segunda-feira, 29 de maio de 2023

Fernando Gabeira - Variações em torno do L

O Globo

São fortes as correntes que querem pura e simplesmente aumentar o PIB, não importam as consequências

A Câmara mostrou no meio da semana o insustentável peso do atraso no Brasil. Esvaziou os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, flexibilizou as leis que impedem a devastação da Mata Atlântica — enfim, jogou o país de novo numa atmosfera dos anos 1950.

O primeiro problema a discutir é de natureza democrática. Afinal, quem foi eleito presidente da República, Lula ou Lira? Em quem pensava a maioria dos brasileiros quando derrotou Bolsonaro?

Diante de um governo que se instala vitorioso, depois de apresentar um programa à sociedade, não tem sentido a Câmara definir como ele deve se organizar para exercer suas tarefas. Pelo menos teoricamente, ele sabe de que tipo de estrutura necessita para realizar o trabalho.

As mudanças que a Câmara fez são absurdas. Como retirar a gestão das águas do Meio Ambiente, sem perceber que o tema envolve não apenas irrigação de lavoura, mas também proteção de nascentes, medidas estratégicas para garantir que gente e bicho não tenham sede? Como dissociar do Meio Ambiente a questão dos resíduos sólidos, que envolve todo um complexo que não se esgota na construção de aterros sanitários, mas passa pela educação ambiental, pelo estímulo à indústria da reciclagem e tantos outros procedimentos?

Demétrio Magnoli - Quando o inferno é a realidade

O Globo

Como governar sem uma base majoritária estável?

‘O inferno são os outros.’ Jean-Paul Sartre referia-se tanto aos alemães invasores, denominados “os outros” pelos franceses na guerra mundial, como ao julgamento dos demais, que constrange a liberdade de pensar. Menos filosófico, Lula também tem seus “outros”, que são a maioria do Congresso. Como governar sem uma base majoritária estável? Eis a pergunta que o atormentou nos seus mandatos pretéritos e volta a afligi-lo no presente.

Nos sistemas parlamentares, o governo nasce de um acordo programático que lhe confere maioria segura no Parlamento. FH só precisou distribuir cargos na máquina estatal para soldar uma maioria no Congresso. É que seu programa econômico — estabilização da moeda, equilíbrio fiscal, privatizações, agências reguladoras — tinha amplo apoio político no Congresso. O PT, porém, sempre governou com um Congresso ideologicamente hostil. Decorre daí que Lula foi obrigado a expandir os limites do “presidencialismo de coalizão” além das fronteiras da legalidade.

Edu Lyra - Lição da maior ONG do mundo

O Globo

Entidade conta com 50 mil funcionários, desenvolvendo projetos em países como Bangladesh, onde nasceu

Será que uma ONG pode mudar um país? Olhando para o trabalho da Brac em Bangladesh, é inevitável concluir que sim.

A Brac é hoje a maior ONG do mundo. Seu orçamento anual é de US$ 1,5 bilhão, e ela conta com 50 mil funcionários, desenvolvendo projetos em países como Bangladesh, onde nasceu, mas também AfeganistãoRuandaSerra LeoaFilipinas e vários outros. Seu fundador, Fazle Hasan Abed, é provavelmente o maior empreendedor social deste século.

Eu sonhava havia anos conhecer a Brac, para aprender com sua expertise. Recentemente o sonho se realizou. Passei uma semana em Bangladesh fazendo uma imersão na ONG e firmando parcerias que potencializarão o trabalho da Gerando Falcões aqui no Brasil.

Jeffrey Sachs* - As guerras dos EUA e a crise da dívida

Valor Econômico

Enfrentar o lobby militar-industrial é o primeiro passo vital para colocar a casa fiscal em ordem

No ano 2000, a dívida governamental dos Estados Unidos somava US$ 3,5 trilhões, equivalente a 35% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2022, a dívida estava em US$ 24 trilhões, equivalente a 95% do PIB. A dívida do país está decolando, daí a atual crise da dívida americana. Ainda assim, tanto republicanos quanto democratas estão ignorando a solução: interromper as chamadas “guerras de escolha” dos EUA e diminuir os gastos militares.

Suponha que a dívida do governo tivesse permanecido em modestos 35% do PIB, como em 2000. Hoje, seria de US$ 9 trilhões, em vez de US$ 24 trilhões. Por que o governo dos EUA contraiu esse adicional de US$ 15 trilhões em dívidas?

A maior resposta é o vício do governo americano em guerra e gastos militares. De acordo com o Watson Institute, da Brown University, o custo das guerras americanas entre os anos fiscais de 2001 e de 2022 totalizou US$ 8 trilhões, mais da metade desses US$ 15 trilhões extras em dívidas. Os outros US$ 7 trilhões se referem ao déficit orçamentário decorrente da crise financeira mundial de 2008 e ao da pandemia da covid-19, em quantias mais ou menos iguais.

Sergio Lamucci - Agenda ampla para melhorar produtividade segue distante

Valor Econômico

Passados quase cinco meses do governo Lula, a falta de uma agenda ampla para a melhora da produtividade chama a atenção. Entre as prioridades, a reforma tributária é uma das únicas que, se for adiante, aumentará a eficiência da economia. Outras iniciativas e intenções vão na direção contrária, como a renúncia tributária para a indústria automotiva, a disposição para aumentar com força o volume de crédito do BNDES, a mudança de política de preços da Petrobras e os decretos que mudam o marco do saneamento, autorizando estatais estaduais a prestar serviços sem licitação, já derrubados pela Câmara e ainda a serem apreciados pelo Senado.

“Com o fim do bônus demográfico, a única forma de aumentar a renda per capita e gerar crescimento sustentável no Brasil nas próximas décadas será por meio da elevação da produtividade do trabalho”, resumem os pesquisadores Fernando Veloso, Silvia Matos, Fernando de Holanda Barbosa Filho e Paulo Peruchetti no Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Período em que a população em idade ativa cresce a um ritmo superior ao da população total, o bônus demográfico ficou para trás, indicando que terminou a fase mais favorável da estrutura etária para o crescimento.

Bruno Carazza* - Convite para refletir sobre nossos privilégios

Valor Econômico

Deduções de despesas da classe média na declaração do Imposto de Renda tornam sistema tributário do país mais injusto

Duas semanas atrás, usei este espaço para criticar os benefícios que a indústria automobilística sempre recebeu no Brasil, fatura que acaba de crescer com o relançamento do novo “carro popular” de Lula. Na segunda passada, chamei atenção para as elevadas remunerações da elite do funcionalismo nos três Poderes da República, e de como essas carreiras têm pressionado por maiores penduricalhos salariais.

O Estado brasileiro é pródigo em conceder benesses das mais variadas naturezas para empresas e indivíduos que se julgam merecedores de tratamento diferenciado, sob os mais diversos argumentos. São tantas as regalias que fica fácil apontar o dedo para os agraciados. Difícil é admitir nossos próprios privilégios.

Marcus André Melo* - Acabou o presidencialismo?

Folha de S. Paulo

Na intersecção dos planos externo e doméstico, o meio ambiente é símbolo dos percalços do governo

Durante a campanha eleitoral, Lula referiu-se a Bolsonaro como um "bobo da corte". "Acabou o presidencialismo. Bolsonaro não manda nada, é refém do Congresso". Na primeira reunião ministerial do governo reconheceu o risco de tornar-se um: "nós não mandamos no Congresso, nós dependemos dele". Decorridos cinco meses, já vemos os sinais que o risco está se materializando.

Era previsível: trata-se de um presidente hiperminoritário cujo partido detém 13% da Câmara e que conta com um apoio leal de meros 130 deputados (1/4 da câmara). Essa configuração já existiu no passado. Mas muita coisa mudou: a economia, estressada; o Legislativo, muito mais centralizado (legado da pandemia e Bolsonaro), muito menos fragmentado, e com muito mais recursos; o país virando à direita.

Camila Rocha* - São Paulo desafia extrema direita

Folha de S. Paulo

Periferia da capital foi responsável por formar um cordão sanitário contra o bolsonarismo em 2022

Acompanhar as tendências políticas da cidade de São Paulo é crucial para compreender os rumos da política brasileira. Não apenas são parte de sua história lançamentos de lideranças políticas, criação de partidos, sindicatos, associações empresariais e movimentos sociais que alcançaram âmbito nacional, como seu eleitorado eventualmente adianta tendências nacionais.

Marta Suplicy, por exemplo, foi prefeita na cidade pouco antes de Lula conquistar a Presidência pela primeira vez. Já a vitória de João Doria anunciou a ascensão de lideranças de direita mais radicais e ideológicas.

A despeito de já ter abrigado candidaturas ideologicamente opostas na prefeitura, como Luiza Erundina e Paulo Maluf, é possível afirmar que existe certa estabilidade no eleitorado paulistano.

Ana Cristina Rosa - Mudar a pergunta é revolução

Folha de S. Paulo

Públicos ou não, casos de racismo são parte do cotidiano de milhões de pessoas

assassinato de Genivaldo de Jesus —o homem negro, com esquizofrenia, asfixiado até a morte numa viatura transformada em câmara de gás por policiais rodoviários federais— completou um ano na quinta-feira (25). Apesar da fartura de imagens acerca do ocorrido às margens de uma rodovia no Sergipe, passaram-se 12 meses até que a PRF dirigisse um pedido de desculpas à família, que segue esperando por justiça e indenização.

Na quarta-feira, um jogo eletrônico estimulando a exploração sexual e a tortura de pessoas negras foi retirado da loja virtual da multinacional Google. Intitulado "Simulador de Escravidão", o dito "entretenimento" (contém tristeza e ironia) estava fazendo sucesso. Além de avaliações positivas, usuários pediam por mais opções de castigos físicos —pasmem os minimamente civilizados.

Lygia Maria - A Ceci alienada

Folha de S. Paulo

Há riqueza em atualizar obras de arte do passado, o problema é subjugar a estética à política

A ópera "O Guarani", apresentada neste mês no Theatro Municipal de São Paulo, gerou polêmica. Com concepção geral de Ailton Krenak, escritor e líder indígena, a montagem adaptou a obra do maestro Carlos Gomes, de 1870, para os tempos atuais.

Há enorme riqueza em fusões entre passado e presente, erudito e popular, e a história da arte moderna comprova isso. O problema é subjugar a estética à política.

Em uma das cenas de maior lirismo, quando a adolescente portuguesa Ceci canta sua paixão pelo indígena Peri, são exibidas imagens de indígenas acompanhadas de palavras de ordem contra a colonização e a exploração dos povos originários.

Carlos Pereira* - Salvando a própria pele?

O Estado de S. Paulo

Impeachment para ‘salvar a própria pele’ se baseia em premissas que não têm sustentação nos fatos

A narrativa de que o impeachment de Dilma foi motivado para liquidar a Lava Jato parte da premissa de que teria sido mau negócio para o MDB-PSDB, e que, por conta dele, foram dizimados das eleições em 2018.

Mas será mesmo que não existiriam ganhos de curto prazo para tais partidos com o impeachment? Deveriam esperar até 2018 se poderiam ter acesso ao poder já em 2016?

Foi a partir dos resultados do governo Itamar, pós-impeachment de Collor, que as portas se abriram para dois mandatos consecutivos do PSDB. Os partidos que romperam com Dilma, após anos de má gerência de coalizões do PT, se engajaram no impeachment com expectativa de ganhos similares.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Planalto tenta reagir para reparar danos no Ambiente

Valor Econômico

Presidente Lula prometeu vetar os trechos da lei que atentam contra a Mata Atlântica

O governo começou a reagir aos reveses impostos pela bancada ruralista e legendas do Centrão na MP que reorganiza os ministérios e que pode esvaziar os dois mais simbólicos: Meio Ambiente e o dos Povos Indígenas. A luta contra o aquecimento global é uma cruzada mundial, ocupa posição central na reorganização produtiva e no impulso a novas tecnologias. A Amazônia tem papel central, não só por sua função na regulação do clima do planeta e sua incrível biodiversidade, mas também porque ela abriga os que nela vivem desde o princípio, os povos indígenas. A tragédia da desnutrição dos yanomamis é resultado da mesma lógica da que comanda a destruição impiedosa das florestas. As duas pastas sob risco de enfraquecimento têm missões literalmente vitais.

A Comissão Mista do Congresso aprovou por esmagadora maioria - com comemoração da bancada petista no Senado - uma reorganização que retira atribuições fundamentais da pasta de Marina Silva, como o Cadastro Ambiental Rural, entregue ao Ministério de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, cujos objetivos nunca passaram remotamente perto da nova tarefa que colocam em suas mãos. Além disso, saem de sua guarida a política de recursos hídricos e resíduos sólidos.

O CAR é essencial para orientar o combate ao desmatamento, identificar agressões ao (e agressores do) ambiente e mapear as necessidades de recuperação de áreas degradadas, entre outras. A batalha da bancada ruralista contra o Cadastro é antiga e a adesão ao programa nele baseado, o Programa de Recuperação Ambiental, foi adiado mais um vez por iniciativa do governo Bolsonaro, que emitiu a MP 1150 para esse fim. A Câmara dos Deputados nela incluiu dispositivos que permitem a devastação ampla e absoluta do que resta da Mata Atlântica, o Senado os retirou, mas eles foram reintroduzidos pelos deputados em votação final.

Poesia | Fernando Pessoa - Eros e psique

 

Música | Alondra de la Parra | Orquestra Sinfônica da WDR - Bolero de Ravel