terça-feira, 22 de março de 2011

Reflexão do dia – Renato Lessa

É um retrocesso político, vem na contramão da democratização. Ganham os espertalhões e os que têm vantagem na competição. É importante que o sistema de representação espelhe as diferenças existentes na sociedade, a diversidade. É uma proposta do PMDB, beneficia o PMDB, mas é um desserviço à democracia.

LESSA, Renato. Entrevista: 'Distritão' é retrocesso, afirmam especialistas. O Globo, 22/3/2011

Cultura Política (PCB): O impasse político e a saída democrática (Voz da Unidade, 31 dez. 1980).:: Armênio Guedes

O ano que acaba de terminar não foi nada pródigo para a política de abertura do governo. Nem também para a unidade de ação das forças da oposição.

No começo do atual governo houve a atividade desenvolvida por Petrônio Portela. A linha por ele esboçada — e mesmo alguns dos passos que deu como ministro político do governo — deixavam ver sua intenção de conseguir, mediante acordo com certas forças intermediárias e a médio prazo, a formação de um governo de transição. Um governo que, ao alargar as bases políticas do atual Poder, se tornasse capaz de superar as instituições e hábitos autoritários criados pela ditadura e de tornar possível o aparecimento das condições essenciais para a reorganização democrática da vida brasileira.

Nada nos garante, contudo, que, caso continuasse vivo, Portela fosse capaz de concretizar suas intenções, que fosse capaz de vencer os partidários do imobilismo no âmago do regime e das forças armadas. Mas é um fato — e o tomamos antes de tudo como um ponto de referência — que a morte do ministro marca um ponto de involução na política de abertura do governo Figueiredo.

A partir desse momento, e sob a pressão dos “duros” do regime, o governo vem enveredando por caminhos que dificultam a ação das forças democráticas e de oposição e amortecem o ritmo do processo político iniciado com a anistia. Somam-se, na ação do Poder, os atos e medidas eivados de arbítrio e autoritarismo. Estão neste caso a suspensão das eleições municipais de novembro passado, a aprovação da lei contra os estrangeiros, a demissão de ministros que tentaram realizar uma política liberal, a política de recessão econômica nos moldes do FMI, etc. No meio de tudo isso, e como único ponto positivo, resta apenas a aprovação da eleição direta para governadores em 1982, conquista que deve ser defendida com unhas e dentes, principalmente no sentido de impedir que sua importância seja diminuída pela legislação eleitoral casuística pretendida pelo regime.

Por sua parte, as oposições, caindo muitas vezes nas malhas da política divisionista do governo, nem sempre souberam dar continuidade e colocar num nível mais elevado o processo de convergência e unidade iniciado nos meados dos anos 70. O certo é que no ano que findou foi muito difícil um entendimento e aliança mais profundos entre as forças que se esforçam para dar fim ao regime autoritário.

Chegamos assim em 1981, tanto pelo que ocorre no campo do governo como pelo que se passa no lado das oposições, a uma situação complicada. Uma situação de impasse político ou, quando menos, próxima disso. Além de tudo, seriamente agravada pela crise econômica em que vive o país.

É dentro desse quadro complexo e carregado de tensões sociais que as oposições e as correntes democráticas terão que atuar no ano que agora começa.

Antes de tudo, para evitar qualquer passo em falso, é preciso analisar e avaliar com precisão o caráter opressivo do regime. A resistência das forças democráticas, quando bem orientada, tem, em muitas ocasiões, atrapalhado a estratégia do regime, ajudando a avançar o processo de abertura.

De qualquer forma, os dados de que se dispõe indicam que o período de transição, longe de ser linear, tende a continuar em ziguezague e pode se prolongar por um tempo mais longo do que seria desejável. As forças democráticas, para avançarem, precisam estar bem conscientes das possibilidades de recuo — de fechamento e de volta aos tempos do AI-5 — que o momento e as tensões atuais encerram. É uma situação que exige firmeza, habilidade e prudência. E em que as convergências e a unidade das oposições são indispensáveis. Mas esse esforço de unidade e convergência não deve, na conjuntura presente, limitar-se ao universo das oposições. Tem que ir mais longe e, num trabalho paciente e prolongado, abarcar correntes, grupos e pessoas que, apesar de ainda permanecerem no sistema de forças do governo, começam a questinar o autoritarismo do regime e a exigir a ampliação das liberdade públicas.

Há uma outra observação que pode ser feita a partir da peculiaridade do momento político que atravessamos. É que, talvez no caso brasileiro, a superação do autoritarismo e a conquista de um regime democrático possam ocorrer sem mudanças bruscas e violentas. Resultarão antes de uma guerra de posições — no bom sentido da tese gramsciana. Mas haverá, necessariamente, um momento de ruptura das instituições autoritárias e repressivas, que se dará pela pressão conjugada da opinião pública e de um amplo movimento de massas.

É com tal visão que hoje devemos trabalhar. E é por ela não estar presente, até aqui, no pensamento e na prática das forças democráticas e do movimento operário que os diferentes segmentos da oposição se perdem ou em propostas muito gerais, a médio e longo prazo, ou em reivindicações que se esgotam em questões particulares e corporativas.

Toda a reflexão até aqui desenvolvida induz a afirmar que os grandes problemas do país situam-se hoje nos termos concretos de um período de transição, ainda que ambíguo e pouco definido. E é neste contexto, portanto, que terão de ser resolvidos. Não seria fora de propósito que as forças democráticas — que não têm interesse nem na continuação do impasse nem no confronto — comecem a pensar na oportunidade ou não de se trabalhar com a idéia de um governo de transição, integrado pelas mais amplas forças e capaz, por isso mesmo, de dar começo à reorganização política do país.

Um novo tom:: Merval Pereira

A nota oficial do governo brasileiro sobre a atual situação da guerra civil na Líbia é exemplar do novo rumo de nossa política externa. Não chegamos a pedir explicitamente a saída do poder de Muamar Kadafi, como fizeram Turquia e Índia, mas expressamos nossa "solidariedade" ao povo líbio "na busca de uma maior participação na definição do futuro político do país, em ambiente de proteção dos direitos humanos".

Como essa "maior participação" é impossível com Kadafi no poder, para bom entendedor basta.

Mas a nota oficial não tem o tom de crítica à ação da coalizão militar, como chegou a ser cogitado durante o dia de ontem, atribuindo-se ao governo brasileiro a intenção de deixar claro que, ao se abster na votação do Conselho de Segurança da ONU, já previa que a intervenção militar do Ocidente teria como consequência a morte de civis, como está ocorrendo.

O governo brasileiro limita-se, na nota, a "lamentar a perda de vidas decorrente do conflito no país", sem atribuir a culpa à ação desencadeada por ordem pessoal do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante sua visita ao país.

As forças de coalizão têm a participação do Reino Unido, França, Canadá, Itália, Catar e Bélgica, com o objetivo de criar uma zona de exclusão aérea que impeça que as forças leais ao coronel Kadafi ameacem civis.

O governo brasileiro reafirma, na nota, apoio aos esforços do enviado especial do secretário-geral da ONU para a Líbia, Abdelilah Al Khatib, e do Comitê ad hoc de Alto Nível estabelecido pela União Africana "na busca de solução negociada e duradoura para a crise".

Na votação no Conselho de Segurança, o Brasil se absteve, mas foi uma atitude completamente diferente de quando votou contra as sanções ao Irã por causa de seu programa nuclear que não se submete às inspeções internacionais.

Naquela ocasião, os Estados Unidos estavam empenhados em obter um consenso no Conselho que legitimasse as sanções e isolasse o Irã na comunidade internacional, e Brasil e Turquia quebraram essa unanimidade, destoando da posição da maioria esmagadora do Conselho de Segurança da ONU.

Desta vez, o Brasil se absteve, mas teve a companhia de países de peso, como a Alemanha, e de China e Rússia, que têm poder de veto no Conselho, além da Índia.

Também a alegação para a abstenção foi humanitária, não política, como em relação ao Irã. Ao expressar seu apoio à ação do enviado especial da ONU, o governo brasileiro também se coloca em acordo com as ações daquele organismo internacional, sem assumir uma posição isolacionista, como aconteceu no caso do Irã, quando defendeu sua negociação paralela sobre o programa nuclear daquele país contra a posição de todo o resto do Conselho de Segurança da ONU, e ainda pressionou a Turquia, que participara das negociações, a votar contra.

O fato de o presidente Barack Obama ter autorizado durante sua visita ao Brasil no fim de semana as ações militares contra Líbia ofuscou sua tentativa de usar a viagem à América Latina para limpar a imagem beligerante dos Estados Unidos no continente.

A insistência com que ele se referiu à superação da ditadura militar no Brasil pela ação de pessoas que, como a presidente Dilma Rousseff, resistiram em defesa da democracia, comparando a situação brasileira de 25 anos atrás com a atualidade dos países árabes que estão em crise política em luta por mais direitos, soou anacrônica e fora de propósito.

Até porque o sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick foi parte dessa luta e até hoje os sequestradores, como o ex-deputado Fernando Gabeira e o ex-ministro Franklin Martins, são proibidos de pisar em solo dos Estados Unidos.

Ora, se a luta deles foi tão meritória, como castigá-los eternamente por seus atos guerrilheiros? A não ser que Obama se anunciasse disposto a tentar aprovar no Congresso a revogação da legislação que proíbe para sempre de entrar nos Estados Unidos quem sequestrou um americano, sua fala não passa de uma demagogia fora de época.

O discurso de Obama no Municipal do Rio estava claramente preparado para o cenário anterior, uma fala para o povo reunido na Cinelândia.

A subida de gravidade da intervenção na Líbia aumentou também o grau de segurança da comitiva presidencial e o discurso passou para dentro do teatro, para um público mais selecionado, mas o tom continuou claramente populista.

Mas se desbastarmos os arroubos retóricos do presidente americano ficará sua moderna visão do mundo multipolar, sua compreensão do novo jogo de poder geopolítico, onde os Estados Unidos continuam sendo, apesar da crise, a maior potência internacional, mas agora circundados por uma variedade de poderes regionais, como o Brasil, que ganham relevância nas decisões e precisam ser ouvidos.

Um relacionamento de "igual para igual" não significa que desconheçamos as assimetrias que persistirão, não apenas em relação ao Brasil, mas quer dizer que já temos influência suficiente para sermos parte do grupo mais amplo que compartilha as decisões internacionais.

Por isso mesmo é importante a posição equilibrada que o Brasil vem adotando na sua política externa, que, se não é oposta à executada pelo Itamaraty durante os anos Lula, esta sendo recalibrada para se tornar mais eficaz nesse novo mundo em que já marcamos nosso lugar.

A presidente Dilma estreou bem na chamada diplomacia presidencial, sem deixar de colocar de maneira clara nossas reivindicações, mas também sem politizar questões que podem ser negociadas sem idiossincrasias de ambas as partes.

O avanço que o comunicado conjunto deu na questão do assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, admitindo a justeza da pretensão, mesmo não sendo afirmativo como fora em relação à Índia e ao Japão anteriormente, certamente só aconteceu devido à constatação de que a nova postura de nossa diplomacia já não justifica receios, embora não seja admissível o governo dos Estados Unidos esperar uma posição submissa.

FONTE: O GLOBO

Nem carne nem peixe:: Dora Kramer

O PSD, partido cuja criação foi anunciada oficialmente ontem pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, é uma síntese do quadro partidário brasileiro.

Não tem ideário específico nem posição nítida, se propõe a transitar do governo à oposição, não faz exigências de natureza doutrinária a quem se dispuser a aderir, não apresenta um plano de voo além da oportunidade de disputa de eleições e exibe um programa adaptável a gregos e troianos.

A declaração do deputado Protógenes Queiróz, presente ao ato de lançamento, é emblemática: não está pensando em se filiar ao partido, mas disse que se Kassab convidá-lo para ser candidato à Prefeitura de São Paulo, em 2012, aceita de bom grado trocar o PC do B pelo PSD.

Não vai acontecer, mas bem que poderia se Protógenes tivesse credenciais melhores que ter sido eleito na esteira dos votos de outrem graças às artes do coeficiente eleitoral, a julgar pelos primeiros movimentos PSD e manifestações de seu fundador.

O partido é dito liberal, mas até outro dia havia a firme intenção de se fundir à legenda socialista presidida pelo governador Eduardo Campos. Mudou de nome antes do batismo, para não dar margem a piadas como PDB (Partido da Boquinha) e alterou também seus planos de fusão.

Kassab, que há menos de um mês dizia que numa escala de 0 a 10 não passava de 1 a chance de seu partido seguir viagem sozinho sem se juntar a uma outra agremiação, ontem descartou completamente a hipótese. Para fugir da acusação de que criou um partido "trampolim" apenas para livrar a si e seus novos correligionários dos rigores da fidelidade partidária.

Segundo o prefeito de São Paulo, o PSD é independente, fará "uma espécie" de oposição responsável ao governo Dilma Rousseff mas, ao mesmo tempo, se propõe a ajudá-la a ser "uma grande presidente".

Ao mesmo tempo que adula Dilma, faz da fidelidade ao tucano José Serra profissão de fé, já anunciando que não se oporá a Geraldo Alckmin em São Paulo.

Ante tanto ecletismo, é de se perguntar: afinal de contas, que apito tocará o PSD?

Mesura. O casal Obama deu um show de charme, compostura e simpatia e o presidente americano foi muito gentil, bem como sua assessoria muito competente nas referências históricas e contemporâneas ao Brasil, no discurso do Teatro Municipal do Rio.

Elogiou, celebrou, mas de importante não disse coisa alguma. Fez uma fala "social", guardando o discurso político para a visita ao Chile, este sim um aliado incondicional dos Estados Unidos.

Desmesura. A explicação de que Lula recusou o convite para o almoço com Obama para não "ofuscar" Dilma além de presunçosa é falaciosa. Pela própria composição do cerimonial não há "ofuscação" possível: quem aparece ao lado do convidado o tempo todo é a atual e não o ex-presidente.

Faz mais sentido a impressão geral de que Lula não foi para não ser "mais um" entre outros ex-presidentes. E para não passar pelo constrangimento de ouvir sem compreender a conversa na mesa, da qual fazia parte Fernando Henrique Cardoso.

Se o ex-presidente queria se fazer notar pela ausência, tornou-se percebido pela descortesia. Não surpreendeu.

Para contrariar. Os mais fanáticos fazem de tudo motivo para conflito: de "presidente" versus "presidenta" a blog de Bethânia, qualquer assunto vira uma disputa entre governistas e oposicionistas, cujos embates não costumam privilegiar bom senso, lógica nem discernimento.

Do lado do PT, esse pessoal agora busca razões ocultas para explicar a boa receptividade de Dilma Rousseff em seus primeiros dias entre os não adeptos de sua candidatura a presidente.

É como se vivessem numa dinâmica movida pelo confronto por mero prazer de confrontar.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Do útil ao agradável:: Eliane Cantanhêde

Pobre oposição... é o que deve estar pensando quem viu Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso confraternizando na festa de 90 anos da Folha e, depois, a foto dos dois brindando quase carinhosamente na recepção a Barack Obama no Itamaraty.

Nada contra a civilidade, mas constata-se que a oposição está ficando claustrofóbica, sem espaço para se movimentar e respirar, e parece uma barata tonta com a criação do PSD, o novo partido de Gilberto Kassab.

Por mais que ele mande sinais amigáveis para os tucanos em São Paulo, seu alvo é atrair os descontentes nos partidos governistas e os aflitos na oposição para dar mais uma sigla de apoio ao Planalto.

Dilma, portanto, vai muitíssimo bem, obrigada, conquistando a simpatia de símbolos como FHC -a quem incluiu na mesa principal do almoço-, dividindo a oposição, imprimindo sua marca ao governo e gerando expectativas positivas até entre os 44 milhões que preferiram José Serra e não votaram nela.

Tudo isso não é à toa. Dilma herdou a boa vontade que a população tinha em relação a Lula, agregou doses de seriedade e compromisso com princípios e correu a aparar as arestas deixadas pelo antecessor -junto à imprensa e a grandes líderes, por exemplo.

Ou seja, ela juntou o útil ao agradável: capitaliza o fato de ser continuação de Lula, mas sem se contaminar com os erros e passando a percepção de que pode ser ainda melhor do que ele.

Assim, não surpreende que ela tenha conseguido no Datafolha inéditos 47% de aprovação no início de seu primeiro governo, comparáveis aos índices que o próprio Lula obteve apenas quando começou o seu segundo.

E aqui vai uma avaliação: afora a parte em que voltou ao palanque para badalar Lula, o discurso de Dilma foi mais concreto e político do que o blá-blá-blá de Obama tratando o Brasil como um menininho que tirou boa nota.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O infiel da balança:: Wilson Figueiredo

Partidos nominalmente liberais e, entre nós, carimbados como de direita, já não produzem eco eleitoral na sociedade de consumo. E, daí para baixo, ainda menos. A última legenda partidária da linhagem liberal genuinamente brasileira levou com ela a própria democracia (ou terá mesmo sido o contrário?) para o exílio depois de 1964 e, na redemocratização seguinte, coube àquela Frente Democrática que substituiu o primeiro PSD – como infiel da balança – decidir o impasse ao fazer o resultado pender em favor da oposição na última eleição presidencial indireta. Página virada. E assim voltamos para onde estamos há mais de vinte anos, de onde não será fácil alcançar nível mais credenciado, por ignorância do que possa ser uma social- democracia. Inclusive, pelo equivoco de tratar no mesmo nível liberalismo e direita, como se fossem univitelinos. A falta de atenção nas semelhanças e nas diferenças pode ser fatal.

Acaba de ser oficialmente devolvida ao consumo, pelo seu autor e principal interessado, um novo Partido Social Democrático, que, ao contrário do seu antecessor histórico, nasce fora da órbita federal para reunir as sobras dos acertos que escaparam aos caprichos das urnas na última eleição. Nada a ver com aquele PSD que, por trás do crédito universal da social- democracia, se situou no nível da realidade social, econômica e política, no mesmo Brasil sem compromisso com ideias que passam ao largo. Naquele tempo não se falava em social-democracia mas em pessedismo, como estilo de fazer política e manter-se no poder. Em último caso, não passar recibo. Uma arte que alcançou seu apogeu no PSD mineiro. Foi-se a Constituição de 1946 e, com ela, o PSD: o pessedismo se recolheu, e o Brasil ficou órfão.

O pessedismo deixou de saldo lição que teve tudo a ver com as condições do país que saiu da ditadura em 1945 para a democracia, sob os auspícios de situação internacional favorável ao grande salto político depois da Segunda Guerra. Já este novo PSD nasce de olho na eleição estadual de São Paulo em 2014. É pensar curto num prazo longo. E, a partir daí, o neopessedismo perde o pé na realidade que desautoriza como solução o novo partido para resolver situações pessoais. Um partido a mais, entre três dezenas de legendas soltas, não contribui para dar viabilidade à democracia, como a própria reforma política, que tardou a ser proposta com responsabilidade, tendo em vista o verdadeiro lixão ético que se acumula com ramificações políticas e administrativas, sem a menor consideração pelo cidadão (que não esquece que é ele quem custeia o enriquecimento pessoal de políticos).

Como se vê, mesmo a contragosto, as causas do que se passa não são piores nem mais ocultas do que as consequências, a começar do novo PSD que, sem os que o ajeitaram, não quer mais do que está implícito, e deixa ao acaso os que arriscam uma cota de futuro num saco de gatos-pingados. Pois a reforma política vem por aí e, se não vier, também não será melhor o que espera este exacerbado pluripartidarismo que vem purgando o jejum bipartidário a que os militares submeteram os políticos de então.

Não custa lembrar que, na eleição que trouxe o Brasil de volta à democracia em 1945, o presidente da República foi eleito pelo partido organizado dentro do poder, onde se encontravam também seus dirigentes, já em nome da social- democracia que sobrava do passado na Europa e podia ser importada livremente. Assim que se anunciou o resultado favorável ao PSD, agraciado com a eleição do ministro da Guerra, general Eurico Dutra, não faltou o telegrama de felicitações de um partido (dizia-se à época) social-democrata que, da Turquia, saudava o triunfo da social-democracia em terra brasileira. E, óbvia e pessedistamente, o PSD deve ter agradecido com a maior naturalidade como se fosse verdade. Se non è vero, è bene trovato.

FONTE: JORNAL DO BRASIL

O protagonismo às avessas de Lula:: Raymundo Costa

De todas as desculpas atribuídas a Luiz Inácio Lula da Silva para não ir ao almoço no Itamaraty em homenagem a Barack Obama, a pior é a de que o ex-presidente não queria "ofuscar" sua sucessora, Dilma Rousseff. Trata-se de uma desculpa recorrente na corte lulista. Não é a primeira vez que ela aparece. O ex-presidente deve refletir sobre suas implicações. Essa é uma justificativa que diminui Dilma Rousseff, uma presidente em franco processo de afirmação, como demonstra a pesquisa Datafolha divulgada semana passada - 47% de bom e ótimo, o melhor primeiro ano de um novo governo desde a redemocratização.

Pior ainda, é uma desculpa que diminui o próprio Lula: ao não comparecer ao almoço no Itamaraty o ex-presidente cometeu uma descortesia com Dilma, que o convidou, não importa se por telefone, carta, e-mail, telegrama ou pelo cerimonial do Ministério das Relações Exteriores. E uma grosseria com Obama. Lula foi o primeiro presidente sul-americano recebido pelo americano, após sua eleição, no salão oval da Casa Branca.

Posteriormente, num encontro do G-20, em Londres, Obama voltou a festejar Lula, desta vez como o "político mais popular da terra". Enfim, "o cara".

Brasília é uma cidade de muros baixos, sabe-se que Lula não gosta de Obama e há indícios de que a recíproca é verdadeira. A inflexão de Lula em relação aos EUA é localizada a partir de 2005, quando o ex-presidente recorre a sua base social para enfrentar a crise do mensalão e a tentativa do impeachment. As relações deterioraram de vez com as respostas de Lula aos afagos de Obama, como a aproximação com o Irã. O então presidente brasileiro não escondia um certo ar debochado quando falava de Obama.

As relações políticas, internas ou externas, não devem ser marcadas por gostos pessoais. A escala é a razão de Estado. Neste aspecto, Dilma marcou um gol de placa ao convidar para o almoço com Obama todos os ex-presidentes brasileiros, desde a redemocratização. Um processo, aliás, que completou 25 anos na quarta-feira, o mais longo período de normalidade democrática vivido pelo país desde a proclamação da República, nos idos de 1889. Estavam lá José Sarney, do eternamente governista PMDB, Fernando Collor (PTB), ex-inimigo com o qual Lula agora troca afagos, Itamar Franco, um independente no PPS, partido de oposição, e, para alergia de muito petista, Fernando Henrique Cardoso.

Nada mais representativo da estabilidade da jovem democracia brasileira, na qual, em um quarto de século, todo o espectro político se revezou no poder; a superinflação foi domada; um presidente da República sofreu o impeachment e a oposição - no episódio do mensalão - aprendeu que não é possível arriar um presidente do poder sem o apoio das ruas. Estabilidade que contribuiu para o atual estágio de desenvolvimento do país e sobre a qual o Congresso deve refletir com cuidado, se estiver mesmo disposto a fazer uma reforma para aperfeiçoar o sistema político.

Quando Lula recusou o convite de Dilma para o almoço, aí sim, o ex-presidente se transformou em um protagonista do evento. É presunção dizer que ele ofuscaria Dilma, se tivesse ido à festa. É fato concreto que sua ausência provocou uma série de especulações sobre a solidez da política de reaproximação de Dilma com os EUA, quando se conhece a influência de Lula sobre o governo da presidente e o PT, partido ao qual são ligados alguns dos movimentos sociais que armaram os protestos com ar déjà vu contra a visita, no Rio de Janeiro.

Os temores da comunidade internacional não deixam de fazer sentido, quando se alega que Lula deixou no Palácio do Planalto seu principal assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, homem-chave na articulação com a Venezuela de Hugo Chávez e Cuba dos irmãos Castro. Pode também não passar de paranoia. Marco Aurélio Garcia aparentemente ficou um degrau abaixo do Itamaraty nas providências relâmpago que viabilizaram a viagem de Obama ao Brasil em menos de 90 dias de governo de Dilma Rousseff.

A recusa de Lula é que acendeu os sinais amarelos. Afinal, quem tem o poder de ofuscar também tem o de boicotar. Lula nunca pode perder de vista que é um ex-presidente forte e que suas ações têm consequências. O problema das consequências, como costuma dizer o ex-senador Marco Maciel, é que elas nunca veem antes. É presunção dizer que Lula ofuscaria Dilma (e Obama), se fosse ao almoço. Cai na mesma categoria a explicação segundo a qual o ex-presidente não foi porque "o momento" é de Dilma.

A outra explicação é que Lula guarda "quarentena". Bobagem. O ex-presidente ficou desobrigado no momento em que recebeu o convite de Dilma Rousseff. Lula poderia ter inventado uma viagem ou uma conferência marcada com antecedência. Se não quisesse aparecer mais que a anfitriã ou o convidado, bastaria se comportar como FHC, o principal líder da oposição presente ao regabofe: discretamente.

Sem alarde, a presidente Dilma Rousseff vem estreitando seus laços com Minas Gerais, sua terra natal e principal território da mais promissora candidatura do PSDB para 2014. O governador tucano Antonio Anastasia foi o primeiro a ser recebido por Dilma, no Palácio do Planalto, e já esteve com ela outras duas vezes.

A primeira, na reunião dos governadores da Sudene, em Sergipe. A última, em Uberaba. Ainda este mês Dilma pode ir a Minas para o lançamento de um programa social do governo (Rede Cegonha). No dia 21 de Abril ela receberá a Medalha da Inconfidência e será a oradora oficial da solenidade em Ouro Preto.

Em menos de 90 dias de governo, Dilma já despachou quatro ministros a Minas Gerais: Orlando Silva, dos Esportes, José Eduardo Cardozo, da Justiça, Fernando Bezerra, da Integração Nacional e Ideli Salvatti, da Pesca. Dilma também esteve sempre presente durante as enchentes em Minas. Dilma já escolheu até o local para o escritório da Presidência em Belo Horizonte. Por fim, no almoço em homenagem a Barack Obama, cumprimentou o ex-presidente com a seguinte frase: "Nós mineiros somos muito jeitosos".

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília

O papel da oposição na política brasileira:: Marcus Pestana

O Brasil experimenta seu mais longo e profundo ciclo democrático. Foram seis eleições diretas para presidente, a imprensa é livre, Judiciário e Ministério Público cumprem seu papel, a sociedade pode se organizar de forma autônoma. Com as virtudes e pecados típicos de uma obra em construção e imperfeita por natureza, vamos democraticamente construindo o país. Afinal, como disse um estadista, "a democracia é o pior sistema político, excetuando-se todos os outros".
A grande virtude da democracia é sua capacidade de autocorreção pela ação de diversos mecanismos de controle social, que evitam a persistência, unilateral e autoritária, em erros que sacrificam o futuro. O livre confronto de ideias e a ação dos diversos atores políticos produzem a melhor resultante e traduzem melhor o interesse público.

Só existe democracia forte com oposição forte. A existência de maioria e minoria, governo e oposição é a própria tradução do jogo democrático. E, estão aí Egito, Tunísia, Irã, Cuba e Líbia para nos reavivarem as lembranças do período autoritário, fortalecendo nossas convicções democráticas.

Desde 1994, PSDB e PT protagonizam a cena política brasileira. É verdade que, em perspectiva estratégica, não nos separa uma distância ideológica como a que separa Democratas e Republicanos nos Estados Unidos ou Berlusconi e o Partido Democrático na Itália. Mas existem diferenças de práticas, métodos, estilos que se cristalizaram ao longo dos últimos tempos.

A sociedade brasileira delegou ao PSDB, nas eleições de 2010, um inequívoco papel: vocalizar os interesses de mais de 40 milhões de brasileiros, exercendo oposição ao governo Dilma.

Não se trata de pirraça, de torcer para que coisas deem errado, de jogar no "quanto pior, melhor". Não. Uma oposição forte e qualificada é boa para o país, para a sociedade, para a democracia e para o próprio governo, que poderá corrigir rumos diante das críticas oposicionistas.

E, é só observar as primeiras semanas de funcionamento do Congresso para perceber do que estamos falando. Na medida provisória que criava a Autoridade Pública Olímpica, a ação do PSDB, do DEM e do PPS levou a um corte de 300 cargos comissionados com altos salários que estavam sendo criados e à retomada, na plenitude, de processos licitatórios para contratação de obras e serviços. Na MP da bolsa-atleta, o PSDB conseguiu retornar os investimentos aos clubes formadores de atletas olímpicos e paraolímpicos, como o Minas Tênis Clube, o que havia sido retirado pela liderança do governo do PT. E na questão do salário mínimo, não só demonstramos que havia espaço fiscal para um aumento maior, como introduzimos uma discussão fundamental sobre democracia e respeito à Constituição, criando espaço para uma ação junto ao Supremo arguindo a constitucionalidade da fixação do salário mínimo por decreto.

Como se vê, uma oposição ativa e consciente é boa para todos.

Marcus Pestana é Deputado federal (PSDB-MG)

FONTE: JORNAL OTEMPO (MG)

Água virtual :: Xico Graziano

Proteger os recursos hídricos do planeta está virando uma grande batalha ambiental. Ainda bem. Rios poluídos, nascentes secando, consumo perdulário indicam crise na chamada agenda azul. Água é vida.

Cresce a consciência da sociedade sobre a importância da água. Na Europa, especialmente na Espanha e em Portugal, o assunto tornou-se quase uma obsessão. Territórios desertificados, fruto da secular, e insensata, exploração humana da natureza, exigem extrema atenção das políticas públicas. É difícil, e oneroso, recuperar florestas, protetoras da água.

As mudanças de clima trazem novo, e desastroso, componente na oferta hídrica para a humanidade. Muitas nações, com a Índia, dependem das geleiras das montanhas para garantir seu pleno fornecimento hídrico. E elas estão derretendo a olhos vistos. Que o diga o Himalaia.

No Brasil, a gestão dos recursos hídricos se fortalece, mas caminha lentamente. Avançam a proteção dos mananciais e a recuperação da biodiversidade, nas matas ciliares especialmente, mas o passo está curto diante da urgência do problema.

Poucos Estados, São Paulo à frente, fazem realmente funcionar seus comitês de bacia hidrográfica. A Agência Nacional de Águas (ANA), criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, perdeu serventia após ser politizada nos esquemas petistas. Uma lástima.

A dramaticidade do tema favoreceu o surgimento de um novo conceito: o da "água virtual". Ele expressa uma contabilidade básica, qual seja, a de determinar a quantidade de água exigida no processo de fabricação de um produto. Isso avalia um custo ambiental.

Uma caneta ou um avião nada apresentam, visivelmente, de úmido. Entretanto, qualquer mercadoria para ser fabricada demanda certo consumo de água, em alguma fase da cadeia produtiva. Na indústria, as caldeiras movem-se pelo vapor, as quais acionam máquinas, derretem metais, moldam plásticos. Móveis inexistiriam sem a seiva das árvores, alimentadas pelas raízes no solo molhado. Por aí segue o raciocínio.

Calculando a quantidade de água necessária, ou melhor, consumida na elaboração dos bens, pode-se comparar a eficiência dos processos produtivos. Vale na indústria como na agricultura, visando à economia do recurso natural. Mais ainda: no comércio internacional, transfere-se água embutida nas mercadorias, elemento que poderia entrar no preço das exportações e importações. A rica teoria encanta ecologistas mundo afora.

Breve pesquisa na internet vai mostrar que o Brasil é o 10.º exportador mundial de "água virtual", num comércio que movimenta cerca de 1,2 trilhão de litros do precioso líquido, disfarçado nas mercadorias, sendo 67% desse volume relacionados com a venda de produtos agrícolas. Essa é a grandeza planetária da equação.

Números específicos chamam a atenção. Eles indicam que um quilo de carne bovina necessita de 15.500 litros de água para chegar à mesa; um quilo de arroz vale 3 mil litros; uma xícara de café se iguala a 140 litros de água. Surpreende a precisão. Segundo a organização The Nature Conservancy (TNC), uma importante entidade ambientalista, não necessários 10.777 litros de água para fazer uma porção de chocolate, enquanto um carro exige 147.971 litros para ser construído. Conclusão: evite sobremesas e ande de bicicleta para ajudar o equilíbrio da Terra.

Atraente, mas discutível. O cálculo desse fetiche ecológico esconde um perigo, disfarçado por pressupostos, estimativas e arbitragens que o distanciam da matemática, uma ciência exata. Na linguagem popular, chuta-se muito. O grande problema reside na estimativa da quantidade de água embutida nos alimentos. Invariavelmente uma brutal deformação pune a agricultura. Veja o porquê.

Vamos pegar o caso da carne. A conta acima da "água virtual", além do consumo na limpeza das instalações em máquinas, na ração do cocho, na silagem, etc., considera também a quantidade de água que o bicho bebe para ajudar a digestão e viver tranquilo. Acontece que um boi ingere pelo menos 30 litros/dia de água. Ao final de três anos, quando será abatido, terá engolido 32.850 litros apenas para matar a sede.

Preste atenção: incluir tal consumo na conta da "água virtual" somente estaria correto se o boi, ou sua senhora vaca, não fizessem xixi! Acontece que a urina dos animais, do homem inclusive, participa do ciclo da água na natureza, matéria elementar lecionada na quarta série do ensino fundamental. Na escola as crianças aprendem que a água assume formas variadas - gasosa, sólida e líquida - no sistema ecológico do planeta. Assim, recicla-se naturalmente.

Paradoxalmente, o ciclo da água, um dos conceitos fundamentais da ecologia, acabou esquecido pelos proponentes da "água virtual". Um absurdo científico. Dizer que um cafezinho exige 140 litros de água para ser produzido considera o volume de água absorvido pelas raízes da planta, esquecendo simplesmente a evapotranspiração que ocorre em suas folhas, sem a qual inexistiria a fotossíntese. Vale para qualquer alimento.

Em 22 de março se comemora o Dia Mundial da Água. Data para profunda reflexão. A crise ambiental do planeta afeta dramaticamente os recursos hídricos, afetando milhões de pessoas. Essa bandeira ambiental não pode ser desmoralizada por equívocos banais.

É totalmente distinto gastar água nos processos fabris, ou no resfriamento de reatores atômicos, de utilizá-la nos processos biológicos vitais. Igualá-los significa cometer erro crasso, estimulando um festival de bobagens que, no fundo, serve apenas para agredir o mundo rural. E livrar a barra dos setores urbano-industriais.

Na Páscoa coma chocolate sem culpa ambiental. Cuidado, isso sim, com a balança.

Agrônomo, foi Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Agradeça o apreço:: Míriam Leitão

A viagem de Barack Obama foi bem sucedida. Pelos dois lados. Dilma firmou seu estilo ao chamar os ex-presidentes, ao ser objetiva nas demandas comerciais. Obama e sua família deixaram a marca do carisma e da naturalidade. O que mais se pede de uma visita de presidente? Há sempre a expectativa de fatos concretos, mas uma viagem presidencial é um gesto, uma etapa do caminho.

O ingrediente inesperado foi o presidente Obama autorizar daqui do Brasil o ataque ao arsenal aéreo de Muamar Kadafi, na Líbia. Não deixa de ser irônico o fato de que antes dos aviões americanos os Rafale franceses foram precursores da ação internacional, no momento mesmo da conversa entre a presidente Dilma e o presidente Obama. Os Rafale poderiam ter sido a opção da compra dos caças se a decisão tivesse sido tomada no ano passado, e ainda estão na disputa. Mas os Estados Unidos foram mais discretos em seu lobby a favor dos FA-18, da Boeing.

Brasil e Estados Unidos têm o problema da anemia nas relações comerciais. Eles já foram nosso principal parceiro, deixaram de ser. Nós tínhamos um superávit comercial de US$10 bilhões, há quatro anos, e temos um déficit de US$7,7 bilhões, agora. E a explicação não é apenas a crise americana. Os Estados Unidos têm déficit com a maioria dos países, e superávit com o Brasil. Poderíamos vender mais para o maior mercado do mundo, mas encontramos barreiras ou temos incapacidade de superá-las. Em parte, o encolhimento da participação do comércio bilateral é derivado da falta de agressividade da política comercial brasileira no último governo em buscar espaço no mercado americano através de acordos e promoção comercial.

Os dois países têm contenciosos antigos e deles falou a presidente Dilma: aço, suco de laranja, algodão, etanol. Cada um enfrentando do outro lado lobbies bem organizados. De todos, o lobby que barra o etanol é o mais lesivo aos interesses dos próprios americanos porque por falta de terra eles só conseguem ampliar o cultivo de milho se deslocarem outras culturas. A alta do algodão dos últimos meses foi provocado justamente por queda de área plantada.

No discurso do Teatro Municipal, cabia falar de valores comuns, como ele fez, e muito bem. Brasil e Estados Unidos são países jovens, de grande extensão territorial, de populações grandes, mas que nunca serão grandes demais - eles têm 300 milhões, nós, menos de 200 milhões -, que foram colonizados, que viveram o flagelo da escravidão, que receberam ondas de migrantes de países diferentes. Temos inúmeras semelhanças e nossas diferenças: a história racial é diferente, mas não tanto quanto dizem os que cultivam o mito da democracia racial. Por isso, o fato de ele ser negro é um impulso ao sonho de milhões de negros no Brasil.

Os princípios da independência americana estavam presentes em rebeliões do Brasil como a Inconfidência Mineira, e nos projetos de José Bonifácio para a Nação. Tivemos uma história paralela, mas preservamos nossa autonomia mesmo no mesmo continente da maior economia do mundo. Por isso, o que nos cabe agora é de fato uma parceria, onde não há júnior e sênior. Pode dispensar a atitude infantil de reafirmar a independência em gestos e desaforos quem de fato se sente independente.

Em relação ao assento no Conselho de Segurança da ONU, sua declaração foi pálida, perto da forte indicação de apoio dado à Índia. Alvaro Gribel, que trabalha aqui na coluna, é compositor. Uma de suas melhores músicas tem o título perfeito "Agradeça o apreço". Pois é, agradecemos o apreço. O mais interessante na proposta brasileira não é o desejo de fazer parte desse clube exclusivo, mas o fato de que a forma de organização do poder nas Nações Unidas já não reflete mais a divisão do poder mundial, bem mais complexo com as potências médias, a diversidade, os emergentes.

O ponto mais fraco da visita à América Latina foi sua nenhuma relação com a imprensa brasileira. Convenhamos, entrevista por escrito como ele concedeu para a "Veja" e para o "El Mercurio", do Chile, é desconsideração. Entrevista por escrito qualquer assessor pode responder, além disso, tira do repórter sua principal arma que é a segunda pergunta. Numa rápida entrevista no Chile, não disse nada que não fosse previsível.

No começo do governo George Bush, a região foi tão negligenciada que nem havia um subsecretário para assuntos latino-americanos, e o primeiro escolhido era um cubano, que via o conflito com Cuba como a grande questão da região. Por isso, muitos analistas esperaram que na diplomacia de Barack Obama a região fosse ter maior visibilidade e importância. Não teve muito, mas a visita que faz agora a três países da região traz ganhos.

No Brasil, ele passou o fim de semana. E a imagem dele numa área antes ocupada pelo tráfico como a Cidade de Deus, ao lado de garotos negros como ele, jogando bola, tem um valor simbólico maior do que as costumeiras visitas de presidentes a projetos sociais bem sucedidos. É que desta vez é um bairro inteiro, um enorme bairro que é símbolo de um movimento do Rio contra a ocupação territorial do tráfico de drogas. Chicago, onde Michelle nasceu, sabe o que é lutar contra o crime. Em Santiago, ele falou no La Moneda, um dia bombardeado por um golpe que teve o apoio de Washington. Velhos e, felizmente, superados tempos.

FONTE: O GLOBO

Cultura Política (PCB): O Sentido Reestruturador da Política Econômica*:: Caio Prado Jr.

Devemos notar muito bem o dualismo que observamos na economia brasileira, a saber, de um lado, o sistema colonial que nele prevalece; doutro e esboçando-se no interior daquele sistema, novas formas econômicas que apontam na direção de um desenvolvimento diferente que sempre tivemos no passado. Essa distinção é essencial para se ter um panorama adequado da economia brasileira e para nele se orientar, pois doutro modo resulta a ilusão, tão freqüente na observação e interpretação de nossa economia, que podemos passar como que automática e espontaneamente de uma para outra linha de desenvolvimento; e, mesmo que não há que preocupar-se com o assunto, uma vez que de qualquer maneira todos caminhos levam num mesmo sentido que não se procura caracterizar suficientemente e que se inclui indiferenciadamente na expressão vaga e indeterminada de “desenvolvimento.”

Voltamos assim à questão da presumida unicidade do desenvolvimento que já consideramos em capítulo anterior. Essa concepção se afirma particularmente, como se viu, na Teoria do Desenvolvimento esboçada sobretudo pelos economistas da CEPAL para os países da América Latina. A noção de “desenvolvimento” aparece muitas vezes nos trabalhos desses economistas como simples efeito de uma difusão da técnica moderna, difusão essa que é tomada num sentido muito semelhante e podemos dizer mesmo idêntico àquele que encontramos na Antropologia com relação à difusão cultural. É assim que Prebisch, depois de assinalar que a moderna técnica industrial “irrompe na Grã-Bretanha, espalha-se para o continente europeu ... alcança os Estados Unidos.... finalmente manifesta-se no Japão...”, conclui que esse processo de difusão atinge agora os países periféricos do mundo moderno, e escreve: “Examinado de perto, verifica-se que o desenvolvimento econômico dos países que formam a periferia constitui uma nova fase de propagação universal dos novos métodos da técnica produtiva, ou melhor, no processo de desenvolvimento orgânico da economia mundial”.

Esse decalque de métodos empregados pela Antropologia na reconstituição da história de povos primitivos (e que somente assim restritivamente empregados se justificam) não tem no domínio da interpretação de uma história econômica, que é de ontem, razão de ser. E, quando proposto como premissa de uma análise econômica de que se pretendem tirar conclusões e soluções práticas, é de um simplismo elementar. O problema de países periféricos de nosso tipo não consiste simplesmente em serem atingidos pela “propagação da técnica moderna” e adotarem em conseqüência essa técnica; e sim de criarem as condições para isso, o que é bem diferente. E, sobretudo, colocarem essa técnica a serviço de um objetivo de antemão determinado; determinação essa que constitui o ponto mais complexo da questão. De altíssimo nível técnico são as refinarias de petróleo da Venezuela e do Oriente, mas nem por isso elas significam muita coisa para esses países e suas populações.

Além disso, atribuir o eventual progresso da técnica em países periféricos a um “progresso de desenvolvimento orgânico da economia mundial” é jogar no mesmo saco as finanças de Wall Street, que constituem sem dúvida um dos mais salientes traços daquele “desenvolvimento orgânico da economia mundial”, e o esforço de libertação econômica dos países coloniais que pretende colocar aquele progresso da técnica a serviço de uma tal libertação.

Em suma e no essencial, o desenvolvimento de países como o nosso pode representar simplesmente, como aliás já se viu antes, um crescimento dentro dos mesmos moldes de sempre e que nada trazem de substancialmente novo. O que se verificou no Brasil, durante um século e mais, no domínio da economia cafeeira, é uma evidência disso. Não discuto aqui, por enquanto, a eventual preferência por esse tipo de desenvolvimento. Mas sejamos claros, pelo menos, quanto à natureza dessa preferência; e, ao escolhermos o futuro econômico do Brasil, saibamos precisamente em que consiste a nossa escolha.

Essa resenha, sumária embora, das nossas possibilidades no terreno da produção primária e dos horizontes que ela oferece já não digo para a expansão da economia brasileira, mas para uma simples conservação de valores e manutenção do nível material e tão baixo da população do país, uma tal resenha é suficiente para atenuar e contrabalançar o otimismo, sincero ou não, daqueles que pretendem deixar as coisas como estão, na esperança que algum dia, por obra de não sabemos que acaso, tudo se resolva satisfatoriamente. Mas ao invés dessa esperança aleatória parece-me impor-se uma conclusão mais concorde com os fatos e é que a história do Brasil como exportador de produtos primários atingiu sua última etapa e se está céleremente encerrando. E se acima propus a alternativa de conservar ou transformar, já agora creio não haver exagero na substituição do “conservar” por “perecer.”

Mas transformar como? A proposição não é nova; ela já nem mais pertence unicamente a vozes isoladas, mas forma correntes de pensamento, inclusive em círculos que por outros lados são nitidamente conservadores. Entre outras manifestações de envergadura com tal caráter, lembrarei o amplo movimento esboçado em 1944 e liderado pelo industrial e economista Roberto C. Simonsen, movimento esse que repercutiu fundamentalmente nas esferas oficiais e em congressos de classes conservadoras e que se propunha, sem restrições, uma reestruturação básica da economia brasileira. Não caberia aqui discutir essas e outras manifestações da mesma natureza, nem os fatores, sobretudo de ordem política, que nos últimos anos amorteceram ou desviaram tais impulsos renovadores de suas finalidades; e lembro-os unicamente para mostrar como a questão se propõe agudamente há muito tempo e já sob forma de programas concretos de ação. Não estou portanto no domínio da pura especulação teórica, nem muito menos fantasiando situações como pretexto para dissertações doutrinárias.

Consideremos esses projetos reformadores e as idéias dominantes no assunto, observando particularmente, como é natural aqui, as suas implicações de teoria econômica. Eles se acentuam em dois pontos: de um lado, no desenvolvimento das forças produtivas e do aparelhamento material do país; no aumento em suma da produtividade, a ser conseguido através de um largo planejamento da economia brasileira; e doutro, na questão dos capitais necessários para realizar um esforço reconstrutivo, isso considerando a carência desses capitais no Brasil e a insuficiência, entre nós, do processo de capitalização. Em rigor, esses dois pontos se conjugam e completam, uma vez que se poderia dizer que é através da solução dada ao segundo que se resolveria o primeiro. Na realidade todavia, eles são em geral propugnados por diferentes pessoas e correntes de opinião, acentuando-se umas no aspecto do planejamento, sem maior preocupação com o processo de capitalização; outros, pelo contrário, insistem mais nesse processo. Entre os primeiros, encontramos o acima citado Roberto C. Simonsen, bem como o Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial que organizou o mais completo programa de planejamento já formulado no Brasil; programa esse aprovado pelo Congresso Brasileiro da Indústria realizado em 1944. Lembremos ainda a Conferência das Classes Produtoras de Teresópolis em 1945, onde o princípio do planejamento foi por unanimidade apoiado.

Doutro lado, aqueles que insistem mais (aliás muito deles exclusivamente) no problema dos capitais e do processo de capitalização, encontra-se em primeiro lugar um grupo de economistas reunidos sobretudo em torno do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, que se tem dedicado à análise técnica do assunto. O principal título contudo com que se apresenta aquela tendência (e é por isso que a trago para cá) é que ela reúne efetivamente o consenso de grande número de opiniões muito generalizadas entre nós que antepõem a qualquer programa de desenvolvimento econômico a questão de carência de capitais.

Essa diferença de orientação é maior do que se possa à primeira vista julgar – aliás, como já referi, parece mesmo não haver no caso divergência alguma e, pelo contrário, ambas as tendências se harmonizariam e completariam perfeitamente bem. Em todo caso, não pretendo aqui discutir o assunto que tem no momento um interesse secundário e levaria a terreno estranho à matéria em foco. Tanto mais que as duas posições citadas se prendem no plano teórico a uma mesma idéia dominante e fundamental que é a de acentuar, na solução do problema econômico brasileiro, o aspecto em particular da produção e da produtividade, em prejuízo de outro. No planejamento, o que se tem sobretudo em vista e o que condiciona em geral o plano, são a produção, o aparelhamento técnico e a mobilização dos recursos naturais. Quando àqueles que insistem no processo de capitalização, é óbvio que suas preocupações estão essencialmente voltadas para os empreendimentos produtivos de que a capitalização seria uma preliminar. Evidentemente essas questões não podem ser excluídas de qualquer solução a ser dada, no momento atual, aos problemas brasileiros. As minhas reservas são relativas ao destaque que lhes é dado, sem a consideração que a meu ver deveria ser preliminar ou, pelo menos conjunta e no mesmo plano, da questão do consumo e do mercado. No caso brasileiro, e entre os dois pólos do mecanismo econômico, a produção e o consumo, a oferta e a procura, escolheria o segundo como ponto de partida e baliza do assunto.

Mas antes de considerar especificamente o caso brasileiro, não será fora de propósito lembrar que a própria teoria econômica no que tem hoje de mais autorizado e acatado, vem deslocando há muito tempo (quase vinte anos pelo menos) seu ponto-de-vista antes e tradicionalmente fixado de preferência no lado da produção do valor, para o do fim a que se destina, pelo menos em princípio essa produção, a saber, o consumo. Durante um século e mais, ou seja praticamente da aurora da Economia Política, tal como a entendemos hoje, a teoria econômica ortodoxa se construiu na presunção da famosa lei atribuída ao francês Jean-Baptiste Say (e por isso conhecida por lei de Say, mas na realidade devida a James Mill) segundo a qual “a produção cria o seu próprio mercado.” As repetidas crises do sistema capitalista e finalmente a estagnação contemporânea às vezes interrompida por breves períodos de prosperidade (o inverso portanto do passado, quando a prosperidade era a regra e a depressão, o eventual e transitório) isso obrigou os economistas burgueses a confiarem menos na lei de Say e no presumido automatismo do ajustamento entre produção e consumo; e a voltarem suas atenções para o verdadeiro mecanismo desse ajustamento ou antes desajustamento, como a experiência tinha demonstrado. A chamada “revolução keynesiana”, hoje consagrada, não vem a ser em última instância senão uma explicação e tentativa de correção daquele desajustamento. Uma explicação, e tentativa apenas, entre outras muitas que as precederam no campo da Economia burguesa; e cujo valor maior que as anteriores está somente no fato de se proporem num momento mais oportuno para o capitalismo, isto é, quando ele já podia mais ostentar o otimismo do passado. Foi-lhe reconfortante uma explicação teórica e mais ou menos bem manipulada de suas crises e que não envolvesse expressamente a condenação do sistema que é o seu.

Mas seja como for, o que interessa para nós aqui é observar que a essência do keynesismo (como antes e paralelamente a ele já era da ação política de alguns estadistas práticos que procuravam por processos administrativos atenuar o efeito catastrófico das crises capitalistas) consiste em provocar o que pela lei de Say deveria resultar automaticamente da produção, isto é, o mercado para ela. Ora é precisamente isso que se propõe no Brasil, embora naturalmente em circunstâncias muito diferentes daquelas que inspiram a Economia Política dos grandes centros capitalistas do mundo atual; e por razões também diferentes. A que vêm então Keynes, seus antecessores e sucessores? Nisso que destruíram ou contribuíram para destruir em certos setores, justiça lhes seja feita, preconceitos que embora ainda tenham sua força, acham-se bem abalados; e atuariam muito mais, não fosse aquele desmentido da teoria oficial, embaraçando a solução de problemas que sem tais preconceitos se encaminharia muito mais facilmente.

Esse é o nosso caso. Embora as condições do Brasil sejam tão profundamente distintas daquelas para as quais teorizaram e medicaram os economistas da “revolução keynesiana”, essa “revolução” e a autoridade que traz no seu bojo podem servir entre nós pelo menos para facilitarem o deslocamento do ponto-de-vista de muitos economistas e orientadores da política econômica do país, da questão da produção para a do consumo; o que no Brasil e nas condições atuais é particularmente importante, como logo veremos. É claro, segundo penso, que toda a recente teoria econômica de prevenção e terapêutica anticíclicas não tem e não pode ter projeção futura muito grande, porque em matéria de aprofundamento das contradições do sistema capitalista, ela não vai muito além do reconhecimento que tais contradições são mais profundas do que pensava a Economia Política clássica; e que o “livre jogo dos fatores naturais” não é suficiente para corrigir os desajustamentos do sistema, como acreditavam os pais da Economia Política do século passado. Aquela teoria conserva-se por isso na superfície e exterioridade do mecanismo capitalista e pensa corrigir seus desarranjos com simples malabarismos financeiros ou pouco mais que isso. É assim insuficiente e improcede na prática: não resolverá as contradições do sistema capitalista, que dentro desse sistema são insolúveis. Mas considerada generalizadamente, constituiu sem dúvida uma grande mudança de concepções, pois reconhece-se com ela afinal (embora naturalmente sem confessá-lo expressamente e disfarçando com cuidado o fundo da questão) que a produção econômica não pode significar unicamente um processo para os titulares do capital se apropriarem do trabalho alheio sob a forma de lucros; e que em certos momentos pelo menos (até aí vão os “revolucionários” do keynesismo) é preciso restaurar a produção no seu verdadeiro papel que embora lhe seja aparentemente concedido pela Economia burguesa, de fato e no funcionamento real do sistema capitalista ocupa, um lugar secundário e serve sobretudo de pretexto; a saber, que a produção se destina a satisfazer necessidades humanas.

Obtém-se com esse reconhecimento (ou obtêm pelo menos aqueles que se aferram à tradição burguesa, porque para outros o caminho já se acha há muito desimpedido) uma base teórica sobre a qual é possível desenvolver uma nova Economia onde o consumo seja devidamente levado em conta. Isso não resolverá, como referi, as contradições do capitalismo e os problemas que se propõem naqueles países de grande desenvolvimento capitalista onde tais contradições chegaram ao auge. Mas no Brasil, país periférico do sistema e onde o capitalismo não é por enquanto senão função dessa posição marginal e complementar que ocupa, a questão se apresenta diversamente. Nós temos ainda, por assim dizer, que “construir” o nosso capitalismo; e é assim da maior oportunidade uma concepção que chama a atenção para uma das peças essenciais do sistema, o mercado, de que a Economia clássica nunca se preocupou devidamente porque era um dado implícito nas condições do Velho Mundo e depois dos Estados Unidos, por força do rumo que tomou lá a colonização; mas que no Brasil se apresenta em circunstâncias peculiares, isto é, não se integra com a produção num sistema de conjunto (no sentido da estruturação clássica do capitalismo), uma vez que a economia brasileira se organizou e dispôs suas forças produtivas não em função do consumo dos participantes nela e sim na de um mercado estranho. Não é consumo dos indivíduos engajados na produção que se faz o mercado dessa produção e sim o consumo de outros indivíduos completamente estranhos àquela produção e largamente dela apartados. Mas não insistirei num ponto já abordado mais acima e que constitui a linha central de pensamento nesta tese.

A nova Economia vem assim ao encontro, de certa forma, das necessidades teóricas de uma Economia a ser elaborada para nossas condições, nossos fins e propósitos. Não no seu conteúdo, repito, que envolve fatos bem distintos daqueles com que devemos lidar; e sim no seu ponto de partida, bem como na prática essencial a que leva e a que em derradeira instância se reduz; a saber, a do estímulo do consumo. Essa analogia, contudo, como logo se vê, é muito superficial e insuficiente para permitir que nos inspiremos na nova Economia, atribuindo-lhe maior significação, para nosso caso, que o de um lembrete, sem dúvida útil para muitos, mas não mais que isso. Para elaborarmos a nossa Economia e orientarmos com ela uma política econômica que leve aos fins almejados, é preciso que observemos os ensinamentos de nossa história, como foi esboçado nos capítulos anteriores. E o primeiro daqueles ensinamentos é que no ponto de partida da própria existência de nossa economia se encontra o estímulo comercial como fator singular e decisivo. A rigor mesmo, esse estímulo foi o responsável pela própria eclosão da nacionalidade brasileira, pois é lícito afirmar que se o Brasil surgiu e se fez uma nação, é porque esse território que hoje o constitui se mostrou adequado à satisfação de uma demanda comercial.

Essas circunstâncias se perpetuam através de nossa história e repetem-se nos diferentes ciclos econômicos nos quais e pelos quais se foi constituindo o Brasil. Isso se refletirá profundamente, como se viu anteriormente, na estrutura e natureza de nossa vida econômica. A atividade produtiva será estritamente condicionada pelo mercado e uma função direta dele. Isso pode parecer um truísmo e, de fato considerado teoricamente e, sobretudo, nos dias de hoje, assim é. Mas na prática a situação se apresenta diferentemente quando o mercado é uma realidade sempre presente e com o qual não há que preocupar-se ou pelo menos não há que preocupar-se essencialmente. É o que ocorreu na aurora do capitalismo e, até época relativamente próxima, salvo em situações muito particulares e temporárias que foram as crises periódicas (quando elas ainda tinham esse caráter esporádico). Lembremos que o problema econômico da Europa, onde nasceu o capitalismo, sempre fora o da produção; e, até o advento da revolução industrial, determinava-se aquele problema pela carestia e carência de produção capaz de satisfazer as necessidades da população européia. Cingia-se assim a questão à organização da produção. Aliás, o capitalismo industrial moderno não exprimiu senão uma tal organização no plano a que a revolução industrial elevara a técnica da produção.

É uma situação bem diferente da do Brasil, onde a organização da produção foi sempre um problema subsidiário e secundário em que o país se podia louvar nos conhecimentos e experiência de outros povos. De qualquer modo, nunca foi a insuficiência da produção que propôs nossos principais e mais graves problemas, nem foi ela que determinou nossas maiores dificuldades. O importante para a economia brasileira sempre foi a questão do mercado, o que nos grandes centros capitalistas nunca se propôs em geral, e sobretudo nos primeiros tempos, de maneira aguda. Na Europa, como depois nos Estados Unidos, a própria produção, na medida do seu desenvolvimento, foi criando o seu mercado. Na primeira fase do capitalismo, a lei do Say é perfeitamente justa; e não foi sem razão que ela se implantou tão solidamente no terreno da teoria econômica até época recente. Ora, isso não ocorreu no Brasil: o mercado, por ser externo (o interno, como vimos, era e é ainda função do externo) sempre independeu da produção; esta, portanto, não podia influir nele, no sentido que aqui nos interessa.

Por todos esses motivos, a afirmação de que a atividade produtiva e o estado geral da economia brasileira são função do mercado adquire um grande e particular sentido concreto. Deixa de ser a aparente tautologia que à primeira vista se afigura. A produção e o nível das atividades produtivas são efeito, não causa; e não há, em sentido contrário, ação apreciável; isto é, não constitui a produção e seu nível um fator ponderável, no essencial da economia brasileira, de estimulação econômica. Isso é exato mesmo para a situação criada no Brasil em sua última fase histórica, quando se formou no país ou começou a se formar um rudimento de mercado interno apreciável; e é exato ainda no que diz respeito a esse próprio mercado interno e às atividades que a ele se destinam. A razão é que, apesar de todas as transformações ocorridas, elas ainda não foram suficientes para deslocarem do mercado externo os fatores essenciais da conjuntura brasileira. O mercado externo continua sendo a base essencial de nossa economia; e o próprio mercado interno é função dele. Essa situação cria, aliás, uma situação complexa nas relações entre produção e mercado, pois se de uma parte o alargamento do mercado externo estimula o interno e, por conseguinte, a produção indígena que para ele se destina, doutra também favorece as importações que se farão muitas vezes em detrimento e prejuízo daquela produção. É o que ocorreu entre outros e de maneira flagrante nos anos que precederam à grande depressão de 1930, quando a alta conjuntura da exportação cafeeira determinou grave situação para setores importantes da produção brasileira, como em particular na indústria téxtil. Isso nos lembra mais uma vez que no processo econômico de países do nosso tipo entram variáveis que não se costumam ordinariamente considerar na teoria ortodoxa da Economia Política. Não é contudo essa a oportunidade própria para discutir o assunto mais a fundo.

Em conclusão, é no problema do mercado que em respeito à constante da economia brasileira que vimos acima, é aí que se há de acentuar em primeiro lugar a atenção da política econômica do país. Assim tem sido aliás desde sempre; só que até hoje e nos termos conservadores do sistema colonial dominante entre nós, aquele problema tem sido o do mercado externo. Tratando-se agora da transformação do sistema, mas necessariamente a partir dele e do legado que apresenta e respeitando, por conseguinte, as premissas que ele estabelece, é ainda do problema do mercado, mas dessa vez do interno, que se deve partir. Qualquer política econômica que pretenda realizar modificações substanciais da estrutura econômica do Brasil há de abordar a questão pelo ângulo da organização daquele mercado, que evidentemente existe, tanto efetiva como sobretudo potencialmente em proporções que são suficientes, como vimos, para abrirem perspectivas amplas à política de construção de uma economia verdadeiramente nacional. Quanto ao que diz respeito à produção, isso deverá ser considerado em função daquela organização do mercado. Trata-se de uma questão complementar que não se propõe por si e muito menos isoladamente como se faz tantas vezes. Mais precisamente, uma tal posição do problema se exprime generalizadamente pela norma de estruturar o mercado – isto é, mobilizá-lo e o organizar para a produção existente e desde logo possível no país; e como contrapartida também organizar e orientar a produção para o mercado existente e potencial que ofereça perspectivas de maior alcance e projeção futura. Isso poderá soar, assim de momento, como chuva no molhado. (...).

[1]Interpretação do Processo de Desenvolvimento Econômico, Revista Brasileira de Economia, março de 1951, p. 8.

[2]Eis a passagem de James Mill em que se encontra formulada a pseudolei de Say: “Não podem jamais faltar compradores para todas as mercadorias. Quem põe à venda uma mercadoria pede que lhe seja dada outra em troca e é, portanto, comprador pelo mesmo fato que é vendedor. Compradores e vendedores de todas as mercadorias tomadas em conjunto devem, portanto, por uma necessidade metafísica (metaphisical), se contrabalançarem. Se há mais vendedores que compradores de uma mercadoria é preciso que haja mais compradores que vendedores de outra mercadoria”(Elements of Political Economy. 3 rd. And revized edition, 1826).

* Este tópico foi extraído do capitulo 6 do livro Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira, São Paulo, Brasiliense, 1954. O título acima é do organizador da coletânea.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Reforma política :: Luiza Erundina

O tema da Reforma Política voltou a ser discutido pelo Congresso Nacional, por meio de duas Comissões Especiais recentemente criadas: uma no Senado; outra na Câmara dos Deputados.

Ambas já estão funcionando, porém, sem nenhuma articulação entre si, seja em relação aos aspectos da Reforma a serem tratados, seja quanto aos prazos e calendário dos trabalhos, o que poderá gerar dificuldades no momento da tramitação e votação da matéria nas duas Casas. Outra iniciativa importante foi a criação da “Frente Parlamentar pela Reforma Política com Participação Popular”, integrada por deputados, senadores e representantes de entidades da sociedade civil, cujo ato de lançamento será amanhã na Câmara dos Deputados.

Essa frente tem como finalidade acompanhar e procurar influir no debate sobre a reforma política e servir de instrumento para motivar a participação dos cidadãos e cidadãs brasileiros no processo de construção de uma proposta de reforma que corresponda aos anseios de toda a sociedade e, como tal, não deve se restringir ao âmbito do parlamento.

Existem no Congresso Nacional inúmeros projetos de lei que propõem alterações de um ou outro aspecto. Entretanto, nenhum oferece uma proposta de mudança estrutural do sistema político brasileiro; a não ser o Projeto de Lei nº 1.210/2003, que resultou da Comissão Especial, criada pela Câmara dos Deputados em 2002, e que foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Esse projeto só foi para votação no plenário da Câmara em 2007, portanto, cinco anos depois, e enfrentou forte resistência da maioria dos deputados, não conseguindo aprovação.

Como se vê, as tentativas de reforma política no Congresso frustraram-se todas, até agora, o que indica a necessidade de ampla mobilização da sociedade civil para pressionar os parlamentares e exigir uma Reforma Política que repense o sistema político como umtodo e promova uma profunda reforma do Estado brasileiro, com vistas ao fortalecimento e à radicalização da democracia no país. É preciso, pois, levar o debate sobre a Reforma Política às ruas, às praças, aos locais de trabalho..., enfim, a todos os ambientes de convivência social. Não vale a alegação de tratar-se de uma questão complexa e, assim, difícil de ser entendida pelo povo. Pensar dessa forma é subestimá-lo. O povo é capaz, sim, de entender tudo, desde que seja numa linguagem simples e compreensível.

Chegou a hora, finalmente, de cada um buscar a forma de participar desse debate. Não se deve perder mais tempo, esperando, passivamente, que o Congresso faça a tão propalada reforma política. Ele não a fará, se a sociedade não pressionar. E se a fizer, serão simples remendos que não corrigirão as distorções e imperfeições do sistema político. Ao contrário, poderão até agravá-las. Sendo assim, assumamos todos o compromisso de contribuir para a construção de uma proposta de Reforma Política inspirada em princípios republicanos e democráticos e que habilite o Estado brasileiro a promover o desenvolvimento nacional, demodo a assegurar igualdade e cidadania plena a todos e todas. ´

Deputada federal (PSB/SP)

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

'Distritão' é retrocesso, afirmam especialistas

Cientistas políticos dizem que mudança favorece personalidades e candidatos ricos

Isabel Braga

BRASÍLIA. Defendido pelo vice-presidente da República e presidente do PMDB, Michel Temer, e outros líderes peemedebistas na reforma política, o chamado "distritão" - a eleição majoritária para deputado federal, estadual e vereador - foi criticado por cientistas políticos que participaram de seminário sobre os desafios do Legislativo, realizado ontem, na Câmara. Para os professores Jairo Nicolau (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e Renato Lessa (Universidade Federal Fluminense), o "distritão" representa retrocesso democrático, pois enfraquece os partidos e cria o hiperindividualismo na representação popular, com a eleição dos que têm mais recursos financeiros ou de personalidades.

Jairo Nicolau afirmou que, atualmente, este tipo de eleição majoritária para deputados só é adotado em quatro países do mundo: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Ilhas Pitcairn, no pacífico sul. No Japão, disse o professor, o sistema foi adotado de 1948 a 1993 e gerou clientelismo, corrupção e a total incapacidade de os partidos coordenarem a eleição. Segundo ele, levantamento feito entre 167 cientistas políticos no mundo considerou o distritão como o pior sistema eleitoral para o legislativo.

- Fiquei impressionado ao saber que estão defendendo esse distritão. Ele tem uma única vantagem: é simples, fácil de explicar. Mas é uma proposta terrível. Não resolve o problema. É um atraso, um sistema bizarro. Estão querendo empurrá-lo porque o senso comum o vê como algo bom - disse Nicolau.

- É um retrocesso político, vem na contramão da democratização. Ganham os espertalhões e os que têm vantagem na competição. É importante que o sistema de representação espelhe as diferenças existentes na sociedade, a diversidade. É uma proposta do PMDB, beneficia o PMDB, mas é um desserviço à democracia - completou Lessa.

A maior preocupação dos especialistas é ao apelo fácil da proposta. Pelo sistema atual, de eleição proporcional, há o quociente eleitoral, que leva em conta o número de eleitos por legenda, não apenas a votação individual do candidato. No sistema do distritão, todos concorrerão contra todos. Em um estado, poderão ser eleitos apenas deputados de algumas regiões e muitos municípios poderão ficar sem representante.

FONTE: O GLOBO

Novo partido de Kassab nasce dividido entre Dilma e Alckmin

Prefeito descarta fusão com qualquer outro partido para as eleições de 2012. E promete lealdade a Serra

Pedro Venceslau

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, teve umdia complicado ontem, quando formalizou sua saída do DEM e a criação de um novo partido, o PSD (Partido Social Democrático), em São Paulo. Depois de umato político que reuniu ontem cerca de 100 políticos na Assembleia Legislativa, ele teve que fazer contorcionismo para não comentar seu maior índice de reprovação desde que assumiu a prefeitura de São Paulo — 43% de ruim e péssimo, segundo dados do Instituto Datafolha.

Logo antes disso, Kassab enfrentara outra saia justa. Assim que pegou omicrofone, foi surpreendido com uma manifestação de protesto feita por participantes do evento na capital paulista. O grupo, que levantou cartazes contra o aumento na tarifa de ônibus em São Paulo, começou gritando “abaixa o busão” e terminou com palavrões. Constrangido, o prefeito pediu “uma salva de palmas” para os manifestantes. Como se não bastasse, o chefe do executivo paulista teve que encarar as piadas do programa CQC, da Band, que insistiu em saber mais sobre “o partidinho” que estava nascendo. Mas a jornada também teve bons momentos para os kassabistas. Políticos de peso se dividiram entre a plateia e o palco. O ex-governador de São Paulo, Claudio Lembo, foi um dos primeiros a assinar a lista de adesões ao PSD. Em seguida foi a vez de Guilherme Afif, vice-governador de São. Aos jornalistas, Kassab informou que ele e o secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo Jorge, são os nomes estão mais cotados para disputar a prefeitura paulista na pela nova agremiação. “Essa decisão será tomada mais para frente. Vou cumprir meu compromisso com as urnas até o fim”, disse

Afif sobre uma possível renúncia do cargo de vice-governador e secretário de Geraldo Alckmin (PSDB). Pelo menos por hora, o prefeito garante que segue como aliado do governador Alckmin em São Paulo e, simultaneamente, da presidente Dilma, em Brasília.

Nem cá, nem lá

Aclamado como líder incontestável da nova legenda,oprefeito paulistano encontrou certa dificuldade emexplicar emqual espectro ideológico vai orbitar o PSD. “Não existem mais hoje no mundo partidos de esquerda ou direita. Não vamos aderir ao go-verno A, B ou C. Somos um partido independente”, disse.

Quando questionado sobre sua lealdade ao ex-governador José Serra, seumentor político, Kassab se viu novamente emparedado. “Minha relação com ele é inquebrável. Onde ele tiver um projeto, eu estarei ao seu lado”, garantiu. Em seguida, foi indagado pelos repórteres com uma pergunta sobre sua relação com a presidente Dilma Rousseff. “A
aproximação com ela sempre existiu, mas votei no Serra. O PSD caminhará com suas próprias pernas”, desconversou.

Solo

O prefeito paulistano descartou qualquer tipo de fusão partidária, pelo menos até as eleições de 2014. A expectativa era que, depois de criado, o PSD se unisse ao PSB, do governador de Pernambuco, Eduardo Campos. ■

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Agripino chama grupo de Kassab de oportunista

Comando do partido prepara intervenção no DEM de São Paulo; prefeito lança o PSD, seu novo partido

Cristiane Jungblut e Silvia Amorim

BRASÍLIA e SÃO PAULO Com a saída do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do DEM, o comando nacional do partido vai fazer uma intervenção no diretório municipal do partido na capital paulista. Segundo o senador José Agripino Maia (RN), novo presidente nacional da sigla, a intervenção será feita pela novo comando regional, que será oficializado quinta-feira, em reunião da Executiva Nacional. O senador disse que as desistências foram menores do que apregoava o grupo do prefeito, chamado por ele de oportunista:

- O que posso perceber é que é um agrupamento de pessoas que não têm afinidade, ideologias coincidentes e que vão se agrupando no partido por mero oportunismo ou por incômodos regionais.

No início da noite de ontem, Kassab enviou ao DEM uma carta se desligando do comando nacional, mas não havia encaminhado ainda sua carta de desfiliação. Agripino disse esperar que Kassab apresente o documento até quinta-feira.

Por enquanto, o DEM contabilizou a permanência de quatro dos seis deputados federais em São Paulo. Aposta ainda que cerca de 60 dos 76 prefeitos paulistas permanecerão:

- A saída de Kassab é um problema, mas nada que atrapalhe os planos futuros do DEM. Claro que é ruim a saída de qualquer quadro. Mas é letal? Longe disso. Até porque a maioria continua no DEM.

No lançamento do manifesto de seu novo partido, ontem, em São Paulo, Kassab disse que uma das missões do Partido Social Democrata (PSD) será ajudar a presidente Dilma Rousseff a ser uma "grande presidente". Kassab criticou o DEM e negou que a nova legenda se juntará à base governista. Segundo ele, o PSD nasce independente:

- Temos o compromisso com o Brasil. Temos o compromisso de ajudar o governo brasileiro a desempenhar bem as suas funções. Temos, a nível nacional, um partido independente, o que significa apoiar as ações identificadas com o nosso futuro programa, significa nos colocar à disposição da presidente Dilma Rousseff para ajudá-la a ser uma grande presidente - afirmou o prefeito, em ato na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Aprovação da gestão de Kassab cai em pesquisa

Kassab estava no DEM desde 1995. A previsão é que a documentação referente à fundação do PSD seja entregue à Justiça Eleitoral em agosto. Até lá, serão costuradas adesões ao novo partido em nove estados (Goiás, Tocantins, Roraima, MInas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Amazonas e Acre), elaborados o programa partidário e o estatuto e angariadas assinaturas de cerca de 500 mil eleitores. O apoio de 0,5% do eleitorado é uma das exigências legais para a criação de um partido no Brasil.

O lançamento do manifesto do PSD ocorreu no mesmo dia em que foi publicada pesquisa Datafolha, que registrou a pior avaliação de Kassab à frente da prefeitura. Em quatro meses, a aprovação dele caiu de 37% para 29%. Os que consideram sua administração ruim ou péssima aumentaram de 31% para 43%, e só 29% consideram seu governo ótimo ou bom.

Kassab criticou o DEM:

- Me sinto desconfortável em um partido que quer votar sempre contra, porque é contra. Acima dos partidos existem os interesses do país. Não é possível que sejamos contra um projeto apenas porque somos oposição. Essa foi a minha principal discordância do DEM.

Ontem foram divulgadas as diretrizes do programa do PSD, chamadas de 12 mandamentos por um dos fundadores do partido, o vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos. O conteúdo, de inspiração liberal e desenvolvimentista, lembra o discurso de criação do DEM. Afif admitiu a semelhança, mas resumiu numa frase o que considera ser a maior diferença entre DEM e PSD:

- O que muda é a prática - explicou.

No evento foram anunciadas 13 adesões ao partido de Kassab, entre deputados estaduais, federais, prefeitos e secretários da gestão de Kassab na prefeitura paulistana.

FONTE: O GLOBO

Refundação dos verdes

Dois anos depois da filiação da então senadora Marina Silva (PV-AC) e do anúncio de uma refundação programática, a mudança de vento anunciada pelo PV divide o partido em dois. O grupo capitaneado pela candidata derrotada à Presidência da República no ano passado, que ainda conta com o ex-deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) e o atual deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ), cobra da direção do partido as medidas prometidas em 2009. O mês estabelecido para que os caciques da legenda entrem em acordo ou anunciem um racha é julho: data da convenção nacional verde.

A parte do PV ligada à Marina e aos políticos fluminenses cobra a inclusão de propostas e da agenda verde sugeridas por Marina durante a campanha presidencial. De acordo com Sirkis, os documentos nem sequer fazem parte do programa partidário do PV. Eles cobram ainda a sucessão do deputado José Penna (PV-SP), que há 12 anos comanda a legenda, e a intervenção em diretórios regionais da região amazônica. “Saímos das eleições com a obrigação de cumprir com a expectativa de 20 milhões de eleitores que votaram em nossa candidatura. Há estados em que oligarquias que nada têm a ver com o partido dominam a sigla”, reclama Sirkis.

De acordo com o deputado fluminense, a atual parcela que comanda o partido aprovou a prorrogação do mandato de Penna até 2012, sem a mudança do atual regime presidencialista para o parlamentarista, e não tem acenado com a possibilidade de abrir mão da prerrogativa. “Não avaliamos de imediato uma saída do PV, mas as mudanças demandadas são urgentes. O partido de 2011 não pode ser o mesmo de 2009”, defende Sirkis.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Marisa Monte - Beijo Sem (Tereza Cristina)

Privilégio do mar :: Carlos Drumonnd de Andrade

Neste terraço mediocremente confortável,
bebemos cerveja e olhamos o mar.
Sabemos que nada nos acontecerá.


O edifício é sólido e o mundo também.

Sabemos que cada edifício abriga mil corpos
labutando em mil compartimentos iguais.

Às vezes, alguns se inserem fatigados no elevador
e vem cá em cima respirar a brisa do oceano,
o que é privilégio dos edifícios.

O mundo é mesmo de cimento armado.

Certamente, se houvesse um cruzador louco,
fundeado na baía em frente da cidade,
a vida seria incerta... improvável...

Mas nas águas tranqüilas só há marinheiros fiéis.
Como a esquadra é cordial!

Podemos beber honradamente nossa cerveja.