segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Orçamento vai a plenário repleto de distorções

O Globo

Comissão mista inflou fundo eleitoral e emendas parlamentares, tirando autonomia do Executivo

O relatório final da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovado na semana passada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, confirmou as piores expectativas: deputados e senadores tentam aumentar o dinheiro das emendas parlamentares e controlar seus prazos de execução, em detrimento do planejamento do Executivo. Se nesta semana for aprovado como está, representará um retrocesso.

Com o fim das emendas do relator, os parlamentares têm agora à disposição três tipos de emenda: individual (proposta por senadores ou deputados), de bancadas estaduais e de comissão (apresentada pelas comissões técnicas e mesas diretoras da Câmara e do Senado). As duas primeiras são impositivas — de pagamento obrigatório. Havia o temor de que o texto da LDO, sob relatoria do deputado Danilo Forte (União-CE), também tornasse impositivas as emendas de comissão. Felizmente, isso não aconteceu.

Em contrapartida, o texto aumentou em 61% o total das emendas de comissão (para R$ 11 bilhões) e em 23% as individuais e de bancada (para mais de R$ 37 bilhões). Com isso, cada deputado terá direito a alocar R$ 37,8 milhões e cada senador R$ 69,6 milhões ao longo do ano. Não satisfeitos com o valor, os parlamentares da CMO estabeleceram prazos para o governo analisar as emendas individuais e de bancada e empenhar os recursos: 105 dias para as emendas individuais e 90 dias para as de bancada. Na ausência de problema técnico, o dinheiro deverá ser liberado em 30 dias. Em ano eleitoral, o Parlamento tenta garantir o dinheiro logo no primeiro semestre.

Marcus André Melo - Gleisi e as ideias fora de lugar

Folha de S. Paulo

A ideia de agenda vitoriosa é descabida; as críticas aos parceiros da vitória, idem

Na conferência eleitoral do PT a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, defendeu uma proposta na qual se afirma que "as forças conservadoras e fisiológicas do chamado centrão, fortalecido pela absurda norma do orçamento impositivo num regime presidencialista, exercem influência desmedida sobre o Legislativo e o Executivo, atrasando, constrangendo e até tentando deformar a agenda política vitoriosa na eleição presidencial".

Aqui o confronto Executivo-Legislativo poderia sugerir uma questão de legitimidade dual (ambos os Poderes são eleitos) em regimes presidenciais a la Juan Linz. Mas se trata, na realidade, de ideias fora de lugar. O PT tem 68 deputados, meros 13% da Câmara. O PC do B e PV, de sua coligação, agregam 2%. Juntos, os blocos parlamentares liderados pelo União Brasil e Republicanos detêm 196 parlamentares, ou 62% da Câmara. A oposição —PL e Novo— conta com 99 deputados.

Chile rejeita de novo projeto para substituir Constituição de Pinochet

Eleitores disseram “não” a texto que era considerado fortemente conservador; primeiro projeto tinha sido criticado por ser muito progressista

“Prefiro algo mau a algo péssimo”, resumiu ontem a ex-presidente Michelle Bachelet.

Valor Econômico

Eleitores do Chile disseram “não” ontem a uma proposta de nova Constituição de viés conservador que, se aprovada, substituiria a Carta atual, promulgada durante a ditadura de Augusto Pinochet. Com 90,16% das urnas apuradas, 55,68% dos chilenos rejeitaram o texto e 44,42% o aprovaram.

Foi a segunda vez que o Chile realizou um plebiscito para consultar a população sobre uma nova Constituição. O texto anterior, com contornos fortemente de esquerda e antimercado, também havia sido barrado nas urnas.

A tentativa de mudança constitucional ganhou impulso com os grandes protestos que tomaram o país em 2019 por melhorias no sistema de aposentadoria, na educação, na saúde e por menos desigualdade.

O presidente Gabriel Boric já disse que não levará adiante o processo de construção de um terceiro projeto da Constituição.

Maria Cristina Fernandes - Reforma é histórica até na incorporação do avanço da extrema-direita à estrutura tributária

Valor Econômico

Votação foi um marco também porque incorporou, às barreiras remanescentes, aquelas decorrentes da ascensão da extrema-direita no país

A aprovação da reforma tributária, como diz o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi, de fato, histórica. Mas o marco não se deve apenas à derrubada de alguns diques erguidos, ao longo de décadas, por barões da federação e por feudos da economia nacional. Ou, ainda, à oportunidade de se buscar mais eficiência e a justiça tributárias. A votação foi histórica também porque incorporou, às barreiras remanescentes, aquelas decorrentes da ascensão da extrema-direita no país.

Foi isso que aconteceu com a supressão do inciso que incluía armas entre os produtos sobre os quais o imposto seletivo, acima da alíquota padrão, poderá incidir. Armas são caras no Brasil porque são sobretaxadas. No Rio, a tributação total sobre revólveres chega a 75,5%. Na falência de políticas de segurança pública que reduzam as armas em circulação no país em mãos de civis, a majoração de preço tem sido usada como fator inibitório. A partir da reforma tributária, não mais será.

Bruno Carazza* - Lula, Haddad e Gleisi na beira do abismo

Valor Econômico

Calcificação da população entre bolsonaristas e lulistas impõe desafio para Lula, segundo livro recém-lançado

Existem alguns livros que, escritos ainda no calor do resultado das eleições, conseguem captar movimentos na população que vão se perdurar pelos anos ou décadas seguintes.

Em “Os Sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador”, lançado em 2012, André Singer demonstrou a fórmula pela qual Lula construiu, ao longo de seus dois primeiros mandatos presidenciais, um apoio sólido do eleitorado mais pobre que mudou o mapa eleitoral do país, pintando de vermelho o amplo território que vai do norte de Minas, avança por todo o Nordeste e penetra pelo interior da Bacia Amazônica.

Na ressaca após o fechamento das urnas em 2018, Jairo Nicolau se muniu de dados de pesquisas eleitorais e estatísticas econômicas e sociais para fazer uma “radiografia da eleição de Jair Bolsonaro”. Suas constatações indicavam uma direção que não tinha nada de circunstancial: “O Brasil Dobrou à Direita”, título de sua obra de 2019.

Denis Lerrer Rosenfield - Marx e os identitários

O Estado de S. Paulo

Vivemos a passagem do conhecimento iluminista, ocidental, para a ignorância e, posteriormente, a barbárie

Marx era herdeiro da Aufklärung, do Iluminismo, posicionando-se como uma espécie de culminação de uma certa tradição ocidental, enraizada na ideia da igualdade. Nesse sentido, pode-se dizer que foi discípulo de Rousseau, compartilhando com ele a mesma aversão à propriedade privada, tida por causa da desigualdade social. A partir daí, desenvolveria toda uma teoria de destruição do capitalismo, que obedeceria a uma lógica interna de autodissolução, criando uma classe encarregada da redenção da humanidade, o proletariado.

Note-se que sua postura era a de um intelectual imbuído não apenas de uma missão política, mas voltado para o diagnóstico do regime capitalista de produção e de suas contradições. Sua obra propriamente teórica, nas áreas da Filosofia e da Economia, caracteriza-se pelo estudo e pela pesquisa, sempre testando suas ideias. Que o marxismo tenha se tornado dogmático graças ao controle comunista não significa que teria compartilhado deste novo posicionamento. Mesmo seu grande amigo, Engels, e um jovem alemão, Eduard Bernstein, teórico da social-democracia, chegaram a entrever que o capitalismo não se autodestruiria, mas iria se renovando.

Emendas fogem do padrão mundial e dobram em 10 anos

Por Dimitrius Dantas / O Globo

Levantamento do Globo indicou que cifra nas mãos de um deputado no ano que vem será maior do que a recebida por 79% das prefeituras do país

A ofensiva do Congresso para ter mais controle do Orçamento fez mais que dobrar o valor disponível para parlamentares indicarem a seus redutos eleitorais nos últimos dez anos. Em 2014, último ano em que as emendas não precisaram ser obrigatoriamente pagas pelo governo, congressistas tinham direito a R$ 26 milhões, em valores corrigidos pela inflação. No ano que vem, cada um terá direito, em média, a R$ 58 milhões. Assim, a cifra nas mãos de apenas um deputado, por exemplo, será maior do que a recebida por 79% das prefeituras do país no ano passado, segundo levantamento feito pelo GLOBO considerando todas as transferências da União para as cidades.

O aumento do poder do Parlamento de definir o destino dos recursos públicos diverge, em larga medida, do que é adotado em outros lugares do mundo. De acordo com estudo feito pelo economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e especialistas em contas públicas, o Brasil é um dos países em que o Legislativo mais realiza alterações no Orçamento.

Ricardo Henriques - Por uma mobilidade social de alta intensidade

O Globo

Por conta do Dia da Consciência Negra (20), em novembro celebramos a memória afro-brasileira e refletimos sobre a ainda brutal desigualdade racial no Brasil. As iniciativas desse mês são um chamado à ação constante, que não devem se restringir a uma comemoração. Existem desafios urgentes, e a responsabilidade central cabe ao setor público, mas é também do setor privado.

No segundo caso, uma boa notícia é o fortalecimento de iniciativas que buscam conscientizar e fomentar a equidade racial nas empresas. Foi realizada, por exemplo, a 2ª Conferência Empresarial ESG Racial, promovida pelo Pacto de Promoção da Equidade Racial, iniciativa que conta hoje com 63 empresas signatárias. Ela desenvolve esforços como o Índice ESG de Equidade Racial, a partir do qual é possível analisar o desequilíbrio racial nas empresas, avaliar ações afirmativas e mensurar investimentos direcionados à equidade racial.

Miguel de Almeida - Um fundo de R$ 5 bilhões

O Globo

Na hora de encarar o dinheiro, não há diferença entre Gleisi Hoffmann e Arthur Lira

Na hora de encarar o dinheiro, não há diferença entre Gleisi Hoffmann e Arthur Lira. Até o momento, nem o combativo PT, tampouco os notáveis do Centrão, todos com serviços prestados a seus próprios interesses corporativos, impuseram qualquer objeção a engordar o fundo eleitoral. Projeta-se um aumento do atual R$ 1 bilhão para insondáveis R$ 5 bilhões. Melhor colocar noutra moeda. Estamos falando em US$ 1 bilhão.

Seria uma distorção da democracia? Diante de um salário mínimo de R$ 1.320 brutos ou de R$ 300 mensais retirarem da linha de pobreza milhares de brasileiros, que dizer?

Desde a ditadura militar, o Brasil carrega uma democracia assemelhada a um pensamento mágico, distante, porém, de uma representatividade real. Para inglês ver. Nem a Constituinte de 1988 enfrentou o problema, além de transformar territórios — como Roraima e Amapá — em estados, portanto com direito a três senadores e a uma bancada de deputados federais. Mesmo que a população roraimense (atualmente 636 mil almas) fosse à época menor que a de Del Castilho.

Fernando Gabeira - O lado fantasma de Maceió

O Globo

Ficaram animais, alguma roupa antiga, mensagens dizendo que o sal das lágrimas valia mais que o sal-gema

Maceió é hoje uma cidade singular. Na praia, onde andam os turistas, há uma feérica decoração de Natal: árvores cobertas de neve, renas, Papais Noéis de diferentes tamanhos. Do outro lado da cidade, estão os bairros fantasmas que percorri durante alguns dias. Meu projeto de reportagem foi inspirado num romance russo, em que aventureiros visitavam bairros abandonados depois de uma invasão alienígena.

Quais eram os vestígios, os sinais das 60 mil pessoas que abandonaram suas 14 mil casas porque o solo ameaça abrir, engolindo todos?

Entre as inúmeras inscrições que colhi nos muros, algumas poéticas, outras indignadas, esta parece sintetizar a história: “Não era para ser assim”.

A história do desastre tem origem na década de 1970 e envolve personagens conhecidos do Brasil moderno, como a ditadura militar e a Odebrecht. Os militares decidiram abrir a região de Maceió para a prospecção de petróleo. O dono das máquinas de prospecção, um empresário baiano, constatou que havia muito sal-gema e decidiu abrir uma empresa para explorá-lo. A ditadura militar embarcou junto. Decidiram instalar a indústria química numa área povoada de grande valor ambiental: o Pontal da Barra, restinga onde o mar se encontra com a Lagoa de Mundaú.

Bernardo Mello Franco - O golfo da Braskem

O Globo

Após décadas de mineração predatória, parte da capital de Alagoas está afundando

Na primeira metade do século passado, o escritor Graciliano Ramos arriscou uma explicação geográfica para o atraso nacional. “Todo grande país tem um golfo. Olhe um mapa do Brasil: a costa é quase toda lisa, com uma baía pequena aqui, outra ali. Golfo mesmo não tem”, observou. Depois de expor a tese ao repórter Joel Silveira, o autor de “Vidas Secas” propôs uma solução: arrasar seu estado natal, criando o Golfo das Alagoas. “Aí, sim, o Brasil era capaz de ir em frente”, gracejou.

O velho Graça morreu há 70 anos, quando o subsolo de Maceió ainda permanecia intocado. Hoje sua piada parece uma profecia. Parte da capital alagoana está afundando, num desastre ambiental sem precedentes no país.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A economia do mercadismo

Carta Capital

A sabedoria tosca que tenta imobilizar o governo Lula só conjuga o verbo cortar

Na revista Veja, a senhora Neuza Sanches nos oferece uma obra-prima da sabedoria econômica abrigada nos embornais dos mercados. Neuza informa os leitores: “O governo de Luiz Inácio Lula da Silva prevê encerrar o primeiro ano de mandato com um rombo de 177,4 bilhões de reais nas contas públicas, uma piora em relação à estimativa anterior e ainda longe da meta traçada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), de entregar um déficit de até 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023”.

Aqui vai a argumentação nuclear dos sabichões do Paleolítico: “ O déficit fiscal pode resultar no aumento do desemprego, já que o governo precisa economizar em algumas áreas para pagar os débitos. Isso pode levar a uma redução na oferta de trabalho e, consequentemente, um aumento do desemprego. O déficit fiscal pode reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) do País, pois o governo precisa economizar em áreas importantes de investimento para pagar os débitos. Isso pode levar a uma redução no PIB. Enfim, não há milagres. Quem gasta mais do que recebe – todo assalariado sabe disso –, fica devendo. E paga juros exorbitantes por essas dívidas. Não é diferente no caso do governo, cujo discurso de controle de gasto ainda é visto com desconfiança por boa parte do mercado financeiro”.

A mensagem é simples: se não há dinheiro, corte seus gastos. A palavra rombo é expelida no rosto do público como perdigotos contaminados pelos venenos criados nas retortas dos alquimistas do mercado.

Carlos Drummond* - O bonde do futuro

Carta Capital

A nova política industrial substitui os “campeões nacionais” por nichos ou missões

Antes do fim do ano, o recriado Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial pretende entregar ao presidente Lula uma proposta para o setor. Segundo o CNDI, será o primeiro projeto abrangente desde a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior anunciada oito anos atrás. De modo semelhante às iniciativas anteriores, a proposta procura organizar um conjunto de ações, coordenadas entre os setores público e privado, para ampliar a competitividade da indústria doméstica e impulsionar o crescimento econômico, o emprego e o desenvolvimento, em sintonia com as tendências contemporâneas.

A nova política industrial traz, contudo, diferenciais importantes em relação às formulações precedentes. Além da indispensável vinculação à digitalização e à descarbonização, há o objetivo de suprir necessidades prementes da sociedade. Outra novidade é a sua estruturação segundo o conceito de missões, em lugar de setores econômicos. A nova política industrial “traça o caminho do desenvolvimento de uma indústria nacional forte, inovadora, sustentável e inclusiva”, descreve a edição da newsletter de dezembro do Conselho.

Cacá Diegues - De Homo Sapiens a o quê?

O Globo

O que importa agora (e sempre) é saber que nossa origem foi tão selvagem quanto a dos outros animais

Todo mundo sabe que há milhões de anos o ser humano era um bicho na floresta como tantos outros. Hoje classificamos esse exemplar ancestral como Homo Sapiens, cheio de sinais de progresso mas ainda primitivo, como o gorila, o macaco, o urso e outros animais muito especiais. De todos esses, o Ser Humano foi o único que progrediu porque tinha na sua formação elementos que o faziam progredir.

Quando descobrimos os sinais de que podíamos progredir, progredimos. Ainda éramos selvagens quando começamos a cruzar com outros animais dos quais só ganharíamos o prazer de estarmos cruzando. Mais nada.

Dizem que foi na África que encontramos nossos parceiros mais convenientes, aqueles com os quais poderíamos construir um futuro de sabedoria e civilização (aliás, tudo parece ter começado na África, inclusive uma espécie de Língua Geral da qual acabamos por tirar, em geral, nossa forma de falar). Ou a Religião nas formas que a conhecemos. Mas isso não importa agora.

Poesia | Ferreira Gullar - "Memória" / "Uma fotografia aérea" / "Praia do Caju" / "Pela rua"

 

Música | Carlos Lyra - Maria Ninguém