quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci*

A filosofia é uma ordem intelectual, o que nem a religião nem o senso comum podem ser. Ver como, na realidade, tampouco coincidem religião e senso comum, mas a religião é um elemento do senso comum desagregado. Ademais, “senso comum” é um nome coletivo, como “religião”: não existe um único senso comum, pois também ele é um produto e um devir histórico. A filosofia é a crítica e a superação da religião e do senso comum e, nesse sentido coincide com o “bom senso”, que se contrapõe ao senso comum.

*Antonio Gramsci (1891-1937). “Cadernos do Cárcere” v.1, p. 96. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006.

William Waack - A bomba acima de todos

- O Estado de S.Paulo

O governo está em dificuldades para tocar um projeto político central

A ação do governo em torno de um grande eixo estratégico – reduzir o balofo Estado brasileiro – tem sido em parte uma lição de oportunidades perdidas. Vendo o Estado brasileiro como principal entrave ao crescimento, a equipe de Paulo Guedes colocou a reforma administrativa no centro do foco. Tratar do funcionalismo público seria a maneira direta de lidar com contas públicas, eficiência e gestão.

Conforme já assinalado aqui, está na elite do funcionalismo público brasileiro (especialmente federal), por sua capacidade de organização e influência, o grande adversário da proposta de Paulo Guedes de uma ampla reforma do Estado, começando pela administrativa. Nesse sentido, do ponto de vista político, a operação toda começou mal.

Em parte pelo próprio ministro, que parece subestimar como se propagam na esfera legislativa e político-partidária (fortemente influenciada pelo funcionalismo em Brasília) palavras que ele profere em público sem calcular consequências. Ao adversário neste momento ele entregou a bandeira de “vítima”, que é nas narrativas políticas sempre uma posição confortável.

Ricardo Noblat - Reforma administrativa subiu no telhado. De lá, poderá descer ou despencar

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro e Guedes, feitos um para o outro

Mas, que diabo! Como uma proposta de reforma administrativa concebida pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, e sua equipe poderia atrapalhar a vida do presidente Jair Bolsonaro e facilitar a do governador João Doria (PSDB-SP)?

Bolsonaro pensa que sim. E, por enquanto, a reforma subiu no telhado. De lá, um dia, poderá descer para ser apresentada ao Congresso. Ou então despencar para ser refeita ou simplesmente mandada ao lixo, ficando ou não para depois.

É isso, no momento, o que está tirando Guedes do sério. Mas não é isso o que explica mais uma desastrada declaração dele – desta feita, sobre o câmbio alto. Quando baixo, ele permitiu que empregadas domésticas viajassem à Disneylândia.

Ora, por que elas não se conformam em viajar a Foz de Iguaçu, Cachoeira de Itapemirim, terra de Roberto Carlos, Chapa Diamantina e praias do Nordeste? Por que voarem à Disney, indagou-se Guedes em palestra para empresários?

Seu público não se espantou com o que ouviu. O mercado está para Guedes como Guedes está para Bolsonaro. Um é espelho do outro. Com a diferença que Bolsonaro fala muito mais. Talvez seu ministro esteja se esforçando para manter-se no seu encalço.

Antes de assumir o cargo, Guedes havia sugerido dar “uma prensa” no Congresso para que ele aprovasse a reforma da Previdência. Desistiu diante da repercussão negativa de sua fala. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, cuidou de aprovar a reforma.

Para deixar seu chefe feliz, e por que pensava igualzinho a ele, Guedes chamou de feia a primeira-dama da França. “O presidente falou a verdade, ela é feia mesmo”, disparou Guedes. Para em seguida culpar a imprensa por distorcer suas palavras.

Como culparia quando foi ao Fórum Econômico de Davos e disse que “as pessoas destroem o meio ambiente para comer”. Como havia culpado antes quando afirmou em Washington: “Não se assustem então se alguém pedir o AI-5”.

À época, preocupado com os conflitos sociais nas ruas de países latino-americanos, ele citou o ato mais odioso da ditadura militar de 64 no Brasil lembrado pelo deputado Eduardo Bolsonaro. Mas não o fez para sair em defesa do garoto. Fez porque quis.

Há uma semana, Guedes aumentou a resistência de Bolsonaro à reforma administrativa ao comparar servidores públicos a parasitas. Bolsonaro receia em mexer nos direitos dos servidores públicos. Teme cair numa armadilha.

Só não se sabe ainda por que, aos gritos, há poucos dias, ele disse que Dória, aspirante à sua vaga nas eleições de 2022, se beneficiaria da reforma proposta por Guedes, e ele não. É um enigma a ser decifrado em breve. Ou paranoia pura.

Eugênio Bucci* - ...e os ataques do poder contra a imprensa se rebaixam ainda mais

- O Estado de S.Paulo

Esta campanha aberta e contumaz é um fato objetivo. E desastrosas são suas consequências

Com presteza jornalística e dignidade profissional, o Estado noticiou em sua edição de ontem, na página A8, os insultos dirigidos na terça-feira passada contra a repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo. Esses insultos vêm carregados de matéria infecta; a simples tentativa de narrá-los causa engulhos, mas, sem recapitulá-los nos seus aspectos mais enojantes, não há como ter a dimensão precisa da campanha difamatória que o poder deflagrou contra a imprensa neste país. O tema é nauseante e repulsivo, mas obrigatório.

Desde 2018, quando revelou esquemas de impulsionamento ilegal de mensagens de WhatsApp nas eleições de 2018 em favor do candidato da extrema-direita, a jornalista Patrícia Campos Mello se tornou alvo preferencial do bolsonarismo de bueiro, capaz das piores torpezas. Os ataques covardes contra ela não cessam. Agora, o palco da agressão foi a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), no Congresso Nacional. Lá pelas tantas, um sujeito de nome Hans River do Rio Nascimento, que depunha para os parlamentares, passou a acusar a repórter de ter proposto – isto mesmo – trocar sexo por informação. O despautério factual e moral estarreceu a parcela civilizada dos presentes (outra parcela riu e festejou). Era notória a intenção de humilhar, de espezinhar, de torturar com palavras a condição feminina, como numa reedição do “eu não estupro porque você não merece”. Só quem entende que a mulher é (ainda) uma minoria política identifica o horror contido nessa fala. O acusador se aproveita daquilo que o machismo considera uma fragilidade e, fustigando esse “ponto fraco” (a condição feminina), investe contra a imprensa.

Roberto Dias - Submundo emerge em carne e osso

- Folha de S. Paulo

Ataques iniciados na CPMI das Fake News são exibição de misoginia sem pudores

A CPMI das Fake News transformou-se, ao vivo, em produtora de seu objeto de investigação. Esse paradoxo acabou por dar utilidade à comissão, finalmente. Pois as mentiras proferidas na CPMI e reverberadas em redes sociais nas últimas horas são sim um ponto de inflexão.

Os ataques abjetos à jornalista Patrícia Campos Mello carregam aspectos importantes, e vale aqui destacar dois.

O primeiro é que o submundo emergiu em carne e osso. O que houve a partir da tarde de terça (11) não foi uma operação protagonizada por robôs. Eram fake news do mais baixo nível proferidas por gente que não sente necessidade de esconder a cara. Uma horda que se manifesta no microfone e na conta real do Twitter.

Mariliz Pereira Jorge - A ofensa mais antiga

- Folha de S. Paulo

O que chocou muita gente é rotina dolorosa para a maioria de nós

O espetáculo de baixeza e misoginia protagonizado por Hans River na CPI das Fake News apenas acendeu um holofote sobre o que acontece nos bastidores, nas caixas de comentários das redes sociais, em mensagens privadas de centenas de jornalistas.

O que chocou muita gente e deixou os urubus alvoroçados é rotina dolorosa para a maioria de nós.

Acredito que nenhuma de minhas colegas se acostume, embora duvide que fiquem surpresas com esse tipo de agressão. Assédio sexual e moral e insultos são expedientes comuns em nossas vidas. Todo dia alguém nos chama de puta, mas não no Congresso.

As acusações execráveis feitas a Patrícia Campos Mello ganharam contorno perigoso ao serem feitas num palco daquela importância, com a conivência de parlamentares. Dizer que uma jornalista ofereceu sexo em troca de informação é uma violência, uma tentativa de intimidar e calar não apenas ela, mas todas nós que trabalhamos na área. E isso acontece o tempo todo.

Luiz Carlos Azedo - A militarização do Planalto

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Os militares no governo têm revelado mais bom senso diante das crises e conflitos do que a ala ideológica e religiosa que cerca o presidente Jair Bolsonaro”

A queda do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, era pedra cantada. A surpresa é a sua substituição por mais um oficial de quatro estrelas da ativa, o que significará a completa militarização do Palácio do Planalto. O presidente Jair Bolsonaro convidou para o cargo o general Braga Neto, chefe do Estado-Maior do Exército e ex-interventor na segurança do Rio de Janeiro, função que exerceu com discrição e habilidade política. Caso não aceite o convite, o nome mais cotado para o cargo é o do almirante de esquadra Flávio Rocha, atual comandante do 1º Distrito Naval, recém-promovido a quatro estrelas, que já havia sido convidado para uma assessoria especial da Presidência.

Aliado de primeira hora na campanha presidencial, Onyx deverá ser deslocado para o Ministério da Cidadania, no lugar do emedebista Osmar Terra. A troca de guarda na Casa Civil era esperada, mas não ocorreu ainda por causa da relação de amizade entre ambos. A pasta foi completamente esvaziada, principalmente depois da perda do Programa de Privatizações e Investimentos (PPI). A gota d’água foi o desempenho de Onyx na negociação com o Congresso, na qual o governo acabou cedendo R$ 30 bilhões em emendas impositivas do relator e das comissões, que foram vetadas por Bolsonaro —o Palácio do Planalto teve que negociar um acordo com os partidos da sua própria base para recuperar R$ 11 bilhões, por causa da derrubada dos vetos.

A substituição de Onyx pelo general Braga Neto pode melhorar o funcionamento interno do governo. Essa será a sua missão principal. A doutrina de organização vigente no Exército se baseia na cooperação e coordenação entre suas unidades, mas nunca superou completamente as tendências autárquicas de suas grandes unidades, e da própria Força em relação à Marinha e à Aeronáutica. O outro lado da moeda é a “militarização” dos processos decisórios, confinados a círculos restritos e de cima para baixo, o que vem se traduzindo na exclusão da sociedade civil e dos demais níveis de governo dos fóruns de discussão e deliberação sobre políticas públicas, mesmo em questões nas quais esse tipo de concepção induzem ao erro.

O Estado brasileiro precisa ser enxugado, é verdade, mas seu caráter democrático está consagrado pela Constituição de 1988. É um “Estado ampliado”, em razão da autonomia de muitos de seus órgãos e da participação colegiada da alta burocracia e de representantes da sociedade nas decisões. Nos governos do PSDB e do PT, pela própria natureza social-democrata desses partidos, esses fóruns e organismos foram, num primeiro momento, normatizados e consolidados. Num segundo, porém, foram instrumentos de aparelhamento partidário, cooptação de lideranças e abdução de interesses que, a rigor, deveriam ser negociados no âmbito do Congresso, e não nos gabinetes da Esplanada.

Bruno Boghossian – Palácio verde-oliva

- Folha de S. Paulo

Saída de Onyx simboliza desapreço do presidente por trabalho de articulação

Ao buscar um homem das Forças Armadas para ocupar o principal ministério do Planalto, Jair Bolsonaro elimina as migalhas políticas que restavam no coração do governo. O presidente já havia esvaziado as funções do deputado Onyx Lorenzoni na Casa Civil. Agora, pretende entregar a um militar as chaves do último gabinete do palácio.

Bolsonaro bateu à porta do Quartel-General do Exército e convidou o quatro estrelas Walter Braga Netto para ajeitar as confusas atividades do governo. Cada vez mais fraco, Onyx não dava conta do recado e já não participava da interlocução com o Congresso. Era um bibelô político que deve dar lugar ao quarto ministro de farda no Planalto.

O presidente nunca escondeu seu desapreço pelo trabalho de articulação. De saída, ele se recusou a montar uma base de apoio no Congresso e distribuiu de maneira descuidada entre seus auxiliares a missão de conversar com parlamentares.

A divisão de tarefas funcionou mal, e o Planalto foi perdendo credibilidade. O ex-ministro Santos Cruz, que chegou a dividir com Onyx o relacionamento com deputados e senadores, já disse que a falta de nitidez nas funções de articulação política e coordenação de programas prejudicava o funcionamento do governo.

Na Casa Civil, Braga Netto chefiará Estado-Maior do Planalto

Atual Chefe do Estado-Maior do Exército foi convidado para ser o novo ministro da Casa Civil

Roberto Godoy e Marcelo Godoy | O Estado de S.Paulo

Um comunicado de poucas linhas da Casa Civil informava que “por motivos de caráter estritamente pessoal, em grande parte de foro íntimo”, o então ministro Golbery do Couto e Silva pedia demissão do cargo. Era 8 de agosto de 1981. Golbery foi o último general a ocupar o cargo que deve ser de Walter Braga Netto, atual chefe do Estado-Maior do Exército (EME).

A distância que separa os dois generais não é meramente temporal. Golbery representava um projeto político para o País, identificado com a Escola Superior de Guerra (ESG), que condicionava à segurança nacional o êxito de seu desenvolvimento. Via nos objetivos nacionais permanentes a razão de ser do Estado, que ampliaria, segundo Golbery, “cada vez mais a esfera e o rigor de seu controle sobre uma sociedade já cansada e desiludida do liberalismo”. Nas palavras do cientista social Oliveiros Ferreira, o general era então “um dos últimos discípulos de Thomas Hobbes, mesmo a contragosto”. “Por isso, para ele, a Liberdade – da mesma forma que a Propriedade– era instrumental.”

Quando Braga Netto era tenente-coronel e gerenciava nos anos 1990 no Palácio do Planalto o projeto Sivam-Sipam (o sistema de proteção e vigilância da Amazônia), o general Golbery se havia transformado em tema para livros de história. O Exército deixava a visão estatista do governo Geisel (1974-1979) e a ideologia esguiana para trás e começara a mandar seus oficiais fazer cursos nas Fundações Dom Cabral e Getúlio Vargas. A Força descobrira a gestão, a qualidade total e, por meio dela, o novo liberalismo.

Maria Cristina Fernandes - Um PhD em milícia na antessala de Bolsonaro

- Valor Econômico

General assume a Casa Civil num momento em que a família Bolsonaro dá início a uma estratégia de vitimização por seu envolvimento com milícias

Foi a ida do ex-secretário da Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho, para o Ministério do Desenvolvimento Regional que possibilitou ao presidente Jair Bolsonaro convidar o segundo general da hierarquia do Exército, o chefe do Estado-Maior Walter Souza Braga Netto, a ocupar a Casa Civil.

Colaborador de melhor trânsito no Congresso, de toda a Esplanada, Marinho tem interlocução com o ministro Paulo Guedes e habilidade para o jogo presidencial no Congresso e nas eleições municipais. Sem um partido para chamar de seu, o presidente vai tentar construir uma base municipal por dentro das legendas. Com uma pasta chave que comanda do Minha Casa Minha Vida às obras contra secas, Marinho atuará, de fato, como o ministro que vai tentar tocar a máquina governamental em sintonia com as demandas parlamentares. Está muito mais para a Casa Civil do que Braga Netto.

Parece ser outra a função a ser desempenhada pelo general. Junto com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, Braga Netto formará o triunvirato de generais cariocas que trabalharam juntos no Rio e tocam de ouvido. Braga Netto foi chefe da Autoridade Pública Olímpica quando Ramos era chefe da 1ª divisão do Exército e subordinado ao então comandante militar do Leste, Azevedo e Silva.

O triunvirato é prestigiado num momento em que os militares, apesar de terem ganho a desejada reestruturação da carreira e de terem os seus projetos entre os mais salvaguardados dos investimentos federais, não esconderem mais o incômodo com os protocolos deste governo. Ao inaugurar o instituto que leva seu nome, em Brasília, o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas-Boas franqueou a palavra a um potencial adversário da reeleição do presidente, o apresentador Luciano Huck.

Bernardo Mello Franco - O capitão entre os generais

- O Globo

No primeiro ano de governo, Bolsonaro esvaziou os militares para mostrar que estava no comando. Agora ele vai entregar a Casa Civil a um general da ativa

O convite ao general Braga Netto cria uma situação inédita em Brasília. Pela primeira vez desde o fim da ditadura, a Casa Civil será chefiada por um militar. Isso não ocorria desde que o general Golbery do Couto e Silva deixou o governo Figueiredo. Ele esvaziou as gavetas em agosto de 1981, três meses depois do atentado do Riocentro.

Agora o governo de Jair Bolsonaro passa a ter nove militares entre os 22 ministros. Isso inclui as quatro pastas com assento no Planalto. Já estavam lá os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), além do major da PM Jorge Oliveira (Secretaria-Geral).

Eleito por um partido nanico, Bolsonaro apelou aos militares para compensar a falta de quadros sem dividir poder com o Congresso. Logo passou a esvaziar os auxiliares de farda. Isolou o vice Hamilton Mourão e demitiu o general Santos Cruz. Os dois haviam entrado em colisão com o guru do clã presidencial, Olavo de Carvalho.

Maria Hermínia Tavares* - O último dique

- Folha de S. Paulo

Sociedade e instituições são diques contra populistas

Sob presidentes populistas, as democracias sempre correm risco. Mas elas podem morrer, como na Venezuela, Hungria e Filipinas, ou continuar vivas, como na Itália e Estados Unidos.

Os autocratas tratam de enfraquecer o sistema, atacando a imprensa independente, desqualificando os adversários e atiçando os seguidores com a linguagem chula que uns e outros tanto apreciam. Só que o desfecho da ofensiva depende de muito mais do que isso.

Aqui, como em toda parte onde populistas ascenderam ao poder, a sociedade organizada e, especialmente, as instituições políticas, funcionam como diques de contenção aos seus piores intentos. Assim têm se conduzido —para surpresa de céticos e cínicos— o Congresso, as instâncias superiores do Judiciário, setores do Ministério Público e as Defensorias.

Outra barreira robusta é a reação de governadores eleitos sob diferentes equações políticas, a demonstrar o papel do sistema federativo para limitar o raio de ação do governo nacional. Numa Federação, é pouco provável, se não impossível, o alinhamento automático dos estados a Brasília —mesmo quando são amplos os recursos de poder concentrados no Executivo federal.

Fernando Schüler* - O protagonismo do Congresso

- Folha de S. Paulo

Esse é o melhor caminho de que dispomos para conduzir as reformas

Um dos mantras preferidos do governo é afirmar a autonomia do Congresso. Quem gosta do governo diz que se trata de respeito às instituições; quem não gosta diz que é desleixo ou incompetência. Ambas as opiniões valem pouco em um debate complexo como esse.

É fato que o Parlamento assumiu um novo protagonismo na democracia brasileira. O governo não perdeu propriamente a condução da pauta política. Estão aí o plano Mais Brasil e as três PECs, bem como o projeto de autonomia do Banco Central. E Rodrigo Maia já disse que a reforma administrativa não anda se o governo não assumir a paternidade.

Mas estamos diante de um novo modelo. A equação anterior, em que o governo distribuía a máquina púbica para obter maioria no Congresso, simplesmente se esgotou. Em nosso quadro de extrema fragmentação partidária, tudo ficou caro demais. Haverá tempo para um diagnóstico cuidadoso disso tudo.

O conceito que bem define o novo cenário é a corresponsabilidade. Podem-se buscar outros nomes, mas é disso que se trata. Equação feita de tensões e maiorias provisórias. Consensos construídos a cada projeto. Foi o que se viu nesta semana, no acordo em torno do orçamento impositivo.

A pergunta é se tudo isso faz bem à democracia e favorece a governabilidade do país. Para a democracia não me parece haver dúvidas. O argumento da coalizão majoritária, nos moldes praticados desde a redemocratização, parte de duas premissas frágeis.

A primeira atribui demasiada racionalidade ao Executivo. É o argumento do Executivo-príncipe. Quando lembro do plano Collor, dos desmandos fiscais de meados da década passada, ou mesmo da atual "agenda conservadora", o argumento me parece perturbador.

Carlos Andreazza - Deixemos Camargo ser (mais um) problema de Bolsonaro

- O Globo

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio de Noronha, reverteu a decisão da Justiça Federal do Ceará e tornou juridicamente viável que Sergio Camargo assuma a Fundação Palmares. O ministro acertou.

Lamento imensamente que Camargo tenha sido indicado – uma perfeita afronta à natureza da instituição – para presidi-la. Suas declarações são a própria justificativa de por que não poderia comandá-la.

Considero muitíssimo mais grave, porém, a ação do juiz de primeira instância que proibiu que o Executivo exercesse suas atribuições. Está errado. E não terá sido a primeira vez. Não é um bom caminho. Tomemos cuidado com o avanço da magistrocracia.

Goste-se ou não da escolha (e eu não gosto), a nomeação é prerrogativa exclusiva do presidente da República. E há critérios objetivos – entre os quais não consta a estupidez – para que alguém não possa ocupar um cargo público. O sujeito não tomba, hoje, ante qualquer deles. Ao contrário, preenche os requisitos legais para a função. Deixemos Jair Bolsonaro arcar com os custos das próprias escolhas. Ponto.

Vinicius Torres Freire - Generais ocupam o Planalto

- Folha de S. Paulo

Congresso fica mais independente; núcleo original da gestão de governo se desfez

Jair Bolsonaro deve manter em 2020 o mesmo padrão de relacionamento com o Congresso observado em 2019: nenhum. Haveria ao menos um padrão mínimo de governo?

O Planalto é mais e mais ocupado por oficiais-generais.

Podem colocar ordem na zorra da coordenação administrativa, embora não tenham experiência de articulação de governo, ministerial, e ainda menos parlamentar.

O núcleo original de ministros “da casa”, com assento no Planalto, acaba de se desmanchar de vez com a provável nomeação de um oficial-general de quatro estrelas para a Casa Civil.

Gustavo Bebianno foi demitido da Secretaria-Geral ainda em fevereiro do ano passado; o general Santos Cruz caiu da Secretaria de Governo em agosto em junho. Ambos foram abatidos com humilhação pela filhocracia, adepta da seita do orvalho de cavalo. Onyx Lorenzoni deve deixar oficialmente a Casa Civil, onde de fato jamais esteve, por inoperância.

José Serra* - Mais uma sopa de pedras

- O Estado de S.Paulo

Não precisamos de regras heterodoxas para controlar o crescimento do gasto obrigatório

No final do ano passado o governo federal apresentou ao Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 188, cujo propósito é estabelecer novas regras para controlar as despesas do orçamento federal. Mais uma! Será a 12.ª regra fiscal dos últimos anos, num país que não consegue pagar as despesas do dia a dia com os tributos arrecadados. E a nova proposta traz um detalhe perigoso: compromete a estrutura do teto de gastos, até agora uma presumida âncora da política fiscal.

O propósito da PEC 188 é nobre: integrar o pacote econômico endossado pelo Poder Executivo a fim de pôr em ordem as contas públicas. No entanto, dada a falta de consistência, a proposta pode acabar virando uma sopa de pedras. As possibilidades levantadas pela equipe econômica, contraditórias e desarmonizadas, se assemelham a pedrinhas lançadas no caldeirão do sistema de regras que deveriam nortear o nosso processo orçamentário. O gosto é insosso.

Para além de uma distribuição de recursos dos royalties do petróleo mais vantajosa para Estados e municípios, propõe-se uma nova regra de ajuste fiscal no artigo 109 da PEC 188: toda vez que um órgão da administração pública federal gastar mais do que 95% do seu orçamento com despesas tidas como obrigatórias, ficará sujeito a restrições fiscais como proibição de contratar funcionários públicos e de criar novas despesas obrigatórias.

Esse controle do crescimento do gasto obrigatório é estranho. O conceito de despesa obrigatória é um dos mais imprecisos do nosso arcabouço jurídico. Além disso, a matemática rústica que envolve a métrica incentiva o aumento dos gastos e a rigidez orçamentária. Quanto maior for o orçamento total do órgão, maior será o espaço fiscal para se criarem gastos obrigatórios.

Mas o principal problema da PEC é a alteração que propõe na estrutura do teto de gastos, aprovado em 2016 para impedir o crescimento das despesas acima da taxa anual de inflação. Sabe-se que desde 2014 o orçamento federal tem registrado resultados negativos. Ou seja, os tributos e taxas arrecadados pela União não estão sendo suficientes para bancar as despesas da máquina pública. Para combater esse déficit orçamentário o Congresso aprovou a Emenda Constitucional n.º 95, estabelecendo um limite de crescimento para os gastos públicos. Teria sido melhor aprovar naquele momento um limite para a dívida pública federal, por ser a regra fiscal mais efetiva e adotada nas democracias avançadas.

Zeina Latif* - Economia em vertigem

- O Estado de S.Paulo

Dilma terminar o mandato teria ajudado a unir o País, mas a um custo social elevado

O documentário Democracia em Vertigem tem entranhas. Com voz melancólica, a narração de Petra Costa aflora uma esperança ingênua da diretora em um País melhor, com o PT, seguida de grande decepção e visão de um “futuro sombrio”.

Há muito de pessoal no documentário, pois carrega a dor de seus pais perseguidos no regime militar, filhos da elite empresarial, cuja empresa cresceu naquele período e foi condenada nos escândalos de corrupção. O projeto da direita precisou sacrificar membros da elite por meio da Lava Jato para extirpar o PT, segundo relato de sua mãe.

O documentário expõe a dor de muitos, e precisa ser reconhecida, assim como a dor dos seus opositores, por razões diferentes. Ser indicado ao Oscar premia sua qualidade técnica. Há muitos méritos, portanto.

O documentário, porém, é parcial em demasia, incorporando a tal narrativa da esquerda. É o lamento de um segmento da sociedade; não um documentário, de fato, comprometido em traçar um retrato mais fiel da nossa história recente.

Atribui a Lula o dom de “salvador da pátria”. Depois, vem a decepção com as alianças políticas, algumas inevitáveis diante da dificuldade de governar um país tão complexo. Já Dilma, foco de admiração, agiu na “contramão da conciliação lulista”.

Míriam Leitão - O ritmo lento da recuperação

- O Globo

Ano começa sem sinais mais fortes de retomada na economia. Efeito do FGTS está diminuindo e os investimentos seguem incertos

O Banco Central alertou que a economia tem uma “dicotomia” no ritmo da retomada, o emprego está um pouco melhor, mas a indústria e o investimento estão muito baixos. Acha também que está difícil medir o real nível de ociosidade do país. A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, disse que de fato a recuperação está muito heterogênea, e o empresário Manoel Flores, da área de material de construção, diz que a inadimplência está menor, mas o crescimento do emprego está fraco. Momentos de transição, em meio a outras crises, são mesmo difíceis até de avaliar o que está acontecendo.

As quedas da indústria e do comércio em dezembro jogaram uma ducha de água fria nas projeções mais otimistas da retomada. O efeito do FGTS sobre o consumo começou a perder força, e a indústria não consegue crescer via comércio exterior. Incertezas novas apareceram no mundo, como o coronavírus. A Argentina se afunda na crise, sem conseguir lidar com a dívida externa e interna. Aqui dentro, setores e regiões do país têm disparidade de ritmos de recuperação. O governo mandou três PECs para o Congresso, mas não tem propostas conhecidas de reforma tributária e administrativa. Num quadro assim, há paralisia de investimentos.

O diretor superintendente do grupo Astra, Manoel Flores, empresa que fabrica revestimentos e materiais de construção, tem a boa notícia de que a inadimplência de seus clientes é a mais baixa desde o início da crise e que no ano passado o volume produzido e os empregos cresceram cerca de 3%. O problema é que o emprego está longe do que foi:
— A base de comparação é muito baixa. Para se ter uma ideia, cortamos 32% do nosso efetivo com a crise. No ano passado recontratamos 3%.

Mesmo assim, o empresário se diz otimista com o que está acontecendo no setor que tem puxado a retomada:

Ribamar Oliveira - Prioridade deveria ser a PEC Emergencial

- Valor Econômico

Reforma tributária, embora necessária, pode esperar

É difícil acreditar que a reforma tributária será aprovada neste ano, se ainda não se conhece sequer qual é a proposta do governo federal. Ontem, em reunião com secretários estaduais de Fazenda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, em duas semanas, “está chegando um pedaço” ao Congresso Nacional.

Outra dificuldade para acreditar na rápida aprovação da reforma tributária é que o ministro da Economia quer criar uma nova CPMF para desonerar a folha de pagamento das empresas, pois, com isso, ele acredita será possível criar condições para o rápido crescimento do emprego no país. O problema é que o presidente Jair Bolsonaro é contra a nova CPMF, qualquer que seja o seu novo nome, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também são.

Mesmo o “pedaço” da proposta do governo a ser enviado causou polêmica entre os secretários estaduais de Fazenda. Guedes teria dito que vai propor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) Dual, com a fusão dos tributos federais com o ICMS, ficando o ISS de fora. Os secretários querem a unificação de todos os tributos federais, estaduais e municipais em um único imposto sobre o consumo.

Jorge Arbache* - A dança das cadeiras na América Latina

- Valor Econômico

É a maior integração regional das economias grandes que fará a América Latina criar mais oportunidades de investimento e emprego

A comparação do crescimento econômico da América Latina com o de outras regiões emergentes nos coloca numa posição um pouco desconfortável. Isto porque a região cresceu nas últimas décadas relativamente menos que a média dos países emergentes, o que nos levou a perder espaço na economia global.

Porém, uma mirada mais atenta para dentro da região sugere um quadro de diversidade do crescimento. Enquanto alguns países experimentaram taxas de crescimento modestas, outros experimentaram taxas bastante razoáveis até mesmo para países emergentes.

Embora o crescimento médio seja uma característica distintiva, o que mais diferenciou o padrão de crescimento dos países da região foi a volatilidade. Um grupo de países cresceu não apenas a taxas relativamente elevadas, mas, sobretudo, de forma persistente. Dentre aqueles países estão Bolívia, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru e República Dominicana, que experimentaram taxas médias superiores a 4% desde 1990.

De outro lado estão economias cujo padrão de crescimento foi caracterizado pela alta volatilidade em torno de uma média relativamente baixa. Ali estão Argentina, Brasil, México, dentre outros.

A Venezuela também compartilhou essas características, porém, com uma intensidade substancialmente maior. Haveria, ainda, um terceiro grupo de países que, grosso modo, se caracterizou, cada um a seu modo, por um pouco de cada característica dos outros grupos.

O que a mídia pensa – Editoriais

O método Bolsonaro – Editorial | Folha de S. Paulo

Ofensas a jornalistas e mentiras são modo de atacar a imprensa e as liberdades

Na tarde de terça-feira (11), o Congresso Nacional foi palco de um episódio infame e repugnante. Trata-se do espetáculo de ofensas e mentiras com epicentro na chamada CPMI das Fake News.

Convocado a testemunhar na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre um esquema fraudulento de disparos de mensagens pelo WhatsApp durante as eleições de 2018, Hans Nascimento, ex-funcionário de uma agência envolvida no escândalo, pôs-se a agredir a jornalista Patrícia Campos Mello, coautora da reportagem que, em dezembro daquele ano, revelou a trama nesta Folha.

Nascimento, que à época contribuiu com a apuração do jornal, pretendeu falsificar os fatos no depoimento prestado a congressistas. Mentiu ao afirmar que não entregou aos jornalistas informações sobre a fraude. Na verdade, repassou naquele período fotos, vídeos e dados, como foi sobejamente demonstrado em reportagem na mesma terça.

A patranha dita diante de parlamentares, criminosa por tratar-se de testemunho juramentado, tornou-se insulto quando o depoente acusou a repórter de ter oferecido sexo em troca de informações.

Desse pântano emergiu o segundo tartufo dessa lamentável passagem da vida nacional, cujo sobrenome, não por acaso, é Bolsonaro.

O deputado Eduardo, terceiro filho do presidente da República, entrou em cena para difundir e tentar emprestar credibilidade às ofensas da testemunha contra a jornalista.

Música | Almir Rouche - Hino do Elefante de Olinda; Hino da Pitombeira (Blocos de Olinda

Poema | Pier Paolo Pasolini* - A um papa

Poucos dias antes de você morrer, a morte
havia posto os olhos sobre um seu coetâneo:
aos vinte anos, você era estudante, ele operário,
você nobre, rico, ele um rapazote plebeu:
mas os mesmos dias douraram sobre os dois
na velha Roma que voltava a ser tão nova.
Eu vi os seus restos, pobre Zucchetto.
Zanzava de noite bêbado perto do Mercado,
e um bonde que vinha de San Paolo o apanhou
e arrastou um tanto pelos trilhos entre os plátanos:
ficou ali algumas horas, embaixo das rodas:
algumas pessoas se juntaram ao redor para olhar,
em silêncio: era tarde, havia poucos passantes.
Um dos homens que existem porque você existe,
um velho policial escrachado como um louco,
a quem se aproximava muito gritava: “Fora, cambada!”.
Depois veio o automóvel de um hospital para levá-lo:
o povo foi embora, ficaram uns trapos aqui e ali,
e a dona de um bar noturno pouco adiante,
que o conhecia, disse a um recém-chegado
que Zucchetto tinha sido pego por um bonde, tinha morrido.
Poucos dias depois você morria: Zucchetto era um
do seu grande rebanho romano e humano,
um pobre bebum, sem família e sem cama,
que vagava de noite, vivendo quem sabe como.
Você não sabia nada sobre ele: como não sabia nada
sobre outros milhares de cristos como ele.
Talvez eu seja cruel ao me perguntar por que razão
pessoas como Zucchetto eram indignas do seu amor.
Existem lugares infames, onde mães e crianças
vivem numa poeira antiga, numa lama de outras épocas.
Não muito longe de onde você viveu,
à vista da bela cúpula de São Pedro,
há um desses lugares, o Gelsomino…
Um morro partido ao meio por uma pedreira, e embaixo,
entre um canal e uma fila de prédios novos,
um monte de construções miseráveis, não casas, mas pocilgas.
Bastava apenas um gesto seu, uma palavra,
para aqueles seus filhos terem uma casa:
você não fez um gesto, não disse uma palavra.
Não lhe pediam que perdoasse Marx! Uma onda
imensa que se refrata por milênios de vida
o separava dele, da sua religião:
mas na sua religião não se fala de piedade?
Milhares de homens sob o seu pontificado,
diante dos seus olhos, viveram em estábulos e pocilgas.
Você sabia, pecar não significa fazer o mal:
não fazer o bem, isto significa pecar.
Quanto bem você podia ter feito! E não fez:
nunca houve um pecador maior que você.(Tradução de Pedro Heise e Cide Piquet)

*Pier Paolo Pasolini (1922-1975), cineasta, poeta e escritor italiano