4 milhões de eleitores.

Na petição, assinada pelo coordenador jurídico do PSDB, deputado Carlos Sampaio (SP), o partido alega haver “uma somatória de denúncias e desconfianças por parte da população brasileira” motivada pela decisão do tribunal de só divulgar a apuração parcial após o encerramento da votação no Acre e no oeste do Amazonas, cujo fuso horário está três horas atrasado em relação a Brasília – por causa do horário de verão.

“O aguardo do encerramento da votação no Estado do Acre, com uma diferença de três horas para os Estados que acompanham o horário de Brasília, enquanto já se procedia a apuração nas demais unidades da federação, com a revelação, às 20h00 do dia 26 de outubro, de um resultado já definido e com pequena margem de diferença, são elementos que acabaram por fomentar, ainda mais, as desconfianças que imperam no seio da sociedade brasileira”, diz a petição dos tucanos.

O PSDB pede abertura de processo de auditoria nos sistemas de votação e de totalização dos votos por uma comissão de especialistas formada por indicados dos partidos políticos. “É justamente com o objetivo de não permitir que a credibilidade do processo eleitoral seja colocada em dúvida pelo cidadão brasileiro que nos dirigimos neste momento à presença de Vossas Excelências.”

A petição do PSDB nacional não chega a contestar o resultado do pleito. No domingo, em pronunciamento em Belo Horizonte, Aécio reconheceu a derrota. O TSE não se manifestou sobre a petição.

Mais críticos. Dois dias antes, na noite de terça-feira, a executiva do PSDB na capital paulista, maior diretório municipal do partido, aprovou uma nota em que recomenda ao diretório nacional a contratação de uma auditoria, de preferência estrangeira, para averiguar a apuração do pleito. “Realização de auditoria da apuração dos votos do 2.º turno da eleição presidencial por órgão de reconhecida capacidade e reputação, se possível internacional”, afirma a nota.
Segundo o presidente do PSDB paulistano, Milton Flávio, o objetivo é apurar denúncias de fraudes em urnas eletrônicas replicadas nas redes sociais desde a divulgação do resultado e, se for o caso, contestar na Justiça o resultado do pleito.

Os tucanos chegam a questionar a isenção do presidente do TSE, José Antonio Dias Toffolli, que trabalhou para o PT antes de chegar ao Supremo Tribunal Federal e à Justiça Eleitoral. “Tenho recebido provocações dos movimentos que estiveram conosco nas ruas denunciando incorreções em relação ao que foi apregoado pelo TSE. Muita gente questiona a isenção do Toffoli”, disse Flávio.

Na capital paulista, Aécio recebeu 63,8% dos votos válidos no 2.º turno, ante 36,2% da candidata à reeleição. Foi a maior votação de um tucano concorrente ao Planalto na cidade em todas as eleições presidenciais.

Lava Jato. Na mesma reunião, o PSDB paulistano defendeu a apresentação de representação no TSE pela anulação de votos recebidos por “candidatos que tiveram comprovadamente campanhas financiadas por recursos desviados da Petrobrás, conforme depoimentos em delação premiada por Paulo Roberto Costa e pelo doleiro (Alberto) Youssef”. Até agora, não se tem notícia de que os delatores tenham citado uso de recursos do esquema nesta campanha.

PSDB questiona o que nunca foi questionado, critica corregedor-geral

• Ministro João Otávio de Noronha diz considerar 'prejudicial a democracia' pedido de auditoria feito por tucanos ao TSE

Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

O pedido de auditoria feito pelo PSDB ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode ser considerado "prejudicial" à democracia, entende o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro João Otávio de Noronha. O ministro lembra que a coligação e a campanha do tucano Aécio Neves "tiveram toda a oportunidade, estiveram acompanhando a divulgação" e diz "nada foi impugnado em momento algum". "Perde (a eleição) por pouco e aí fica questionando o sistema eleitoral, que nunca foi questionado no Brasil", critica o ministro.

Ele chegou a se encontrar com o presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, na noite desta quinta-feira e os dois falaram sobre o tema. A percepção, de acordo com Noronha, é de que "não há nada que comprometa" a lisura do processo de eleição presidencial deste ano. A auditoria foi remetida diretamente ao presidente do TSE, que deve ouvir a parte técnica e encaminhar o caso ao plenário na terça-feira (4), segundo Noronha.

Ministro João Otávio de Noronha
"Vão dizer que não confiam na urna eletrônica? E confiariam em quê? Na urna de papel?", questiona o ministro. Mineiro, Noronha é ministro efetivo do TSE desde 2013. Faz parte das vagas destinadas a ministros do Superior Tribunal de Justiça para compor a Corte Eleitoral. O ministro faz parte do corpo do STJ desde o final de 2002, quando foi indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Alguns documentos solicitados pelo PSDB fazem parte do acervo disponibilizado pelo TSE na internet, como os boletins de urna, e outros podem ser entregues, de acordo com regimento do próprio tribunal, explicou.

O ministro aponta ainda um empecilho processual na auditoria: quem deveria fazer o requerimento é a coligação de Aécio, a Muda Brasil, que contempla todos os partidos que se uniram ao PSDB. A petição é assinada pelo coordenador jurídico nacional do PSDB, deputado Carlos Sampaio.

TSE descarta possibilidade de vazamento de resultado da eleição

• Corregedor-geral do Tribunal explicou que apuração em tempo real foi acompanhada por técnicos que ficaram isolados e só foi aberta ao público às 20h

Beatriz Bulla - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A disputa presidencial no 2º turno foi mais acirrada do que chegou ao conhecimento dos eleitores. Pouco mais de trinta minutos antes da primeira abertura para acompanhamento da apuração, às 20h, o tucano Aécio Neves despontava em primeiro lugar na votação. A virada aconteceu às 19h32, quando Dilma Rousseff, a presidente eleita, possuía 50,5% dos votos e Aécio, 49,95%. Só os técnicos do tribunal assistiram o minuto a minuto da totalização dos votos. O TSE refuta a possibilidade de vazamento da apuração.

"Temos convicção de que não houve vazamento", disse o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro João Otávio de Noronha. Questionado sobre o assunto nesta quinta-feira, 30, Toffoli disse que os boatos de que determinado candidato estava à frente de outro, no dia da eleição, se tratavam apenas de "especulação".

De acordo com o corregedor-geral, o TSE montou um esquema para manter os técnicos responsáveis pela apuração isolados, sem contato inclusive com outros membros da Corte. A orientação dada pelo presidente do TSE, ministro Dias Toffoli, era para que os técnicos não informassem nem a ele o resultado parcial da eleição antes da abertura dos dados para todo o País.

Pouco depois das 19h30, os ministros do tribunal, junto com as equipes jurídicas das campanhas do PT e do PSDB e outras autoridades, como o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, se reuniram no Centro de Divulgação das Eleições (CDE), junto à imprensa, para aguardar a abertura dos resultados. Às 20h, o resultado parcial apareceu para os ministros e para o Brasil inteiro. Dilma estava na frente, mas a eleição não estava matematicamente definida.

Antigamente, de acordo com Noronha, os ministros chegavam a acompanhar a apuração dos votos. Este ano, contudo, por conta do fuso horário do Acre e do horário de verão, o resultado só poderia começar a ser divulgado a partir das 20h, com a votação encerrada em todas as unidades federativas. O tempo de três horas entre o fim da votação no Sudeste e em Estados do Norte possibilitaria que, quando os resultados fossem abertos, o presidente já estivesse praticamente definido. Por essa razão, o TSE decidiu que ninguém, além da área técnica, acompanharia a totalização. "Quem poderia vazar? Nós estávamos lá, com os jornalistas", questiona Noronha, ressaltando a presença dos ministros no CDE.

Informações de que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso iria embarcar para Minas Gerais, divulgadas na internet, alimentaram a especulação de que a campanha do tucano tinha acesso à apuração. Noronha lembra, contudo, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, à tarde, embarcou para Brasília para acompanhar o resultado junto com a presidente Dilma Rousseff. "Houve movimentação dos dois lados", diz Noronha, reforçando o entendimento de que não há qualquer tipo de vazamento.

Mesmo o bom resultado de Aécio no início da apuração, segundo ele, já era esperado. No primeiro turno, o movimento foi semelhante, de acordo com ele. Isso porque a apuração de São Paulo, maior colégio eleitoral do País, que teve votação expressiva no tucano, começa antes do fechamento das urnas do Nordeste, por exemplo, onde o PT tem predominância.

Governo age para acalmar base rebelde no Congresso

• Governo tenta diminuir clima tenso com Congresso após eleições e abre canais de diálogo

Isabel Braga e Fernanda Krakovics – O Globo

BRASÍLIA - O governo deixou claro ontem o temor com o clima tenso que permeia a relação com o Congresso. Depois da derrota desta semana na votação dos conselhos populares e preocupado com a possibilidade de votações de propostas que possam impactar as contas públicas, o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, pediu ontem ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que remeta a ele a lista de projetos que a Casa quer votar até o fim do ano. Segundo Alves, Mercadante, que já foi parlamentar, sabe das pressões e demandas do Legislativo. Integrantes da base cobram a intensificação do diálogo entre o governo e seus aliados.

- Foi uma conversa institucional, muito respeitosa. O ministro Mercadante já foi desta Casa, entende muito bem as pressões, as demandas do Legislativo. Ele apenas pediu para que informássemos as pautas que esta Casa gostaria de votar, nada além disso - relatou Alves.

Dilma propõe nova relação com PMDB
Depois de prometer mais diálogo em seu primeiro pronunciamento após ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff disse ao vice-presidente Michel Temer, na última terça-feira, que deseja uma relação mais próxima com o PMDB. Aliado preferencial do governo e fiel da balança no Congresso, o partido voltou das eleições já impondo uma derrota ao Planalto na Câmara: a derrubada do decreto presidencial que cria uma estrutura de conselhos populares no governo federal.

Embora céticos em relação à mudança de postura de Dilma, integrantes do PMDB consideraram um bom sinal ela ter recuado da proposta de plebiscito sobre a reforma política e ter aceitado fazer um referendo. Dizem que, em outros tempos, ela jamais mudaria de opinião. No comando do Congresso, os peemedebistas consideram a proposta de plebiscito uma usurpação das funções do Legislativo. Para integrantes do PMDB, Dilma é uma presidente fragilizada por ter sido reeleita com margem apertada de votos. Na conversa com Temer, Dilma não teria falado sobre reforma ministerial. O partido ocupa hoje cinco ministérios e gostaria de aumentar sua participação ou reassumir pastas mais robustas, ocupadas no governo Lula, como Saúde e Integração Nacional.

Além de falar sobre a pauta da Câmara, Mercadante e Alves conversaram sobre política e os problemas enfrentados nas disputas estaduais. Alves foi derrotado no Rio Grande do Norte com a ajuda do PT e irritou-se com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na propaganda do adversário, Robinson Faria (PSD). Mercadante deixou claro que a presidente Dilma manteve-se equidistante nas disputas entre aliados.

Entre as propostas que devem ser votadas já na próxima semana estão a que cria o Orçamento Impositivo e a que aumenta em um ponto percentual o Fundo de Participação dos Municípios. No caso do Orçamento Impositivo, os deputados querem mudar o texto negociado pelo governo no Senado, evitando que a verba das emendas parlamentares seja carimbada para a saúde. Em relação ao FPM, os deputados pressionam para aumentar a participação em dois pontos percentuais. Só o aumento de um ponto percentual, aceito pelo governo, impacta em R$ 3,8 bilhões as contas da União.

Alves enfatizou que não é apenas ele quem quer votar essas duas PECs e que discutirá a pauta a ser enviada a Mercadante com os líderes.

- Sobre Orçamento Impositivo, há um destaque supressivo em relação à saúde. Uma parte da oposição quer alterar, e a medida voltaria ao Senado, o que seria ruim. A PEC (do FPM) certamente entrará, porque a situação dos municípios hoje é insustentável. Receberam muitas obrigações, muitas contrapartidas e estão praticamente sem orçamento, sem autonomia, e a aprovação de um por cento, em dois anos, certamente vamos votar na próxima semana - acrescentou o presidente da Câmara.

Alves, que conversará na próxima semana com a presidente Dilma, diz que o governo terá que buscar cada vez mais o diálogo:

- Esta hora, mais do que nunca, exige respeito, tratamento muito equilibrado, porque está em jogo o Brasil dos nossos filhos, nossos netos. É hora de muita responsabilidade do Parlamento e também do Executivo, diálogo é a palavra mágica.

O líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ),F diz que as duas PECs serão votadas, mas negou intenção de prejudicar o governo:

- Não há da parte do PMDB intenção de aprovar a sangria nas contas públicas ou criar constrangimentos ao governo.

Recado de Renan: 'conversar não arranca pedaço'

• Presidente do Senado cobra mais diálogo com o Legislativo em torno de agenda nacional

Cristiane Jungblut – O Globo

BrASÍLIA - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse ontem que o governo Dilma Rousseff precisa de mais diálogo com o Legislativo e foi ácido na crítica ao modo como a interlocução é feita atualmente: "Conversar não arranca pedaço", disse. Em outro recado, Renan afirmou que o fato de haver uma aliança entre PT e PMDB não significa que eles pensem de forma igual. Ele pediu que os ânimos sejam serenados com o fim das eleições e negou que o Senado vá aprovar uma pauta-bomba, que afete as contas públicas do país.

- Definitivamente, precisamos conversar. Essa interlocução precisa estar mais presente de lado a lado. A construção de uma grande convergência, de uma agenda nacional, a criação de um momento novo de união nacional precisa de conversas. Mesmo que as pessoas não concordem em algumas coisas, elas precisam conversar. Conversa, todos sabem, não arranca pedaço - disse Renan, alertando:

- Temos uma aliança e essa aliança vai preponderar, haja o que houver. Agora, aliança não significa pensar igualmente sobre tudo. Aliança não é isso.

Apesar de negar a hipótese de uma pauta-bomba, Renan pautou para a próxima semana o projeto que muda o indexador das dívidas dos estados junto à União. A Fazenda teme a redação final, porque os estados reduzirão o pagamento mensal ao governo com a nova regra, o que causa queda na arrecadação. Renan também reiterou que o Senado derrubará a proposta do PT de criação de conselhos populares.

Já a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) disse, em plenário, que PT e PMDB precisam retomar o diálogo e que a própria presidente Dilma Rousseff deve retomar as conversar com toda a base aliada. Para a petista, estão criando "fofocas" para tentar dividir o governo e o PMDB.

- É hora do diálogo da presidente, democraticamente reeleita, com todos os partidos que compõem sua base aliada, com as lideranças reconduzidas e com as novas que surgiram a partir deste pleito. São muitas fofocas de jornais, boatos, ilações que tentam criar um clima de insatisfação entre os principais parceiros da aliança que dá sustentação ao nosso governo, principalmente PMDB e PT. Estão tentando dividir o governo e o PMDB. Não vão conseguir - disse Gleisi, em discurso no plenário.

Reforma política é 'erro cabal', diz acadêmico

• Para Fabiano Santos, proposta do governo é balela e pode gerar 'desastre institucional'

Fabiano Maisonnave – Folha de S. Paulo

CAXAMBU (MG) - Balela. Irresponsabilidade. Caixa de Pandora. Não faltaram palavras duras contra a reforma política durante palestra do cientista político Fabiano Santos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) proferida nesta quarta (28), durante reunião anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).

"A possibilidade de criar um desastre institucional é muito grande. Não há nenhuma percepção da gravidade que é mexer nessas discussões com esse açodamento, com essa radicalidade", afirmou Santos, tido como um dos principais estudiosos do Legislativo no país.

"Reforma política não tem nenhuma relação com um problema substantivo da vida das pessoas. É um erro cabal do governo puxar esse assunto, um desastre", disse o pesquisador sobre o tema priorizado pela presidente reeleita, Dilma Rousseff (PT).

De acordo com ele, não há chance de a sigla conseguir aprovação no Congresso dos pontos que considera importantes, como financiamento de campanha exclusivamente público. "Existe o sonho dourado do PT e existe algo que o Congresso não fará, que é o sonho dourado do PT."

Para Santos, consulta por meio do voto tampouco é viável. Ele citou como exemplo o próprio financiamento: "Vai convencer a população para que seja só público. Tem uma comoção em torno da política. Aí a gente vai pagar imposto pros caras... não é bom".

Com relação a propostas que tramitam no Congresso, ele criticou alguns pontos em discussão, como fim da reeleição e alteração do mandato presidencial para cinco anos, separando a votação para presidente da escolha de deputados e senadores.

"Hoje, tem mais coordenação entre o Executivo e o Legislativo. Vamos simplesmente jogar isso fora e não se sabe por quê. Com o princípio de que o sujeito é eleito e depois pensa em se reeleger", ironizou, sob risos da plateia.

No final, Santos disse que experiências internacionais em reforma política resultaram em desastre: "Na Itália, a reforma política foi feita em meio a uma grande comoção sobre corrupção. O sistema fragmentou-se mais ainda, radicalizou-se o processo político e o [ex-premiê Silvio] Berlusconi ficou 25 anos".

Um dos homens mais ricos do mundo, Berlusconi governou a Itália por três períodos entre 1994 e 2011, num total de nove anos. Hoje, responde na Justiça a processos de fraude fiscal e foi cassado da política, enquanto o país tenta reerguer a sua economia.

"Então é balela, reforma política é balela. Não produz nada que se diz que irá produzir. A experiência internacional mostra isso", disse.

Santos acredita que se possa aperfeiçoar o processo eleitoral de forma pontual, sem uma ampla reforma política. Nesse sentido, defendeu o fim da doação empresarial a partidos e políticos, ficando apenas doações individuais e financiamento público.

Disputa por eleitorado opõe PT e PMDB

Vanessa Jurgenfeld – Valor Econômico

CAXAMBU (MG) - Maiores partidos da coalizão da presidente reeleita Dilma Rousseff, PT e PMDB estão em permanente tensão no Congresso - como agora, na retomada dos trabalhos depois das eleições - não só por divergências parlamentares, mas por dividirem faixas semelhantes do eleitorado. É o que defendeu ontem o cientista político Rudá Ricci, do Instituto Cultiva, durante o 38º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu (MG).

Para o pesquisador, o PT entrou em disputa pelo eleitorado do PMDB. "Os principais líderes do PMDB são do Norte e do Nordeste, exatamente onde o PT entrou a partir de 2006", disse. Segundo Ricci, o eleitorado do PMDB é cada vez mais próximo do eleitorado do PT. "Há uma disputa de sobrevivência entre esses dois partidos. Agora a disputa é entre PT e PMDB e é isso que vai ocorrer no Congresso no ano que vem", destacou.

Nas regiões Norte e Nordeste, quatro caciques pemedebistas foram derrotados nas eleições a governador: os senadores Eduardo Braga, no Amazonas; Eunício Oliveira, no Ceará; Jáder Barbalho, que não elegeu seu filho, Helder, no Pará; e o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, no Rio Grande do Norte. Braga e Barbalho perderam com o apoio do PT, mas Eunício e Alves tiveram os petistas como adversários.

Para Rudá Ricci, a disputa demonstra que a "concepção lulista" de conciliação de interesses e métodos de negociação fragmentada no Congresso - que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre usou - está em xeque. O cientista político argumenta que, além da conciliação de interesses, há um esgotamento do modelo lulista como um modelo "rooseveltiano" ou de um fordismo tardio.

Ricci cita aspectos como a nacionalização de políticas públicas e de programas sociais como o Bolsa Família, que concentram 65% do orçamento na União. Isso sacrificaria os municípios pela difusão da ideia de incapacidade dos prefeitos de capitanear projetos de desenvolvimento.

O pesquisador lembrou ainda que o subsídio a programas como o Bolsa Família e a política de aumento real do salário mínimo realizaram a inclusão por consumo, mas sem que houvesse a inclusão pela política ou pelo direito. Segundo ele, foi criada uma inclusão pelo consumo, que acabou gerou conservadorismo. "Pela primeira vez, em função do lulismo, temos um alto conservadorismo popular no Brasil, um conservadorismo comportamental", disse.

Em sua opinião, é evidente que o país está dividido em dois polos: o Nordeste, que deu vitória para Dilma, e São Paulo, onde Aécio Neves (PSDB) ganhou. "O embate foi São Paulo com Nordeste, temos uma questão meridional", destacou.

Rudá Ricci também relatou resultados preliminares da pesquisa que fez sobre o trabalho das duas campanhas presidenciais no segundo turno. Para o cientista político, o trabalho da equipe de Dilma Rousseff foi essencial para que a presidente conseguisse superar Aécio, apontado como favorito pelas pesquisas eleitorais no início da segunda etapa. "Quem ganhou foi a competência da coordenação de campanha de Dilma", disse.

A equipe de Ricci fazia contato quase que diário com as coordenações das candidaturas de Dilma e Aécio para a análise de campanhas. O pesquisador afirma que ficou muito impressionado com a competência da equipe de Dilma, "que de longe foi maior do que a [da campanha] do Aécio".

Ricci relata que havia pressão grande nas redes sociais, não de petistas mas daqueles que eram anti-Aécio. Gente que dizia que o PT tinha errado a mão porque teria forçado muito a desconstrução de Marina Silva (PSB), no primeiro turno. Havia a ideia, afirma, de que Marina seria muito mais difícil de ser derrotada no segundo turno. "Ela é mulher como a Dilma e [a equipe da presidente] tinha várias 'qualis' [pesquisas qualitativas] que mostram que, na comparação, Dilma ficaria muito endurecida e pareceria uma pessoa de outro país. A Marina é brasileira, evangélica", citou, destacando que foi a coordenação de campanha de Dilma que "preferiu" Aécio. "O Aécio é homem. Nós escolhemos o Aécio como adversário", conta Ricci, ao reproduzir o que dizia a coordenação de campanha de Dilma. "Eles escrevem isso antes do dia 5 de outubro", ressalta o pesquisador.

Ricci conta que, no fim da primeira semana de campanha ao segundo turno, estava previsto colocar 2 mil "hubs" para começar a municiar a militância nas rede sociais. Na terça-feira, no primeiro debate na TV Bandeirantes, a equipe previa o início da "desconstrução" do Aécio. "E a desconstrução do Aécio vai ser: 'Ele bate em mulher'", lembrou Ricci. A equipe de Dilma teria utilizado a estratégia pois assim atingiria os indecisos, que eram, em grande parte, mulheres acima de 45 anos.

A equipe de Dilma teria dito: "Vamos desconstruí-lo em uma semana. Nos dois primeiros debates a Dilma vai começar a falar sobre uma questão específica de corrupção e no segundo ela vai enfrentar o caráter do Aécio e nós vamos corroê-lo e vamos ganhar com 53% do eleitorado".

O cientista político apontou a coordenação de campanha petista como a mais profissional que diz já ter visto. "Só tivemos, do regime militar para cá, dois momentos de inflexão das campanhas. Uma foi do Collor, que mudou completamente sua estratégia de campanha, e a segunda é essa da Dilma", afirma Ricci, para quem, pela primeira vez, houve uma militância tucana em São Paulo. "O último dado são 15 mil [pessoas] e nunca o PSDB teve uma militância de rua nem na internet. Essa é uma novidade dessa eleição e que vem das manifestações de junho de 2013", destacou.

Discussão sobre auditoria da eleição foi feita via WhatsApp

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

A decisão do PSDB de pedir uma auditoria especial para investigar o processo eleitoral foi tomada pela direção do partido a partir de um bate-papo via WhatsApp, aplicativo de troca de mensagens instantâneas.

Responsável pelo processo, o deputado federal Carlos Sampaio, que coordenou o setor jurídico da campanha de Aécio Neves ao Palácio do Planalto, consultou os colegas e recebeu "contribuições" ao texto que mais tarde seria protocolado no Tribunal Superior Eleitoral.

Integrantes da direção tucana diziam ontem à noite que Aécio, presidente nacional da legenda, não discutiu o caso porque estaria "incomunicável". A participação do senador mineiro na decisão, no entanto, ainda não está clara.

Na troca de mensagens, um membro da direção ponderou que era preciso tomar cuidado com a redação final da representação. Havia o temor de que ela desse munição para que o PT acusasse a oposição de tentar reverter o resultado da eleição presidencial no tapetão.

O argumento dos dirigentes do PSDB para justificar a representação é o de que desde domingo a sigla recebeu "milhares de denúncias" de militantes e de eleitores. Entre as mais recorrentes estão casos de urnas que não registravam o número 45 ou de pessoas que não puderam votar pois alguém havia feito isso em seu lugar. Dirigentes do partido chegaram a pedir o extrato de votação para os fiscais do partido em vários Estados para fazer a conferência por amostragem com a apuração do TSE.

Pezão pode abrir espaço para PSDB e DEM no secretariado

Guilherme Serodio e Renata Batista – Valor Econômico

RIO - O governador reeleito do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), enfrenta o desafio de abrigar no novo governo a base de apoio composta por 21 legendas que sustentaram sua candidatura.

Pezão trata o assunto com cuidado e afirma que só montará a nova secretaria na última quinzena de dezembro, mas já sinalizou que poderá abrir espaço para o PSDB e o DEM no governo.

"Vou conversar com todos os partidos, mas não descarto [a entrada do DEM e do PSDB no governo]", diz o governador.

As legendas ficaram na oposição durante os dois mandatos de Sérgio Cabral, de quem Pezão foi vice, mas se aliaram ao PMDB na corrida eleitoral estadual para abrir espaço ao presidenciável derrotado Aécio Neves no palanque governista do Rio, com a criação do movimento batizado de Aezão.

O ex-prefeito da capital Cesar Maia (DEM) e o presidente estadual do PSDB, o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha, já indicaram que há espaço para diálogo com o governador.

Pezão afirma que vai esperar a definição da bancada governista na Assembleia Legislativa para montar seu secretariado, o que só deve ocorrer "na última quinzena de dezembro". Mas indica que a nova secretaria não terá poucas mudanças: "Quero dar uma mexida boa".

O plano é priorizar os partidos que compuseram sua chapa desde o início da corrida eleitoral.

Sobre o PT, que rompeu com o governo para lançar um candidato próprio na disputa estadual, Pezão não se mostra animado com o diálogo para atrair de volta o partido para sua base.

O PT montou a terceira maior bancada da Assembleia Legislativa, com seis deputados eleitos, está dividido no Estado entre o retorno à base governista, defendido pelo vice-prefeito da capital, Adilson Pires, e pelo prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, ou a manutenção na oposição, proposta encampada pelo presidente regional, Washington Quaquá.

"Nem pensei nisso [conversar com o PT]. Primeiro estou falando com as pessoas que estavam comigo na primeira hora", afirmou Pezão. "Estou estudando e esperando a Assembleia se definir", indicou Pezão.

As mudanças não devem atingir, porém, a pasta da segurança. secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame - cuja saída do governo era dada como certa -, não deixará mais o cargo ao fim do mandato, em dezembro. Desde que Pezão assumiu o governo, em abril, Beltrame tem dito que sua permanência na pasta não é certa. A posição do secretário sempre foi respeitada por Pezão, mas a substituição prejudicaria a imagem do governo junto à população.

"Estou pedindo muito. Acho que sim [que ele fica]", afirmou o governador, que já comparou a chefia da pasta a "um moedor de carne". "Ele está muito cansado, mas falei para ele descansar e voltar renovado".

As recentes prisões de integrantes da cúpula da Polícia Militar poderiam trazer dificuldades à escolha de um sucessor na pasta. Além disso, a permanência de Beltrame trará credibilidade à proposta de Pezão de expandir as Unidades de Politica Pacificadora (UPP) para outras cidades da região metropolitana Niterói, São Gonçalo e cidades da Baixada Fluminense. O objetivo foi anunciado pelo próprio Beltrame em janeiro.

Merval Pereira - Do virtual ao real

- O Globo

Saindo do mundo criado pelo marqueteiro João Santana e caindo na realidade que a propaganda oficial negou, a ponto de ter conseguido fazer com que a avaliação do governo Dilma subisse durante a campanha, o PT está se especializando em derrotar o PSDB por suas propostas econômicas para, em seguida, colocá-las em prática já com o mandato garantido .

Quem começou a tomar "medidas impopulares" foi o mesmo governo que demonizou seu adversário tucano, aumentando os juros dois dias depois de fechadas as urnas e autorizando aumentos da energia elétrica como os de Roraima, de nada menos que 54%. E vêm mais aumentos por aí, das tarifas de energia até a gasolina, tudo represado para não atrapalhar a campanha eleitoral, segurando artificialmente a inflação. 
As especulações sobre possíveis nomes para o Ministério da Fazenda fazem os mercados se regozijarem. Na campanha eleitoral, o PT acusou Marina de ser "sustentada" por uma banqueira, em referência à educadora Neca Setubal, herdeira do banco Itaú, e fez um trabalho terrorista dizendo que a autonomia do Banco Central tiraria a comida dos pratos dos brasileiros e os livros escolares de nossas crianças. Mais adiante, cravou em Arminio Fraga a pecha de aumentar juros e criar desemprego.

Agora, as especulações sobre a principal figura da economia brasileira giram em torno de banqueiros, como o presidente do Bradesco, Trabuco, ou Henrique Meirelles, e executivos de grandes empresas como Maurilio Ferreira da Vale. Isso acontece desde 2002, quando Lula foi obrigado a escrever uma Carta ao Povo Brasileiro garantindo que não haveria ruptura do modelo de gestão econômica da época (tocado pelos tucanos) e prometeu a manutenção dos contratos firmados, com o objetivo de acalmar o mercado internacional e conter a alta do dólar durante a campanha, que mesmo depois disso chegou a R$ 4 em outubro, nas vésperas da eleição que Lula venceu. 

Esse foi o "efeito Lula", que levou a inflação a 12% ao ano naquela ocasião, fato que a candidata Dilma tentou negar. Em seguida, surpreendeu a todos colocando um banqueiro internacional, ex-presidente do Banco de Boston, no comando do Banco Central. Henrique Meirelles acabara de ser eleito deputado federal pelo PSDB, e abandonou o mandato para exercer com total autonomia a direção do BC pelos oito anos do governo Lula.

Até mesmo as privatizações, tão demonizadas por Lula na campanha de 2006, chegaram, com atraso de anos, ao programa econômico do PT, quando ficou claro que o Estado não tinha condições de, sozinho, fazer as obras de infraestrutura de que o país necessita. 

Pelo que defendeu na campanha recém-terminada, Dilma não poderia ter elevado os juros, pois na sua lógica os adversários "plantam inflação para colher juros". Uma das ideias-força da campanha de Dilma foi que a derrubada da inflação traria como consequência o aumento do desemprego, e, agora, deixando a propaganda de lado, o Banco Central aumenta os juros para combater a inflação — que estava sob controle, lembram-se? —, com isso reduz a alta do dólar e cria um ambiente propício para os investidores. Sem o que os empregos começarão a minguar. 

O ex-presidente Lula é político para querer dar sinais ao mercado mesmo dizendo que não os está dando. Ele é capaz de afirmar que nunca deu satisfações ao mercado, mesmo depois da Carta ao Povo Brasileiro. Certa vez, mais recentemente, disseque se arrependeu de tê-la assinado, mas pode muito bem mais adiante, se isso for conveniente a seu projeto político, vir a reafirmá-la. 

Lula é capaz de fazer um discurso radical à esquerda enquanto seu ministro da Fazenda, Antonio Palocci, trazia a economia para o campo liberal. E usava a política externa para compensar a ala de esquerda radical que estava sendo derrotada no front interno. Já a presidente Dilma parece mais ideológica que seu mentor, e esses sinais podem ser apenas manobras para ganhar tempo enquanto monta um segundo governo dentro do que sempre pensou. 

O problema é saber se as especulações correspondem ao que realmente Dilma está pensando para seu 2º mandato, ou se não passam de desejos do mercado e de setores do PT mais pragmáticos. O fato é que ou ela se reinventa, ou teremos problemas pela frente .

Dora Kramer - Aprender a conviver

- O Estado de S. Paulo

O PMDB poderia perfeitamente ter esperado a virada do ano para deflagrar o processo de sucessão na presidência da Câmara, que normalmente ocorre nas últimas semanas de janeiro, pouco antes da escolha no início de fevereiro.

Mas, a exemplo do que fez Lula com a candidatura de Dilma Rousseff à reeleição, o partido resolveu antecipar o lançamento o líder da bancada, Eduardo Cunha, a fim de demarcar terreno, ocupar espaço e mandar à presidente o seguinte recado: seja qual for o perfil predominante no colegiado dos deputados eleitos, o PMDB não pretende que o comando da Câmara seja submisso às orientações do Palácio do Planalto.

Isso não deve se confundir com a pretensão do Poder Legislativo de se impor ou viver em confronto permanente com o Executivo. A ideia é justamente recuperar o conceito de equilíbrio entre os Poderes da República, aproveitando o momento em que essa paridade se refletiu no resultado das urnas e que o PT não sai da eleição com a mesma força avassaladora de antes.

A figura do deputado Eduardo Cunha talvez não seja a ideal do ponto de vista da opinião pública, mas sob a ótica dos deputados pemedebistas é quem melhor representa uma posição ao mesmo tempo de enfrentamento latente e negociação quando conveniente. O poder dele emana do apoio da bancada, não de sustentação do governo. Ao contrário. No ano passado a presidente entrou em embate direto com ele, tentou isolá-lo na Câmara e perdeu a parada.

Dilma mostrou inexperiência, pois um presidente não se confronta com um deputado, muito menos para ficar em desvantagem. Cunha também é do PMDB fluminense, a seção regional que se posicionou na convenção mais claramente contrária à renovação da aliança com o PT pela reeleição.

Já na noite de domingo assim que saiu o resultado da eleição Eduardo Cunha sem assumir a candidatura - como convém ao nome do jogo nessa altura - ressaltava o impacto do escândalo da Petrobrás no próximo ano, recebia com descrédito a proposta da presidente ao "diálogo" e apontava o PT é quem dá o "tom" do clima entre os aliados.

Referia-se, na ocasião, às derrotas de líderes do PMDB muito próximos do Planalto em disputas para governos de Estados: Eunício Oliveira (CE), Eduardo Braga (AM) e Henrique Eduardo Alves (RN). Os adversários de todos eles ajudados pelo PT ou aliados. Lembrava que os candidatos mais distantes do governo haviam se saído melhor.

O campo não estaria tão minado se o PMDB estivesse sozinho nessa atitude mais ofensiva. No momento é o PT quem se encontra mais perto das cordas. Por isso mesmo o Planalto reconhece a urgência de reorganizar toda sua articulação política. O próprio líder na Câmara, Arlindo Chinaglia, admite a necessidade. Para ele o erro central foi a quase inexistência de interlocução entre o Palácio e sua base, principalmente as lideranças do PT, no Congresso.

Mas as medidas de ajuste vão além. Se quiser recuperar terreno o governo vai precisar adaptar seu modo de agir ao tempo de estio nos quesitos popularidade e força política. Desde que assumiu o poder o PT estava acostumado a falar sozinho. Primeiro por meio dos monólogos de Lula e depois pelos modos ariscos de Dilma.

Isso sem contar a arrogância de um partido que se pretendia hegemônico, proprietário do monopólio do bem estar social e imbuído da certeza de que as opiniões contrárias na sociedade seriam eternamente residuais. Já há algum tempo o vento sopra de outra forma, mas o governo vem se enganando, arrumando desculpas, evitando olhar as coisas como elas são.

Gastou tanto capital que perdeu o crédito de confiança. Prova é o ceticismo com que foi recebida a mão estendida da presidente. Agora vai precisar reaprender a jogar, construir convergências, lidar com as divergências, enfim, reconhecer que não inventou nem é dono do Brasil.

Eliane Cantanhêde - Lula e o pé na porta

- Folha de S. Paulo

Piadinha maldosa em Brasília: Viu? Foi só o Aécio Neves ganhar a eleição que o Armínio Fraga mandou aumentar os juros!

Quem venceu foi Dilma Rousseff e quem aumentou os juros para 11,25%, três dias depois da eleição, foi o Banco Central da própria Dilma. Detalhe: foi 5 a 3, um placar premonitório de debates sangrentos em torno dos rumos da economia.

Ao longo da campanha, havia o consenso de que, ganhasse quem ganhasse, iria enfrentar um 2015 dificílimo, com medidas duras, nada populares. Dilma martelava que só Aécio e Armínio as tomariam, mas ela não tem como fugir. Só se maquiar dados, cancelar balanços e disfarçar aumentos --como neste mandato.

Aliás, falava-se num 2015 difícil, mas esquecendo-se que, entre a eleição e a "reposse" em janeiro, haveria novembro e dezembro, já com más notícias jorrando. É o que ocorre.

Os juros subindo, sem que a oposição ao menos lembre o pronunciamento de Dilma na televisão, gabando-se de ter chicoteado as taxas ao jeito dela. As Bolsas e o dólar sacolejando, refletindo incertezas dentro e fora do país. O prejuízo de R$ 3,4 bilhões da Vale no trimestre, em contraponto ao lucro líquido de R$ 3,9 bilhões do Bradesco.

Como pano de fundo, a instabilidade também no Congresso, que mal esperou passar a comemoração da vitória de Dilma e do PT e já na terça-feira dava o primeiro de muitos sustos no Planalto. Apesar de conservar a maior base aliada do planeta, Dilma enfrentará mágoas e chantagens, sobretudo, do partido do seu vice, o PMDB. E a oposição no Senado tende a ser vigorosa.

Ou seja: a eleição ainda nem esfriou e os resultados ainda estão sendo devidamente analisados, mas as dificuldades de Dilma na economia, na política e na gestão já estão mostrando a sua cara e prenunciando um segundo mandato bem agitado.

Lula botou no pé na porta. Mais do que ajudar Dilma, não quer que ela prejudique o futuro do PT --e dele.

Maria Cristina Fernandes - PT à mineira

• A máquina de votos do outro lado da Mantiqueira

- Valor Econômico

Estado mais rico já conquistado pelo PT, com o maior número de prefeituras do país, Minas Gerais deu à presidente Dilma Rousseff uma vitória decisiva. Era lá que o PSDB esperava obter uma vantagem de 4 milhões de votos para compensar a parte de cima do mapa. Perdeu por meio milhão. O Estado elegeu ainda dez deputados federais do PT, bancada igual a de São Paulo, que até então ocupava a liderança inconteste na representação parlamentar do partido.

A mineirização do PT foi liderada por um colega de colégio e guerrilha de Dilma, e considerado por muitos, no partido, como o mais tucano dos petistas.

Em 2008 alinhavou com Aécio Neves a mais importante aliança já havida entre PT com o PSDB, que serviu a ambos para manter no fim da fila correligionários afoitos em assumir protagonismo.

Este ano o ex-prefeito de Belo Horizonte e ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Fernando Pimentel estabeleceu outro paradigma ao se tornar o primeiro petista a derrotar um tucano pelas propriedades que não tem.

No Estado de origem de Aécio, a acusação mais pessoal da campanha de Pimentel foi a declaração patrimonial de Pimenta da Veiga que, junto à Justiça Eleitoral, não declarou um único bem em Minas.

Fez campanha em cima dos feitos e desfeitos de gestões petistas e tucanas. Foi lá que a campanha presidencial colheu o 'quem conhece não vota'. Se Dilma levou um 'leviana' de Aécio, Pimentel recebeu um 'mentiroso' de Pimenta, rebatido com um 'é lamentável' e uma ação na justiça.

Na eleição presidencial de 2006 o PSDB conseguiu, em Minas, mais votos no primeiro do que no segundo turno. Naquele ano Aécio foi reeleito governador de Minas no primeiro turno. Ultrapassou em quatro milhões a votação que Geraldo Alckmin alcançaria no Estado no segundo turno.

Pimentel inverteu a ordem. Eleito com uma folga de mais de um milhão de votos, voltou a percorrer os municípios na primeira semana do segundo turno quando Aécio, que tinha ficado atrás de Dilma por 432 mil votos no Estado, foi à TV: 'Minas nunca me faltou'. Era uma outra maneira de dizer que o mineiro tinha a obrigação de votar nele. Fechadas as urnas, seus correligionários continuavam a verbalizar sua indignação com um eleitor incapaz de enxergar em Aécio a síntese de Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves.

Se Pimentel usasse o discurso 'votou em mim agora tem que votar nela' destoaria do mote 'Minas não tem rei, imperador ou dono' com que tocou a campanha. Fechadas as urnas disse que participaria ativamente do segundo turno mas não na condição de governador eleito. Ainda era grande a possibilidade de vir a coabitar com um presidente tucano.

Blindou o norte do Estado e o triângulo mineiro, redutos petistas, e trabalhou para diminuir a diferença na região metropolitana de Belo Horizonte e no sul do Estado que exporta o sotaque para os paulistas da divisa. Depois de ter sido eleito no primeiro turno com 532 mil votos a mais que Dilma no Estado, Pimentel acabaria por levar a presidente a ultrapassar em mais de um milhão sua votação e em 550 mil a de Aécio.

Seu eleitor, diz, optou pela troca de modelo em Minas e por mudanças por dentro do modelo dilmista.

Poucos têm tanta condição de saber se Dilma está sendo sincera ao dizer que quer ser "uma pessoa ainda melhor do que tem se esforçado por ser". Ao telefone, convence que acredita nisso.

Ao seu mais antigo amigo petista, Dilma aparece como determinada a reconquistar a confiança do mercado. Deu-se conta de que não pode prescindir de capital privado se quiser reerguer a infraestrutura. Junto com a posse virá um modelo que ofereça garantias suficientes para o mercado de capitais acolher papeis lastreados em concessões públicas. O ministro da Fazenda seria um avalista desta confiança.

Pimentel terá seu próprio laboratório para experimentos nas relações com o mercado. Enquanto os tucanos colocaram na berlinda a gestão petista da maior estatal brasileira, sua campanha colocou na roda a administração tucana da maior empresa pública mineira.

A Cemig, que o mercado considera uma das jóias do setor elétrico, remunera seus acionistas com uma tarifa recorde de energia. O mercado se agitou e ele veio a público reafirmar que as mudanças virão da prestação de serviços e da redução da alíquota do ICMS sobre a energia, a mais alta praticada no país.

Pimentel terá quatro anos para fazê-lo, mas já foi muito além dos correligionários paulistas. Do outro lado da Mantiqueira o partido foi incapaz de tornar a gestão da Sabesp uma questão de interesse do eleitor tanto no primeiro quanto no segundo turno e, não apenas por isso, somar ao inédito feito de quatro mandatos nacionais consecutivos a pior votação em seu berço político

Discursos
Discurso de vitória no mesmo dia da eleição é coisa recente. Data da votação eletrônica que apressou os resultados. Na sua primeira eleição, Fernando Henrique Cardoso saiu de sua seção eleitoral direto para o aeroporto e só se pronunciou três dias depois quando proclamado o resultado.

Oito anos depois, com a eleição já informatizada, Lula falou na sede do comitê de campanha em São Paulo de improviso e sem aparato. Fez agradecimentos, citou José Serra, seu adversário, elogiou José Genoíno, petista derrotado em São Paulo, e retomou o discurso da esperança que venceu o medo.

Quatro anos depois, reeleito, foi parar num palanque na Avenida Paulista. O mensalão rifou do discurso os companheiros petistas. Ladeou-se de seus novos aliados pemedebistas e, sempre no improviso, agregou pobres x ricos, corrupção e reforma política.

Em quatro anos surgiram duas Dilmas matematicamente eleitas. Ainda que lidos, os primeiros discursos marcam a temperatura do primeiro balanço das campanhas, do que veio e do que está por vir.

Quatro anos depois desapareceu a primeira mulher eleita presidente. A miséria, citada três vezes em 2010, desta vez foi omitida. Também sumiu a igualdade. Em seu lugar entraram corrupção e reforma política, ambas agraciadas com três menções. Mudança e diálogo ocuparam o panteão dilmista com cinco ocorrências.

Em 2010, a presidente eleita chorou ao falar de Lula, que ficou no Alvorada para não ofuscá-la. Desta vez, Lula estava ao seu lado. E ela o mencionou duas vezes sem se emocionar.

Eduardo Giannetti - Dilma 2

- Folha de S. Paulo

O enredo foi dramático e tortuoso ao extremo, mas o desfecho seguiu a convenção do gênero: o trator governista garantiu a vitória da presidente, como é praxe desde a adoção da reeleição. A incerteza sobre o resultado das urnas deu lugar à dúvida sobre os rumos da política econômica no segundo mandato. Curva de aprendizado ou aposta redobrada?

É difícil não carregar nas tintas: economia em recessão; investimento em queda livre; deficit fiscal elevado; inflação alta e artificialmente represada (preços administrados e câmbio) e volta da vulnerabilidade externa (deficit em conta corrente acima de U$ 80 bilhões em 2014).

Se Lula 1 preparou o terreno para o avanço social em Lula 2, o estrago de Dilma 1 ameaça sepultar essa conquista em Dilma 2.

Considerando a gravidade do quadro, não deixa de haver justiça na recondução de Dilma ao Planalto. Quem armou e subestimou o tamanho da encrenca que cuide dela agora. À vencedora, os pepinos.

Dois cenários básicos se delineiam. O primeiro, menos pessimista, é o da curva de aprendizado. Passado o ardor da campanha, o governo admite pelo menos parte dos erros cometidos e promove uma correção de rumos.

Como a reputação não ajuda, isso exigirá bem mais que juras, jogo de cena e abertura ao diálogo. Exigirá transparência e resultados, com ênfase na área fiscal, além de uma presidente que aceite abrir mão da condição de patroa de uma equipe econômica café com leite.

Alguns indícios reforçam este cenário. Com anos de atraso, o governo avançou no marco regulatório para o investimento privado em infraestrutura; aceitou reduzir os repasses da bolsa-BNDES e descobriu que não é capaz de baixar os juros no grito. Economistas próximos ao governo tornaram-se críticos abertos da "nova matriz" e o ministro da Fazenda está de "aviso prévio".

O outro cenário é o da aposta redobrada. A reeleição seria a prova do sucesso e o sinal verde para ir até o fim. Não fosse a conjuntura externa adversa, tudo teria sido ainda melhor do que foi. Vale aqui o princípio da contra-indução, enunciado por Mario Henrique Simonsen: "uma experiência que dá errado inúmeras vezes deve ser repetida até que dê certo".

Entre os elementos de apoio à aposta redobrada destacam-se: a retórica agressiva e populista da campanha, incluindo a desmoralização do Banco Central e o autismo fiscal; o estado de negação em que vivem expoentes do petismo e a dificuldade da presidente em admitir erros e delegar poderes.

Some-se a isso a bomba-relógio do petrolão, a queda de preço das commodities, a alta dos juros americanos e a eventual perda do "grau de investimento" e a conclusão é só uma: a Argentina é logo ali.

Fernando Limongi - Mais do mesmo dificilmente dará outro mandato ao PT

- Valor Econômico

A eleição chegou ao fim. Foi uma longa e extenuante campanha, com altos e baixos. Emocionante e dura. Chegamos ao domingo sem saber quem venceria. Incerteza até o último instante. Acabou. Não deixa de ser um alívio. Já sabemos quem vai governar por quatro anos. Não há terceiro turno. Eleições só em 2018.

Cada um tem sua história preferida e sua explicação sobre o que fez Dilma ganhar e Aécio perder. Não faltam e não faltarão os intérpretes de plantão sobre qual teria sido o recado das urnas, qual a essência da mensagem que os eleitores teriam enviado aos governantes e a oposição. Mera especulação. Não há síntese possível do que quis ou quer o eleitor. São 140 milhões e pico de eleitores, cada qual com suas razões pra ter votado desta ou daquela forma. O fato elementar e essencial é que no que foram chamados a fazer, votar em segundo turno, os eleitores se dividiram.

Dilma foi reeleita por pequena margem. O país está dividido. O fundamental está contido na distribuição geográfica e social dos votos estampadas em todos os jornais na segunda feira. Os mapas sintetizam a informação relevante, deixando claro que a vantagem do PT vem das regiões Norte e Nordeste, enquanto o PSDB leva vantagem nas demais regiões. Maranhão e São Paulo foram os casos extremos. Na terra de Sarney, Dilma recebeu impressionantes 78% dos votos. Em São Paulo, onde os tucanos reinam absolutos, Aécio ficou com 64% dos votos.

Como já alertado por outros analistas, proporções são enganosas. A despeito da tunda levada em São Paulo, em números absolutos, Dilma recebeu mais votos em São Paulo do que em qualquer outro Estado. A razão é muito simples: em São Paulo estão alistados mais do que 25 milhões de eleitores, isto é, pouco mais do que 20% eleitores. A expressão social da polarização se reproduz dentro do Estado: os mais pobres votam majoritariamente PT e os mais ricos no PSDB. A clivagem central é social e não regional. Há mais pobres no Nordeste e os mais ricos se concentram no Sudeste.

Falar que Nordeste elegeu Dilma ou que a derrota de Aécio se deve a Minas Gerais é perder o essencial. Não há um eleitor ou mesmo grupo de eleitores que seja o responsável último pelo resultado. Mesmo se a eleição fosse decidida por um voto não haveria como saber quem foi o eleitor decisivo, que fez a balança pesar nesta ou naquela direção.

Obviamente, nem tudo pode ser explicado com base em indicadores sociais e demográficos. Diferenças regionais não desaparecem de todo. A vantagem do PT entre os mais pobres do Norte e Nordeste é maior do que a verificada no resto do país. Na realidade, nestas regiões, o desempenho do PT é sempre acima da sua média nacional em qualquer estrato social. O inverso se dá com o PSDB. Seu desempenho no Estado de São Paulo está bem acima do esperado em todos os grupos sociais.

No caso específico de Minas Gerais, pelos dados do primeiro turno, o desempenho dos três principais candidatos não desviou significativamente de suas médias nacionais. A votação obtida pelos três candidatos ficou dentro do esperado. Não é de se esperar mudanças significativas neste padrão entre os dois turnos. Na realidade, se o parâmetro forem as eleições presidenciais anteriores, a votação do PSDB no Estado cresceu. Digamos assim, Aécio trouxe o partido para a média nacional, para o esperado. Para o PSDB, São Paulo é ponto discrepante. A votação do partido é bem superior ao esperado.

O fato da votação em Pernambuco ter obedecido os padrões esperados por este simples modelo sociodemográfico figura entre os dados mais significativos deste segundo turno. O PSB e/ou a família Campos se mostraram incapazes de transferir votos para o PSDB. No primeiro turno, Marina teve um de seus melhores desempenhos no Estado, que, desta forma, desviou do padrão observado nos demais Estados nordestinos. A despeito do apoio explícito do clã Campos, estes votos dados a Marina migraram para Dilma, o que trouxe o Estado de volta ao padrão.

Há uma relação direta entre o que se passou em Minas e em Pernambuco. Aécio Neves e Eduardo Campos, ou qualquer outro político, não têm meios ou os recursos necessários para controlar eleitores. Que o PT tenha perdido os votos no primeiro turno em Pernambuco mostra o mesmo: não há eleitorado cativo. Voto tem que ser conquistado. Decisões são sempre relativas, isto é, dependem da comparação entre as opções disponíveis.

A interpretação mais relevante sobre o que se passou domingo passado é a que será feita pelas lideranças do PT e do PSDB. Digamos, a eleição de 2014 é um capítulo encerrado. Quem venceu vai governar. O mandato recebido, rigorosamente falando, não é afetado pela margem da vitória ou suas bases sociais. Do ponto de vista legal, por um ou 50 milhões de votos, não faz diferença. O que importa agora é a eleição de 2018, isto é, quais as lições que as lideranças políticas retiram de 2014 e como estas impactam sobre suas decisões para vencer a próxima eleição.

Assim, como de costume, vale começar pelo óbvio. O PT perdeu votos em 2010 e 2014. A vantagem sobre o PSDB se estreitou. No total, o PT perdeu dez pontos percentuais dos votos nestas duas eleições, cinco em cada. Este é o parâmetro fundamental para o partido. Em 2018, o PT estará completando 16 anos de poder. Não é pouco. O desgaste é inevitável. A analogia é direta: há sinais de "fadiga de material" e a tendência é que esta se acentue. Dito de outra forma: "mais do mesmo" dificilmente vai lhe assegurar mais um mandato.

Ainda assim, é evidente que as maiores dificuldades do partido se deram em seu relacionamento com o mercado. A Bolsa e o dólar se comportaram em 2014 como em 2002 mas, objetivamente falando, não há como comparar estes dois eventos. O temor e as incertezas não são da mesma natureza. Por desastroso que seja o modelo econômico do primeiro governo Dilma, as perspectivas para um segundo mandato não podem ser comparados com o que o PT poderia ter feito em 2003. Seja como for, o mercado tem formas muito diretas e convincentes de expressar suas preferências. A elevação dos juros pelo Banco Central parece indicar que Dilma não vai dobrar sua aposta. O custo de um fracasso seria fatal. Na realidade, se insistir em seu modelo, Dilma depende de que ele venha ser um sucesso retumbante.

Quanto ao PSDB, é inegável que mostrou força na reta final. Cresceu e assustou. Sai fortalecido. Mas não é demais lembrar que a candidatura Aécio andou moribunda por um bom tempo. A ascensão de Marina foi acompanhada de uma revoada de tucanos e de seus aliados. Coube ao PT a tarefa de abater seu voo e, paradoxalmente, a força e a forma como o fez, acabou por fortalecer a candidatura de Aécio, que pode correr por fora e ser o ponto de convergência do antipetismo. Além disto, não se deve esquecer que o PSDB perdeu o governo de Minas Gerais, retirando do partido uma das bases de sustentação do partido. Vai fazer falta. Não é fácil sobreviver politicamente sem administrar orçamentos significativos, implementando políticas e movimentando máquinas e interesses. Restam, é certo, São Paulo, Paraná e alguns outros Estados menos importantes do ponto de vista econômico e eleitoral. Pode ser pouco. Sobretudo para um partido que, até o momento, ainda não aprendeu como fazer oposição fora do período eleitoral.

Para os políticos, a eleição de 2018 já começou. Esta é a lógica do jogo. A despeito do forte engajamento demonstrados pelos eleitores, nossa hora passou. Voltamos ao papel de espectadores. Vamos vaiar e aclamar aqui e ali. Podemos até ir às ruas de quando em vez. Mas a bola agora está com eles. Daqui a quatro anos voltamos a ter o cartão verde e o vermelho para decidir os seus destinos.

Fernando Limongi é professor de ciências políticas na Universidade de São Paulo e pesquisador do Cebrap

Luiz Carlos Mendonça de Barros - Uma presidenta e seus dois caminhos

• Se Dilma não mudar, seu dia mais feliz nos próximos 4 anos terá sido o dia seguinte ao anúncio de sua vitória

- Folha de S. Paulo

Com seu mandato renovado, a presidenta Dilma precisa agora definir de maneira transparente as diretrizes para a política econômica.

Embora a economia brasileira venha ganhando músculos privados nestes últimos anos, afastando-se gradativamente do modelo de décadas passadas, sua dinâmica é ainda fortemente influenciada pelas ações do governo. Por isso vivemos hoje uma verdadeira "paradeira" nas decisões de empresas e consumidores, todos esperando as definições de Brasília para escolher o caminho a trilhar no futuro.

Dois modelos de política econômica dominam as discussões entre analistas e agentes econômicos. No primeiro deles, a presidenta, ao fazer uma leitura correta do mandato que recebeu nas urnas, entende que ganhou as eleições apoiada nos brasileiros que vivem do Estado benfeitor e perdeu o apoio dos brasileiros que dependem de seu trabalho e de seu esforço pessoal.

Mais ainda, que sua grande arma para convencer uma parte da chamada nova classe média a ficar de seu lado --o baixo índice de desemprego que ainda existe no Brasil-- pode se transformar rapidamente em um foco de insatisfação popular.

Isso porque sabemos que o desemprego baixo é a última etapa de um ciclo de crescimento econômico a ser atingida pela perda de dinamismo da economia.

Antes de aumentar a taxa de desemprego, o mercado de trabalho mostra outros sinais de fraqueza, como a redução da geração de postos de trabalho, o que já vem ocorrendo há muitos meses. E, a continuar o marasmo por que passa a economia, as estatísticas de desemprego serão afetadas e muitos que votaram na presidente vão se sentir enganados.

Por isso, para Dilma, é fundamental que o crescimento econômico seja retomado nos próximos meses e que a confiança de empresários e consumidores volte para níveis compatíveis com um ambiente de negócios positivo.

Mas essa alternativa exigirá da presidenta uma mudança radical na sua forma de governar e, principalmente, no núcleo duro de suas convicções econômicas. Com o ciclo de crescimento pelo consumo encerrado, todos concordam que será pelo investimento que a economia poderá voltar a crescer a taxas mais elevadas, necessárias, como vimos, para estabilizar o nível de emprego.

Ora, com as finanças públicas comprometidas com o gasto social e tendo poucos instrumentos para aumentar os investimentos públicos por total falta de eficiência do sistema, o governo ficará fora desse jogo e dependerá totalmente de que o setor privado lidere esse movimento.
E isso só vai acontecer se a agenda macroeconômica do governo coincidir com a que o setor privado considera como a correta para a situação brasileira hoje. Portanto, cabe à presidenta Dilma Rousseff a decisão de contar ou não com ele, do seu lado, na busca da retomada do crescimento econômico no Brasil.

Um dos indicadores prévios que o mercado vem usando para avaliar se foi esse ou não o caminho escolhido tem sido o nome do novo ministro da economia. Há analistas e empresários que acreditam ainda na repetição do modelo escolhido por Lula em 2003. A conferir.

Outra possibilidade --e que me parece ser a mais provável-- é a de, previamente à escolha do ministro da Fazenda, o Planalto emitir sinais claros de que aceita uma agenda econômica, no segundo mandato de Dilma, próxima à do setor privado. Primeiros sinais desse caminho começam a aparecer na imprensa com declarações vazadas de que o governo vai perseguir novamente um superavit fiscal primário de 2,5% do PIB, se não em 2015, pelo baixo crescimento do PIB, certamente nos anos restantes do mandato presidencial.

Mas talvez o sinal mais forte, de que essa barragem de princípios macro mais sólidos será a estratégia do governo para mudar as expectativas, veio do Copom, na quarta, ao aumentar, de forma totalmente inesperada por analistas e mercados, a Selic.

Seja por meio da escolha de um nome realmente com credibilidade --intelectual e administrativa-- para a Fazenda, seja previamente anunciando uma agenda de compromissos na condução da economia em seu segundo mandato, Dilma precisa mudar sua forma de governar. Se não fizer isso, o dia mais feliz de sua vida nos próximos quatro anos terá sido o dia seguinte ao anúncio de sua vitória nas urnas.

O Brasil pós-eleições

• Alberto Carlos Almeida, Fátima Pacheco Jordão, José Álvaro Moisés e Renato Janine Ribeiro discutem os desafios do novo governo Dilma

O que esperar de Dilma?

Diego Viana - Valor Econômico – Eu & Fim de Semana

SÃO PAULO - A reeleição apertada de Dilma Rousseff contra seu opositor Aécio Neves foi o fechamento de um ciclo eleitoral cheio de reviravoltas e surpresas. Assumindo em meio a um quadro econômico difícil e com um Congresso mais fragmentado e mais hostil à situação, a presidente será obrigada a dialogar com a sociedade, o mercado e as forças políticas de um modo que contrastaria com seu primeiro mandato.

O Valor reuniu quatro especialistas em política brasileira para discutir os desafios que esperam o país nos próximos quatro anos e o legado deixado por um período eleitoral intenso e agressivo. A socióloga Fátima Pacheco Jordão, diretora da Fato Pesquisa; o cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise; o filósofo Renato Janine Ribeiro e o cientista político José Álvaro Moisés, ambos da Universidade de São Paulo, foram unânimes em apontar o descompasso entre o sistema político e as demandas da sociedade. Para eles, nem a situação nem as oposições conseguem responder aos anseios da população.

Em suas primeiras manifestações após a vitória, Dilma prometeu avançar no projeto de reforma política. Para os especialistas, a conjuntura econômica e os interesses dos partidos instalados tornam a reforma difícil. Além disso, os próximos quatro anos serão decisivos para os principais partidos, que terão de encontrar lideranças renovadas para participar da próxima eleição presidencial, em 2018.

Leia, a seguir, trechos da mesa-redonda realizada na redação do Valor, em São Paulo, que contou com participações dos jornalistas Maria Cristina Fernandes, Cristian Klein, Robinson Borges e Bruno Yutaka Saito:

Valor: Quais são os maiores desafios para o segundo mandato de Dilma Rousseff, tendo vencido com margem tão apertada?

José Álvaro Moisés: O próximo governo terá que enfrentar uma crise institucional, a dar crédito ao que a mídia tem dito sobre a delação do ex-diretor da Petrobras [Paulo Roberto Costa], que pode envolver cerca de 50 figuras importantes do sistema político. Não é uma situação muito simples para começar um novo governo. Como vai se formar a coalizão em um Congresso muito mais fragmentado, e com o PMDB, setor importante da base aliada, muito dividido? De certo modo, a divisão do PMDB reflete na prática a divisão do eleitorado. A expressão de que o país está partido ao meio é muito forte, mas a divisão foi muito além do que se podia imaginar. O PT perdeu parte da bancada: 18 deputados. Não é pouco. Não temos um roteiro de como vai ser o próximo governo. Qual vai ser a natureza da coalizão? Quais são as primeiras metas? Como vai ser feita a reforma política?

Renato Janine Ribeiro: A parte mais vocal da população, com mais acesso à mídia, mais condições de se projetar, votou majoritariamente na oposição. Vai ser difícil governar. Tenho um certo pessimismo, porque, embora considere Dilma uma pessoa de grande lisura pessoal e grande preocupação com as causas sociais, me preocupo com o pouco diálogo que ela sempre manteve. Ela vai dialogar com o empresariado, que se queixa tanto de não ter acesso à Presidência? Vai dialogar com os políticos? Vai dialogar com a sociedade?

Fátima Pacheco Jordão: Foi uma eleição muito longa. Começou em junho de 2013 e teve várias etapas. Foi sempre um desafio entender o que estava acontecendo. Os movimentos de junho [de 2013] arrebataram o Brasil, mas a sociedade só entendeu quando conseguiu articular um slogan, a ideia de "saúde padrão Fifa", que desaguou nos protestos em relação à Copa do Mundo. É uma mudança importante no olhar da sociedade. Começou o protagonismo de uma nova face da cidadania, o contribuinte. Muito lentamente, essa tendência vem vindo lá de longe, desde a crise do Orçamento, no início dos anos 1990, quando se começou a discutir para onde vai o dinheiro público. O brasileiro foi educado com um padrão de consumo em que, quando um produto não presta, ele deve ser trocado, e são produtos que têm preços e impostos. As manifestações disseram: "Queremos melhores serviços, um governo mais eficiente". Não sei se os partidos entenderam. O que sintetizou esse movimento foi a percepção de que algum tipo de mudança era desejado por 70% do eleitorado, e mesmo assim não foi nem uma eleição de mudança, nem de continuidade. Ficou no meio do caminho, e hoje provavelmente o eleitor está um pouco perplexo: "Muito bem, mudou, mas não mudou tanto". O discurso de vitória da presidente foi um discurso de mudança, apesar de ela ser continuidade. Essa ambiguidade vai ser resolvida pelas crises que vierem, pela maneira como os políticos, em particular a oposição, se posicionarem.

Moisés: Concordo que haja ambiguidade. Isso aparece nos temas que cruzaram os últimos debates e a primeira manifestação da presidente. O subtexto do discurso é: depois de uma disputa tão agressiva, coisa que não é nada boa para a democracia, como criar condições de diálogo entre as forças políticas? O contexto de crise econômica vai exigir cooperação. E ela introduziu de modo surpreendentemente contundente o tema da reforma política, que apareceu marginalmente na campanha. Embora se falasse em "nova política" na campanha de Marina Silva, embora Aécio Neves brandisse a ideia de eliminar o instituto da reeleição, não apareceu com claridade o que seria a reforma política. No discurso de Dilma, é como se essa reforma fosse a primeira grande bandeira, e mesmo assim não estava bem definida. Também concordo que a campanha começou com as manifestações do ano passado. Acho que parte das oscilações que ocorreram na campanha tem a ver com o mal-estar com o funcionamento da democracia. Um mal-estar que aparece nas pesquisas que tenho conduzido há algum tempo. Não é que as pessoas não sejam favoráveis ao regime democrático, mas na percepção do funcionamento do regime há déficits importantes. O Congresso e os partidos têm mais de 80% de desconfiança. Muito disso decorre do fator corrupção. Quando as pessoas percebem que a corrupção é sistêmica, a desconfiança cresce.

Ribeiro: Muita gente está falando em mudança, mas o que se entende por mudança é muito diferente. O Brasil hoje é um país que se sente constantemente incompleto. Alguns acham que estamos no caminho certo; outros, no caminho errado. Mas ninguém está satisfeito, por exemplo, com os serviços públicos. A pessoa pode querer mudança sob um partido que considera bem-sucedido na inclusão social. Ou pode achar que a economia não está bem, que a corrupção não foi debelada etc. Houve um racha de interpretações do mundo. Não é questão de ter os fatos e divergir na interpretação. Os fatos que são narrados, de um lado e do outro, são diferentes. Temos isso na palavra "corrupção", na palavra "esquerda". E "ética". ". Ética poderia ter o sentido, que considero primordial, de acabar com a miséria. Isso é muito evidente em observadores estrangeiros, como Darwin, que visitou o Brasil e declarou: "Nunca mais passo em um lugar que tem escravidão". Até jornalistas contemporâneos estrangeiros, independentemente da visão política que tenham, dizendo que a nossa chaga maior é a miséria. No entanto, a tendência mais forte, recentemente, é colar a palavra ética à corrupção. Essas duas ideias de ética não são necessariamente contraditórias. Para tornar o país ético é preciso acabar com a miséria e também com a corrupção.

Alberto Carlos Almeida: A campanha explicitou um grande problema do nosso sistema político: a escolha dos candidatos. Várias fragilidades de Dilma e Aécio não existiriam se o processo de seleção passasse por primárias efetivamente abertas, sem que o peso de qualquer máquina pública interferisse na escolha. [Barack] Obama é o exemplo clássico. Foi escolhido contra a máquina, que estava a favor de Hillary [Clinton]. Hoje, Obama não tem o controle sobre quem será o candidato democrata para a sua sucessão. As primárias vão escolher o melhor.

Valor: Essa foi a sexta eleição polarizada entre PT e PSDB, em um sistema partidário fragmentado, que colocou 21 partidos no Congresso. Por que essa polarização não consegue nortear o Congresso?

Almeida: O PT perdeu deputados. O PSDB aumentou em relação ao fim da legislatura, mas não em relação ao que elegeu em 2010. Quem ficou mais forte foi o PMDB. É quase inevitável o fim do DEM. Pode até ser que muitos do DEM migrem para o PSDB, que teria chances de se tornar o maior partido da Câmara. Dilma vai ter que negociar, coisa que não fez no primeiro mandato. Vai ter que chamar os líderes partidários, perguntar o que querem. Fazer reuniões periódicas. Fazer o que todo político faz. Tem uma variável nova, que foi o PT conquistar mais espaço nos governos estaduais. Foi a primeira vez que o PT elegeu um governador no Sudeste [Minas Gerais]. Dos três Estados mais importantes do Nordeste, vai governar dois [Bahia e Ceará]. O PT, em 2010, elegeu governadores que abarcavam 15% da população. Hoje são 24%. O PSDB, em 2010, abarcava 47% da população. Hoje, 35%. A distância entre PSDB e PT caiu de 32 pontos percentuais para 11. O PSDB murchou nos governos estaduais, o PT se ampliou. Isso impacta na Câmara, porque os governadores vão negociar com as bancadas de seus Estados, independentemente de partidos. O governador petista de Minas pode induzir mesmo deputados que não sejam petistas a votar a favor do governo. Isso pode beneficiar o segundo mandato de Dilma. Mesmo assim, ela vai ter que aceitar o mundo político tal como ele é, negociar e ceder ao mundo político. Também não está fora do horizonte que a Câmara mande como recado para ela a escolha de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidente da Câmara. Ele é um franco favorito dentro do PMDB. Será necessário um enorme esforço do PT para reverter essa tendência. E para reverter, terá que ceder muito ao PMDB.

Ribeiro: O sistema político brasileiro é sofisticado. Mesmo quando produz resultados de que a gente não gosta, essas coisas não se resolvem com uma canetada, o que dificulta a reforma política. Chegamos a um ponto em que é o Executivo que nos salva do Legislativo. Isso é muito ruim. Temos uma tradição de só ver como decisiva a pessoa que escolhemos para comandar o Executivo. Quando vamos eleger o colegiado, não damos grande importância. O Congresso, apesar de ter regras mais democráticas de composição e eleição, também resulta disso. O incentivo ao parlamentar é votar, sobretudo em ano de eleição, agendas que tornem praticamente impossível governar. O Legislativo tende a ser irresponsável. É estrutural. Vai haver maioria a favor do governo. A maior parte dos projetos do governo vai ser aprovada. Os mais polêmicos dificilmente, como se viu no Código Florestal, quando foi aprovada uma legislação retrógrada, mas o veto presidencial evitou os piores males. Mais do que isso é difícil conseguir.

Moisés: Tenho dúvidas se só os parlamentares são irresponsáveis. O Executivo impõe a agenda ao Congresso. Isso tem um impacto enorme no funcionamento dos partidos. Os incentivos para eles funcionarem em relação com a sociedade, com os eleitores, com sua base de apoio, são muito pequenos. Os incentivos são muito mais para os parlamentares aderirem à coalizão majoritária do que para desempenharem o papel de representação, fiscalização e controle. Um segmento importante da sociedade não está identificado com a posição que venceu. Como esses segmentos estarão representados em um Congresso que tem pouca autonomia? Isso aumenta a crise de representação. Nosso sistema tem dificuldade de formar novas lideranças democráticas, capazes de interpretar os desafios desse momento como algo que tem consequência no futuro do país.

Almeida: A Presidência vai ser disputada pelo PT e pelo PSDB a perder de vista. O PSDB tem a base em São Paulo, o PT tem o Nordeste e agora Minas. Rio de Janeiro, Minas e Nordeste, versus São Paulo e o Sul. Isso assegura a existência dos dois. Vão competir sempre. Sobre a fragmentação, o responsável é o Supremo Tribunal Federal, que votou contra a lei que impunha uma barreira de 5% dos votos nacionais para a representação no Congresso. É um absurdo o que acontece no Brasil. Cada um agora tem um partido para chamar de seu. Quem não tem espaço em um partido funda um novo. Esses partidos não representam nada, só a si próprios. Não precisamos de tantos partidos assim para representar os diversos interesses da sociedade. Não há tanto interesse divergente, a política não é assim.

Valor: 0 próximo ano será difícil na economia. Dilma vai ter que fazer cortes e tomar cuidado com onde a corda vai estourar.

Almeida: Dilma gosta muito de ler, mas não leu "Capitalismo e Social-Democracia", de Adam Przeworski. Se tivesse lido, ela já teria composto com os investidores. Ela quer melhorar a vida da população, mas a decisão do investimento está nas mãos dos investidores. Se não investem, piora a situação da população e você corre o risco de perder as eleições. Quase aconteceu agora. Se ela quiser continuar parindo a sociedade democrática e igualitária, paradoxalmente, vai precisar transferir renda dos de baixo para os investidores, nos primeiros dois anos, para que eles invistam e só depois volte o processo de transferência de renda. Tem um mandato de quatro anos. Arrochando os dois primeiros, ela pode liberar os dois últimos. Lula, como bom líder sindical, sabia fazer isso. Essa é a grande diferença entre Dilma e Lula. Ele aprendeu na prática. Ela, nos livros. Ela não compõe com os investidores, tem um ranço anticapitalista.

Moisés: Se ela fizer isso, o ônus vai ser da classe média. Uma das consequências é o imobilismo nessa área da sociedade, e muito dificilmente os partidos vão ter capacidade de mobilizar para fazer a reforma política.

Almeida: Não vai ter reforma porque não tem consenso no Congresso. Reforma política depende dos políticos. É a vida deles. Para o PMDB, é ótimo que tenha um monte de partidinhos. Ele tem poder de influência em todo mundo. A quantidade de pequenos partidos é tão grande que eles juntos têm poder de veto contra qualquer lei que os reduza. A grande reforma seria reduzir o número de partidos, para que os políticos disputem espaço dentro deles. A vida partidária brasileira é oligarquizada e a sociedade está cada vez mais competitiva.

Moisés: A oligarquização dos partidos é algo que temos tido ao longo do tempo. Provavelmente, o único partido que escapa em parte a isso é o PT, porque tem uma vida interna e debate constante. Ainda assim, tem o outro tipo de oligarquização, porque Lula não apenas escolheu sozinho candidatos, como descartou, desqualificou todas as lideranças que, dentro do partido, disputavam com ele. Ele sobrou sozinho. Mesmo o partido que está mais longe da estrutura da oligarquização ainda assim, não é propriamente democrático.

Valor: É possível continuar fomentando uma sociedade mais igualitária sem conflitos? Afinal, as condições econômicas são bem menos favoráveis à conciliação. A estratégia atual está atingindo seus limites?

Almeida: Muito do que se diz sobre o Bolsa Família é mito. Por exemplo, quanto mais Bolsa Família, maior a votação do PT. É mais honesto olhar o crescimento do PIB: o grande tópico sempre vai ser a economia. Nos lugares onde houve crescimento maior do PIB, o Nordeste se destacando, o governo foi mais bem votado. O crescimento foi assimétrico, beneficiou mais os mais pobres. E nos lugares, São Paulo se destaca, onde o crescimento do PIB foi menor, o governo foi menos votado. As pessoas querem mais e melhores empregos. Tanto para Dilma como para Aécio, bastava passar a campanha inteira falando em como gerar mais e melhores empregos. O eleitorado quer isso. O Bolsa Família é pouco significativo.

Fátima: Já temos um estoque de leis, de políticas, não votadas, engavetadas, que estão prontas. Desengavetar é mais fácil que produzir. Talvez o conflito seja menor do que parece, tendo em vista que a sociedade tem Ministério Público, Justiça, todo um aparato de Estado. Muitas dessas políticas acontecem de baixo para cima e acho que vamos ver movimentos no estoque de bondades que estão parados no Legislativo e até mesmo no Executivo. Por exemplo, no tema da violência contra a mulher, há quatro anos existem propostas no governo sobre isso, e só nos últimos meses foram criadas as casas de atendimento à mulher. São pouco mais de 20, em todo o Brasil. Mas esse modelo já está dado e sabe-se que funciona. A Delegacia da Mulher existe há três décadas, foi um mecanismo inovador, basta dar vida aos projetos, mostrar que eles têm existência real. A sociedade tem mecanismos para sair da paralisia e dos impasses, tem dinamismo.

Ribeiro: Isso é um dos muitos problemas que o próximo governo vai ter e Aécio também teria, se eleito. A inclusão social não está completada, não está nem assegurada, porque, se vierem dois anos de represamento, como anunciado, pode até rebaixar o nível de gente que conseguiu uma pequena subida. O mundo político tem sido capaz de esterilizar as demandas que vêm de fora. Como fazer sangue novo entrar na política? Tem bloqueios sérios. Como se consegue passar além da redução da miséria, uma agenda em última análise negativa, para uma agenda positiva?

Valor: Aécio Neves, com essa votação, não é uma opção para 2018?

Almeida: Ele agora vai passar a dormir com o inimigo: José Serra. São dois senadores. Só que Serra tem uma capacidade de trabalho muito maior que Aécio. Já está na mídia dizendo como vai ser a oposição do PSDB, ou seja, já assumiu a liderança da oposição tucana no Senado. E a máquina, quem tem é Alckmin. Em 2006, Alckmin pegou um avião, foi falar com cada governador do PSDB, e foi indicado. Muito fácil fazer isso sendo governador de São Paulo.

Moisés: O grande desafio vai ser Serra e Aécio construírem juntos uma oposição consistente. Não apenas capaz de fazer oposição no Congresso, pressionar as posições do governo, mas também apresentar um modelo alternativo de desenvolvimento. Aécio se credenciou nessa campanha como uma liderança.

Valor: A agressividade da campanha denota algum problema na cultura política brasileira?

Moisés: É uma questão da cultura política que tem muito a ver com comportamento de lideranças. Nesta campanha, passamos além de uma linha que seria razoável. Tem na cultura brasileira um elemento de contrastes muito fortes, mas não chegam a ser confrontos de guerra. Em certo ponto desta campanha, os contendores pareciam estar em guerra. Será que é um traço permanente da cultura política? Não creio. Temos tido, pelo contrário, uma série de mudanças na cultura política dos brasileiros, no sentido de mais interesse, de mais participação, de buscar mais informação.

Fátima: O cidadão não está enxergando mecanismos de mediação. Ele não reconhece representantes partidários, desconfia e tem uma profunda crítica dos políticos. E está um passo à frente da percepção que partidos e analistas políticos têm de certos aspectos, como a corrupção. O eleitor a enxerga como uma forma de não realização, uma forma de drenar recursos que poderiam produzir serviços e bens, e de desequilibrar o que o eleitor tem como pagador de impostos. A mediação terá de ser trabalhada dentro de um sistema político já fragmentado. Mas também por um processo de entender a nova capacidade de informação que o brasileiro tem. A grande transmissão por novas mídias está dando um poder novo à sociedade. O sistema bloqueado como está, o discurso codificado dos políticos, a segmentação da forma como a informação é passada para a sociedade, precisa ser repensado.

Almeida: Isso é a dor do parto de uma sociedade igualitária e democrática. É a quarta vez que o PT elege um representante e a lógica é clara. Quem é mais pobre vota no PT, quem é menos pobre vota no PSDB. Por 16 anos, aqueles que votam no PSDB não se sentem representados pelo presidente. Além disso, está aumentando a igualdade social. O emblema maior é a empregada doméstica. O Brasil tem uma herança escravista e uma das maiores desigualdades do mundo, que vem sendo reduzida. Isso não se faz sem dor e essa animosidade tem a ver com isso.

Valor: Qual é a possibilidade de Dilma entregar a candidatura para Lula em 2018? Foi o primeiro nome que ela citou no discurso de agradecimento.

Ribeiro: Acho um desastre se isso acontecer. Significa que o partido não foi capaz de se renovar. Suponhamos que em 2018 Lula seja o melhor nome que o PT tenha. Suponhamos que ele seja a bala de prata para ganhar a eleição. Em 2022 ou 2026, o PT acaba. No fim do mandato, serão 40 anos da fundação do PT. Se um partido em 40 anos não saiu da mesma pessoa, ele está muito fraco. Essa renovação da liderança está dificílima. O PSB não tem ninguém fora Marina, o PT está entre dois Fernandos: Haddad [prefeito de São Paulo] e Pimentel [eleito governador de Minas Gerais]; e o PSDB, [Geraldo] Alckmin.

Valor: Até que ponto o eleitorado está atento às fraquezas da vida pessoal dos candidatos?
Almeida: A campanha explicitou um grande problema do nosso sistema político: a escolha dos candidatos. Se tivéssemos primárias, o PSDB jamais escolheria um candidato que seria atacado em questões pessoais. As pesquisas mostram que, pela primeira vez, o PT teve mais votos entre mulheres do que entre homens. Por quê? Porque o candidato do PSDB tinha um grande problema na sua biografia. Se o processo de seleção fosse aberto, teria aparecido antes. Primárias seriam melhores para os partidos. Quanto mais abertas as primárias, melhor o candidato escolhido. Mas os nossos partidos são oligarquizados.

Fátima: Essa questão parece submersa, mas está presente na mente das mulheres. O gesto de levantar o dedo contra adversárias no debate, por exemplo. Quantas mulheres já não passaram por isso dentro de casa! As mulheres já têm outro papel na sociedade. O PSDB não tem mesmo visão para a questão de gênero. Eu me lembro de Ruth Cardoso, uma feminista, que dizia: "Não adianta. Esse partido não tem jeito na questão da mulher."

Moisés: Dilma assumiu muito mais esse papel de identificação com temas que interessam às mulheres nesta campanha do que na de 2010. Isso pode ter sido uma marca importante.

Fátima: Na eleição passada ela ficou na defensiva. Com relação ao aborto, ficou silenciosa. Nesta eleição, adotou uma ofensiva forte.

Ribeiro: Parafraseando a Ruth, o PSDB não tem jeito. Não cria capilaridade, não se articula na área sindical, não ouve, não vai buscar os cientistas, os intelectuais, não senta para ouvir. Temos um problema com o principal partido de oposição, que não cria laços na sociedade.

Valor: Marina Silva perdeu capital político por ter sido oscilante e apoiar Aécio?

Fátima: Ela é muito resistente. Aumentou a capacidade de voto. Tinha 20 milhões, passou para 22 milhões. Não é pouco, sendo uma candidata improvisada, depois de uma tragédia. Ela representa uma ansiedade grande da sociedade, dessa mudança na forma de fazer política. Ela formulou uma mudança bem mais radical da política, da representação partidária. Mas não conseguiu sustentar, à luz do eleitor, essa capacidade de transformação.

Ribeiro: Ela não está liquidada. Pelo visto, sempre que alguém vai levar uma goleada, o sistema político que temos no Brasil dá uma sobrevida. Aécio poderia ter sido liquidado há um mês. As indicações de Lula poderiam ter tido um final catastrófico. Se Dilma tivesse perdido, essa imagem estaria acabada. Dos três indicados dele, nas três últimas eleições, [Alexandre] Padilha teve um desempenho pífio [na disputa para governador de São Paulo], Dilma teria perdido e sobraria só Haddad. Serra e Alckmin também poderiam ter sido liquidados por derrotas e não foram.

Almeida: Marina não fez nenhuma proposta clara durante a campanha. A proposta dela era: Banco Central independente. O que isso quer dizer para o eleitor? Nada. Banco Central é um meio para alcançar um fim. O que importa é o fim: gerar mais emprego.

Ribeiro: Marina é um caso clássico de fortuna sem virtude política. Ela não soube o que fazer com a fortuna que caiu no colo dela. Depois de ter 20 milhões de votos, não conseguiu montar o partido. Por mais que ela tenha raiva do PT por ter sabotado o Rede, não é possível entregar os documentos no Tribunal Eleitoral na última hora. O apoio a Aécio foi um erro. Quem é terceira via tem que ser terceira via.

Valor: Como fica o retrato político do Brasil nos próximos anos?

Moisés: Esta campanha deixa desafios que tocam em questões centrais do desenvolvimento político do Brasil desde a redemocratização. Mas estou pessimista com o modo como o sistema vai enfrentar esses problemas. Não sei se a vitória que Dilma teve vai ser suficiente para ela fazer essa correção de conduta, dialogar, ouvir, e até, em algumas questões nacionais, buscar pontes com a oposição. Não vejo sinais nessa direção. Vejo o mesmo problema no polo da oposição. Ela cresceu, mas isso não é suficiente para um desempenho que responda às questões mais urgentes. As oposições brasileiras vão precisar se reinventar. Será que isso vai ser possível com essas pessoas?

Fátima: A resposta vem da sociedade. Tem um consenso de desqualificação dos quadros eleitos, do parlamento conservador, diante de um Brasil muito dinâmico. Existe um crise, que exige resposta, e essas representações não estão conseguindo articular. A resposta virá da sociedade, sua organização em movimentos, sua articulação na capacidade de informar, não só ser informada. E da capacidade das lideranças que não estão dentro dos partidos, mas que fora deles estão tendo um protagonismo extraordinário.

Ribeiro: Estou tendo de rever várias convicções. O caráter agressivo da campanha pode ter sido bom. Foi a campanha que teve mais coisas descascadas. A discussão caiu de nível, mas isso não deixa de ter um aspecto positivo. A gente teve um certo avanço. A agressividade da campanha acaba fazendo sobrar só quem realmente tem resistência e consistência nas propostas. Nosso sistema de eleição presidencial tem um lado bom. As pessoas são bombardeadas. Isso que Dilma sofre há anos, que Aécio sofreu nos últimos meses. O aeroporto de Cláudio. O candidato apanha tanto que tem que ter consistência. Marina recebeu um presente, por triste que seja dizer isso: ela teve pouco tempo de bombardeio e mesmo assim não passou.

Almeida: Agora é pensar no futuro governo. Governo novo, ideias novas. Mudou a estrutura de incentivos. Quando Dilma foi eleita pela primeira vez, ela mesma teria de disputar a reeleição. Agora será outro. De onde virá esse outro? Tem Pimentel em Minas. O Nordeste vai votar no candidato do PT. O Rio de Janeiro também, se cuidarem dele direito. O futuro candidato também pode ser um ministro, dependendo da performance. [Aloísio] Mercadante? Jacques Wagner? Tudo depende da economia. Se ela não fizer a inflexão de política econômica agora, vai perder. E o PSDB também pode ter outro candidato. Não precisa ser Alckmin, nem Serra, nem Aécio. Alckmin tem a faca e o queijo na mão, porque tem a máquina. É tradição brasileira. Quem tem a máquina leva uma vantagem fenomenal. Se ele quiser ser candidato, esquece Serra, esquece Aécio.

Valor: As eleições permitem vislumbrar mudanças da sociedade civil como um todo?

Fátima: Houve uma aceleração muito forte da fluidez da informação. Há segmentos que conseguem, independentemente de partido, expressar novos horizontes para a sociedade. Além da votação das mulheres, a população negra votou massivamente em Dilma. No último momento, Dilma conseguiu captar entre os jovens um volume de votos que lhe garantiu a vitória. Esses segmentos, que não estão representados nos partidos e no Parlamento, vêm formatando políticas públicas ao longo dos últimos anos. São propostas que não encontram ressonância nos partidos. Quando Dilma foi escolhida por Lula, foi uma escolha também oportunista, se aproveitando dessa visão de que alguma coisa, nas frestas institucionais, está modificando a sociedade e tem que rebater na política. Dilma representou uma ansiedade de equilibrar a participação de gêneros.

Ribeiro: O repertório político relativamente pequeno da sociedade é um problema. Militantes e eleitores têm dificuldade de fazer uma tradução política dos problemas e equacioná-los politicamente. As questões da sexualidade, da igualdade feminina, da igualdade étnica, foram aparecendo no Brasil sem ter de imediato a perspectiva política. Não sei se essa transferência de pautas da vida para a política vai continuar. Os rolezinhos, no começo do ano, foram muito significativos, porque tinham um sentido político. Jovens excluídos que querem ter acesso ao templo do consumo, mas sem consciência política.

Moisés: Um dos grandes paradoxos é esse. Das manifestações enormes em cidades importantes não apareceram lideranças com capacidade de liderar e canalizar. É um paradoxo que está relacionado à crise de representação. Qual seria o perfil possível das reformar políticas propostas? Isso não ficou claro em nenhum dos candidatos. Marina falava de nova política de maneira muito genérica. Aécio, afora a questão da reeleição, não elaborou. A manifestação de Dilma tampouco foi clara. Isso pode levar a um novo ciclo de frustração, ao anunciar algo muito relacionada com a energia da mudança mas, com o Congresso dividido, chegar a um fim precoce. Dilma diz que a reforma tem que ser feita com plebiscito. Não dá para resolver os temas da reforma política em plebiscito.

Ribeiro: O PSOL, no fim das contas, talvez seja o único partido consistente ao invocar as manifestações. É o partido mais à esquerda com representação no Congresso.