quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Luiz Werneck Vianna* -Uma nova oportunidade e seus riscos

Em movimentos lentos, mas contínuos, uma nova era afirma seu caminho em meio a uma resistência de desesperados, como a de Donald Trump, que pretendem barrar o passo aos processos que prefiguram passo a passo a aparição de uma nova ordem nas coisas do mundo. Se esse tempo é de esperança ele também conhece riscos, como testemunha a atual onda de assassinatos de fins políticos e do recrudescimento das possibilidades de uma guerra nuclear. O capitalismo vitoriano a que se concedeu novo alento desde os anos 1970, primeiro com Thatcher, depois com Reagan e, na sua forma mais encorpada com Trump, que lhe difundiu em boa parte do mundo escorado pelos recursos vários de que dispunha, parece preferir o dilúvio a qualquer solução sem ele.

Aqui, na periferia, aguarda-se com fôlego preso a transmissão do governo de Trump a Biden, vitorioso nas eleições com larga margem de votos, quando se deve iniciar de fato a retomada do país da sua identidade e melhores tradições, a começar por sua agenda ambiental, ora posta a serviço dos proprietários de terras e dos interesses da mineração em solo amazônico. A partir daí, ter-se-á o ponto de Arquimedes para a regeneração da inscrição do país no cenário internacional aviltada pela figura anacrônica do chanceler que aí está. Como num jogo de dominó, seguem-se o tema crucial das desigualdades sociais tão bem posta pela candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura de São Paulo, e sobretudo um largo debate entre as forças democráticas sobre o rumo a que o país deve perseguir na sucessão presidencial de 2022, se chegarmos até lá.

Não serão tempos fáceis os que temos pela frente, contudo certamente menos amargurados do que acabamos de deixar para trás com a sociedade impondo pela via eleitoral uma indiscutível derrota às forças anti-políticas e ao obscurantismo do governo Bolsonaro.  Em particular, pela crise econômica, patente no desemprego massivo que ameaça as condições de sobrevivência das classes subalternas, já sob os letais riscos da pandemia.

Merval Pereira - Com sede ao pote

- O Globo

Nunca houve tantos partidos se considerando em condições de lançar candidatos à presidência da República. Depois das eleições municipais, MDB, PSD e PP, os partidos que mais elegeram prefeitos, sendo que o MDB se mantém como o maior partido em número de prefeituras, começaram já a discutir nomes para 2022, e o que sempre foi uma maneira evidente de ganhar espaço para negociações com partidos maiores, agora ganhou nova roupagem de verdade.

Pelo menos o cacife dos negociadores aumentou. O MDB, que sempre foi um partido auxiliar, sobre o qual diziam que nenhum governo pode governar sem ele, embora o MDB não tenha condição de eleger um presidente, agora já se sente fortalecido, depois da experiência com Michel Temer.

O deputado Baleia Rossi, que é forte candidato à sucessão da presidência da Câmara, citou os nomes da senadora Simone Tebet, dos governadores de Alagoas Renan Filho, e do Distrito Federal Ibaneis Rocha, e do secretário de Fazenda de São Paulo Henrique Meirelles como possíveis candidatos.

Já o presidente do PSD Gilberto Kassab avisou que, depois do Carnaval, analisarão uma possível candidatura. Citou alguns nomes: o senador Antonio Anastasia, que classificou como “de muita credibilidade", o governador Ratinho Júnior, do Paraná, o senador Otto Alencar. Para Kassab, o partido já tem uma dimensão nacional para lançar uma candidatura. O PSD chegou a 640 prefeitos, aumentando em 100 as prefeituras sob seu comando.

Rosângela Bittar - Questão de ordem

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro trabalha duro na eleição de prepostos na Câmara e no Senado

O capitão presidente Jair Bolsonaro e sua soldadesca parlamentar do Centrão trabalham duro na eleição de prepostos para substituir os atuais presidentes da Câmara e do Senado. De tal forma que, nos dois anos que lhe restam de mandato, possa assegurar o comando de dois poderes nas batalhas da sua campanha à reeleição. Embora pareça absurdo, é real. O presidente, que tem uma performance em tudo insatisfatória, quer ampliá-la. 

Se assim for, seus concorrentes em 22 ficarão imprensados contra um Executivo e um Legislativo postos a serviço do candidato que controla cargos e verbas. A não ser que resistam à tomada de mais esta cidadela. 

É o que buscam com a tentativa de reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, na mesma legislatura, superando a proibição legal. À falta de instrumentos para conter Bolsonaro, a maioria quer manter os atuais dirigentes, confiante na autonomia relativa que demonstraram até aqui. 

Vera Magalhães - Eu, detratora

- O Estado de S. Paulo

O macarthismo bolsonarista padece de todos os defeitos do governo

Eis que acordei nesta terça-feira e havia sido aquinhoada com mais um adjetivo: detratora! Para quem já foi isentona, comunista, tucana, cirista (ontem mesmo estava “indicada” para vice na chapa do ex-governador) e sabe-se lá mais o que, até que o novo carimbo tinha uma dramaticidade meio teatral. O detrator pode ser um personagem de uma futura versão de Among Us, quem sabe. 

Mas não era nada recreativo, não. O jornalista Rubens Valente revelou em sua coluna no UOL que uma agência contratada por vários ministérios, a BR+Comunicação, elaborou uma lista a pedido do Ministério da Economia relacionando 77 formadores de opinião, entre jornalistas, professores universitários, economistas, youtubers e militantes partidários com forte presença sobretudo no Twitter e os classificou em “detratores”, “neutros informativos” e “favoráveis”. 

A tosquice, marca indelével do governo Bolsonaro, aparece no tal monitoramento em todo o seu esplendor. Nomes grafados errado, personagens repetidos e classificados em mais de uma “caixa”, mistura de pessoas com background e atuações completamente distintas e ideias de jerico a respeito de como a pasta deveria “atuar" para neutralizar os detratores e tirar vantagem dos “favoráveis”. 

Luiz Carlos Azedo - Esperando Godot

- Correio Braziliense

Estragon: O que a gente faz agora?

Vladimir: Não sei.

Estragon: Vamos embora.

Vladimir: A gente não pode.

Estragon: Por quê?

Vladimir: Estamos esperando Godot.

Estragon: É mesmo.

Escrita no pós-Segunda Guerra Mundial, a peça do irlandês Samuel Beckett, que empresta o título à coluna, é uma obra-prima do chamado Teatro do Absurdo. Faz sucesso no mundo desde 1953, quando estreou em Paris. No Brasil, teve duas montagens amadoras na década de 1950, até o estrondoso sucesso de sua montagem profissional, no Teatro TBC, em São Paulo, sob direção de Flávio Rangel, em 1969, com Cacilda Becker no papel de Estragon e seu marido, Walmor Chagas, no de Vladimir. O contexto político da época, em plena vigência do Ato Institucional nº 5 do regime militar, e o fato de Cacilda Becker sofrer um derrame cerebral em pleno palco, numa apresentação para estudantes em São Carlos, agonizando por 38 dias, deram à peça um lugar na história da cultura brasileira.

A peça somente faz sentido quando serve de analogia para um contexto de incertezas. Sua essência é a espera. É a desconstrução completa do teatro, pois não tem história, as falas não são coesas e nada acontece do ponto de vista da ação dos personagens. Tudo parece obscuro e pessimista, mas provoca uma profunda reflexão sobre a vida e a sua incessante busca por respostas. O palco vazio desconstrói o mundo ao redor, os diálogos repetitivos reproduzem as relações humanas e a inação dos personagens mostra a paralisia que a incerteza provoca. Na espera, nada acontece.

Ricardo Noblat - Corujão: Terror ataca cidades brasileiras no alto da noite

- Blog do Noblat | Veja

Tiros, pessoas feito reféns, agências bancárias assaltadas

Em linha reta, 3.630 quilômetros separam Criciúma, em Santa Catarina, de Cametá, no Pará, às margens do Rio Tocantins. A distância levaria pelo menos 50 horas para ser vencida.

No curto período de 24 horas, o terror se abateu sobre as duas cidades e sua face foi a mesma: homens mascarados, pessoas feitas reféns, armamento pesado e fuzilaria intensa.

O alvo: agências bancárias destruídas com o uso de explosivos para a remoção de caixas eletrônicos. Uma agência em Criciúma na madrugada de ontem. As quatro de Cametá nesta madrugada.

A polícia dormia quando os assaltantes chegaram em Criciúma e Cametá. Quando foram embora, jogaram do alto dos carros cerca de 800 mil reais recolhidos por moradores de Criciúma.

Em Cametá não foram tão generosos. Deixaram um morto estirado à beira da calçada às portas do quartel da Polícia Militar. A ação de guerra em Criciúma foi executada por 30 bandidos em 10 carros.

Com essas proporções, foi a maior da história de Santa Catarina. Não se sabe ainda quantos bandidos invadiram a área central de Cametá. Sabe-se que fugiram em carros e em lanchas pelo rio.

Cristovam Buarque * - “Eu não sou brasileiro?”

Ao assistir pela televisão um homem negro sendo espancado até à morte, imaginei-o gritando: “eu não sou brasileiro?”. Foi o grito de um negro perguntando “eu não sou um ser humano?” que despertou o movimento contra a escravidão, na Inglaterra, no século XIX. Se ele era um ser humano, como puderam arrancá-lo de sua família e de sua vila na África, forçando-o a caminhar por centenas de quilômetros, jogando-o em um navio fétido, por meses no mar, através do Atlântico, vendendo-o como animal e obrigando-o ao trabalho forçado por toda sua vida, assim como a seus filhos e netos? Milhões de pessoas negras viveram e morreram nessas condições, sob a aceitação dos brancos.

Aquela pergunta ajudou a despertar os ingleses para a indecência da escravidão, a incentivar a luta abolicionista e a provocar a emancipação dos escravos em 1834, em todas as colônias inglesas. No Brasil, a pergunta não foi ouvida. Esperamos ainda meio século, para sermos o último país do Ocidente a abolir a legalidade da escravidão. A Lei Áurea proibiu, em 1888, a venda e a compra de pessoas, impedindo que negros fossem propriedade de brancos.

Mas quando, em 2020, olhamos as estatísticas de assassinatos, pobreza, violência, renda, desemprego, moradia, saúde, educação, um brasileiro negro tem razão em perguntar: “eu não sou brasileiro?”. Igualmente se justifica a pergunta de milhões de crianças pobres, brancas ou negras: “se sou brasileira, como podem me negar escola com a mesma qualidade da escola de outras crianças brasileiras?”.

Fernando Exman - Sem base organizada não há pauta positiva

- Valor Econômico

MP do Casa Verde e Amarela é objetivo de curto prazo

A decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de retomar o sistema de bandeiras tarifárias turvou os planos do governo de criar uma agenda positiva imediatamente após o segundo turno das eleições municipais. Não que o efeito da decisão seja dos mais desastrosos, mas não ajuda a estratégia desenhada no Executivo para tentar garantir um reposicionamento rápido e efetivo do presidente Jair Bolsonaro depois do retumbante fracasso da maioria dos seus aliados na disputa que se encerrou no domingo.

Prefeitos de cidades importantes que enfrentaram o discurso negacionista emanado do terceiro andar do Palácio do Planalto se deram bem nas urnas. O presidente está com claras dificuldades para manter o auxílio emergencial em R$ 300 a partir de janeiro ou criar um novo programa social e, agora, vê-se obrigado a responder ao eleitor de classe média por que as contas de luz podem voltar a subir.

Bruno Boghossian - E se a esquerda se dividir em 2022?

- Folha de S. Paulo

Disputa municipal amplia afastamento entre partidos, e composição de frente fica mais distante

Apesar das experiências de união em algumas capitais, as eleições de 2020 aprofundaram a divisão que vem sendo cavada há alguns anos na esquerda. Sinais emitidos pelos principais atores desse campo indicam que a composição de uma frente para 2022 está mais distante.

O processo dos últimos meses cristalizou o distanciamento entre o PT e a aliança formada por PDT e PSB. A presidente petista, Gleisi Hoffmann, já disse que as eleições deixaram feridas e que ainda considera difícil um acordo com aquela dupla.

Já o presidente do PSB afirmou que o PT sempre viveu “na contramão da história” e que não vê uma reaproximação com a sigla. “Nós não somos obrigados a seguir o PT. Ele tem o direito de errar, errou muito a vida inteira, mas nós não somos obrigados a seguir”, declarou Carlos Siqueira ao jornal O Globo.

Elio Gaspari - A dura travessia até 2022

- O Globo / Folha de S. Paulo

Presidente sem partido, sem projeto e sem aliados é uma situação perigosa

No meio de uma pandemia e de uma recessão, o Brasil ficou com um presidente sem partido, sem projeto e sem aliados. Para quem não gosta dele, pode ser motivo de alegria, mas daqui a pouco vai se perceber como é perigosa essa situação.

O capitão Bolsonaro nunca foi um admirador das instituições democráticas. Em dois anos, falando em “minhas Forças Armadas”, tentou armar conflitos com o Supremo Tribunal Federal e com o Congresso. Foi dissuadido, mas tentou. Tem um chanceler que se sente bem como “pária”. Sempre que pode, arruma confusão com a China. Atravessou a linha do Equador para escorregar na casca de banana da política americana. Falava em “menos Brasília e mais Brasil”, e nem a estatal do trem-bala conseguiu fechar. Prometia combater a corrupção, e até hoje seu governo não explicou a origem do edital que torraria R$ 3 bilhões, mandando computadores para escolas públicas. Uma delas receberia 117 laptops para cada um de seus 255 alunos. Registre-se que a girafa foi denunciada pela Controladoria-Geral de seu o próprio governo.

O que seria uma nova política tornou-se um reaparecimento do Centrão. É mais do mesmo. O novo resume-se ao fingimento daqueles que dizem acreditar na sua fidelidade.

Zuenir Ventura - À espera de Paes

- O Globo

Prefeito eleito sabe que só com muito trabalho e competência conseguirá tirar a cidade do fundo do poço

É possível que o próprio Eduardo Paes não desconheça o caráter plebiscitário destas eleições — mais do que aprovação a ele, elas foram de rejeição a Marcelo Crivella. O prefeito eleito sabe que só com muito trabalho e competência de gestão conseguirá erguer a cidade do fundo do poço.

Ele tem pressa e já começou a montar sua equipe. Até ontem, já tinha oficializado seis nomes: Pedro Paulo Carvalho (Fazenda, Planejamento e Controladoria), Marcelo Calero (Integridade e Governo), Daniel Soranz (Saúde), Luiz Carlos Ramos Filho (Proteção Animal), Anna Laura Secco (Conservação) e Salvino Oliveira (Juventude). Antes de terminar este artigo, já deve ter escolhido outros tantos.

Enquanto isso, vai costurando, ou seja, conversando em Brasília com autoridades que podem ajudar o Rio, inclusive o presidente Bolsonaro, com quem já anunciou ter uma boa relação. “Falei com ele por uma ligação por vídeo com o senador Flávio Bolsonaro. Disse que vamos trabalhar juntos, em parceria. Brinquei dizendo que, em 2018, não consegui livrá-lo do Witzel.” Paulo Guedes e Rodrigo Maia, entre outros cariocas no poder, estão na fila dos que serão mobilizados por Paes para apoiá-lo.

A prefeitura prevê arrecadar R$ 1,5 bilhão a menos no próximo ano. Na semana passada, Crivella admitiu que não tinha como pagar o 13º salário. Antes mesmo da estimativa de queda da arrecadação em função da Covid-19, a disponibilidade de caixa para honrar compromissos estava negativa em R$ 3,9 bilhões.

Na matéria “Para cobrar”, O GLOBO publicou anteontem as 70 propostas de governo do candidato do DEM, entre elas recontratar mil médicos e cinco mil profissionais de saúde em 2021, recuperar as clínicas da família fechadas no atual governo, preparar, nos cem primeiros dias, a campanha de vacinação contra o coronavírus e reduzir pela metade o tempo de espera para consultas, exames e cirurgias no Sisreg.

Se conseguir concretizá-las, já terá dado um grande passo para o enfrentamento de uma das maiores crises do Rio. Resta atacar outros tantos graves problemas, como educação, transporte e segurança.

Podemos ter esperança?

Bernardo Mello Franco - Os interesses de Sergio Moro

- O Globo

O juiz que comandou a Lava-Jato virou sócio de uma consultoria que socorre empresas falidas na operação. O novo emprego de Sergio Moro tem levantado discussões sobre ética e conflito de interesses. Não é a primeira vez que acontece com ele.

Em 2018, Moro mandou prender o candidato que liderava a corrida presidencial. A decisão abriu caminho para Jair Bolsonaro, que ocupava o segundo lugar nas pesquisas. Sete meses depois, o juiz pendurou a toga para se juntar à tropa do capitão.

O convite para integrar o governo foi feito durante a campanha, segundo o próprio Moro. O pacote incluía uma vaga no Supremo Tribunal Federal, mas ele rompeu com o chefe antes de selar a nomeação.

Agora a zona cinzenta se deslocou da política para o mundo dos negócios. Moro será sócio-diretor da consultoria americana Alvarez & Marsal, especializada em recuperar empresas quebradas. Entre seus clientes, estão quatro alvos da Lava-Jato: Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e Sete Brasil.

Vinicius Torres Freire - A epidemia volta a atacar o varejo

- Folha de S. Paulo

Donos de restaurantes, salões de beleza e academias sentem o baque em novembro

Donos de restaurantes, do comércio de comida e bebida em geral, de salões de beleza e de academias de ginástica sentiram um baque em novembro, ouve-se na cidade de São Paulo e do Rio de Janeiro.

São “evidências anedóticas”, como dizem economistas, casos, porque ainda não há estatísticas da situação geral dos negócios no mês passado. Mas não deu para encontrar empresário desses serviços animado com o faturamento, seja em restaurantes caros ou do trivial do almoço do dia a dia. Ao contrário, há gente que viu retração forte, em contraste agudo com outubro.

Muitos atribuem a queda às notícias de que mais gente foi parar nas UTIs por causa da Covid. Alguns dizem que “o povo” voltou a ficar sem dinheiro. Outros observam que não se sabe o que vai ser da economia na virada do ano, pensando também na própria atitude como consumidores. Melhor jogar na retranca.

Os empresários ouvidos não mencionaram o possível efeito da alta de inflação, que na média não parece significativa, mas foi de quase 20% de um ano para cá quando se trata do preço de comer em casa.

Míriam Leitão - Como deter o desmatamento

- O Globo

É possível ter um plano contra o desmatamento que seja efetivo e nos leve de volta ao caminho certo. O governo poderia executá-lo se tivesse noção do risco que estamos correndo, econômico, diplomático, ambiental, climático. O Brasil tem os servidores, boas leis e instrumentos de comando e controle. Mas o presidente e seu ministro preferem estimular por atos, palavras e omissões a derrubada da floresta. As Forças Armadas na segunda operação de garantia da lei e da ordem já entenderam o principal: é preciso fortalecer os órgãos ambientais e atuar em rede.

O número de 11.088 km2 de floresta derrubada em 2020 na Amazônia deveria ser suficiente para provocar um plano emergencial. Deveria ser tratado como é: um escândalo. O Brasil recuou 12 anos no seu esforço de redução do número anual e chegou a 184% acima da meta que o próprio Brasil estabeleceu na Política Nacional sobre Mudança no Clima. É uma derrota do país. Esse é o primeiro número de desmate totalmente do governo Bolsonaro, já que o do ano passado teve cinco meses da administração anterior, porque o ano é registrado de agosto a julho.

Ligia Bahia - A PPP pró-pobres e pretos

- O Globo

Instituições de saúde onde pobres e negros só entram como serviçais não devem ser financiadas com dinheiro público

Falso positivo é o registro de um fenômeno que parece ser, mas não é. Quando se trata de testes, refere-se a uma alteração ou doença que não existe. Na política, indica relações causais errôneas, das quais derivam ações supostamente favoráveis. Falsos positivos não são mentiras, expressam limites na coincidência entre essência e aparência. Resultado laboratorial positivo não é necessariamente diagnóstico, depende. Para que um teste seja bom, seu valor preditivo deve ser alto, não basta detectar os positivos; é necessário discernir os negativos.

Atos governamentais são falsos positivos quando proposições supostamente favoráveis à maioria iludem. Como convicções, interesses, crenças e vontades se misturam nas formulações de programas públicos, a identificação de políticas falsas nem sempre é imediata. Enquanto as descaradamente espúrias, como a ameaça de trocar ministro da Saúde quando o número de casos e óbitos aumenta, são perceptíveis, as retóricas do tipo “não tem outra saída” passam como verídicas.

Cristiano Romero - A guerra civil brasileira

- Valor Econômico

Mais de 600 mil negros foram assassinados desde 2000 no Brasil

Uma das mais lamentáveis e equivocadas tentativas de explicar o fracasso do Brasil é a ideia de que o país não deu certo porque não enfrentou guerras. Trata-se de mistificação concebida a partir da história de países como os Estados Unidos, que, além das batalhas travadas com outras nações para conquistar o território que tem hoje, amargou sangrenta guerra civil entre 1861 e 1865, quando se estima que mais de 600 mil pessoas morreram.

Entre 1979, quando a série começou a ser apurada, e 2018, último dado disponível, 1.583.026 brasileiros foram assassinados, segundo o “Atlas da Violência”, elaborado pelo Ipea. A violência não para de crescer. O número de homicídios tem mudado de patamar a cada dez anos - em 1979, 11.217 pessoas foram assassinadas; em 1990, 32.015; no ano 2000, 45.433; em 2010, 53.016; em 2018, 57.956 perderam suas vidas em decorrência do arbítrio de outrem (e ainda há quem defenda a adoção da pena de morte nestes tristes trópicos).

Monica De Bolle* - Os Detratores de Guedes

- O Estado de S. Paulo

A lista que vi, dos tais detratores, era um rol de pessoas que costumam criticar as medidas e posturas do ministro

Quando escrevi o título desse artigo me veio à mente nome de minissérie. Não de uma boa minissérie, aquelas que prendem você, que torturam, que não te deixam largá-la. Não. O que me veio à mente foram aquelas outras, com enredo mal feito, cheio de histórias paralelas que nada têm a ver umas com as outras, repletas de personagens fantoches, rascunhos de pessoas. Os Detratores de Guedes. Quem é Guedes mesmo para ter detratores? Ah é, ele é ministro da Economia. Mas ministro da Economia tem detrator? Detrator? Pessoas que vivem a falar mal de sua aparência, sua maneira de se vestir, seu corte de cabelo. Tem? Deve ter. Mas a lista que vi, a dos tais detratores, era um rol de pessoas que costumam criticar as medidas e as posturas de Guedes. Ora, pessoas públicas, como o ministro, têm críticos.

Os detratores de Guedes. Fizeram relatório e tudo, com 81 nomes. Para mandar material explicativo, disseram. Para enviar encartes do governo e papéis lustrados sobre os afazeres do ministério, suas batalhas, suas vitórias. Gastaram alguns milhões de reais para preparar o relatório. Haverão de gastar um tanto mais para a elaboração e o envio do extenso material supostamente elucidativo. Material para convencer os detratores a tratarem bem o ministro, pobre do ministro.

Fábio Alves - O último respiro do teto?

- O Estado de S. Paulo

É provável que governo e Congresso empurrem com a barriga a definição das questões fiscais

Os investidores estão se preparando para terminar 2020 sob uma profunda incerteza fiscal, especialmente ainda sem saber se o teto de gastos será respeitado ou flexibilizado a ponto de minar a sua credibilidade. O mais provável é o governo e as lideranças políticas no Congresso empurrarem com a barriga a definição das questões fiscais cruciais.

O tempo corre contra a votação das medidas mais aguardadas pelo mercado financeiro ainda neste ano: o Congresso entra em recesso no dia 23 deste mês. O presidente Jair Bolsonaro resolveu esperar acabar as eleições municipais para retomar as negociações de temas como a aprovação do Orçamento de 2021, a prorrogação do auxílio emergencial e a criação de um programa de transferência de renda, ou mesmo a simples reformulação do Bolsa Família.

Se o ambiente não era favorável a discutir esses temas antes do desfecho do pleito municipal, no domingo passado, agora outro obstáculo poderá tolher os principais atores políticos a avançarem nas negociações: as eleições para o comando da Câmara dos Deputados e do Senado, marcadas para fevereiro de 2021.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editorias

Bolsonaro erra mais uma vez ao adiar as reformas – Opinião | O Globo

Passam as eleições, e o presidente nada faz, enquanto inflação, dívida e juros disparam o alarme para crise

Encerrado o período das eleições, quando se esperava que o Planalto pusesse para tramitar reformas necessárias para afastar as incertezas crescentes sobre o futuro da economia, o presidente Jair Bolsonaro dá prioridade a projetos de importância secundária, em mais uma prova de que não enxerga a crise que está em gestação.

Ao preferir que o Congresso trate do programa habitacional Casa Verde e Amarela e do projeto BR do Mar, sobre regras para a navegação marítima, Bolsonaro desperdiça as últimas semanas do ano de trabalho no Congresso com iniciativas secundárias dos ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, num gesto político de apoio ao grupo no governo que defende o desrespeito ao teto dos gastos. Alega-se que é para desobstruir a pauta, mas nada se fala das reformas.

Bolsonaro parece não se interessar pelo descolamento dos juros de longo prazo — na faixa dos 8%, o quádruplo da taxa básica do Banco Central —, um termômetro da falta de confiança na solvência de um país cuja dívida pública acaba de ultrapassar os 90% do PIB, sem que haja ainda qualquer ação para contê-la com apoio firme do Planalto. O presidente não sabe, ou não quer saber, que a alta dos preços no mercado atacadista, acima dos 20%, começa a contaminar a inflação que ataca o bolso da população (ainda abaixo da meta de 4% definida para este ano, mas que cedo ou tarde deverá ser rompida).

Acelerar as reformas é a melhor forma de conter o tsunami que já se vislumbra no horizonte. Para piorar, o descaso de Bolsonaro acontece no mesmo momento em que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, garante haver na Casa cerca de 320 votos para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária — são necessários no mínimo 308 —, sem considerar a base parlamentar do governo. Como diz Maia, mesmo que mudanças em impostos, por suas características, não entrem em vigor imediatamente, assim que o Congresso chancelá-las, os mercados reagirão positivamente, e as pressões sobre juros e preços tenderão a retroceder.

Música | Coral Edgard Moraes - Valores do Passado

 

Poesia | Joaquim Cardozo - Maria Bonomi, Maria Gravura

Maria Bonomi, Maria Gravura;
Os traços, pouco a pouco, deixam
de caminhar.
As cores não passam mais
pelos olhos,
Pelos ouvidos, inundam.
A noite desceu sobre a gravura —
Sombra da prensa a comprimir —
Maria Bonomi, Maria Gravura
Ouve-se agora um canto
Do papel em liberdade.

Maria Bonomi
O corte sorri. A mão fica em silêncio,
O contraste murmura
Maria Gravura.