domingo, 16 de agosto de 2015

Opinião do dia – Merval Pereira

Protesto pode dimensionar crise, mas não é decisivo. As manifestações marcadas para todo o país darão hoje a dimensão da crise que estamos vivendo, e o tamanho das massas nas ruas será decisivo para os desdobramentos políticos, mas não definitivo.

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Merval Pereira é jornalista. “A marcha da História”. O Globo, 16 de agosto de 2015.

A conta secreta na Suíça da agência de marketing do PT

• Agência Pepper Interativa, ligada ao PT, tinha conta na Suíça para receber da Queiroz Galvão

• A agência de comunicação admite que pagou ao menos duas faturas de cartão de crédito da mulher do governador Fernando Pimentel

Por: Filipe Coutinho - Revista Época

A agência de comunicação Pepper Interativa cresceu na esteira das duas campanhas da presidente Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto. Notória por realizar ataques virtuais contra grupos críticos ao PT, a Pepper, da publicitária Danielle Fonteles, caiu nas graças de próceres do partido, como o ex-tesoureiro João Vaccari Neto e o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. Graças à proximidade com eles, a Pepper mantém contrato com o PT. É o maior cliente da agência – quase 70% do faturamento dela vem do partido. ÉPOCA descobriu que, em 2012, a Pepper montou uma operação intrincada no exterior para receber valores da construtora Queiroz Galvão. Meses antes, a empreiteira recebera do BNDES para financiar serviços na África. A Pepper criou, em nome de laranjas, a Gilos, uma offshore no Panamá. Criou também uma conta secreta na Suíça para movimentar a dinheirama de um contrato de fachada com a filial da Queiroz Galvão em Angola. A conta, cuja identificação é CH3008679000005163446, foi aberta por Danielle Fonteles no banco Morgan Stanley. Na ocasião, não foi declarada à Receita ou ao Banco Central.

ÉPOCA obteve cópia do contrato entre a offshore Gilos Serviços e a empreiteira, devidamente assinado por Danielle. Foi formalizado em setembro de 2012. A Gilos recebeu US$ 237 mil (R$ 830 mil, ao câmbio de hoje) da Queiroz Galvão para fazer marketing digital em Angola. O contrato, que elenca seis serviços, parece uma peça de ficção. Não há uma linha sequer sobre qual obra ou projeto da Queiroz Galvão deveria ser divulgado na internet pela Pepper. Naquele país, a Queiroz Galvão operou graças a financiamentos do BNDES. Em março de 2012, a empreiteira recebera US$ 55 milhões do banco. Naqueles tempos, Pimentel era ministro do Desenvolvimento e presidente do Conselho de Administração do BNDES.

Danielle e a Pepper estão sendo investigados nas operações Lava Jato e, especialmente, Acrônimo. Nesta, que mira Pimentel e operações de lavagem de dinheiro do PT, a PF chegou a fazer buscas na sede da Pepper, num shopping de Brasília. Segundo a Polícia Federal, há evidências de que a Pepper foi usada para intermediar dinheiro do BNDES a Pimentel. Durante o primeiro mandato de Dilma, Pimentel era, na prática, o chefe do BNDES. A mulher de Pimentel, Carolina Oliveira, é apontada como uma espécie de sócia oculta da Pepper. Funcionou assim: entre 2013 e 2014, a Pepper recebeu R$ 520 mil do BNDES por serviços de publicidade e repassou R$ 236 mil a Carolina Oliveira. A Polícia Federal descobriu indícios de que Carolina Oliveira era mais que uma simples parceira da agência. A mulher de Pimentel distribuía cartões no mercado como se fosse representante da Pepper.

Na casa de Carolina Oliveira e Pimentel, em Brasília, a PF apreendeu uma tabela com valores. De um lado, aparece o nome Dani – o mesmo apelido da proprietária da Pepper. Os valores de “Dani” somam R$ 242.400. Do outro, há valores de Carol: R$ 143.982,95. Duas anotações chamam a atenção: R$ 11.100 e R$ 20 mil, registrados como “cartões”. Na tabela, a diferença dos valores, incluindo as vírgulas, entre “Dani” e Carolina é contabilizada como “crédito Carol”: R$ 98.417,05. Ou seja, é como se fosse um controle de caixa, de “Dani” para “Carol”, em que despesas de cartões de crédito de Carolina eram pagas pela Pepper e contabilizadas. A Pepper admite ter pago ao menos duas faturas do cartão de crédito da mulher de Pimentel, em razão da “amizade” entre Dani e Carol. A mulher de Pimentel, suspeita a PF, era funcionária do BNDES nesse período.

Após ÉPOCA procurar Danielle, a conta na Suíça foi declarada à Receita. “Carolina nunca recebeu qualquer repasse da Pepper quanto a operações realizadas junto ao BNDES”, diz a Pepper, em nota. A empresa diz que desconhece a tabela apreendida na casa da mulher de Pimentel. Sobre a criação da Gilos em 2012, no Panamá e em nome de laranjas, com conta na Suíça, Danielle afirma que seguiu orientações de advogados.

 “A Pepper foi orientada a constituir empresa no exterior e abrir uma conta em instituição bancária idônea. A existência dessa conta, assim como os valores recebidos, são de conhecimento da Receita Federal do Brasil. Todos os impostos oriundos das transações havidas no exterior foram recolhidos.” Danielle não explicou por que declarou a conta somente após ser procurada por ÉPOCA. A Pepper afirma que não há relação entre os serviços prestados à Queiroz Galvão e financiamentos do BNDES. 

O advogado de Carolina Oliveira, Igor Tamasauskas, disse que a defesa não poderia se manifestar porque não teve acesso à integra do processo, mas ressaltou que “toda a relação comercial entre nossa cliente e a referida empresa foi legítima”. A Queiroz Galvão afirma, ainda, que o contrato era para promover a empresa no exterior. “Todos os pagamentos foram efetuados de maneira absolutamente legal e transparente, seguindo os termos previstos em cada contrato. Esses trabalhos nunca estiveram vinculados a qualquer pagamento por parte do BNDES”. A reportagem pediu à Pepper e à Queiroz Galvão provas de que os serviços da agência de comunicação foram executados. Nenhuma delas respondeu ao pedido da revista.

O negócio milionário de Lula

• Relatório de órgão de fiscalização do governo mostra que a empresa de Lula faturou 27 milhões de reais — sendo 10 milhões apenas das empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção da Petrobras

Por: Rodrigo Rangel - Revista Veja

Para um presidente da República de qualquer país, é enaltecedor poder contar que teve origem humilde. O americano Lyn¬don Johnson mostrava a jornalistas um casebre no Texas onde, falsamente, dizia ter nascido. A ideia era forçar um paralelo com a história, verdadeira, de Abraham Lincoln, que ganhou a vida como lenhador no Kentucky. Lula teve origem humilde em Garanhuns, no interior de Pernambuco, e se enalteceu com isso. Como Johnson e Lincoln, Lula veio do povo e nunca mais voltou. É natural que seja assim. Como é natural que ex-presidentes reforcem seu orçamento com dinheiro ganho dando palestras pagas pelo mundo. Fernando Henrique Cardoso faz isso com frequência. O ex-presidente americano Bill Clinton, um campeão da modalidade, ganhou centenas de milhões de dólares desde que deixou a Casa Branca, em 2001. Lula, por seu turno, abriu uma empresa para gerenciar suas palestras, a LILS, iniciais de Luiz Inácio Lula da Silva, que arrecadou em quatro anos 27 milhões de reais. Isso se tornou relevante apenas porque 10 milhões dos 27 milhões arrecadados pela LILS tiveram como origem empresas que estão sendo investigadas por corrupção na Operação Lava-Jato.

Na semana passada, a relação íntima de Lula com uma dessas empresas, a empreiteira Odebrecht, ficou novamente em evidência pela divulgação de um diálogo entre ele e um executivo gravado legalmente por investigadores da Lava-Jato. O alvo do grampo feito em 15 de junho deste ano era Alexandrino Alencar, da Odebrecht, que está preso em Curitiba. Alexandrino e Lula falam ao telefone sobre as repercussões da defesa que o herdeiro e presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, também preso, havia feito das obras no exterior tocadas com dinheiro do BNDES. Os investigadores da Polícia Federal reproduzem os diálogos e anotam que o interesse deles está em constituir mais uma evidência da "considerável relação" de Alexandrino com o Instituto Lula.

Fora do contexto da Lava-Jato, esse diálogo não teria nenhuma relevância especial. Como também não teria a movimentação financeira da LILS. De abril de 2011 até maio deste ano, a empresa de palestras de Lula, entre créditos e débitos, teve uma movimentação de 52 milhões de reais. Na conta-corrente que começa com o número 13 (referência ao número do PT), a empresa recebeu 27 milhões, provenientes de companhias de diferentes ramos de atividade. Encabeçam a lista a Odebrecht, a Andrade Gutierrez, a OAS e a Camargo Corrêa, todas elas empreiteiras investigadas por participação no esquema de corrupção da Petrobras. Essas transações foram compiladas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda. O Coaf trabalha com informações do sistema financeiro e seus técnicos conseguem identificar movimentações bancárias atípicas, entre elas saques e depósitos vultosos que podem vir a ser do interesse dos órgãos de investigação. Neste ano, os analistas do Coaf fizeram cerca de 2 300 relatórios que foram encaminhados à Polícia Federal, à Receita Federal e ao Ministério Público. O relatório sobre a LILS classifica a movimentação financeira da empresa de Lula como incompatível com o faturamento. Os analistas afirmam no documento que "aproximadamente 30%" dos valores recebidos pela empresa de palestras do ex-presidente foram provenientes das empreiteiras envolvidas no escândalo do petrolão.

O documento, ao qual VEJA teve acesso, está em poder dos investigadores da Operação Lava-Jato. Da mesma forma que a conversa do ex-presidente com Alexandrino Alencar foi parar em um grampo da Polícia Federal, as movimentações bancárias da LILS entraram no radar das autoridades porque parte dos créditos teve origem em empresas investigadas por corrupção. Diz o relatório do Coaf: "Dos créditos recebidos na citada conta, R$ 9  851 582,93 foram depositados por empreiteiras envolvidas no esquema criminoso investigado pela Polícia Federal no âmbito da Operação Lava-¬Jato". Seis das maiores empreiteiras do petrolão aparecem como depositantes na conta da empresa de Lula (veja a tabela na pág. 51).

O ex-presidente tem uma longa folha de serviços prestados às empreiteiras que agora aparecem como contratantes de seus serviços privados. Com a Odebrecht e a Camargo Corrêa, por exemplo, ele viajava pela América Latina e pela África em busca de novas frentes de negócios junto aos governos locais. Outro ponto em comum que sobressai da lista de pagadores da empresa do petista é o fato de que muitas das empresas que recorreram a seus serviços foram aquinhoadas durante seu governo com contratos e financiamentos concedidos por bancos públicos. Uma delas, o estaleiro Quip, pagou a Lula 378 209 reais por uma "palestra motivacional". Criada com o objetivo de construir plataformas de petróleo para a Petrobras, a empresa nasceu de uma sociedade entre Queiroz Galvão, UTC, Iesa e Camargo Corrêa - todas elas investigadas na Lava-¬Jato. No poder, Lula foi o principal patrocinador do projeto, que recebeu incentivos do governo. Em maio de 2013, ele falou para 5 000 operários durante 29 minutos. Ganhou 13 000 reais por minuto.

Manifestações pelo País testam novo fôlego político de Dilma

• Terceira onda de protestos, convocados em 251 cidades, coloca à prova arranjo costurado pelo Palácio do Planalto e pelo presidente do Senado para reduzir crise e afastar risco de impeachment

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

Com a crise política dando sinais de trégua, o governo avalia que as manifestações contra a presidente Dilma Rousseff hoje serão menores que os protestos de março e abril, mas nem por isso menos preocupantes. Embora as ameaças de impeachment tenham esfriado nesta semana, após ações do Palácio do Planalto, do Senado e até do Judiciário, o temor é de que haja confronto nas ruas, provocando um clima de instabilidade no País.

Os movimentos que lideram os protestos fazem outra aposta. Avaliam que as manifestações subirão de patamar e serão mais incisivas. Segundo eles, 251 cidades serão palco dos atos.
Números à parte, a percepção do Planalto é que a nova leva de passeatas virou uma prova de fogo para Dilma e o PT. Se o movimento for incipiente, o governo poderá respirar mais aliviado, tentar virar a página da crise e do ajuste fiscal e montar uma “agenda positiva”, apesar da Operação Lava Jato, que desvendou um esquema de corrupção na Petrobrás. Se a temperatura das ruas for mais alta, porém, o diagnóstico pode ser perigoso.

Dilma desautorizou o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, que na quinta-feira convocou um “exército” de “armas na mão” contra tentativas de se afastar a presidente, em ato no Planalto. Duas horas depois, foi cobrado pela presidente, que considerou a declaração “desastrosa”, por incitar a violência e atear fogo na crise na semana em que a tese da ruptura perdeu força. O sindicalista disse que havia usado uma “figura de linguagem”. No dia seguinte, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que Freitas “errou” de forma involuntária.

‘Travessia’. Apesar do fôlego obtido no Tribunal de Contas da União (TCU), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da parceria com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para driblar ações que podem culminar em impeachment, o governo segue apreensivo. Nos últimos sete dias, Dilma fez seis discursos com menções à democracia. Aconselhada por Lula, admitiu erros na condução do governo e adotou o termo “travessia” para se referir ao cenário de turbulências, com a intenção de mostrar uma luz no fim do túnel.
“Estamos suando a camisa”, disse o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva. “Independentemente do tamanho, as manifestações são importantes e temos de lidar com essa situação com naturalidade.”

Levantamento que chegou à cúpula do PT e do Planalto mostra que, embora as redes sociais indiquem mobilizações menores, a insatisfação com o governo é crescente. A popularidade de Dilma está em queda livre, seus eleitores querem que ela cumpra promessas de campanha e há desencanto. A esperança, para os petistas, é que o desgaste não significou, até agora, o fortalecimento da oposição.

O PSDB, presidido pelo senador e candidato derrotado ao Planalto Aécio Neves (MG), desta vez incentivou formalmente as convocações para os protestos e rechaça a tentativa do Planalto de carimbar a iniciativa como “golpe”. O partido, porém, se divide no apoio ao impeachment ou na tentativa de se impugnar a chapa vencedora de 2014.

O tamanho e alcance dos protestos são vistos como determinantes pela oposição. “Serão o xeque-mate: se forem um sucesso, vão dar musculatura aos políticos favoráveis ao impeachment”, disse o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Contas. Depois de isolar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ao se aliar a Renan, Dilma ganhou tempo no TCU. Com a ajuda do senador, influente no tribunal, e do vice Michel Temer, o Planalto conseguiu adiar a votação das contas de 2014 para um momento de menor conturbação política. Além disso, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as contas precisam ser votadas em sessão conjunta do Congresso, formada por deputados e senadores. A medida enfraqueceu Cunha, que rompeu com Dilma após o cerco se fechar contra ele na Lava Jato.

“Terminamos a semana marcando um gol e queremos continuar assim”, resumiu o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral (PT-MS). Mas Dilma ainda terá de se acertar com os movimentos sociais. “A saída que defendemos não é com Cunha nem com Renan. É com o povo”, disse Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

‘O PSDB não marcha unido em relação aos movimentos’, diz cientista político

Entrevista. Sérgio Fausto
Cientista político e superintendente executivo do Instituto FHC

Por Alexandra Martins - O Estado de S. Paulo

Os atos deste domingo vão acrescentar um capítulo no histórico das manifestações de rua do País ao abrir um terreno desconhecido de disputa para as principais lideranças partidárias brasileiras. O PSDB é o principal concorrente a ocupar esse espaço, mas, antes disso, terá que colocar ordem dentro de casa. Para o cientista político Sérgio Fausto, superintendente executivo do Instituto Fernando Henrique Cardoso, a legenda carece de diretriz política e sofre hoje um déficit de credibilidade com seu eleitorado. “Tudo isso significa que a crise do PT não se traduz automaticamente num novo ciclo vitorioso do PSDB”, diz o teórico.

Como o sr. avalia o apoio do PSDB às manifestações deste domingo?

O partido fez um movimento de aproximação dos grupos anti-Dilma com receio de ficar para trás nesse processo e, em algum momento, de ser punido eleitoralmente por não emprestar apoio ao movimento. O partido não marcha unido em direção aos movimentos. São dois passos para frente, dois para trás. Em resumo, o PSDB percebe e intui que corre um risco de se manter afastado do movimento, mas tampouco tem estratégia clara de como lidar com ele.

Estamos vivendo uma troca de comando das ruas?

Um ciclo político está se encerrando e há um outro emergindo. E as feições do novo ciclo não estão muito claras. Trata-se de um terreno que está sendo disputado. Já podemos dizer hoje que é muito provável que o PT não terá a liderança desse novo período como teve nos últimos 12 anos. O PSDB tem posição no mapa eleitoral que o coloca, em tese, numa posição de ser o principal beneficiário dessa enorme crise que o PT vem atravessando. O fato é que o terreno da disputa mudou. Você tem uma crise dos partidos de uma maneira geral. O PSDB, a despeito do bom desempenho eleitoral de 2014, é um partido com dificuldade de definir uma linha clara de atuação parlamentar, seja na sua interlocução com a sociedade, seja na definição de uma clara diretriz política, na capacidade de falar com uma só voz. Também é um partido que hoje tem um déficit de credibilidade, inclusive com o seu eleitorado. Tudo isso significa que a crise do PT não se traduz automaticamente num novo ciclo vitorioso do PSDB.

A fragmentação do próprio partido é também um obstáculo.

Você tem a sobreposição de uma clivagem que é orientada por legitimas ambições pessoais, com pelos menos três grandes figuras (José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves). E isso está sobreposto a uma espécie de conflito geracional. O que acontece na internet tem impacto mais forte na nova geração do que na mais antiga. O tempo da política para a nova geração é mais rápido. O horizonte de analise é mais curto, o que pode levar o partido a cometer erros. São mais impetuosos e menos reflexivos. A geração mais velha é menos suscetível a essas pressões da mídia social, tem uma compreensão do tempo da política que é mais longo. É uma geração mais reflexiva e mais sensível aos riscos institucionais que podem derivar da exacerbação do conflito político.

O PSDB considera Aécio uma liderança nacional para 2018?

Digamos que ele atravessou o (rio) Rubicão. Ele nacionalizou o nome dele, entrou no mercado eleitoral nacional. Ao mesmo tempo que ele tem um grande trunfo, ele sofreu um revés porque ele perdeu as eleições de 2014 em Minas. E acho que para entender os movimentos do Aécio você tem que considerar esses dois fatores: ele projetou o nome dele nacionalmente de uma maneira surpreendente, mas ele, digamos, momentaneamente, perdeu a base regional do seu poder. Isso o deixa numa posição que tem lá o seu desconforto.

Como se dará a escolha do nome do partido para 2018?

Aí tem um desafio que o partido tem pela frente que é encontrar mecanismos de decisão interna de escolha de seus candidatos. Os mecanismos tradicionais do PSDB claramente envelheceram e prejudicaram o partido nas ultimas eleições. É importante que esse processo de escolha reconecte o partido com sua base e com a sociedade. Quem tem simpatia pelo partido tem que dizer: ‘não dá mais para fazer as escolhas como as que foram feitas em 2006, 2010 e 2014’. Pode ser consulta, prévias, mas certamente não são quatro ou cinco caciques que devem decidir isso isoladamente. Não será uma disputa para a Tubaína, será uma disputa para a Coca-Cola.

Pode haver migração de tucanos para outras legendas?

Vamos recorrer à história. No Brasil, ao mesmo tempo que o voto não é partidariamente orientado, o fato é que os políticos que mudaram de legenda, em geral, não obtiveram bom resultado, sobretudo aqueles muito identificados com uma legenda.

O Serra pode fazer essa disputa de 2018 no PMDB?

Eu desejaria que assim não fosse. Acho muito difícil para ele tomar uma decisão desse tipo. O PMDB tem essa característica que ocupa o centro do espectro político. Não é uma movimentação de um extremo ao outro do espectro. Enfim...

Há espaço para diálogo, neste momento, entre PSDB e PT?

Não existe espaço por duas razões: primeiro porque o PT é muito ambivalente. O PT tem um estoque de agressões ao PSDB que deixou marcas profundas no eleitorado do partido. Segundo: se você quer uma atitude de aproximação, precisa fazer algum mea-culpa. Com a Lava Jato em curso, qualquer movimento de sentar para conversar, será percebido como operação de salvamento do PT em sua pior hora.

Cabe ao PSDB apontar saída para a crise política?

Eu e muitos outros fomos muito críticos a posições que o partido adotou, sobretudo na Câmara, em matéria que eram importantes para o País apresentadas pelo governo. O partido foi incoerente com sua história, foi irresponsável do ponto de vista dos interesses maiores do País. Me refiro ao fator previdenciário. A batalha da reforma da Previdência foi uma batalha do Fernando Henrique (Cardoso), a criação do fator previdenciário foi uma criação do FHC, o tema que estava em pauta era o do fator previdenciário e eles votaram contra a história do partido, inclusive a história do partido no poder. Então, é um pouco além da conta. Acho que tem que ter sensatez, mas isso não pode se dar com sacrifício dos interesses do País.

Como o partido vai lidar com a questão do financiamento de campanha?

Esse é um capítulo que vamos (PSDB) ter que enfrentar. Na medida em que os custos de campanha se tornaram estratosféricos, só tem chance de entrar na disputa quem tem capacidade de captação de recursos. Se não mexermos nisso, é difícil você imaginar que os quadros políticos vão se renovar, que você vai ter uma oferta de novas lideranças políticas de qualidade do tamanho que o Brasil precisa. O PSDB deve definir essa regulamentação mais claramente. Quanto é que custa o trabalho de assessoria com um grande marqueteiro? Custa quanto você quiser que custe.

Dilma encara atos em situação menos frágil

• Aproximação com o Senado e trunfos em tribunais trazem alívio à petista

Melhora no clima político faz Planalto esperar ato menor

• Aliados avaliam que presidente tem hoje mais 'fôlego' do que há uma semana, quando estava no 'volume morto'

• Apesar da expectativa, ordem é não minimizar os protestos; ministros vão avaliar evolução dos eventos com Dilma

Natuza Nery, Valdo Cruz, Marina Dias - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A ordem interna no Palácio do Planalto é não menosprezar os atos programados para este domingo (16) e reconhecer que eles poderão ser "importantes". Mas, reservadamente, a avaliação é de que não devem ser "gigantescos", como deseja a oposição.

Neste domingo, Dilma receberá informações da evolução dos protestos ao longo da tarde no Palácio da Alvorada. As reuniões, com os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), José Eduardo Cardozo (Justiça), Edinho Silva (Comunicação Social) e Jaques Wagner (Defesa), não terão caráter oficial.

A avaliação é de que a presidente ganhou "pequeno fôlego" para chegar ao domingo diferente de como estava há uma semana.

"Houve uma inflexão importante. A presidente viajou mais, entregou obras, ampliou diálogo com governadores, políticos, movimentos sociais. O Senado teve uma iniciativa de grande envergadura. Agora, o governo tem de ter humildade", disse Mercadante à Folha.

Devido à preocupação com desgastes sofridos no Nordeste, onde o apoio ao PT sempre foi grande, a presidente programou duas viagens. Na segunda (10), esteve no Maranhão. Na sexta (14), na Bahia.

As viagens visam recuperar sua imagem e reduzir o impacto das manifestações. Dilma se encontrou com movimentos sociais na quarta (12) e quinta-feira (13).

O clima político também melhorou a partir de articulação do vice-presidente Michel Temer e da ajuda do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o pacote anticrise e mais tempo para Dilma responder ao TCU (Tribunal de Contas da União) sobre irregularidades nas contas do governo de 2014.

Além disso, monitoramento feito pelo governo nas redes sociais indica que a terceira onda de protestos contra Dilma Rousseff não deve superar as anteriores, feitas em 15 de março e 12 de abril.

Por precaução, a equipe de Dilma prefere evitar comemorações antecipadas com base no radar das redes sociais pois há um grau de "imprevisibilidade" nestes eventos.

Raio-x da Polícia Federal vai na mesma linha e sinaliza, ainda, atos sem tumultos.

Um assessor lembra que a avaliação do governo é pior agora, o que favorece a ida das pessoas às ruas, num momento em que a inflação supera os 9% e a taxa de desemprego aumenta.

Grupo Globo pediu moderação a políticos

• Família Marinho teve reuniões com ministros e líderes de partidos

• João Roberto Marinho expressou preocupação com a crise política e seus efeitos para a atividade econômica

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O vice-presidente do Grupo Globo, João Roberto Marinho, procurou nas últimas semanas líderes das principais forças políticas do país e integrantes do governo para expressar preocupação com o agravamento da crise e pedir moderação para evitar que ela se aprofunde ainda mais.

Um dos proprietários do maior grupo de comunicação do país, que inclui a maior rede de televisão e o jornal "O Globo", Marinho encontrou-se com três ministros do governo Dilma Rousseff (PT) e reuniu-se com o vice-presidente Michel Temer (PMDB) na semana passada.

No dia 5, quando o Senado organizou uma sessão solene em homenagem aos 50 anos da TV Globo, Marinho se reuniu com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e conversou reservadamente com as bancadas do PT e do PSDB no Senado.

Segundo um integrante do governo, Marinho também esteve com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, principal auxiliar de Dilma, o chefe da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, e o ministro do Turismo, Henrique Alves, dono de uma afiliada da TV Globo no Rio Grande do Norte.

Na conversa com Temer, que ocorreu na última terça (11), Marinho pediu uma avaliação das chances de o Planalto conseguir recompor sua base no Congresso e questionou o vice sobre os caminhos que o PMDB vê para o país.

O empresário esteve ainda com o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), na reunião com a bancada do PSDB, e falou com outros dois líderes de prestígio na sigla, o governador paulista, Geraldo Alckmin, e o senador José Serra (SP).

Conforme relatos obtidos pela Folha sobre essas conversas, Marinho manifestou em todos os encontros preocupação com a situação econômica, mencionando a queda acentuada do faturamento dos grupos de mídia e de outros setores da economia.

Outros líderes empresariais transmitiram mensagens semelhantes nas últimas semanas, mas os apelos de Marinho tiveram ressonância maior entre os políticos por causa da influência da Globo na opinião pública. Por meio de sua assessoria, ele disse à Folha que preferia não comentar o assunto.

O empresário já manifestava preocupação com o cenário econômico e o risco de descontrole no ambiente político há cerca de dois meses, quando recebeu o governador Geraldo Alckmin na sede da Globo, no Rio.

A preocupação dos empresários aumentou após a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de romper com o governo e patrocinar projetos que ameaçam o equilíbrio das finanças públicas.

Nos últimos dias, porém, o governo começou a discutir com líderes do PMDB no Senado uma agenda de reformas e ganhou fôlego para enfrentar os opositores que defendem a saída de Dilma como solução para a crise.

Renan, de criador de caso a bombeiro do Planalto

• Em articulação de Temer, presidente do Senado deixou oposição a Dilma e voltou a passar para o lado da petista

Simone Iglesias e Chico de Gois - O Globo

A metamorfose do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), que passou de artífice de dificuldades para articulador de facilidades para a presidente Dilma Rousseff, começou na tarde do último dia 6, uma quinta-feira. O peemedebista estava em seu gabinete quando recebeu, por telefone, um convite para ir ao Palácio do Planalto se encontrar pessoalmente com a presidente. A ideia do chamado partiu do vice-presidente Michel Temer.

Naquele mesmo dia, Temer se reuniu com Dilma e colocou o seu cargo de articulador político à disposição da mandatária depois de se desdobrar em explicações sobre sua polêmica frase do dia anterior, na qual, depois de reconhecer que havia uma crise política no país, dissera que era preciso alguém para reunificar o país. Temer afirmou que havia sido mal- interpretado. Dilma e ele, então, discutiram o ambiente tenso no qual o governo se encontrava, quando Temer sugeriu:

— Presidente, não vale a pena investir na Câmara. O ideal é investir no Senado. Venho conversando com Renan, e, se a senhora chamá- lo e fizer um apelo, ele topa.

Renan estava afastado do Planalto desde fevereiro. Principal fiador do primeiro mandato de Dilma, virou um dos mais ferozes opositores, numa guerra não declarada. O distanciamento ocorreu após ser citado na Operação Lava-Jato. De ótima, a relação entre Renan e Dilma se deteriorou. A última conversa entre os dois tinha sido no dia 14 de julho, para tratar do pacote de ajuste fiscal, e foi considerada péssima. O recesso começou três dias depois com a promessa de que o segundo semestre seria um inferno para o governo no Congresso.

A conversa com Dilma fez Renan voltar a saltar para dentro do barco. Em vez de um abraço de afogados, a união de forças dos dois colocou a proa na mesma direção, pelo menos por enquanto. Renan sabe navegar bem, mesmo quando o mar não está para peixe. Em 2007, todos esperavam que seu barco iria a pique. Alvo de sete pedidos de cassação, enfrentou e se livrou de todos. Reuniu forças na sombra para depois voltar, transformado no tubarão que é. No início do segundo mandato da petista, porém, ela quis enlatá-lo. Mas acabou percebendo que não se pode aprisionar uma fera do tamanho de Renan num gabinete qualquer.

Com Agenda Brasil, uma rota para mudar o rumo da prosa

• Expectativa de que não estará na lista de Janot também contribuiu para reaproximação de Renan

- O Globo

Quem convive com Renan Calheiros diz que, nas últimas semanas, ele também já estava cansado de rugir. E queria encontrar uma forma para voltar a falar em seu tom natural de voz. Por causa disso, o telefonema de Dilma deu oxigênio a ele e a ela, permitindo a ambos saírem das profundezas para a superfície.

Da reunião com a presidente, já revigorado, Renan passou a remar. Dilma lhe deu assento privilegiado — no qual, embora não seja o capitão da nau, função reservada a ela, é seu melhor navegador. Auxiliado por Romero Jucá ( PMDB- RR) e Eunício Oliveira ( PMDB- CE), com quem divide tarefas e domina o Senado, ele pensou num mapa para que a discussão mudasse de rumo. Por conta disso, passou a se reunir com o ministro Nelson Barbosa ( Planejamento) para formatar a Agenda Brasil, uma compilação de projetos — a maioria já em tramitação — com o objetivo de estancar a crise econômica.

Recondução de Janot
No dia seguinte, sexta- feira, numa viagem a Boa Vista ( RR), Dilma Rousseff ouviu de Jucá, de quem também havia se afastado, a garantia do apoio de Renan para a recondução do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, ao cargo. Jucá também lhe afiançou que o processo no Senado seria o mais ágil possível.

A tal Agenda Brasil produziu, até agora, o efeito planejado: reduzir a densidade do nevoeiro político, permitindo que o governo possa enxergar um pouco melhor. Mas Renan, que sabe navegar em águas turbulentas, percebeu que para não deixar o barco afundar era preciso mais. Por isso, ele e Temer agiram para conter o julgamento das contas da presidente Dilma de 2014, em análise pelo Tribunal de Contas da União ( TCU), por uma série de irregularidades fiscais.

Contraponto a Cunha
O armistício de Renan, naturalmente, não se deu apenas porque ele voltou a se apaixonar por Dilma. Está ancorado na quase convicção de que não estará na próxima lista de denunciados de Janot por corrupção; no contraponto à atuação hiperativa e beligerante do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ); e na chance de ter ao seu lado o empresar iado que quer soluções mais rápidas para a cr ise econômica.

Nos últimos oito anos, Renan Calheiros foi ao inferno. Escapou da cassação após votação no plenário por 40 votos contra 35 que o consideraram culpado. Presidente do S enado em maio de 2007, foi acusado de ter as contas pessoais pagas por um lobista de empreiteira. Num acordão feito pelo PMDB, livrou- se da cassação, mas teve que renunciar à presidência da Casa para manter o mandato.

Na mais nova roupagem e demonstrando resiliência ímpar, o peemedebista agora se coloca como o potencial salvador de um dos governos mais impopulares da História da República.

Crise Política: Carrossel de emoções

• Irritados, chateados, pressionados e até conciliadores: da presidente aos ministros, passando pelo vice, integrantes do governo tiveram diferentes reações na primeira semana de agosto

• A resposta preferida de um ministro ao ser questionado sobre o que o governo vai fazer é: Rezar!

Fernanda Krakovics - O Globo

Da frieza ao descontrole, integrantes do governo atravessaram de formas diferentes a primeira semana de agosto, que se caracterizou como um dos períodos mais agudos da crise política que paralisa a gestão da presidente Dilma Rousseff, sete meses após sua reeleição. Em meio a tanta tensão, os ânimos mudaram e o estado de espírito dos personagens do Palácio do Planalto também.

Na volta do recesso parlamentar, quando a base aliada se esfacelou, Dilma repetiu que “aguenta pressão”. Com “nervos de aço”, manteve suas voltas de bicicleta matinais e uma aparente tranquilidade, angustiando parte de seus apoiadores. Mas a partir do final daquela semana, ela subiu o tom e, em discursos, passou a defender seu mandato de forma mais veemente.

Enquanto isso, o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil) andou “descontrolado”, nas palavras de integrantes do governo. Um dos motivos é que o clamor por reforma ministerial começa por ele, considerado um problema pela base aliada e pelo próprio PT. Contrariando sua personalidade, ele “desceu do salto”, no último dia 5, ao participar de audiência pública na Comissão de Minas e Energia do Senado. Admitiu que o governo cometeu erros — sem dizer quais — e pediu apoio da oposição para o que chamou de responsabilidade fiscal. O ministro foi elogioso ao PSDB, lembrando que a gestão tucana foi marcada pelo controle da inflação, e pediu apoio suprapartidário às questões que envolvem política de Estado.

— O Mercadante é um dos problemas. Quando se fala em reforma ministerial, ela indubitavelmente passa por ele. Não tem outra saída — disse um deputado do PT.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gostaria que Dilma substituísse Mercadante na Casa Civil pelo ministro Jaques Wagner (Defesa), considerado mais habilidoso pelo ex-presidente. Ministros que integram a coordenação política do governo, no entanto, consideram esse movimento difícil.

— Ninguém é indispensável, mas ninguém tem a memória, os dados do governo que o Mercadante tem. No máximo ele sai da Casa Civil e continua no palácio. Ou na chefia de gaA binete ou na Secretaria Geral — afirmou um ministro.

Apesar da pressão da base aliada, Dilma resiste em fazer uma reforma ministerial neste momento. E o próprio Lula, em conversa com senadores do PT na última terça-feira, defendeu que ela seja pontual, trocando apenas ministros contestados por seus respectivos partidos.

Temer #chateado
No calor da crise, a declaração do vice-presidente Michel Temer de que a situação é “grave” e que “alguém” precisa unir o país caiu como uma bomba no PT. Em reuniões internas, ministros petistas acusaram o vice de querer derrubar a presidente.

Os ministros Edinho Silva ( Comunicação Social) e José Eduardo Cardozo ( Justiça) estão entre os que ficaram alarmados e irritados com a declaração de Temer. Já os ministros Jaques Wagner (Defesa) e Ricardo Berzoini (Comunicações) fizeram papel de “bombeiro”.

— Não é o Temer que está conspirando, os fatos é que estão — disse Wagner, segundo relatos.

Apesar do mal- estar, todos acabaram saindo publicamente em defesa do vice, temendo um desembarque do PMDB. Desde então, o vice não para de dar explicações e assegurar sua lealdade ao governo. O peemedebista se justificou, por exemplo, com a própria Dilma e o ex-presidente Lula.

Temer, que já foi chamado pelo então presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães (PFLBA) de “mordomo de filme de terror”, surpreendeu parlamentares ao perder a pose e o controle, no último dia 5, na fatídica semana de volta ao trabalho no Congresso. Ele começou aquela quarta-feira em reunião com senadores, que o acharam “chateado”. Seguiu para reunião com deputados, quando perdeu a paciência, foi incisivo e até levantou a voz. Esse dia culminou com Temer dando a polêmica declaração na qual pediu à Câmara “responsabilidade com o país”.

Já o presidente do PT, Rui Falcão, parece não se abalar com o terremoto político. A quem se surpreende com sua aparente serenidade, ele diz, segundo pessoas próximas: — E ficar nervoso adianta? A cada recrudescimento da crise, a resposta preferida de um ministro palaciano ao ser questionado sobre o que o governo vai fazer é: — Rezar! Depois do susto tomado na volta do recesso parlamentar, quando o “clima de velório” imperou entre os governistas, a semana passada foi de alívio. A avaliação é que o ambiente político melhorou, principalmente com a reaproximação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que virou tábua de salvação do Planalto. Dilma conseguiu também adiar o julgamento de suas contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Economia deve pautar reação de Dilma às ruas

• Resposta do governo a manifestações de hoje precisa mostrar que Planalto ouviu queixas na área, dizem analistas

Não estou vendo algo que possa abalar a República. O que o Brasil precisa é de equilíbrio nas contas públicasSilvio Paixão Professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras

 O governo tentará passar medidas da Agenda Brasil. É jogada a curto prazo, para respirarRicardo Ismael Cientista político da PUC-Rio

- Julianna Granjeia - O Globo

Duas mulheres de 40 anos, ambas com emprego, expõem pontos de vista antagônicos sobre o protesto de hoje. Embora não haja consenso sobre como o Brasil vai amanhecer amanhã, após os atos contra o governo marcados para vários estados hoje, uma coisa é certa: as respostas que a presidente Dilma Rousseff dará às ruas terão que ser mais rápidas e efetivas. Isso, dizem analistas, por conta das crises política e econômica, que se agravaram em comparação a março, quando Dilma foi alvo de protestos em todo o país.

Se nos últimos dias o governo vem tentando, no campo político, driblar os impactos da atuação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB) — que não deve ser o alvo preferencial dos líderes do protesto de hoje —, agora o Planalto terá que apresentar uma definição mais clara, principalmente, sobre a condução da economia.

— Se o governo tomar atitudes desastradas, como fez na manifestação de março, e mostrar distanciamento da realidade, os movimentos tendem a se radicalizar ainda mais, e isso pode piorar a crise — diz Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp, para quem o governo vai precisar agir com prudência; caso contrário, avalia, qualquer esforço poderá ir por água abaixo.

O professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras Silvio Paixão acredita que não há risco de os protestos provocarem instabilidade institucional. Para ele, porém, uma grande mobilização poderá fazer o governo mudar sua postura e alterar a política econômica, uma das principais reivindicações que deverão pautar os atos de hoje.

— Não estou vendo alguma coisa que possa abalar a República. E não vejo, a curto prazo, algo que possa mudar a perspectiva de investidores internacionais sobre a situação brasileira. Hoje, o que o Brasil precisa é de equilíbrio nas contas públicas. E, dependendo do que acontecer neste domingo, o governo terá de mudar sua postura política de enfrentamento de questões como essa — afirma Paixão.

Há quem tenha visão mais pessimista e aposte que os protestos vão piorar a imagem do Brasil no exterior, seja qual for a resposta de Dilma.

— Não sei se a classe política vai ouvir a voz das ruas, porque ela é surda, mas a classe econômica já ouviu. E, provavelmente, uma das consequências das manifestações será agências de risco rebaixarem ainda mais a nota do Brasil — diz o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) David Flescher.

Unidade em xeque
O ato de hoje tem ainda um ingrediente que pode prejudicar o plano da presidente Dilma de mostrar unidade em torno de seu governo. Os protestos escancaram um racha nos movimentos de sua base. A Força Sindical, por exemplo, não apoia oficialmente a mobilização. Enquanto o presidente da entidade, Miguel Torres, não participará, a ala liderada pelo deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD), deve comparecer em peso.

O próprio PT não consegue ser hegemônico na hora de pensar em ir para as ruas. Na semana passada, o partido rachou enquanto organizava um protesto para o dia 20 em reação ao ato de hoje. Não assinou o manifesto argumentando que não seria a favor de críticas à economia, assunto que vai ser levado para o ato do próximo dia 20 por entidades historicamente ligadas ao PT e “contra o golpe”.

Guilherme Boulos, um dos coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que participará do protesto do dia 20, admite a insatisfação com o governo e diz que a mobilização de hoje está sendo capitaneada por setores que são contra o governo do PT.
— A insatisfação é real. Agora, entre ter insatisfação e querer fazer movimento para derrubar o governo, há um passo largo. Entre ter insatisfação com o governo e embarcar na onda do PSDB, do Michel Temer ou do Eduardo Cunha, há outro passo ainda mais largo. O povo da periferia está vacinado — diz Boulos.

Segundo especialistas, o governo enfrenta o protesto de hoje menos frágil. Quanto a eventual processo de impeachment de Dilma, por exemplo, na última quinta-feira o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) suspendeu uma das ações movidas pelo PSDB para cassar o mandato de Dilma, por suspeita de irregularidade nas contas da campanha de 2014.

Às vésperas, pauta positiva
A adesão nas redes sociais ao protesto de hoje tem se mostrado menor. Os perfis dos movimentos Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados Online — organizadores dos atos — registravam na última sexta-feira cerca de 250 cidades mobilizadas. Em março, às vésperas de protesto naquele mês, eram mais de 400.

A adoção na última semana de uma pauta positiva para o governo, com a chamada Agenda Brasil, também pode funcionar como um alívio no momento em que o Planalto sofre uma nova pressão popular.

Para o cientista político da PUC-Rio Ricardo Ismael, a estratégia de Dilma pode servir a curto prazo, mas não como resposta definitiva na atual circunstância:

— O governo vai continuar trabalhando para que o TCU não rejeite suas contas e apostando nessa mobilização com o Renan Calheiros e com o PMDB. Além disso, vai tentar passar algumas medidas da Agenda Brasil no Congresso e aprovar outras que ajudem a aumentar a arrecadação. É uma jogada a curto prazo, para respirar, mas não vai resolver o problema. É preciso também construir novas bases no governo para acabar com esse quadro de tensão e incertezas.

'Cabeças pretas' do PSDB viram estrelas do partido

• Grupo de deputados novatos ganhou espaço ao cobrar atitudes mais ousadas da cúpula

Por Vera Magalhães, Paulo Gama - Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na semana passada, o PSDB divulgou um vídeo em que oito jovens deputados, de cara amarrada e afetando indignação, descem a rampa do Congresso recitando mazelas do governo Dilma Rousseff e dizendo que vão para a rua neste domingo (16).

Alçados a estrelas da bancada do partido na Câmara, integram o grupo apelidado internamente de "cabeças pretas" do partido, em oposição aos "cabeças brancas" que compõem a cúpula e a bancada do Senado.

São cerca de 15 parlamentares que têm em comum o fato de terem entre 28 e 40 anos, serem quase todos estreantes na Câmara e virem de famílias de políticos tradicionais.

O grupo passou a ganhar espaço no partido ao cobrar da cúpula, principalmente do presidente da legenda Aécio Neves (MG), atitudes mais ousadas na oposição e na defesa da interrupção do mandato de Dilma Rousseff.

Muitas das vezes em que Aécio subiu o tom e foi criticado por tucanos mais moderados, o fez premido pelos novatos da Câmara.

O mineiro mantém a nova geração do partido sob sua influência. Designou os jovens para anunciarem o resultado da convenção que o reconduziu ao comando da sigla, em julho, e engajou a turma na convocação para as manifestações deste domingo.

O resultado é que a ala nova do PSDB é "aecista", declara apoio ao senador numa já esperada disputa com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pela candidatura presidencial em 2018.

Os cabeças pretas têm três musas: as deputadas Mariana Carvalho (RO), 28 anos, Shéridan Oliveira (RR), 31, e Bruna Furlan (SP), que, aos 32, é a "veterana" do grupo, por estar em segundo mandato.

E há três "galãs": Pedro Cunha Lima (PB), 27, filho do senador Cássio Cunha Lima, Pedro Vilela (AL), 30, herdeiro do ex-governador Teotonio Vilela, Arthur Virgilio Bisneto (AM), 35, filho do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio.

Como toda turma de jovens, os cabeças pretas andam em bando, vão à balada em Brasília, vivem casos amorosos e tiram onda pelo aplicativo WhatsApp.

Shéridan e Arthur Bisneto engataram um namoro depois da posse. Reservadamente, os deputados relatam paqueras malsucedidas ""inclusive com investidas dos mais velhos da bancada, devidamente rechaçadas– e brincadeiras que chegam próximas ao "bullying", como a de fotografar uma tatuagem que Bruna Furlan tem no pé e que odeia.

Na semana passada, quatro deles receberam a missão de Aécio de reorganizar a juventude do PSDB. Eles vão tentar "quebrar conceitos atrasados" e "dar uma nova cara" para o grupo.

O senador vê neles uma peça-chave para a campanha de filiação que o partido iniciou na sexta e para a tentativa de aproximar o PSDB dos movimentos da rua. Os cabeças pretas são radicalmente anti-Dilma e também não aceitam a saída Michel Temer caso a presidente não se sustente, seguindo a linha de Aécio de que o ideal seriam novas eleições.

Luiz Sérgio Henriques - Uma esquerda exausta

- O Estado de S. Paulo

Eis que estamos numa situação paradoxal, em que a radicalização dos espíritos e a virulência da linguagem não decorrem das coisas efetivas, que por si sós poderiam ser favoráveis a uma ampla convergência em torno de reformas – decorrem, antes, de identidades deliberadamente construídas e da luta sem quartel por recursos e posições de poder.

Quase três décadas depois da vigência de um regime de liberdades e 12 anos após a ascensão ao poder central de um partido como o PT, movemo-nos, coletivamente, numa esfera pública que está longe de acolher, estimular e fortalecer o amor à diferença e o hábito de pensar a complexidade, promovendo o indivíduo democrático e reinventando a ação coletiva.

Querendo ou não, homens e mulheres “progressistas”, como se dizia quando o progresso era vivido como mito acima de discussão e como exclusiva “propriedade” da esquerda, somos agora forçados a fazer o inventário do singular período iniciado em 2003. E isso num momento de exacerbação das divergências, em que parecem faltar ou são relativamente frágeis as vozes que pregam a reconciliação e a saída pactuada das crises.

Atores, individuais e coletivos, experimentam e avaliam as situações críticas num determinado contexto de ideias e valores. Se neste contexto predominam visões e modos de pensar apocalípticos, isso tende a deformar a realidade das coisas, gerando conflitos que se autorreferem e se retroalimentam de modo vicioso. Não importa muito a conexão torta das ideias com o mundo real: a capacidade delas de incidir negativamente sobre a convivência civil, dilacerando-a em grau maior ou menor, passa por cima da tortuosidade, tal é a força de fanatismos “teóricos” ou políticos.

Uma leitura persuasiva da saída do regime autoritário, capaz de reunir o consenso da maioria das forças políticas e culturais, há de considerar a absoluta centralidade da Constituição de 1988, verdadeiro marco de ruptura com a ordem autocrática e de refundação do País. Esta Constituição foi o ponto de convergência entre liberal-democratas, social-democratas e comunistas – entre estes últimos, os que diagnosticaram de modo tempestivo o caráter complexo e “ocidental” da formação social brasileira, acentuado inclusive nos 20 anos de regime ditatorial.

Segundo a letra e o espírito da nova Carta, deveríamos sair – para sempre! – do “Extremo Ocidente” em que a democracia era a tal plantinha tenra, de sobrevivência sempre ameaçada, ou um simples mal-entendido, para mencionar imagens correntes em nosso imaginário. Da parte de uma esquerda madura, consciente de suas responsabilidades, o diagnóstico “ocidental”, ao contrário do que supõe uma extrema direita ainda prisioneira de seus fantasmas, não implicava, e não implica, a mera recusa ao jogo do “tudo ou nada” nas situações de crise ou a solerte opção por uma guerra silenciosa que corroeria por dentro tradições e valores, até a hora final da “implantação do comunismo”.

No quadro de um pacto aproximadamente social-democrata, tal como o assinado em 1988, forças e personalidades da esquerda democrática reconhecem explicitamente a democracia política como conjunto de procedimentos e como valor em si. Os mecanismos de mudança social, generosamente contemplados no texto, supõem a adesão sem ambiguidade às regras do Estado de Direito: regras que o conjunto da cidadania, reunido em Assembleia Constituinte, livremente se deu após os anos sombrios de uma “legalidade” que não disfarçava o arbítrio.

Sintomático que personalidades de extração econômica liberal (legítima!), como o então senador Roberto Campos, se tenham dissociado daquele pacto, denunciando-o desde logo como floração anacrônica do nacional-desenvolvimentismo. Sintomático, ainda, que a nova esquerda petista, que então se preparava para voos mais altos, tenha votado contrariamente ao texto final, segundo a gramática do corporativismo sindical radicalizado que constitui desde sempre o nervo do discurso desta parte política e torna pelo menos problemática a nostalgia que alguns nutrem pelo “PT original”.

E mais, tratava-se de um radicalismo (auto)ilusório, que não seria exagerado definir como divorciado das tarefas de consolidação da democracia que a partir daí se apresentariam: novo tipo de crescimento, redistribuição de renda, regulação social do mercado, prestação de serviços públicos universais, a exemplo do SUS. Tarefas, entre outras, típicas de uma esquerda reformista e ocidental, comprometida com a construção de uma comunidade assentada na riqueza e na pluralidade de estilos e opções de vida de cada indivíduo. E tendo como pilar o regime democrático sans phrase.

Desenhou-se assim, precocemente, a fratura entre as duas possibilidades de social-democracia presentes em 1988, até chegar ao limite extremo das divergências agora gritantemente expostas nas ruas do País. Na década de 1990, os governos tucanos promoveram reformas num mundo que celebrava em triunfo as virtudes do mercado. Por vezes necessárias, quase sempre pouco populares, tais reformas invariavelmente pareciam cortar ou limitar direitos. Um prato feito para a artilharia pesada do pseudorradicalismo petista, ainda por cima crescentemente solidário com experiências, como a venezuelana, que mais uma vez desonram o conceito de socialismo, associando-o aos caudilhos endêmicos na parte “oriental” da política latino-americana.

Explicitado de outra forma, eis o paradoxo diante de nós: esta esquerda chegou à exaustão e daqui por diante só incendiará corações valentes e mentes sectárias. No entanto, nenhum país moderno pode permitir-se viver sem uma esquerda atualizada, capaz de contribuir para a elaboração de caminhos razoáveis para todos. Será preciso reconstruí-la do começo.
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Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘Obras’ de Gramsci no Brasil

Merval Pereira - A marcha da História

- O Globo

Protesto pode dimensionar crise, mas não é decisivo. As manifestações marcadas para todo o país darão hoje a dimensão da crise que estamos vivendo, e o tamanho das massas nas ruas será decisivo para os desdobramentos políticos, mas não definitivo.

Os políticos no Congresso, os membros do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal Superior Eleitoral ( TSE), que têm nas mãos processos que podem levar à interrupção do mandato da presidente Dilma, estão ansiosos para ver materializar-se nas ruas o tamanho da indignação da sociedade civil, já medida pelas pesquisas de opinião num número impactante e recordista na História recente: 71% de rejeição ao governo Dilma.

A voz rouca das ruas, na feliz expressão de Ulysses Guimarães, é um fator fundamental na decisão política por trás dos julgamentos dos órgãos de controle, que representam justamente essa sociedade que se movimenta pelo país em busca de uma solução para a crise em que estamos metidos. Mas nada é automático no jogo político, e mesmo que as manifestações de hoje superem as anteriores, não é líquido e certo que a presidente Dilma não terminará seu mandato antes do tempo previsto, assim como não é possível dizer que ela estará garantida no cargo se as manifestações forem menos expressivas.

Manifestações vigorosas, mesmo que menores, confirmarão a percepção, já detectada pelas pesquisas de opinião, de que há uma maioria ampla contrária ao governo, mas isso por si só não é suficiente, numa democracia como a nossa, para derrubar uma presidente eleita pelo voto popular.

A comprovação das ilegalidades cometidas no ano eleitoral para conseguir a vitória nas urnas, ou a confirmação de que o financiamento de campanhas eleitorais foi feito com dinheiro desviado da Petrobras no esquema de corrupção montado pelo governo para se perpetuar no poder, isso sim justifica um impedimento, e ele poderá sair desses processos que estão em tramitação no TCU e no TSE ou de outros que aparecerem, frutos de investigações em curso, como a Operação Lava-Jato, que está chegando muito perto de desvendar o esquema corrupto petista.

O jogo político tem diversos desdobramentos, e ao influenciá-lo a movimentação de rua é uma das variáveis importantes, mas não a única, nem a decisiva. O senador José Serra pretende desenvolver uma análise pessoal das grandes manifestações de que participou em sua vida política, que o levou a estar, aos 22 anos, no palanque do Comício da Central do Brasil em 1964 como presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

O senador tucano, hoje acusado de querer entregar o pré-sal às companhias estrangeiras, naquela noite defendeu ardorosamente a encampação das refinarias privadas, apoiando a medida anunciada pelo presidente João Goulart.

No exílio no Chile, nos anos 70 do século passado, participou de manifestações a favor do governo Allende e lembra-se de uma, em especial, que encheu de gente 1,5 quilômetro de avenidas.

Na Marcha dos Cem Mil, em 1968, Serra estava no exílio, mas a História afirma que não havia cem mil pessoas na Rio Branco, o que importa menos do que o sentido daquela manifestação, um marco no combate à ditadura. Os comícios pelas Diretas Já em 1984 contaram com o apoio da maioria dos governadores pelos estados, pareciam uma pressão insuperável sobre o Congresso, mas a emenda Dante de Oliveira acabou sendo derrotada por pequena margem.

Mas a marcha batida para o fim da ditadura prosseguia, mesmo que tivesse durado muito mais tempo do que se previa. As manifestações de hoje são a continuidade das que começaram em 2013, marcando o início do fim da hegemonia petista, sabe-se agora, baseada em um monumental esquema de corrupção que começou a ser desvelado em 2005, com a descoberta do mensalão, e continua sendo destrinchado pelas investigações da Operação Lava-Jato. O processo da História está em marcha irreversível, e as manifestações de hoje são um elemento a mais nesse intrincado jogo político. Ao contrário das similares anteriores, as manifestações dos últimos anos contra o governo Dilma são fruto da convocação pelas redes sociais e não obedecem a comandos partidários, mesmo que partidos de oposição tenham aderido a elas.

Mas há comandos partidários tentando ajudar o governo Dilma atrapalhando as manifestações. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, do PMDB, por exemplo, manteve para hoje eventos-teste das Olimpíadas de 2016, fechando diversas ruas da Zona Sul, depois de ter sido anunciado que eles seriam adiados por causa das manifestações.

Dora Kramer - O amanhã impreciso

- O Estado de S. Paulo

As manifestações previstas para hoje podem ser monumentais, ínfimas ou medianas. Por mais que haja a expectativa de que o abrandamento ou acirramento da crise que devasta o governo Dilma Rousseff dependa do volume e do tom dos protestos, eles não contarão novidades.

A insatisfação generalizada está posta, independentemente do desenho que a sociedade faça dela nas ruas neste domingo. A incapacidade de uma reação eficaz por parte do governo – aqui incluídos PT e forças políticas ditas aliadas – é igualmente incontestável.

Portanto, salvo tentativas do governo de dar “uma resposta”, do PT de se justificar e dos analistas de interpretar “o recado na rua”, de concreto não há efeito imediato. Por mais importante que seja a opinião do público não é o que determina o rumo dos acontecimentos no momento atual. Isso diz respeito aos ditames das leis e à conduta das instituições.

O que se tem por ora é um processo político, com variantes e implicações que vão muito além do desejo de se ver o governo pelas costas e da sensação de que a interrupção do mandato da presidente da República – por renúncia ou impedimento legal – seria realmente uma solução.

O episódio da abertura de processo de impeachment contra Fernando Collor e a posterior renúncia do então presidente seguida da decisão do Senado de lhe cassar os direitos políticos, obviamente, serve agora como referência.

Passamos por aquele processo relativamente sem traumas e, daí, a impressão de que o mesmo possa se repetir. Legalmente, não resta dúvida, pois o impeachment está previsto na Constituição. Politicamente, no entanto, as situações apresentam diferenças que não podem deixar de ser levadas em conta, a fim de que se delineie com clareza o nome e as regras do jogo.

Em 1992 havia um objetivo único e nítido: o afastamento do presidente. O mundo político estava em consonância real com a sociedade. O vice Itamar Franco não era alvo de questionamentos e os partidos de governo e oposição sabiam o que viria no dia seguinte: um governo de transição, baseado no consenso. Havia uma finalidade muito bem definida.

Hoje não é assim. Há concordância em torno do fracasso do governo, mas não há consenso sobre a arquitetura de uma eventual transição. Digamos que a presidente Dilma venha a se afastar ou a ser afastada. No momento seguinte as forças políticas entrariam em disputa entre si. A unidade “do contra” estaria desfeita.

O PT passaria de imediato para a oposição. De vidraça assumiria o papel de estilingue, abstendo-se da responsabilidade pelos malfeitos passados e pelas soluções futuras. Os de oposição passariam a ser situação e cobrados por isso. Os petistas na condição de oposicionistas já não seriam o foco principal. Esperam-se resultados do governo.

À oposição cabem críticas e ataques, coisa que o PT sabe fazer como ninguém e faria com a maior competência a partir do minuto em que se visse desobrigado de pagar a conta pelos prejuízos causados ao Brasil.

Siameses. O presidente do Senado, Renan Calheiros, pode até estar razoavelmente tranquilo quanto à hipótese de não vir a ser incluído na denúncia do procurador-geral da República a ser apresentada ao Supremo Tribunal Federal no tocante aos políticos envolvidos nas investigações da operação Lava Jato.

O mesmo não se pode dizer em relação ao que possa vir a acontecer com seu afilhado e ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobrás, Sérgio Machado. Caso típico em que madeira que porventura venha a bater em Chico baterá também em Francisco.

Bernardo Mello Franco - Longe do fim

- Folha de Paulo

Nos períodos de crise, a roda da história parece girar mais rápido. A sensação se repete no Brasil de 2015, que vive um clima de tumulto permanente com a Lava Jato, a volta das manifestações e o enfraquecimento do governo Dilma Rousseff.

Em sete meses e meio, já assistimos ao maior protesto popular desde as Diretas, à prisão do principal empreiteiro do país e ao veloz encolhimento da presidente da República, reeleita há menos de um ano.

O colapso do governo chegou a ser visto como irreversível, mas a última semana forneceu a Dilma um inesperado alívio.

Ela se reaproximou do PMDB do Senado, que conspirava para derrubá-la, e ostentou o apoio dos movimentos sociais, que evitavam defendê-la. Ao mesmo tempo, retardou processos que ameaçam seu mandato no TCU e na Justiça Eleitoral.

Vozes do empresariado se pronunciaram contra uma ruptura política, e o Planalto retribuiu com a adesão a um pacote pró-mercado, apresentado por Renan Calheiros. Os dois movimentos afastaram o andar de cima do balão do impeachment, que já estava esvaziado pela divisão interna do PSDB de Aécio, Alckmin e Serra.

"Todo mundo baixou a bola. Dilma agora está caminhando na direção do pacto das elites, uma velha tradição brasileira", resume o deputado Chico Alencar, líder do PSOL.

A conciliação avança, mas ainda se ampara em um equilíbrio precário. Mesmo que as manifestações deste domingo sejam menores, como aposta o Planalto, a presidente continuará frágil. A Lava Jato não para, e a crise econômica tende a se agravar, na contramão do discurso oficial.

Da costureira Rosângela Gonçalves à Folha, sobre a matança da última quinta em Osasco: "Quando morre um policial, pode saber que em até 15 dias vai ter uma chacina. Nunca vai mudar, aqui não existe Justiça". Contra isso, infelizmente, pouca gente se anima a protestar.

Luiz Carlos Azedo - Às armas ou pacto das elites?

- Correio Braziliene

• Entre a retórica incendiária nos movimentos sociais e a aproximação com as elites há um fosso intransponível

Diante de mil integrantes de movimentos sociais ligados ao governo, em pleno salão nobre do Palácio do Planalto, o presidente da CUT, Vagner Freitas, ameaçou, na quinta-feira, “pegar em armas” em defesa do governo. O boquirroto sindicalista radicalizou o discurso ao lado da presidente Dilma Rousseff. Disse que estava preparado com “armas” e um “exército” para barrar qualquer tentativa de “coxinhas” de tirá-la do poder.

No auge da crise política que resultou no golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart, nenhum dirigente do antigo Comando-Geral dos Trabalhadores (CGT) foi tão longe: “Somos defensores da unidade nacional, da construção de um projeto de desenvolvimento para todos e para todas. E isso implica, neste momento, ir para as ruas entrincheirados, com armas nas mãos, se tentarem derrubar a presidente”, disse Freitas no Planalto.

Na solenidade, o petista parecia um Cabo Anselmo — líder dos marinheiros amotinados que serviram de massa de manobra para o golpe de 1964. Mais tarde, o Cabo Anselmo se revelou um agente do Cenimar (serviço secreto da Marinha) infiltrado na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Nem de longe lembrava um Dante Pellacani, o líder sindical comunista que presidia a CGT e discursou ao lado de João Goulart no famoso Comício da Central do Brasil, às vésperas de sua destituição.

Saudada aos gritos de “não vai ter golpe”, Dilma ouviu palavras de ordem contra o ministro da Fazenda, Joaquim Levy — “Ô, Levy, fala pra tu, volta pro Bradesco ou pro banco Itaú!” —, mas não comentou o desatino. Novamente, prometeu o que não pode entregar: “Não estou aqui para resolver todos os problemas este ano. Estou aqui para resolver todos os problemas e entregar um país muito melhor em 31 de dezembro de 2018”, disse.

Dilma recorreu à narrativa de sua campanha eleitoral, na qual mentiu adoidado para convencer os eleitores de que o país estava muito bem, obrigado. Ao mesmo tempo, o Palácio do Planalto, com a ajuda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, opera um grande pacto com as elites, protagonizado pela cúpula do PMDB e pelos principais grupos empresariais do país. Seu objetivo é isolar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e afastar a ameaça de impeachment. O acordo pressupõe uma agenda de medidas econômicas, fiscais e tributárias para evitar que a crise se aprofunde.

Entre a retórica incendiária dos petistas nos movimentos sociais e a aproximação com as elites econômicas e políticas do país há um fosso intransponível. Transitar sobre ele é coisa para equilibristas, como Lula, que prepara sua candidatura em 2018. Mas essa não é a especialidade da presidente da República, que conspira contra si própria ao estimular setores de sua base social a se contraporem ao acordo que lhe garante a permanência no poder.

Partido da ordem
O Brasil não é a Venezuela, e as nossas Forças Armadas não são bolivarianas, ainda mais com o petista Jaques Wagner à frente do Ministério da Defesa, de perfil conciliador e moderado. Não foram os movimentos sociais que barraram as articulações para aprovação do impeachment de Dilma Rousseff, como parecem crer os petistas exaltados. É o que se poderia chamar de “ilusão de classe”, no velho jargão da esquerda.

O impeachment “micou” por três motivos: em recessão aberta, uma crise institucional faria o país descer ladeira abaixo, o que assustou grandes empresários; o PMDB e o PSDB não conseguiram chegar a um acordo para que o vice-presidente Michel Temer assumisse o poder; e, até agora, não existe base legal para isso, apesar das “pedaladas fiscais”, que ainda não foram apreciadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Deixemos de lado possíveis irregularidades nas contas de campanha, que ainda não foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Manifestos de artistas e intelectuais e de sindicatos contra o suposto “golpismo” da oposição representam uma injeção de ânimo para a militância petista, desmotivada pelo envolvimento profundo do PT e seus aliados no escândalo da Petrobras. Mas não é isso que garante a presidente Dilma no poder. A maior burrice de Vagner Freitas, nesse aspecto, é não compreender que seu apelo às armas — mesmo que em sentido figurado — leva água para o moinho dos setores da oposição que têm saudades do regime militar. Tais setores, por obra e graça do desmantelo petista na administração pública, protestam com desenvoltura ao lado de outras correntes de oposição que vão às ruas contra o governo.

Basta comparar o grito dos “coxinhas” nas manifestações de hoje, convocados pelas redes sociais, aos atos organizados em apoio ao governo, que subsidia passagens de avião, ônibus fretados, hospedagem e alimentação para os movimentos sociais controlados pelo PT. Ainda bem que a formação de uma espécie de milícia chapa-branca, como a sonhada pelo presidente da CUT, não passa de um arroubo de oratória. Por ironia, o “partido da ordem” — hegemônico no poder instalado — é que sustenta a presidente Dilma Rousseff no cargo, com toda a sua impopularidade. No Palácio do Planalto e no PT, porém, ainda há os que acreditam que o presidente João Goulart só foi destituído porque não pegou em armas.

Eliane Cantanhêde - É hoje o dia

- O Estado de S. Paulo

Na era Sarney, a tropa de choque do governo articulava e agia dentro do Congresso, para garantir o regime presidencialista e um mandato de cinco anos. Hoje, o governo sai do isolamento articulando sua tropa de choque por toda a parte: no Congresso, no Supremo, no TSE, no TCU, na Procuradoria-Geral da República, no grande empresariado, nos movimentos sociais. Seu porta-voz é um dirigente da CUT que subiu a rampa do Planalto e, de lá, conclamou sua turma para pegar em armas contra a “burguesia”.

Que burguesia? Os bancos, as empreiteiras, as estatais, a mídia, o comando dos tribunais, a cúpula do Senado, o PMDB, o PP, o PR e o PSD se uniram num cerco de proteção a Lula e ao governo Dilma Rousseff. E nada pode ser mais elite hoje do que o PT de José Dirceu, João Vaccari, André Vargas e Erenices.

Logo, o tal camarada da CUT deve estar conclamando a turma (ou tropa, ou “exército”) para pegar em armas contra os 71% que rejeitam Dilma e, principalmente, contra aqueles milhares que pretendem ir às ruas do País hoje para protestar contra a presidente, o ex-presidente e o partido de ambos. Conclui-se que o cara é, no mínimo, ruim de conta: está jogando a minoria de 7% favorável a Dilma contra a grande maioria que se opõe a ela.

A fala do sujeito, um desastre, foi um ponto fora da curva da competente estratégia de reação política do PT e do governo, que teve como marco a guinada do senador Renan Calheiros em direção ao Planalto e se desenrolou numa série de movimentos políticos frenéticos, em meio a uma profusão de notas pagas na imprensa em defesa da “governabilidade”. Pura coincidência?

Numa única semana, Dilma reconduziu Rodrigo Janot para a Procuradoria-Geral, jantou com a cúpula dos tribunais, negociou o aumento do Judiciário, confraternizou com margaridas e espinhos dos movimentos sociais. Em contrapartida, o TSE adiou sine die o julgamento da campanha da presidente em 2014; o TCU deu mais 15 dias de prazo para o governo respirar antes do julgamento das contas do primeiro mandato; o Supremo esvaziou o “inimigo” Eduardo Cunha e fortaleceu o “neoamigo” Renan na votação das contas.

Então, tudo está resolvido, certo? Há controvérsias. O governo realmente saiu das cordas e ganhou fôlego no nível político, mas o Brasil está dividido em dois mundos. Um é o mundo da lua, ops!, o mundo político, onde Dilma, aparentemente, conseguiu inverter o jogo, sair do grave isolamento em que estava e criar um amplo leque de defesa a seu mandato. O outro é o mundo real, onde a economia não dá sinais de melhora e a Lava Jato se aproxima perigosamente dos ministérios do governo Lula e se mexe até em direção ao próprio Lula.

É nesse segundo mundo, o real, que as pessoas que compram, vendem, comem, adoecem, estudam, trabalham e se locomovem sentem os efeitos da recessão, da inflação e da conta de luz, enojadas com a crise política e horrorizadas com os valores estratosféricos roubados da Petrobrás. Aí, o apoio de Renan a Dilma só piora as coisas.

Nunca é demais lembrar que esses dois mundo andam juntos, se entrelaçam, influenciam fortemente um ao outro. Se as manifestações continuarem tão vigorosas quanto antes, servirão para segurar o novo ânimo governista em Brasília.

Se esmaecerem, confirmando a sensação de véspera, estará criado o ambiente favorável para o sucesso do grande acordão político e para Dilma começar a recuperar índices de popularidade. Jamais voltará a ser a mesma de abril de 2013, com o recorde histórico de 75% de aprovação, mas terá o suficiente para o que ela própria chama de “travessia”.

Advertência: se é que houve um acordão, como sugerem os fatos, é improvável que ele tenha viajado e enredado o juiz Sérgio Moro, os procuradores da Lava Jato e a Polícia Federal, que não devem ser suscetíveis nem aos conchavos políticos, nem às tropas de choque, nem mesmo a grandes manifestações de rua. Pelo menos naquele outro mundo, o mundo ideal.

Elio Gaspari - A xepa de feira de Renan, Dilma e Levy

- O Globo

• Primeiro quiseram cobrar pelo SUS, agora querem jogar nos 'associados' uma conta que é dos planos de saúde

A "Agenda Brasil" de Renan Calheiros, Dilma Roussef e Joaquim Levy é uma xepa de feira. Seu objetivo é iludir a boa-fé do público e alimentar a má-fé de maganos que circulam por trás das cortinas do poder. Na segunda-feira tinha 27 itens, na quarta eram 43. Pelo menos 19 tratam de assuntos que já tramitam no Congresso. Uma das oito novidades apresentadas na primeira versão era o maior jabuti dos tempos modernos. Propunha "avaliar a possibilidade de cobrança diferenciada de procedimentos do SUS (...), considerando as faixas do Imposto de Renda". Dias depois, o bicho sumiu. Como jabuti não sobe em árvore, resta saber quem o pôs lá. Pode ter sido um maluco ou, quem sabe, alguém preocupado com a possibilidade de hoje haver pouca gente na rua gritando contra o governo e o Congresso.

Na quarta-feira trocaram o jabuti por uma girafa. Agora, a Agenda Brasil propõe "regulamentar o ressarcimento pelos associados dos planos de saúde, dos procedimentos e atendimentos realizados pelo SUS". Essa frase só tem um significado, absurdo. Não são os associados que devem ressarcir o SUS, são as operadoras. Se ao final das contas uma parte desse custo vai para os clientes, é outra história. Os associados dos planos são clientes, não são sócios dos bilionários dos planos. Se fossem sócios, teriam recebido algum dinheiro quando a Amil foi vendida por US$ 4,9 bilhões à United Health.

Arma-se uma situação na qual um sujeito tem plano de saúde, paga suas mensalidades e, por algum motivo, é atendido na rede pública. Como Renan, Dilma e Levy querem que seja regulamentado o ressarcimento "pelos associados", o que está escrito indica é que a patuleia pagará tudo três vezes. A primeira, quando seus impostos financiam o SUS. A segunda, quando ele financia a operadora do seu plano. A terceira quando seria obrigada a ressarcir a rede pública por ter ido a ela. Bastava que tivessem escrito "ressarcimento, pelos planos de saúde". Mesmo com essa mudança teriam produzido uma redundância, pois o assunto já está regulado. O artigo 32 da Lei 9.656 não menciona "associados", mas "operadoras".

No coração dessa história está a palavra "ressarcimento", contra a qual os barões das operadoras lutam desde o século passado. Eles não querem ressarcir o SUS quando um de seus fregueses é atendido (ou desovado) na rede pública. Em 1998 o Congresso aprovou a lei que instituiu essa cobrança. Na tramitação, ela foi desossada. Pelo que está em vigor, se um cidadão tem um acidente automobilístico, sofre um traumatismo craniano, é levado para um pronto-socorro público e passa pela cirurgia que lhe salva a vida, o plano de saúde nada devolve ao SUS. Já o hospital cinco estrelas, para onde ele é removido dias depois, cobra do plano até o copo d'água. A Viúva fica com 80% dos custos hospitalares e não recebe um ceitil. (Dois detalhes: as equipes de resgate são obrigadas a levar os acidentados para hospitais públicos. Ademais, é só lá que certamente haverá neurocirurgiões de plantão.)

Além de desossada, a lei do ressarcimento é comida por dentro. Numa frente as operadoras judicializaram-na, sustentando que é inconstitucional. Noutra, beneficiadas por anos de inoperância da Agência Nacional de Saúde Suplementar, remancham os pagamentos. Nos primeiros sete anos de vigência da lei, pagaram apenas R$ 70 milhões. Entre 2000 e 2009, a ANS cobrou R$ 310 milhões relativos a internações e só recebeu R$ 110 milhões. Pior: entre 2007 e 2009, ela conseguiu ter uma arrecadação declinante. No ano passado esse número melhorou, chegando-se a arrecadar R$ 393 milhões só com internações.

Se Renan e Dilma quiserem arrecadar mais, podem se alistar publicamente na aplicação rigorosa da atual lei do ressarcimento e na elaboração de um novo projeto que lhe restaure a ossatura. Nenhum dos dois é freguês do SUS. Renan está coberto pelo plano de saúde do Senado. No ano passado, ele custou R$ 6,2 milhões. É vitalício, garante os dependentes e cobre qualquer cidadão que tenha sentado na cadeira por 180 dias. Já a doutora Dilma, quando precisa, tem o hospital Sírio Libanês.