quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Wilson Gomes* – O horror à política como atitude

Folha de S. Paulo

País tem duas correntes antipolítica, e ambas se baseiam no horror

Mesmo depois das Trevas Bolsonaristas, última etapa da fase de devastação da vida pública nacional que foi motivada por uma enorme onda de sentimento antipolítica, há ainda quem realmente considere que o desprezo pela política é coisa muito sofisticada e nitidamente superior.

Mas não foi o antipetismo o combustível do ciclo de autodestruição que estará completando uma década este ano e que alimentou as várias camadas de crise que nos levaram quase ao fundo do abismo?

Certamente, mas o antipetismo é tão somente uma forma aguda do sentimento antipolítica que emergiu numa circunstância em que o PT vinha de três mandatos presidenciais seguidos.

Tanto é verdade que os portadores da atitude antipolítica viraram ferozes anti-Temer apenas seis meses depois de consolidado o impeachment de Dilma, sem nem trocar de luvas ou discurso. E os que permaneceram lúcidos também se tornaram antibolsonaristas quando se deram conta da farsa da "nova política" prometida pelo "mito" e da sua mais completa submissão às velhas raposas do Congresso.

Vera Magalhães - Um alento em meio à tragédia

O Globo

Lula e Tarcísio demonstraram a maturidade necessária para lidar com a emergência no litoral de forma impessoal

As cenas da tragédia no Litoral Norte de São Paulo evocam outras, em diferentes estados do Brasil, nos últimos anos nesta mesma época. Essa recorrência mostra que o poder público, em seus diferentes níveis de responsabilidade, não consegue fazer investimentos e estabelecer protocolos de prevenção e mitigação do efeito de desastres naturais, cada vez mais intensos e de consequências avassaladoras.

Mas, se há algo de positivo no que se seguiu à destruição no litoral paulista, é a volta da razoabilidade na relação entre os Executivos federal e estadual na reação. Durante anos, Jair Bolsonaro não hesitou em usar mesmo episódios de desolação, com mortos e desabrigados, para colocar em prática seu projeto de dilapidar a política.

Elio Gaspari - Jimmy Carter quer morrer em casa

O Globo

A democracia brasileira deve muito ao ex-presidente dos Estados Unidos

Aos 98 anos, o ex-presidente americano Jimmy Carter (1977-1981) resolveu morrer no rancho onde sua família plantava amendoim. Deixou o hospital e recebe apenas cuidados paliativos. Como George Bush I (1989-1993) e Donald Trump (2017-2021), Carter perdeu a reeleição, e esse fracasso marcou-o. Apesar disso, foi um presidente que recolocou os valores democráticos na agenda da política externa americana. A redemocratização brasileira deve-lhe muito.

Numa trapaça dos tempos, são muitas as cidades brasileiras com avenidas John Kennedy. Ele irradiava juventude, foi assassinado e tornou-se um ícone. Para o Brasil, foi um arquiteto subsidiário da deposição de João Goulart. Em março de 1964, quando o presidente Lyndon Johnson mobilizou uma força naval para eventual socorro aos militares revoltosos, ele apenas seguiu um roteiro deixado por Kennedy.

Thiago Resende - O PT e redenção da política

Folha de S. Paulo

Presidente reabilitou figuras do mensalão, exaltou o PT e chamou outros partidos de "cooperativas de deputados"

Lula tem mantido postura de enfrentamento a quem possa atrapalhar seus planos políticos –mesmo durante a quase submersão política de Jair Bolsonaro no seu retiro nos Estados Unidos. Agora o ex-presidente voltará para uma oposição mirando na economia, mas já pronto para retomar antigos fantasmas do PT.

O discurso antipolítica alçado por Bolsonaro não se dobra ao resultado da eleição. E os vícios de um político experimentado, como Lula, e de um PT de olho na militância, que não representa a maioria da população, se tornam alvos fáceis.

Lula voltou ao poder, reabilitou figuras ligadas ao mensalão e aliados envolvidos em outras denúncias. Além da falta de renovação, continua a narrar como golpe o impeachment de Dilma Rousseff.

Hélio Schwartsman - Salamaleques senatoriais

Folha de S. Paulo

Indicação de advogado de Lula para o STF não parece boa ideia

As colunas de bastidores dão que o favorito para a próxima vaga no STF é o advogado Cristiano Zanin Martins, que defendeu Lula na Lava Jato. Não penso que seja uma boa indicação.

Não coloco em dúvida a capacidade do causídico. Eu não veria nenhum problema se a nomeação fosse para o Ministério da Justiça, a AGU ou qualquer outro cargo do governo. Os requisitos aí são a capacidade técnica e a confiança do presidente. A cadeira no STF é um pouco diferente. Talvez seja preciosismo meu, mas penso que muita proximidade com o presidente é um elemento que deveria inabilitar o candidato para o posto, já que ela levanta ao menos em potência muitos conflitos de interesse.

Vera Rosa - Lula quer um podcast para chamar de seu

O Estado de S. Paulo

Presidente vai criar canal de comunicação nas redes sociais e busca apoio de classe média

Antes de completar cem dias de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer estrear um programa semanal nas redes sociais, em formato de podcast, na tentativa de estabelecer um canal direto de comunicação com o público. A primeira sugestão dada a Lula foi a de fazer uma live, mas ministros políticos são contra, sob o argumento de que pareceria uma cópia da estratégia usada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Foi então que surgiu a proposta do podcast.

Se tudo seguir como o roteiro traçado, e nada atrasar, a ideia em discussão no Palácio do Planalto prevê que até o fim de março Lula apareça todo início de semana em um programa nas plataformas digitais.

Roberto DaMatta* - Da fantasia à gravata

O Estado de S. Paulo

Obardo de Stratfordupon-Avon ensinou que o mundo é um palco e que todos somos atores. Querendo ou não, sabendo ou não, desempenhamos papéis que nos enredam em dilemas e intrigas.

Finalmente, termina Shakespeare, temos entradas e saídas de cena – o que provoca a dolorosa consciência de que o drama continua sem a nossa (quem sabe, inútil) presença. Finitude e incompletude fazem parte do que chamamos de “condição humana” — esse engenho que nos leva a procurar o sentido do que nos afeta.

Nada mais adequado para falar de consciência de início, meio e fim do que esta Quarta-feira de Cinzas. Nela, cessa o direito à fantasia! Agora voltamos ao trabalho que engravata; e o riso obrigatório cede lugar a contrição e, quem sabe, ao arrependimento. As cinzas da Quaresma testemunham a resistência do nosso lugar.

Zeina Latif - Elefante na loja de cristais

O Globo

Preocupação com os juros altos não se traduz em maior cautela do governo

Assim como médicos anseiam que o remédio prescrito seja bastante eficaz, curando a doença rapidamente, sem maiores dosagens e efeitos colaterais, os banqueiros centrais desejam que a política monetária restritiva combata tempestivamente a inflação com efeito moderado na atividade econômica.

Para tanto, adotam estratégias para o melhor resultado de suas ações. Médicos alertam, com rigor, os pacientes sobre a necessidade de seguirem corretamente as recomendações. Banqueiros centrais adotam discurso conservador até que o combate à inflação esteja seguro, visando conter remarcações de preços. Essa tem sido a estratégia do presidente do Fed, Jerome Powell, bem como de Roberto Campos Neto ao sinalizar que não pretende cortar a Selic tão cedo.

O discurso duro, pouco compreendido pelos críticos do BC, faz parte da estratégia para aumentar a eficácia da política monetária, algo particularmente importante no Brasil, dadas as evidências de ela não ser muito potente.

Fernando Exman - Adverte-se: mudar Lei das Estatais dá ressaca

Valor Econômico

Entidades do mercado reagem a possível mudança na legislação

Representantes de entidades do mercado desembarcaram em Brasília, às vésperas do carnaval, para ver a evolução da articulação para mudar a Lei das Estatais. Tendo o Centrão na comissão de frente e o governo na bateria, ela avança com cadência, para preocupação destes que estão de olho na governança das empresas controladas pelo Estado e com capital misto.

Já aprovada pela Câmara, ela agora aguarda só o sinal do governo para entrar na avenida do Senado. Deve-se ter clareza dos potenciais retrocessos que representa.

Lu Aiko Otta - Não haverá bondade sem maldade

Valor Econômico

Imposto menor para alguns elevará a carga dos demais

Os primeiros passos da reforma tributária neste ano indicam que sua aprovação não será tão célere quanto espera o governo. O Executivo fala em votação no primeiro semestre. Porém, o grupo de trabalho criado na Câmara para analisar a proposta tem prazo até o início de maio para produzir um relatório.

Em seguida, o texto passará pelo Senado, que desejará fazer uma avaliação criteriosa. Do ponto de vista de quem tem pressa, o ideal seria alguns senadores acompanharem o debate na Câmara, para ganhar tempo. Esse esquema funcionou bem na reforma da Previdência.

Estão sobre a mesa duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), a 45 e a 110. Em comum, elas fundem os tributos sobre o consumo para criar um imposto sobre valor agregado. De diferente, a PEC 45 propõe que a fusão resulte num só imposto sobre bens e serviços, enquanto a PEC 110 propõe um novo tributo dual: uma parte a cargo da União, e outra, dos Estados e municípios.

Roberto Luis Troster* - A questão do crédito na ordem do dia

Valor Econômico

Programas temporários de renegociação de dívidas aliviam alguns sintomas, mas não resolvem

O crédito é disfuncional. Nos últimos doze meses, as linhas que mais cresceram para pessoa física e jurídica foram as mais caras, cheque especial e rotativo do cartão. No último trimestre, o lucro líquido dos bancos teria sido 86,2% maior sem o resultado de provisão para créditos de difícil liquidação.

Uma dinâmica em que a oferta de crédito fica aquém do potencial, e que parte expressiva da receita de operações de crédito é para absorver perdas de créditos, leva a inadimplência a níveis recordes e faz que pagadores solventes paguem juros altos pelos insolventes. É fato, perdem os cidadãos, perdem as empresas e perdem os bancos.

A relação crédito/PIB está em metade da de outros países com renda semelhante. O número de empresas negativadas atingiu 6,8 milhões e o de cidadãos 69,8 milhões, dois recordes históricos. Se nada for feito, novos recordes serão batidos, com efeitos nefastos na cidadania econômica e no crescimento.

Mércio Pereira Gomes* - Os Yanomami e o Brasil

Resumo

A tragédia Yanomami que desabou como bolotas de história carcomida sobre as cabeças dos brasileiros tem um único culpado: a sociedade brasileira. Esta tem sido displicente e hipócrita em sua atitude perante os povos indígenas e perante a nossa história. A crise sanitária que foi revelada e encenada desde 20 de janeiro teve como propósito ganhar pontos na política brasileira, não propriamente encarar os problemas que os índios têm vivenciado, sobre os quais ninguém em sã consciência sabe como resolver. Chega de culpar este ou aquele presidente, ainda que sejam de fato culpados, junto com todos nós. É hora de resolver esta questão e criar uma nova visão e um novo espaço de vida para os povos indígenas brasileiros, que, afinal, não são mais uns coitadinhos, pois venceram as grandes dificuldades que se lhes impuseram, graças em parte a nós, o resto do Brasil. Partindo desta constatação é que poderemos vislumbrar um horizonte mais produtivo para os índios e para o nosso futuro comum.

1. Prólogo aos Yanomami

Esta série de artigos vai tentar esclarecer o que está se passando no Brasil a respeito dos índios e em especial dos Yanomami. Neste primeiro artigo, tratarei da questão indígena em geral, tal como se desenvolveu no Brasil, nos últimos cem anos.

Mas antes, deixando de lado a modéstia, gostaria de recomendar, para um entendimento mais profundo e consistente da questão indígena no Brasil, a leitura de um livro que publiquei em 1988, intitulado Os Índios e o Brasil, o qual foi reeditado em 2012, depois de extensa revisão e acréscimos, após meu período de três anos e sete meses como presidente da FUNAI.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Congresso deveria mudar lei leniente com garimpo ilegal

O Globo

‘Jabuti’ em Medida Provisória de 2013 supõe boa-fé de vendedor, dificulta rastrear ouro e agrava a violência

É inegável que cabe ao governo Jair Bolsonaro a maior parcela de responsabilidade pela crise humanitária deflagrada com a invasão do garimpo ilegal na reserva ianomâmi em Roraima. Está comprovada a omissão reiterada das autoridades ante pedidos de socorro aos indígenas. Mas a crise não nasceu do nada. Há anos o produto ilegal do garimpo chega a distribuidoras de ouro e joalherias, sob o beneplácito de dispositivos legais lenientes com a procedência, que escancaram as portas do mercado ao tráfico.

A principal responsável pelo fim dos controles na compra de ouro é a Lei 12.844, de 2013. Ela passou a assumir boa-fé dos vendedores, facilitando a venda do minério dos garimpos ilegais. A complacência tem origem nas emendas feitas numa Medida Provisória sobre produtos agrícolas pelo deputado Odair Cunha (PT-MG), a pedido da associação nacional que congrega empresas desse mercado, a Anoro.

Música | Spok Frevo Orquestra - Quarta Feira Ingrata ( Luis Bandeira)