terça-feira, 27 de novembro de 2018

Opinião do de dia: Bernardo Bertolucci

Antes de poder mudar o mundo, você precisa compreender que você, você mesmo, é parte dele. Não dá para ficar de fora olhando para dentro.

--------------------------
Bernardo Betolucci (1941-2018), cineasta italiano, num diálogo do filme “Os sonhadores”

*Rubens Barbosa: Nacionalismo, patriotismo e interesse nacional

- O Estado de S.Paulo

Vivemos momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional

As comemorações pelo centenário do fim da Guerra de 1914-18, em Paris, reforçaram minha convicção de que estamos vivendo tempos estranhos e um momento de grande complexidade e incerteza no cenário internacional, com consequências para todos os países.

Foi curioso ver pequenos detalhes protocolares desencadearem reações políticas, como no caso da Sérvia, que se sentiu insultada pela baixa posição que seu presidente ocupou em relação ao Kosovo, colocado mais próximo ao presidente francês pelo cerimonial. Afinal, foi em Sarajevo que tudo começou. Notei a ausência do Brasil, convidado pela primeira vez para um encontro dessa magnitude, que seria uma oportunidade para mostrar que nosso país existe, tem presidente e foi parte das duas guerras (quando estava como embaixador em Londres, participei com o presidente FHC das celebrações do Dia da Vitória da 2.ª Grande Guerra, a de 1939-45, com o Brasil sendo convidado pela primeira vez).

Todos puderam assistir à deliciosa coreografia do poder entre Putin e Trump, que chegaram em limusines cercadas de seguranças, enquanto os outros 82 chefes de Estado e de governo saíram juntos do Palácio Élysée em ônibus especiais. Os líderes norte-americano e russo esperaram, escondidos, que todos tomassem assento para assumirem seus lugares ao lado do presidente Macron. Putin, mais esperto, esperou para chegar por último...

O presidente Macron, em discurso na solenidade, em vez de saudar a presença dos líderes mundiais, de ressaltar a paz e a superação da guerra fria entre EUA e Rússia, resolveu chamar a atenção para as ameaças atuais que põem a estabilidade internacional de novo em perigo, põem em risco a democracia e dividem os países ocidentais. Observou que os pilares que sustentam os regimes democráticos são mais importantes que a unidade transatlântica e nesse contexto mencionou que o patriotismo é mais importante que o nacionalismo. Essa afirmação tinha endereço direto não só aos grupos de direita radical na França, como, de maneira pouco sutil, era uma crítica direta aos que dizem colocar os interesses de seus países em primeiro lugar e a consequência disso para os outros pouco importa. Ao qualificar o nacionalismo como traição ao patriotismo, exagerou, porque o termo na França é associado à extrema direita, enquanto em outros países a expressão se renova e tem conotação valorizada, como, por exemplo, na Irlanda e no Canadá.

Eliane Cantanhêde: Governo verde-oliva

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro monta governo de generais e a única surpresa é na articulação política

Taí, essa ficou difícil de entender no futuro governo Jair Bolsonaro: um general na articulação com o Congresso? Duas explicações plausíveis: ou vai mudar tudo ou pôr um general é para intimidar deputados e senadores e inibir pedidos de verbas e cargos que os militares – como, de resto, a sociedade – consideram pouco republicanos.

É assim que o futuro governo “não é militar”, como dizem generais, brigadeiros e almirantes, mas cada vez mais vai assumindo o jeito, a cara, a cor e o cheiro dos militares do Exército, que somam sete no primeiro escalão, por ora.

Além do próprio presidente, que passou para a reserva como capitão, temos o vice Hamilton Mourão, general de Exército (quatro estrelas) que saiu recentemente do Alto-Comando e ainda tem um pé, e amigos, lá dentro.

Também general de quatro estrelas da reserva, Augusto Heleno não apenas tem muita influência sobre Bolsonaro como foi deslocado da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), para ficar bem perto do gabinete do presidente e com acesso à maior fonte de poder: informação.

Joel Pinheiro da Fonseca: Como governar para os pobres?

- Folha de S. Paulo

Querer que o Brasil abandone o teto de gastos agora é miopia

Numa pesquisa eleitoral do Ibope em outubro, apenas 37% dos entrevistados apontaram Bolsonaro como defendendo os interesses dos mais pobres em comparação a Haddad. 65% viam-no como defensor dos mais ricos. E, mesmo assim, ele levou a maioria dos votos válidos. Houve pobre votando em um candidato que ele próprio via como defensor dos ricos.

Infelizmente, como revela o relatório da Oxfam publicado ontem ("País estagnado —um retrato das desigualdades brasileiras"), o foco na pobreza e suas mazelas está mais urgente. A desigualdade estagnou basicamente desde o início da crise em 2014, e a pobreza subiu acentuadamente.

O relatório reconhece que a grande culpada é a crise econômica. De maneira geral, todos perderam; mas os mais pobres sofrem muito mais. O outro vilão apontado é o teto de gastos aprovado pelo governo Temer.

Se vivemos, desde 2016, uma lenta recuperação econômica, com a queda paulatina do desemprego, isso se deve ao próprio teto de gastos, que deu um sinal real de comprometimento do Estado com o ajuste fiscal. Mas é só uma promessa; cumpri-la significará passar a reforma da Previdência.

Deixar o Estado quebrar seria o pior cenário possível, inviabilizando qualquer investimento social.

Pablo Ortellado: A armadilha do anti-intelectualismo

- Folha de S. Paulo

Progressistas cultivam a sofisticação política e estética e se afastam das pessoas comuns

Há quem acredite que a ênfase de Bolsonaro em criticar os partidos, defender a família tradicional e promover o porte de armas —o que a sociologia americana convencionou chamar de guerras culturais— é apenas uma cortina de fumaça para esconder aquilo que importa, a agenda ultraliberal da política econômica.

Sejam distração ou questões de importância política genuína, o fato é que os temas morais são a base de sustentação do novo poder político.

O sucesso da exploração das guerras culturais nas eleições deve-se, pelo menos em parte, à embalagem populista. Elas foram embrulhadas num discurso do tipo nós, o povo, contra as elites progressistas, encasteladas nas universidades e nas escolas, nos meios de comunicação e nas artes —e isso permitiu que a mão dura do conservadorismo fosse vista como um avanço democrático que derrotou as elites da cultura e do poder.

A resposta dos progressistas, que foram votar em Haddad segurando livros de Karl Marx e Paulo Freire, não poderia ter sido pior.

Com o gesto, queriam simbolizar a defesa da cultura e do progresso contra o ataque da barbárie e do atraso, mas involuntariamente confirmaram o estereótipo, difundido pelos conservadores, de que eram riquinhos arrogantes, que desqualificavam as pessoas comuns que votavam em Bolsonaro como uma massa ignorante e inculta.

Os conservadores estão de fato promovendo a organização da ignorância como se fosse uma emancipação democrática. É preciso reconhecer com humildade que estamos sendo derrotados neste jogo e mudar de postura para escapar da armadilha anti-intelectualista do populismo.

Nós, os progressistas, cultivamos o gosto pela sofisticação política e estética e, a cada rodada de conversação com nossos pares, nos diferenciamos mais, ficando mais requintados e com um repertório mais amplo. A cada rodada, tornamo-nos também mais estranhos e mais apartados das pessoas comuns.

Hélio Schwartsman: Comunista de raiz

- Folha de S. Paulo

É natural e desejável que crianças sejam expostas a novas ideias à medida que crescem

Imagine, leitor, uma família obstinadamente comunista. As crianças nela nascidas não recebem nenhum sacramento e, em vez de ser acalentadas ao som de canções de ninar, são embaladas pelos acordes da Internacional. Desde cedo, são iniciadas nos dogmas do leninismo e privadas de quaisquer referências fora do círculo marxista. Crescem convencidas de que a propriedade privada é um roubo e de que a história só avança por meio de revoluções.

Mais tarde, na escola, um desses pequenos experimentos da engenharia sociofamiliar tem aulas com um professor religioso e é apresentado às Escrituras. Fica maravilhado com o novo mundo que se lhe descortinou, converte-se e passa a viver como um temente a Deus, abandonado as teorias que lhe foram impingidas por seus pais.

Inventei essa historieta para discutir a tese de que os pais têm direito de determinar a educação religiosa e moral que seus filhos receberão, que consta da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 12, IV) e é um dos pilares do Escola sem Partido. Até acho que isso possa valer como uma diretriz geral para crianças pequenas, mas só para as pequenas.

Bruno Boghossian: Queima de estoque

- Folha de S. Paulo

Parlamentares tentam votar propostas que protejam classe política antes de 2019

Ainda no intervalo entre os dois turnos da eleição, o chefe de um dos partidos tradicionais do Congresso procurou Michel Temer para propor um pacto. O plano era fechar um acordo e aproveitar os meses finais do ano para votar a jato um projeto que desse anistia a quem recebeu dinheiro por caixa dois.

A proposta seria pautada na Câmara e no Senado às vésperas do feriado da proclamação da República. A trama naufragou após a hesitação de alguns líderes e com a escolha de Sergio Moro, detrator do financiamento eleitoral “por fora”, como próximo ministro da Justiça.

Os políticos que não tiveram o passaporte carimbado para continuar no poder em 2019 ficaram com os sentidos de autopreservação aguçados. A renovação dos quadros do Congresso pode fazer com que as semanais finais do ano sejam a última oportunidade para emplacar artimanhas para proteger alguns deles.

Luiz Carlos Azedo: O Haiti é aqui

- Correio Braziliense

“A manutenção da Secretaria de Governo com status de ministério com a atual configuração esvaziará a Casa Civil, principalmente a relação política com o Congresso e com os movimentos sociais”

A indicação do general de divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz para comandar a Secretaria de Governo consolidou na cúpula do governo um grupo de ex-integrantes da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, formado ainda pelo general Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e pelo general Fernando Azevedo e Silva, que será o ministro da Defesa. Sua missão mais importante, porém, foi comandar a missão de paz na República Democrática do Congo, integrada por 23,7 mil militares de 20 países, de 2013 a 2015.

Santos Cruz foi o chefe da Secretaria Nacional de Segurança Pública durante parte da gestão do presidente Michel Temer, ostentando ainda no currículo uma passagem por Moscou, como adido militar, em 2001 e 2002, e atuação como conselheiro do Banco Mundial para a elaboração do Relatório de Desenvolvimento Mundial 2011 e do grupo da ONU para a revisão do reembolso aos países que contribuem com tropas em missões de paz. Sua indicação surpreendeu, pois a Secretaria de Governo inicialmente seria incorporada à Casa Civil, sob comando do ministro Ônix Lorenzoni.

Hoje, a Secretaria de Governo da Presidência reúne as subsecretarias de Assuntos Parlamentares, Assuntos Federativos e Juventude, além da Secretaria Nacional de Articulação Social. A manutenção da pasta com status de ministério e essa configuração esvaziará a Casa Civil, principalmente a relação política com o Congresso e com os movimentos sociais. Além disso, fortalece o grupo de generais que forma o estado-maior do governo Bolsonaro, integrado ainda pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que não passou pelo Haiti, mas atuou na Missão de Paz em Angola e foi adido militar na Embaixada do Brasil na Venezuela.

Outro militar deverá comandar o Ministério da Infraestrutura, para o qual está cotado o general Joaquim Brandão, atual chefe de gabinete do ministro Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Michel Temer. O tenente-coronel da Aeronáutica Marcos Pontes, ex-astronauta, no Ministério de Ciência e Tecnologia, completa o naipe de militares que ocupam posições no primeiro escalão. Até agora, ninguém da Marinha foi nomeado para um cargo de destaque no governo.

Fernando Exman: Bolsonaro prepara guerra contra facções

- Valor Econômico

Ações policiais seriam populares em início de mandato

Jair Bolsonaro subirá a rampa do Palácio do Planalto, no dia 1º de janeiro, sob os aplausos de milhares de apoiadores que defenderam com ele o discurso de "tolerância zero contra o crime" na última campanha eleitoral. Nos dias seguintes, o plano de integrantes da equipe de transição é que o Executivo já possa transformar o programa de governo em ações concretas capazes de garantir popularidade ao presidente da República e um antídoto contra eventuais acusações de estelionato eleitoral.

Espera-se, entre auxiliares do presidente eleito, uma série de operações contra o crime organizado logo no início do governo. Essa pode ser a única agenda positiva imediata da próxima administração logo no início do mandato.

Bolsonaro deve assumir a chefia da nação numa conjuntura econômica desafiadora, na qual precisará comprovar a capacidade de aprovação de uma reforma da Previdência e outros projetos que tornem o Brasil mais amigável a empresários e investidores. Até agora, no entanto, ainda é uma incógnita se Legislativo e Executivo trabalharão, na prática, em harmonia. Afinal, corporações e dirigentes políticos alijados do centro do poder por Bolsonaro terão muitas oportunidades para abreviar o clima de romance entre o futuro presidente e a população.

Os parlamentares podem, por exemplo, atrapalhar os planos do governo de alterar a estrutura governamental, enxugar a máquina pública ou reduzir benefícios de setores do funcionalismo público. Tudo isso precisará passar pelo Congresso, e a velocidade de tramitação dessas propostas dependerá da boa vontade de quem conhece os atalhos e as armadilhas dos regimentos internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Justamente os líderes que Bolsonaro buscará apartar do jogo político.

No Senado, onde as frentes parlamentares não são tão fortes como na Câmara, hoje o presidente eleito teria dificuldades para flexibilizar o estatuto do desarmamento. Provavelmente terá que negociar e construir uma proposta alternativa viável, para conseguir reduzir a maioridade penal. Essa é a percepção, inclusive, de senadores influentes ou que pretendem presidir a Casa no próximo biênio.

Merval Pereira: O desafio do STF

- O Globo

A ampliação do indulto seria uma medida, entre tantas que tentam aprovar, em diversas esferas, contra a Lava-Jato

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma amanhã o julgamento da liminar que impediu mudanças excessivamente amplas no indulto de Natal editado pelo presidente Temer em 2017.

A ampliação do indulto para crimes de corrupção, e a redução do período de cumprimento da pena para merecer o perdão, além de outros benefícios que atingiriam todos os presos, sem limitação do tempo de condenação, provocaram reação do Poder Judiciário, partindo da então presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, que deu liminar suspendendo os efeitos da medida até que o plenário julgasse o mérito do caso.

Na semana passada, o assunto foi retomado, com defesa e acusação se pronunciando, e amanhã o tema volta à discussão do plenário. A situação é exatamente como há um ano: aprovar o alargamento dos critérios para o indulto pode colocar na rua cerca de 40 políticos condenados pela Lava-Jato, o mais notório deles o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Além disso, como alegou na ocasião a ministra Cármen Lúcia, as regras do decreto “dão concretude à situação de impunidade, em especial aos denominados crimes de colarinho branco, desguarnecendo o Erário e a sociedade de providências legais voltadas a coibir a atuação deletéria de sujeitos descompromissados com valores éticos e com o interesse público garantidores pela integridade do sistema jurídico”.

Bernardo Mello Franco: O acordão de Temer com o Supremo

- O Globo

O presidente trocou o aumento dos ministros pelo fim do auxílio-moradia. Foi um acordão explícito, daqueles que são fechados quando ninguém se importa com as aparências

Saiu tudo conforme o combinado. A cinco semanas de deixar o poder, Michel Temer sancionou o aumento dos salários do Supremo. No mesmo dia, o ministro Luiz Fux revogou a própria liminar que garantia a farra do auxílio-moradia dos juízes. Foi um acordão explícito. Daqueles que só são fechados quando ninguém mais se importa em manter as aparências.

Temer chancelou o aumento dos capas-pretas para R$ 39,2 mil, além das mordomias do cargo. O Supremo prometeu compensar o gasto extra com cortes no orçamento da TV Justiça. Será uma medida cosmética. O problema está no efeito cascata do reajuste, estimado em R$ 4 bilhões por ano.

O presidente acendeu o pavio e vai deixar o palácio pela porta de emergência. A bomba explodirá no colo do sucessor. Ele dividirá a conta com os novos governadores, incluindo os que herdarão estados falidos, como Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Míriam Leitão: Termos de troca no Judiciário

- O Globo

Imagem do STF sai arranhada pelo acordo que permitiu aumento do próprio salário. Ficará pior se a corte derrubar liminar sobre o indulto de Temer

A imagem do STF fica arranhada com o acordo feito de trocar a aprovação do aumento salarial pela cassação da liminar do auxílio-moradia pelo ministro Luiz Fux. Primeiro, porque o aumento, ao contrário do que o Supremo tem dito, vai representar um custo muito maior do que se tem com o auxílio-moradia. Segundo, porque se o auxílio não era devido, tanto que o ministro Fux cassou a própria liminar, como se permitiu que ele fosse pago a tantos durante tanto tempo?

A imagem do STF ficará ainda mais arranhada se na quarta-feira, como se comenta nos meios jurídicos, for derrubada a liminar contra o indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer e que libertaria muitos acusados de corrupção. O indulto, que o escritor Fernando Veríssimo definiu com propriedade como sendo insulto de Natal, causou uma grande revolta na época. Foi suspenso por uma liminar da ministra Cármen Lúcia, que estava de plantão e que atendeu a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade interposta pela Procuradoria-Geral da República. Depois, o tema foi distribuído para o ministro Luís Roberto Barroso, que manteve a liminar concedida pela então presidente do STF.

Na semana passada, o presidente Dias Tóffoli pautou para ser julgado o mérito do indulto. O julgamento será retomado na quarta. Há o temor de que ele seja aceito pela maioria dos ministros sob o argumento de que conceder o indulto é prerrogativa do presidente da República. Esse benefício foi pensado para ser concedido a quem está em situação de fragilidade, no período final de cumprimento de pena, em crimes mais leves. 

O decreto de Temer abriu a possibilidade de ele ser concedido também a crimes do colarinho branco e pessoas que tenham cumprido 20% da pena. Foi feito sob medida para beneficiar presos da Lava-Jato. Se o STF aceitar o indulto do ano passado, abrese o caminho para um decreto mais permissivo ainda para este ano, que poderia alcançar até o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Será difícil convencer o país de que tudo isso acontece na mesma semana por uma simples coincidência.

José Casado: O tesouro da cleptocracia

- O Globo

John Caulfield e Darnall Steuart foram almoçar, depois de transmitir a mensagem a Washington. “Confidencial”, alertavam no texto (09CARACAS918_a) enviado às 13h14m daquela segunda-feira 20 de julho de 2009. Contaram como o vice-presidente da Venezuela, Diosdado Cabello, estava “expandindo sua rede de corrupção para o setor financeiro”.

Cabello é “perigoso” e o mais influente no governo Hugo Chávez, escreveram. Detalharam sua parceria com o chefe do Tesouro, Alejandro Andrade, na “compra de vários pequenos bancos e companhias de seguros” para lavar o dinheiro de propinas.

Nove anos depois, Caulfield está aposentado em Nova York. Steuart comanda o setor de Sanções Políticas em Washington. E Alejandro Andrade, o ex-chefe do Tesouro descrito na mensagem de 2009, vai amanhã a um tribunal da Flórida para ouvir sua condenação a dez anos de cadeia.

Andrade é réu e delator num processo de corrupção e lavagem de dinheiro roubado da Venezuela cuja dimensão supera o caso Odebrecht, revelado em 2016. Ele confessou ter recebido US$ 1 bilhão (R$ 4 bilhões) em propinas. O valor é 27% maior do que o total de subornos pagos pela Odebrecht em 12 países.

Ricardo Noblat: Como fazer os eleitores de idiotas

- Blog do Noblat | Veja

Pode isso?

Em vídeo postado no Youtube, André Marinho, filho do empresário Paulo Marinho, por sua vez suplente de Flábio Bolsonaro eleito senador pelo PSL do Rio de Janeiro, confessa que distribuiu “mihares de áudios imitando e se fazendo passar pelo presidente Jair Bolsonaro durante a recente campanha eleitoral.

Foi na casa dos Marinhos, no alto Leblon, que Bolsonaro passou a gravar parte dos seus pronunciamentos veiculados nas redes sociais e na televisão depois de ter-se recuperado do atentado a faca em Juiz de Fora. No vídeo, André parece ao lado dos amigos Kim Kataguiri e Arthur do Val, representante do Movimento Brasil Livre.

Fux mata no peito
Barganha quase completa

Uma vez que o presidente Michel Temer sancionou a decisão do Senado de aumentar de R$ 33,7 mil para R$ 39 mil o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em troca o ministro Luiz Fux revogou a liminar de sua autoria que garantia o pagamento de auxílio-moradia a juízes de todo o país.

Mas como o aumento só cairá no contracheque dos ministros a partir de janeiro, Fux teve a cautela de determinar que só a partir daí seja suspenso o pagamento do auxílio-moradia. A assinatura de Temer no ato de sanção não bastou, pois. Em janeiro, o presidente da República será outro. Vai que ele dá o dito pelo não dito…

A liminar de Fux data de 2004. Ele a justificou à época com o argumento que o benefício estava previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional Ao revogá-la, o ministro ressaltou que o benefício era justo, mas que o magistrado precisa “levar em conta a situação econômica do país.” Um drible de corpo…

Se o benefício era justo e estava previsto em lei, não deveria ser retirado. A ser retirado, que jamais fosse em troca de um aumento de salário para os servidores mais bem pagos da República. Quando nada porque há um rombo bilionário nas contas públicas, a situação econômica do país é péssima e cobra sacrifícios de todo mundo.

Não é só a insensibilidade social da toga que espanta, embora não surpreenda. É a barganha conduzida pela mais alta corte de justiça do país e a maneira como a lei é interpretada de modo muitas vezes a favorecer hoje o que se contraria amanhã. Isso explica porque está em queda a confiança dos brasileiros na justiça.

Haja elite: Editorial | Folha de S. Paulo

Haddad retoma o discurso petista anterior à eleição, que evita a autocrítica e esconde os reais motivos da derrota

Não há de ser fácil para um político o exercício público do desprendimento e da autocrítica diante do fracasso. Quando seu nome é Fernando Haddad e seu partido é o PT, a dificuldade apenas aumenta.

A mania de colocar nos outros a responsabilidade pelos próprios erros, de dividir o país entre mocinhos e bandidos, de menosprezar a inteligência de quem votou no rival e de ignorar dados que contradizem suas teses marca o candidato e a legenda derrotados em segundo turno em 28 de outubro.

Na fantasia mais uma vez recrutada por Haddad em entrevista a esta Folha, "a elite econômica", ao despir-se de disfarces e mostrar sua verdadeira face, teria sido decisiva na eleição de Jair Bolsonaro (PSL). Haja elite para operar a façanha de conquistar 57,8 milhões de votos num país de vastos contingentes no máximo remediados.

O fato é que a maioria dos eleitores recusou-se a dar ao PT o quinto mandato presidencial consecutivo. Como ocorrera em 2016 com o mesmo Haddad, na cidade de São Paulo, o veredicto das urnas preferiu um neófito em disputas majoritárias ao representante de uma plataforma e de um jeito de fazer política fartamente conhecidos.

Segurança precisa ter prioridade na pasta de Moro: Editorial | O Globo

Criação de secretaria de integração e escolha de policiais experientes para a equipe são ações positivas

Se, no superministério da Economia, Paulo Guedes tem de enfrentar o abismo fiscal para o qual o país foi empurrado pelas barbeiragens do lulopetismo, entre outras dificuldades, na pasta empoderada da Justiça, Sergio Moro encontrará pela frente problemas não menos intrincados, como a corrupção e a crise seriíssima de segurança pública, em que corre risco o próprio estado democrático de direito.

No caso da Justiça, o futuro ministro tem a vantagem de haver acumulado razoável experiência no enfrentamento da corrupção, na 13ª Vara Federal de Curitiba, base da já histórica Operação Lava-Jato, cujo saldo, até agora, é a prisão de um ex-presidente da República, Lula, de ministros seus e grandes empreiteiros. E ainda o ressarcimento à Petrobras de mais de R$ 2 bilhões comprovadamente roubados da estatal pelo esquema do petrolão, montado pelo PT e aliados (MDB, PP etc.)

Apostas a favor do novo governo: Editorial | O Estado de S. Paulo

As apostas a favor do novo governo continuam aumentando. Se os apostadores estiverem certos, o futuro presidente começará seu mandato com inflação e juros mais baixos que aqueles previstos até há poucos dias. Será uma bênção poder enfrentar o primeiro grande obstáculo, o desarranjo das contas públicas, sem ter de se preocupar com maiores pressões inflacionárias e com maiores encargos financeiros. A gestão das finanças federais também será facilitada, em 2019, se os investidores estrangeiros continuarem confiantes como nos últimos dois meses. A melhora do humor nos mercados foi perceptível desde a campanha eleitoral, quando ficou mais clara a desvantagem do PT e de seus aliados. Na semana passada, as novas expectativas foram expressadas mais nitidamente em projeções captadas no mercado pela pesquisa Focus, do Banco Central (BC).

A redução dos juros previstos para 2019 foi enfim expressada em números na pesquisa fechada em 23 de novembro e divulgada ontem. A mediana das projeções para a taxa básica de juros, a Selic, passou de 8% para 7,75% ao ano. A estimativa de 8% havia sido sustentada pelos economistas por 44 semanas, isto é, por cerca de 11 meses.

Disputa por receita do pré-sal pode atrapalhar o ajuste: Editorial | Valor Econômico

Às vésperas de o Senado analisar a realização do leilão do óleo excedente do contrato de cessão onerosa da Petrobras, volta ao debate o marco legal da exploração do petróleo do pré-sal. Estima-se que o leilão pode render ao governo de R$ 60 bilhões a R$ 100 bilhões, conforme o modelo de exploração adotado. O valor apurado deve ficar na faixa inferior se for o de partilha, atualmente em vigor para o pré-sal, ou subir significativamente no caso de concessão, que é adotado no caso de áreas tradicionais e em terra. O presidente eleito Jair Bolsonaro já manifestou anteriormente a intenção de realizar apenas concessões e agora acena com a concessão de vantagens financeiras extras aos Estados e municípios em troca de apoio a seus planos de mudança.

A discussão faz sentido do ponto de vista técnico e financeiro, mas geralmente acaba distorcida pela disputa ideológica. Até 2010, o Brasil adotou apenas o modelo de concessão. A descoberta das reservas do pré-sal em 2006 levou o governo do PT a mudar as regras do jogo e aplicar o regime de partilha para a exploração do combustível. Na simplificação resultante da polarização ideológica, a concessão seria mais atraente para as companhias exploradoras, porque passam a ser donas da produção durante um período combinado e, portanto, se dispõem a pagar mais, aumentando os ganhos do governo. Já a partilha, como argumentou o PT na época, dá ao país maior domínio sobre a produção e a política industrial. A mudança de regra feita por Lula veio com a imposição da Petrobras como única operadora, com participação mínima de 30% nos consórcios de exploração, reforçando o governo.

Bernardo Bertolucci cinema que transforma

Autor de filmes sobre política, sexualidade e transformações sociais e morais, diretor se consagrou para além de sua Itália natal e virou um dos maiores — e mais controversos — nomes do audiovisual da História

Fabiano Ristow | O Globo

Mestre do cinema italiano e mundial, Bernardo Bertolucci influenciou gerações de cineastas com trabalhos inovadores sobre política e sexualidade. Transformações sociais, o inconformismo diante da realidade e os dilemas da classe operária foram impressos com cores fortes — uma de suas marcas visuais mais lembradas — em filmes como “Último tango em Paris” (1972) , “1900” (1976) e “Os sonhadores” (2003). Por “O último imperador” (1987), uma de suas obras-primas, venceu os Oscars de direção e roteiro — ao todo, foram nove estatuetas entregues ao épico. Em 2011, recebeu uma Palma de Ouro honorária, em Cannes, pelo conjunto da obra.

Nascido em Parma em 1940, o diretor foi criado em uma atmosfera literária e artística que o ajudou a enxergar o mundo por meio de uma lente criativa. Seu pai era amigo do cineasta Pier Paolo Pasolini, que contratou Bertolucci, ainda com 20 anos, como seu assistente no filme “Accattone: desajuste social” (1961). No ano seguinte, Pasolini o convidou para assumir o projeto “A morte”, marcando a estreia de Bertolucci na direção. Era o início de um importante capítulo na história do cinema.

Já em 1970, recebeu sua primeira indicação ao Oscar pelo roteiro adaptado de “O conformista”, baseado em um romance de Alberto Moravia.

A fama mundial viria em 1972, com “Último tango em Paris”, um drama erótico protagonizado por Marlon Brando e Maria Schneider, que provocou um escândalo por uma cena de sodomia.

Para Nico Rossini, presidente do Festival de Cinema Italiano, que este ano fez sua 13ª edição, “Último tango em Paris” é a obra máxima que costuma representar grandes artistas. É um filme, diz ele, que quebrou a tradição de uma geração anterior de cineastas italianos, como Vittorio De Sica, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, por explorar sentimentos de forma “realista, agressiva e violenta”.

— Nos anos seguintes, Bertolucci abordou transformações sociais no mundo. Em “1900” (1976), por exemplo, contou a história dos trabalhadores italianos na virada do século para entender as estruturas familiares daquela época. E “O último imperador” olhava para a decadência da família imperial chinesa de modo a entender aquela realidade —avalia Rossini.

SEM ESTRELISMOS
Apesar do escândalo nos bastidores de “Último tango em Paris”, quem conheceu Bertolucci o descreve como um profissional amável, generoso e humanista.

O diretor brasileiro André Ristum, que trabalhou como terceiro assistente de direção em “Beleza roubada” (1996), afirma que o ambiente no set era de cordialidade absoluta.

—Ele conduzia a equipe e se relacionava com os profissionais sem estrelismos, e sempre de forma respeitosa e afetuosa — afirma Ristum, que atribui esse comportamento aos muitos anos que Berto lucci passou na psicanálise .— Uma vez ele me contou, num almoço em sua casa de praia próxima a Roma, que ele era o tipo de pessoa que faria terapia para sempre. E isso se refletia em seus personagens e roteiros, que exploravam a relação do “eu” com o mundo.

Quem faz discurso semelhante é Ruy Guerra, um dos pais do Cinema Novo e hoje professor da Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Os dois se conheceram em 1970, no Festival de Berlim, onde o italiano lançou “O conformista”.

—Foi uma pessoa afetiva e generosa com agente, cineastas jovens que conviviam com ele. Ele deixa uma filmografia exemplar, marcada pela mistura de criatividade com domínio da linguagem cinematográfica — diz Ruy Guerra.

Amigo de Bertolucci, o produtor Fabiano Canosa, que foi programador do Cinema Paissandu nos anos 1960, diz que o italiano “enamorou-se de toda a tribo brasileira do Cinema Novo”:

— Ele nos encantou, desde o primeiro filme que vimos dele, “Antes da revolução” (1964), numa cópia trazida diretamente do aeroporto nas mãos do (cineasta) Gustavo Dahl.

O último trabalho de Bertolucci foi “Eu e você” (2012), adaptação do romance de Niccolò Ammaniti. 

Um dos líderes de sua geração, Bertolucci herdou tradição italiana no cinema

Cineasta morreu nesta segunda (26), aos 77

Inácio Araujo | Folha de S. Paulo

Sabe-se que há anos saúde de Bernardo Bertolucci, morto nesta segunda (26), era delicada o bastante para não permitir que viajasse. Em algumas poucas aparições públicas era conduzido em cadeira de rodas. Palestras prometidas eram canceladas.

O último filme do cineasta nascido em Parma, “Eu e Você”, foi lançado em 2012.

Desde seu segundo longa, “Antes da Revolução” (1964), no entanto, já se sabia que Bernardo Bertolucci seria um dos líderes da sua geração de cineastas italianos. Unia ali duas tradições fortes dessa cinematografia: a política e a existencial (no enredo, o jovem Fabrizio vive a contradição de ser um jovem burguês e militar politicamente, ao mesmo tempo em que se desilude com as perspectivas revolucionárias).

Desde então, sua atividade oscilou entre grandes espetáculos e filmes intimistas, entre a tradição política e a observação de indivíduos particulares. De certa forma, Bertolucci recolheu a herança de boa parte da grande tradição italiana de cinema: como se não quisesse optar por nenhuma, mas abarcar a todas.

Assim, chegou a 1970 com “O Conformista”, análise da ascensão de um homem (Jean-Louis Trintignant) que, por fraqueza, adere ao fascismo e acaba participando do assassinato de seu antigo professor (e dissidente do regime mussoliniano).

Mario Lavia: Bertolucci, quando o PCI não entendeu o Novecento

- Portal do PPS

Os comunistas não gostaram do Novecento de Bertolucci. Em particular, o filme não agradou aos antigos líderes do PCI. Giorgio Amendola, que naqueles anos liderou uma pesquisa histórica que inevitavelmente se entrelaçou com sua biografia, se insurgiu negativamente contra a obra-prima de Bertolucci numa transmissão bem sucedida da então Ring. Da mesma forma, Giancarlo Pajetta também recusou a leitura bertolucciana do que depois seria chamado então de século breve.

Naqueles anos o PCI dedicava-se fortemente a reconstruir toda a evolução da experiência italiana, abrigada de horrores e atrocidades ou mesmo de espíritos primitivos de vingança. A leitura da história italiana era a de uma sucessão de avanços e conquistas, um elemento decisivo no credenciamento do PCI como um partido nacional de governo. O antifascismo, na narrativa dos comunistas italianos, não era apenas uma página gloriosa, de redenção moral e progresso político, mas também uma elegia heroica, fraternal e profundamente humana, próxima da redenção cristã. Os grandes líderes antifascistas não podiam suportar que estariam recebendo uma representação elegíaca, mas crua, heroica, mas trágica, até cruel, como a que Bernardo Bertolucci, um comunista fora dos esquemas comunistas, havia dado à épica do Novecento italiano, lançado precisamente em 1976, o ano da legitimidade do PCI como partido do governo.

Música | Getúlio Cavalcanti:O Bloco das Flores

Poesia | Fernando Pessoa: Como é por dentro outra pessoa

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.