Autor de filmes sobre política, sexualidade e transformações sociais e morais, diretor se consagrou para além de sua Itália natal e virou um dos maiores — e mais controversos — nomes do audiovisual da História
Fabiano Ristow | O Globo
Mestre do cinema italiano e mundial, Bernardo Bertolucci influenciou gerações de cineastas com trabalhos inovadores sobre política e sexualidade. Transformações sociais, o inconformismo diante da realidade e os dilemas da classe operária foram impressos com cores fortes — uma de suas marcas visuais mais lembradas — em filmes como “Último tango em Paris” (1972) , “1900” (1976) e “Os sonhadores” (2003). Por “O último imperador” (1987), uma de suas obras-primas, venceu os Oscars de direção e roteiro — ao todo, foram nove estatuetas entregues ao épico. Em 2011, recebeu uma Palma de Ouro honorária, em Cannes, pelo conjunto da obra.
Nascido em Parma em 1940, o diretor foi criado em uma atmosfera literária e artística que o ajudou a enxergar o mundo por meio de uma lente criativa. Seu pai era amigo do cineasta Pier Paolo Pasolini, que contratou Bertolucci, ainda com 20 anos, como seu assistente no filme “Accattone: desajuste social” (1961). No ano seguinte, Pasolini o convidou para assumir o projeto “A morte”, marcando a estreia de Bertolucci na direção. Era o início de um importante capítulo na história do cinema.
Já em 1970, recebeu sua primeira indicação ao Oscar pelo roteiro adaptado de “O conformista”, baseado em um romance de Alberto Moravia.
A fama mundial viria em 1972, com “Último tango em Paris”, um drama erótico protagonizado por Marlon Brando e Maria Schneider, que provocou um escândalo por uma cena de sodomia.
Para Nico Rossini, presidente do Festival de Cinema Italiano, que este ano fez sua 13ª edição, “Último tango em Paris” é a obra máxima que costuma representar grandes artistas. É um filme, diz ele, que quebrou a tradição de uma geração anterior de cineastas italianos, como Vittorio De Sica, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni, por explorar sentimentos de forma “realista, agressiva e violenta”.
— Nos anos seguintes, Bertolucci abordou transformações sociais no mundo. Em “1900” (1976), por exemplo, contou a história dos trabalhadores italianos na virada do século para entender as estruturas familiares daquela época. E “O último imperador” olhava para a decadência da família imperial chinesa de modo a entender aquela realidade —avalia Rossini.
SEM ESTRELISMOS
Apesar do escândalo nos bastidores de “Último tango em Paris”, quem conheceu Bertolucci o descreve como um profissional amável, generoso e humanista.
O diretor brasileiro André Ristum, que trabalhou como terceiro assistente de direção em “Beleza roubada” (1996), afirma que o ambiente no set era de cordialidade absoluta.
—Ele conduzia a equipe e se relacionava com os profissionais sem estrelismos, e sempre de forma respeitosa e afetuosa — afirma Ristum, que atribui esse comportamento aos muitos anos que Berto lucci passou na psicanálise .— Uma vez ele me contou, num almoço em sua casa de praia próxima a Roma, que ele era o tipo de pessoa que faria terapia para sempre. E isso se refletia em seus personagens e roteiros, que exploravam a relação do “eu” com o mundo.
Quem faz discurso semelhante é Ruy Guerra, um dos pais do Cinema Novo e hoje professor da Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Os dois se conheceram em 1970, no Festival de Berlim, onde o italiano lançou “O conformista”.
—Foi uma pessoa afetiva e generosa com agente, cineastas jovens que conviviam com ele. Ele deixa uma filmografia exemplar, marcada pela mistura de criatividade com domínio da linguagem cinematográfica — diz Ruy Guerra.
Amigo de Bertolucci, o produtor Fabiano Canosa, que foi programador do Cinema Paissandu nos anos 1960, diz que o italiano “enamorou-se de toda a tribo brasileira do Cinema Novo”:
— Ele nos encantou, desde o primeiro filme que vimos dele, “Antes da revolução” (1964), numa cópia trazida diretamente do aeroporto nas mãos do (cineasta) Gustavo Dahl.
O último trabalho de Bertolucci foi “Eu e você” (2012), adaptação do romance de Niccolò Ammaniti.