quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Opinião do dia – Celso de Mello*

A ser verdadeira a postagem feita pelo Senhor Presidente da República em sua conta pessoal no “Twitter”, torna-se evidente que o atrevimento presidencial parece não encontrar limites na compostura que um Chefe de Estado deve demonstrar no exercício de suas altas funções, pois o vídeo que equipara, ofensivamente, o Supremo Tribunal Federal a uma “hiena” culmina, de modo absurdo e grosseiro, por falsamente identificar a Suprema Corte como um de seus opositores. Esse comportamento revelado no vídeo em questão, além de caracterizar absoluta falta de “gravitas” e de apropriada estatura presidencial, também constitui a expressão odiosa (e profundamente lamentável) de quem desconhece o dogma da separação de poderes e, o que é mais grave, de quem teme um Poder Judiciário independente e consciente de que ninguém, nem mesmo o Presidente da República, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República. É imperioso que o Senhor Presidente da República – que não é um “monarca presidencial”, como se o nosso País absurdamente fosse uma selva na qual o Leão imperasse com poderes absolutos e ilimitados – saiba que, em uma sociedade civilizada e de perfil democrático, jamais haverá cidadãos livres sem um Poder Judiciário independente, como o é a Magistratura do Brasil.

*Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em nota sobre o “Twitter” do presidente Bolsonaro

Ricardo Noblat - Bolsonaro veste a carapuça

- Blog do Noblat | Veja

Nunca antes neste país...
Descontrolado como jamais se viu ao vivo um presidente da República por estas bandas, a disparar imprecações, desaforos, palavrões e ameaças contra a Rede Globo de Televisão, Jair Bolsonaro usou pouco mais de 23 minutos de transmissão direta da Arábia Saudita para dizer em resumo que ele e seus filhos são inocentes da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL).

Mas quem disse que ele e os filhos poderiam ser culpados? Espera-se apenas que esclareçam quem estava na casa de número 58, de propriedade de Bolsonaro, quando no dia da morte de Marielle o porteiro do condomínio telefonou para lá informando que um homem, de nome Élcio, pedia para entrar. A voz de homem que de dentro da casa atendeu ao porteiro deu permissão.

Como Élcio dirigiu-se para a casa 66, o porteiro tornou a ligar para a casa de número 58. Informada do que se passava, a voz de homem respondeu que já sabia, que estava tudo direito, tudo bem. Foi o que contou o porteiro em dois depoimentos prestados à polícia. Contou também que a voz do homem da casa 58 era de “seu Jair”. Enganou-se, naturalmente, uma vez que Bolsonaro naquele dia deu expediente em Brasília na Câmara dos Deputados.

Na casa 66 morava o policial aposentado Ronnie Lessa, hoje preso sob a acusação de ter assassinado Marielle e seu motorista. Lessa e Élcio, de sobrenome Queiroz, saíram do condomínio dentro de um carro de Lessa. Mais adiante, conforme provas reunidas pela polícia, os dois entraram em outro carro, dirigido por Élcio, que também está preso. E foram matar Marielle no centro da cidade.

A reação colérica de Bolsonaro está mais para a de um homem que parece ter o que temer do que para alguém que se diz inocente “O orgasmo da TV Globo será ver um dos filhos meus preso”, afirmou Bolsonaro. Acusou o governador Wilson Witzel, do Rio, de ter vazado para a Globo o que ela divulgou. E chamou o jornalismo da Globo de “canalha e patife” pelo menos uma dezena de vezes.

Por fim, sem que uma coisa tenha a ver com a outra, exclamou:

– Quero também saber quem mandou matar Jair Bolsonaro.

Depois de três inquéritos, a Polícia Federal concluiu que ninguém mandou matar Bolsonaro. O autor da facada em Juiz de Fora, Adélio Bispo, agiu sozinho. Por sofrer de transtorno mental, foi considerado inimputável pela Justiça. Está em uma cela da Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Podendo recorrer da decisão judicial, Bolsonaro não o fez.

República em estado de choque

Luiz Carlos Azedo - Tuitada infeliz

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro foi pego de surpresa pelo vídeo que cita o STF, cuja origem disse desconhecer; todos suspeitam que tenha sido uma iniciativa do vereador Carlos Bolsonaro, mas ele nega”

Palpite infeliz, de Noel Rosa, é um marco da nossa música popular. O samba, composto em 1935, praticamente pôs um ponto-final na sua polêmica com outro grande sambista, Wilson Batista, que havia glamorizado a malandragem no samba Lenço no pescoço, que fazia a apologia do sujeito desocupado e bom de briga; Noel respondeu com o samba Rapaz folgado, uma crítica àquele estilo de vida.

Wilson não deixou por menos e tentou ridicularizar Noel, no samba O mocinho da Vila, ao qual o poeta respondeu com o antológico Feitiço da vila. Nessa altura da polêmica, os dois monopolizavam a audiência nas rádios e as conversas de botequim. Wilson responde novamente, com Conversa Fiada, mas Noel retruca com outra obra-prima: Palpite infeliz, cuja letra, em certo trecho, diz: “Pra que ligar a quem não sabe/ Aonde tem o seu nariz?/ Quem é você que não sabe o que diz?/ Quem é você que não sabe o que diz?/ Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!”. Wilson ainda compôs Frankenstein, uma alusão ao defeito facial de Noel, grosseria que o compositor da Vila Isabel ignorou, e Terra de cego, aos quais Noel respondeu com Deixa de ser convencido. A homérica disputa musical, porém, já estava decidida: os sambas Feitiço da Vila e Palpite infeliz são cantados até hoje.

Ideia infeliz foi o vídeo postado no Twitter do presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira, no qual um leão, representando Bolsonaro, é cercado e atacado por várias hienas ao redor, numa alusão aos supostos inimigos do presidente da República, entre os quais estaria o Supremo Tribunal Federal (STF). O vídeo permaneceu no ar por duas horas e causou perplexidade, porque disparava em todas as direções: imprensa, partidos políticos — como o PCdoB, o PT e o próprio PSL, ao qual Bolsonaro é filiado —, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras instituições foram identificadas como as hienas.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro pediu desculpas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Participava de encontros bilaterais na Arábia Saudita e comentou o caso em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo: “Me desculpo publicamente ao STF, a quem porventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim. Corrigimos e vamos publicar uma matéria que vai para esse lado das desculpas”. A reação do presidente da República foi provocada por duras críticas do decano do STF, ministro Celso de Mello, que costuma ser o porta-voz da Corte nessas situações.

Fernando Exman - As várias faces da política externa

- Valor Econômico

Diplomacia militar ganha espaço no governo Bolsonaro

A visita do presidente Jair Bolsonaro à Ásia e a países árabes é a oportunidade de ocorrer uma reflexão, na Presidência da República, sobre os riscos de ser ter uma política externa dogmática.
A área internacional é uma das principais forças motrizes dos militantes bolsonaristas. Mas esta viagem, motivada por urgentes interesses estratégicos e econômicos, é prova de que as razões de Estado seriam bem-vindas aos manuais de alguns dos formuladores da política externa.

Após criar atritos com esses mesmos parceiros desde a campanha eleitoral, Bolsonaro trará de volta na bagagem promessas de investimentos e parcerias. Seus aliados comemoram o malogro dos analistas que estimavam os potenciais prejuízos dos ataques feitos à China, principal parceiro comercial do país, e as reações dos países árabes e muçulmanos à ideia de se transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém.

O pior cenário não se concretizou por que houve quem trabalhasse, com vigor, nos bastidores. Diplomatas experientes fizeram gestões, mesmo sob risco de caírem na lista dos servidores públicos que não interessam à atual gestão para postos importantes. E integrantes de outra carreira de Estado se viram impelidos a entrar em ação: os militares.

José Eli da Veiga* - O trevo da distopia

- Valor Econômico

A vida inteligente está ameaçada, mas principalmente pela possibilidade de que venham a ser usados os arsenais atômicos

Está em ascensão a crença em irrevogável autoextermínio da humanidade. A tal ponto que nem caberia, nesta página, a lista de recentes bons livros e artigos que robustecem tal distopia. A justificativa é quase sempre ambiental, com maior realce ao imbróglio climático, muitas vezes acompanhada de prognósticos dos mais sombrios sobre o uso de novas tecnologias, com destaque à inteligência artificial. Com tal combinação, muito em breve só sobrariam vivos, na Terra, os tardígrados.

Costuma estar fora desta onda qualquer preocupação com a incerteza mais garantidora de tão lúgubre desfecho: a volta da ameaça de um “inverno nuclear”, fato que mereceu destaque aqui no Valor do último 13 de setembro (p. 14-15 do caderno EU& Fim de Semana). É esquisito que o pior agouro - o de guerra nuclear - fique debaixo do tapete em algaravia sobre aquecimento global e más condutas tecnológicas, os menos prementes dos três perigos.

Uma boa especulação psíquica evocaria os mais fortes arquétipos sobre a natureza. Alguns tendem a achar que ela é caprichosa, delicada, frágil, precária e efêmera. Outros, que ela é bem robusta, estável e previsível. Para os primeiros, só restaria aos humanos o dever de agir como se estivessem pisando em ovos, sem qualquer pretensão de gerenciamento ambiental. Ao contrário dos que apostam na ciência para um manejo que contrabalance os males impostos pelo processo civilizador.

Vera Magalhães - Quem é que manda?

- O Estado de S.Paulo

Ou o pedido de desculpas do presidente é puro jogo de cena, ou ele não manda no seu entorno

O episódio do vídeo das hienas seria só mais um mal-entendido grotesco da comunicação virtual bolsonarista não fosse o fato de que esses mal-entendidos não têm nada de acidentais. Desde a posse de Bolsonaro, seu entorno mais ideológico insiste num discurso semi-revolucionário, em que o presidente é pintado como uma figura mítica, dotada de designação divina para combater o “mal” – ora encarnado nas instituições, ou “establishment”, ora na imprensa, ora nos partidos, a depender da conveniência de se eleger um inimigo na ocasião.

Trabalham nisso o gabinete do ódio do Planalto, sob o comando de Filipe G. Martins, os filhos 02 e 03, o ideólogo da Virgínia e os ministros vassalos dessa cantilena ideológica.

Acontece que, quando o embate se dá com o Supremo Tribunal Federal, o presidente tem de fazer um recuo público. Afinal, o filho 01 está pendurado no guichê da Corte, que com duas liminares de dois dos ministros que a ala antiestablishment mais adora malhar sustou o caso do incômodo (e cada vez mais falastrão) Fabrício Queiroz.

Que Bolsonaro peça desculpas pela postagem, mas não impeça o filho Carlos de seguir usando sua conta no Twitter, e logo em seguida Filipe Martins use o próprio perfil para repetir que as instituições são, sim, “hienas” – mantendo assim mobilizada a militância virtual – mostra uma de duas coisas: ou o pedido de desculpas do presidente é puro jogo de cena, ou ele não manda no seu entorno mais próximo. As duas hipóteses são bastante preocupantes.

Míriam Leitão - A falta de limites do presidente

- O Globo

Nada atenua o que foi postado. Presidentes não têm palavras extraoficiais, nem declarações para serem apagadas como se não tivessem sido feitas

O ministro Celso de Mello definiu como “atrevimento sem limites” porque o ministro é um homem educado e sabe o código de conduta no uso das palavras por uma autoridade. O que o presidente Bolsonaro fez ao comparar o STF a uma hiena da alcateia que ataca o “leão conservador e patriota” é muito mais grave do que ele admitiu mesmo no pedido de desculpas. “Foi uma injustiça sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para o lado das desculpas.” É bem mais que uma “injustiça”.

O presidente jurou respeitar a Constituição, e ela reconhece o Judiciário como um dos três poderes, e o STF é o órgão máximo desse poder. Tratá-lo com um achincalhe desrespeitoso em uma molecagem de Twitter é descumprir preceito constitucional. Aquele é um canal oficial do presidente, e portanto é sua palavra. A explicação de que várias pessoas têm acesso aumenta o absurdo da situação. Com a mensagem ele açula os seus seguidores radicais que têm defendido o fechamento do Supremo. Sem Supremo, não temos democracia. Isso significa que ele está fortalecendo um movimento de ameaça à própria democracia.

Cada cidadão é livre para ter críticas às decisões do STF. Os ministros da Corte inclusive divergem entre si. Neste momento de decisão sobre um assunto em que há uma divisão acalorada no país é normal que o foco esteja sobre o Supremo. Os ministros Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Edson Fachin e Alexandre de Moraes acham que deve-se manter o cumprimento da pena após a condenação em 2ª instância, argumentando que neste ponto o mérito já terá sido julgado e revisto por um colegiado. E que os recursos protelatórios têm sido a arma do crime de colarinho branco para a impunidade. A ministra Rosa Weber, o relator Marco Aurélio Mello e o ministro Ricardo Lewandowski sustentam ser incontornável o princípio constitucional do cumprimento da pena só após o trânsito em julgado.

Zuenir Ventura - O pesadelo das manchas de óleo

- O Globo

E se elas resolverem passar pelas praias do Rio?

A pergunta da repórter ao oceanógrafo era se as misteriosas manchas das praias do Nordeste, que há dois meses não param de descer no mapa, podiam chegar a Santa Catarina. A resposta foi que era possível, embora não fosse provável. Fui dormir com essa hipotética ameaça, suficiente para se transformar num pesadelo: e se elas resolverem passar pelas praias do Rio?

Os números alimentam essa paranoia: o óleo não para de se espalhar. Já atinge 2.200 kms de extensão em nove estados, 92 municípios, um total de 254 localidades afetadas. Enquanto isso, o ministro do Turismo posava molhando os pés e as mãos no mar de Muro Alto, em Ipojuca, Pernambuco, decretando: “As praias estão completamente aptas à frequentação de turistas”. No mesmo dia, o diretor da Agência de Meio Ambiente do estado advertia que ainda havia óleo na água, o que a tornava “imprópria para a recreação” .

Igualmente patético foi o presidente em exercício Hamilton Mourão, sem camisa diante das câmeras, afirmando: “O óleo já foi recolhido. Hoje não tem mais nenhuma praia suja no Nordeste”. Tem, sim, general, apesar das duas mil toneladas de óleo recolhidas em cerca de 200 praias.

Bernardo Mello Franco - Instintos primitivos

- O Globo

As manifestações no Chile mexeram com os instintos primitivos do bolsonarismo. O presidente tem ameaçado convocar os militares para reprimir protestos inexistentes no Brasil

As manifestações no Chile mexeram com os instintos mais primitivos do bolsonarismo. Em visita à China, o presidente Jair definiu os protestos como “atos terroristas”. Dias antes, no Japão, chamou de “bárbaros” os chilenos que tomaram as ruas contra o aumento do custo de vida e a piora dos serviços públicos.

O governo de Sebastián Piñera respondeu ao início da crise com uma repressão brutal. Pôs o Exército nas ruas e ressuscitou o toque de recolher da ditadura Pinochet. Depois de 20 mortos e mais de uma centenas de feridos, o presidente decidiu recuar. Pediu desculpas à população, recolheu a tropa e anunciou reformas sociais.

Em pronunciamento na TV, o conservador Piñera admitiu que os chilenos têm motivos para reclamar. Disse que as últimas gestões, incluindo as dele, não foram capazes de perceber a insatisfação popular. “Reconheço e peço perdão por essa falta de visão”, penitenciou-se.

Elio Gaspari* - A marcha dos insensatos

- Folha de S. Paulo | O Globo

Em um cenário de ruína, Bolsonaro e Fernández resolveram se estranhar

Brasil e Argentina, além de vizinhos, são grandes parceiros comerciais. Ambos estão com taxas de desemprego de dois dígitos. Um torce para que o crescimento de 2019 chegue a 1% e o outro rala uma contração da economia. Nesse cenário de ruína, Jair Bolsonaro e o presidente eleito da Argentina resolveram se estranhar. Por quê? Por nada.

Donald Trump briga com Xi Jinping, mas ambos defendem seus negócios. Já houve época em que o Brasil e a Argentina crisparam suas relações por motivos palpáveis, como aconteceu em negociações comerciais e em torno da construção da hidrelétrica de Itaipu. Mesmo nessas ocasiões, os governos comportavam-se com elegância. Durante uma dessas controvérsias, o presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu: “Não gosto dessa coisa truculenta que não leva a nada. Já temos tantas arestas que é melhor nos pouparmos de acrescentar novas.” Agora, em torno do nada, Jair Bolsonaro e Alberto Fernández romperam a barreira da cordialidade.

Utilizando-se uma medida útil para quem observa briga de rua, foi Bolsonaro quem começou. Em junho ele disse que “Argentina e Brasil não podem retornar à corrupção do passado, a corrupção desenfreada pela busca do poder. Contamos com o povo argentino para escolher bem seu presidente em outubro.” Um mês depois, o candidato Alberto Fernández visitou Lula na carceragem de Curitiba. Domingo (27), no seu discurso de vitória, ele repetiu o “Lula Livre” e Bolsonaro classificou o gesto como “uma afronta à democracia brasileira”, recusando-se a cumprimentá-lo pela vitória.

Hélio Schwartsman - Chile põe o liberalismo em xeque?

- Folha de S. Paulo

Por que só agora veio a rebelião?

Os protestos no Chile são uma demonstração de que as receitas econômicas liberais não funcionam? A resposta a essa questão depende dos óculos com que a visualizamos.

Para quem porta as lentes do historiador, que valorizam os feitos do passado, é difícil falar em fracasso do liberalismo. Do início dos anos 2000 até os dias de hoje, o PIB per capita chileno saltou de US$ 11,3 mil para US$ 26,3 mil, e a pobreza extrema, que atingia 36% da população, despencou para 8,6%. Na América do Sul, não encontramos outro caso de melhora assim significativa num espaço de tempo tão curto. Revoluções decerto não produzem resultados tão positivos.

O problema da visão do historiador é que as pessoas não vivem no passado. Elas estão no presente e com os olhos voltados para o futuro. E o ser humano, como já ensinava Schopenhauer, é uma máquina de desejar que não pode ser desligada. Quando ele consegue algo que queria, já está desejando o próximo item de uma lista que nunca se esgota.

Bruno Boghossian - A paranoia como método político

- Folha de S. Paulo

Presidente quer convencer o país de que é vítima de uma ameaça permanente

Cercado por hienas e conspirações socialistas, Jair Bolsonaro quer convencer o país de que é vítima de uma ameaça contínua. A insistência do presidente em retratar críticos como vilões e atribuir seus infortúnios a complôs delirantes mostra que ele pretende governar em estado permanente de paranoia.

Esse estilo político foi descrito pelo historiador americano Richard Hofstadter num ensaio de 1964. Ele tomou emprestado o termo clínico para descrever um discurso baseado no exagero, na suspeição, no alarmismo e em fantasias conspiratórias.

A tática é apresentar o jogo democrático como um conflito entre o bem e o mal, anulando qualquer expectativa de moderação e convocando uma luta constante. "Visto que o inimigo é considerado totalmente mau e desagradável, ele deve ser totalmente eliminado", escreveu.

Vinicius Torres Freire - O conto do vigário dos dois governos Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente se desculpa por comparar boa parte do país a hienas, mas sua militância, não

Jair Bolsonaro pediu desculpas ao Supremo, caso alguém lá tivesse ficado ofendido com o fato de a corte ter sido comparada a uma hiena, em vídeo publicado pelo presidente na segunda-feira, e apagado duas horas depois.

Ainda assim, a falange revolucionária do bolsonarismo, sua autodenominada “ala antiestablishment,” reafirmou com outras palavras a mensagem do vídeo apagado, que não era apenas de injúria contra parte importante da sociedade civil e política organizada, mas uma convocação militante. O filmete do leão acossado (Bolsonaro) terminava com um chamado para que “conservadores patriotas” defendessem o presidente da oposição, das hienas e também dos isentões: “quem não é por nós, está contra nós".

As peripécias da história do vídeo, similares às de outros episódios de morde e assopra, indica que o bolsonarismo revolucionário está forte e sacudido, ainda que por ora contido no bunker do Planalto ou em catacumbas digitais. Continua, assim, o conto dos dois governos.

Ruy Castro* - Rei dos animais

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro se vê como um leão. O STF se verá como uma hiena?

Quando se julgavam esgotados os epítetos, afrontas e apodos dirigidos a Jair Bolsonaro —nunca um presidente da República se prestou tanto a ser desqualificado—, eis que ele próprio acrescentou à sua galeria o título que lhe faltava. O vídeo produzido por sua equipe e protagonizado por um leão identificado com o seu nome, acossado por hienas marcadas com os logotipos de seus supostos inimigos, não deixa dúvida. Ele é o rei dos animais.

Essa repentina majestade, no entanto, não o livrará de continuar a ser tratado com casca e tudo, inclusive pela turma com quem andava antes de chegar ao Planalto. Outro dia, seu próprio colega de partido, um certo Delegado Waldir, chamou-o de “vagabundo” e “essa porra” —quase fazendo o colunista sair em defesa da porra, injustamente rebaixada a Bolsonaro.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Política na selva – Editorial | Folha de S. Paulo

Como rei leão, Bolsonaro talvez vislumbre poder incompatível com a Carta de 88

A alusão a animais na propaganda política é recurso antigo dos demagogos. A imagem de ratos roendo a bandeira nacional, utilizada pelo PT em 2002, vem sendo retomada há décadas como uma maneira de desumanizar os adversários.

A publicação do presidente Jair Bolsonaro (PSL), numa rede social, de alegoria baseada no cerco de um grupo de hienas a um leão tem, no entanto, as suas peculiaridades.

Alegoria constitui, aliás, palavra sutil demais para qualificar o vídeo, que deixa muito claro, por meio de trucagens toscas, quem são as tais hienas: o Supremo Tribunal Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil, veículos da imprensa (incluída esta Folha), o PT e até o PSL, que o mandatário luta para controlar com a mão pesada do Executivo.

Tampouco resta dúvida sobre a identidade do felino rodeado pelos bichos carniceiros: presidente Bolsonaro, estampa a legenda.

No reino da Arábia Saudita, que o chefe de Estado brasileiro visitava quando o vídeo foi divulgado, o regime especializou-se não só em rugir para seus críticos. Ele os mata e trucida, como foi feito com o jornalista Jamal Khashoggi em pleno consulado saudita de Istambul (Turquia), em outubro de 2018.

Palestra de Luiz Sérgio Henriques - A democracia ainda é um valor atual?

Palestrante: Luiz Sérgio Henriquez  Debatedores: Tibério Canuto e José Arlindo Soares Data: 24 de outubro de 2019 - Recife

Poesia | João Cabral de Melo Neto – Morte e Vida Severina (Trecho)

“…E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.”

Música | Dorival Caymmi - Marina