sábado, 24 de abril de 2021

Marco Aurélio Nogueira* - Pacto pelo futuro

- O Estado de S. Paulo

O momento é de dissolução de barreiras, retomada do diálogo e suspensão de vetos

É preciso compreender a dificuldade das oposições democráticas de se contraporem ao governo Bolsonaro.

Elas hoje preenchem um espaço amplo, vão da direita à esquerda, passando pelo imenso centro, cada pedaço com suas legítimas pretensões e seus problemas. Nas que se inclinam para o centro, o déficit passa pela ausência de lideranças incontestes, de um programa claro e de uma identidade substantiva.

As esquerdas não estão em melhor condição, embora estejam a comemorar a volta de Lula, que as magnetiza e seduz, agora com o adicional da absolvição conquistada e da incorporação de um papel de injustiçado perseguido político. Roda-se em torno de Lula como se dele emanasse a luz.

O que há de consenso cívico de repúdio e desejo de mudança não se traduz em consenso político e plataforma de atuação. Há ensaios unificadores e um esforço dedicado para que as oposições baixem o tom e conversem olho no olho. Manifestos, debates e proclamações indicam isso com clareza, o que é um alento. Mas não foram dados os passos decisivos, aqueles que fazem uma equipe vencedora. O momento é de dissolução de barreiras, retomada do diálogo e suspensão de vetos.

João Gabriel de Lima - O bom aluno foi para a turma do fundão

- O Estado de S. Paulo

O Brasil está entre os países onde a democracia mais se deteriorou nos últimos 10 anos

 “A terceira onda de democratização começou, de maneira implausível e silenciosa, aos 25 minutos depois da meia-noite, na quinta-feira 25 de abril de 1974, em Lisboa, quando uma emissora de rádio tocou a canção Grândola Vila Morena.” Assim começa, de forma épica, o livro de Samuel Huntington que narra um dos momentos mais fascinantes da história política do século 20 – aquele em que várias ditaduras do Ocidente entram em modo dominó e dão lugar à forma de governo que iria predominar desde então: a democracia.

A primeira vaga de democratização, segundo o cientista político americano, seguiu o liberalismo do século 19. A segunda veio depois da derrocada do totalitarismo nazi-fascista. A Terceira Onda, título do livro citado acima, começou quando o rádio tocou a música-senha para a sublevação dos quartéis portugueses, e é produto do declínio da Guerra Fria. Primeiro caíram as ditaduras de direita – incluindo a do Brasil – e depois as de esquerda, os satélites da União Soviética.

A cada onda aumenta o predomínio das democracias. Em 2017, 50% dos países tinham regimes de liberdade, ante 20% em 1960 e 5% em 1900. Os dados são do V-Dem, a plataforma mais usada nos estudos acadêmicos sobre o assunto. Ela disponibiliza estatísticas desde o fim do século 19 – o que possibilita acompanhar a evolução de todas as democracias do mundo.

Hélio Schwartsman - Como vão as instituições?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro jamais teve ascendência sobre o Parlamento nem excedeu 40% de aprovação

Li nos jornais da quinta-feira (22) dois bons artigos dizendo mais ou menos o contrário um do outro. Na FolhaFernando Schüler sustenta que Jair Bolsonaro foi enquadrado pelo sistema político (um pedacinho das famosas instituições) e se encontra agora em modo sobrevivência, sem constituir ameaça maior ao regime democrático.

Em O Estado de S. Paulo, Eugênio Bucci afirma não estar tão seguro de que o presidente não tentará um golpe, mas, mesmo que não promova nenhuma ruptura formal, ele, comendo pelas beiradas, já provocou tamanha deterioração em tantas instituições e esferas do Estado que a democracia brasileira está hoje bem pior do que no passado.

Por paradoxal que pareça, acho que os dois têm razão. Bolsonaro se vê politicamente enfraquecido, com pouca chance de desferir com êxito um golpe, mas já causou um estrago tão grande em tantas áreas que, se tudo der certo, levaremos anos para nos recuperar.

Pablo Ortellado – O perigo na revisão da LSN

- O Globo

A Lei de Segurança Nacional é um entulho autoritário que precisa de revisão urgente. Leis desse tipo deveriam ser usadas apenas em momentos extraordinários, quando o regime é ameaçado, e talvez não seja por acaso que nossa lei de 1983 tem sido bastante usada —por Bolsonaro, para perseguir dissidentes, e pelo STF, para investigar atividades antidemocráticas.

Por isso, o Supremo e o Congresso aparentemente acertaram uma revisão acelerada da lei que pode melhorar nosso arcabouço jurídico, mas pode também trazer novos problemas num caminho cheio de riscos e percalços.

A estratégia adotada pelo presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, foi propor um substitutivo ao projeto de lei de 1991 de Hélio Bicudo, que definia crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Lira designou como relatora a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que está conduzindo um amplo processo de consulta a diferentes atores da sociedade, o que levou o substitutivo a acumular 10 revisões.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Lula não é para amadores

“O Brasil não é para principiantes” é uma frase famosa de Tom Jobim que meu amigo Antônio Riserio considera banal e, com a mordacidade que lhe é própria, ironiza perguntando se um país para principiantes seria, por exemplo, a Coréia do Norte. Embora principiantes sejam sempre amadores, a recíproca nem sempre é verdadeira, porque há os Peter Pans renitentes, mesmo se autoelogiados como “eternos aprendizes”. E Lula também não é exatamente um sinônimo de Brasil, embora sempre procure ser, por força do seu ofício. Assim, ao trocar, no título desta coluna, duas palavras da frase do nosso grande maestro por duas de sentido apenas conexo, espero escapar da mira mordaz de Riserio.

A ideia veio quando ontem, dia seguinte a mais um êxito de Lula, até aqui o mais decisivo, na busca de reconquistar sua elegibilidade junto ao STF, recebi de Gustavo Falcon, outro amigo baiano, um vídeo de uma fala do líder petista já com o carimbo #Lula 2022. A conversa avançou e comentamos que, no mesmo dia em que o STF lhe dava a senha tão almejada, viera a público a notícia da contratação do publicitário João Santana para comandar o marketing político de Ciro Gomes. Já achava que a coincidência merecia um azeite. O tempero final veio quando mostrei o vídeo de Lula a Guta, minha mulher, que teve, em vários momentos da vida, contatos com a praia profissional que João Santana frequenta. A conexão imediata que ela fez entre o vídeo e um jingle (“O retrato do velho”) da campanha de Getúlio Vargas de 1950 me fez perguntar: o PDT vai cobrar patente?

Ricardo Noblat - Falta dinheiro para tudo, menos para Bolsonaro ir atrás de votos

- Blog do Noblat | Veja

Em dia de cortes no Orçamento de 2021, presidente sai em campanha pela reeleição

Menos de 24 horas depois de Bolsonaro  ter anunciado na Cúpula de Líderes sobre o Clima que mandaria duplicar os recursos destinados a ações de fiscalização ambiental no Brasil, o Diário Oficial da União publicou o Orçamento de 2021 assinado por ele que cortou RS 240 milhões da verba do Ministério do Meio Ambiente. A duplicação não tem mais data para acontecer.

Na quinta-feira, em live nas redes sociais, Bolsonaro apareceu ao lado de Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, convidado por ele para falar sobre a vacina brasileira contra a Covid-19 que está sendo desenvolvida por cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Ontem, Bolsonaro vetou R$ 200 milhões que seriam usados para financiar a vacina.

 “Marcão, vamos lá. Como é que ‘tá’ a nossa vacina brasileira? Essa é 100% brasileira, não é aquela ‘mandrake’ de São Paulo, não né”, perguntou Bolsonaro a Pontes na live. Referia-se à Butanvac, a vacina apresentada pelo Instituto Butantan de São Paulo como sendo 100% nacional e que está em fase de testes. A vacina patrocinada pelo governo federal ficará para depois.

Ascânio Seleme - Lula parte para o terceiro mandato

- O Globo

Ao confirmar suspeição de Moro, STF reabilitou política e moralmente o ex-presidente autorizando-o a se candidatar e muito provavelmente se eleger outra vez em 2022

Ao confirmar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro depois de tê-lo considerado incompetente para julgar Lula, o Supremo Tribunal Federal reabilitou política e moralmente o ex-presidente autorizando-o a se candidatar e muito provavelmente se eleger outra vez em 2022. Não, não haverá tempo para que uma candidatura de centro ou centro-direita surja e cresça a ponto de superar Lula e conseguir vaga no segundo turno. Apenas João Doria pode surpreender. Luciano Huck ficou no espaço. Luiz Mandetta não se consolidou. Moro se dissolveu. E os demais pré-candidatos que apareceram neste espectro eram apenas balões que nem sequer ensaiaram uma alternativa.

A centro-esquerda e esquerda tinham Fernando Haddad e Ciro Gomes. Haddad é Lula. Ciro não deve ser páreo para um Lula que volta revigorado pelo STF. À direita o candidato será mesmo Bolsonaro? Talvez sim. Talvez não. A direita liberal pode encontrar em Lula argumentos para fugir do capitão que muito prometeu em 2018 e pouco entregou. As reformas neste governo não avançaram. Mesmo a reforma da Previdência, aprovada em 2019, foi muito mais mérito de Rodrigo Maia e da Câmara do que de Bolsonaro e do Palácio. Além disso, as constantes ameaças às instituições atrapalham o capitão muito mais do que o ajudam.

Adriana Fernandes – Sangue-frio e pauta bomba

- O Estado de S. Paulo

A briga política antes do acordo sobre o tamanho do corte nas emendas parlamentares do Orçamento deste ano é fichinha perto do que pode vir por aí. O maior teste para o ministro da EconomiaPaulo Guedes, virá nos próximos três a quatro meses quando a Esplanada dos Ministérios estará vivendo um arrocho fiscal em plena pandemia de covid-19.

Será preciso sangue-frio para aguentar a insatisfação geral e se preparar para esse período difícil dos próximos meses.

Se o presidente Bolsonaro e o Ministério da Economia não estiverem preparados para a pressão dos órgãos por mais orçamento (verbas) até o terceiro trimestre, a chance de o acordo naufragar é grande.

Com riscos até de uma crise em proporções maiores do que a enfrentada no último mês depois que a lei orçamentária foi aprovada cheia de problemas com maquiagens nos números.

Oscar Vilhena Vieira* - O crepúsculo da Lava Jato

- Folha de S. Paulo

Decisões do STF expõem paradoxos do enfrentamento à corrupção

Operação Lava Jato está alcançando o mesmo destino da Operação Mãos Limpas, que lhe serviu de guia e inspiração. Depois de desestabilizar o sistema político, contribuindo para a ascensão ao poder de forças antissistema e hostis à democracia, vem sendo fagocitada por aqueles que a ela sobreviveram ou mesmo a apoiaram.

Os graves abusos e erros praticados pelos seus principais atores, mas também a amplidão dos interesses políticos e econômicos atingidos pela operação, são os principais responsáveis pelo seu melancólico desfecho, selado pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana.

Causa evidente perplexidade o fato de o Supremo ter demorado tanto para tomar decisões aparentemente elementares, seja para decidir se o juiz Moro se comportou de maneira parcial, seja para determinar se extrapolou a jurisdição que lhe havia sido esquadrinhada pelo próprio Supremo.

A demora do tribunal em resolver essas questões não apenas impôs enormes danos morais ao ex-presidente Lula e gerou prejuízos irreparáveis ao pleito eleitoral de 2018, como ampliou a insegurança jurídica, política e econômica no Brasil. A extemporaneidade da decisão também imporá uma inevitável queda na confiança das instituições de aplicação da lei.

Cristina Serra - Sergio Moro no lixo da história

- Folha de S. Paulo

O Supremo consagrou a vitória do devido processo legal, do Estado de Direito e da justiça

Na sessão do STF que examinou a equivalência entre turmas e plenário como fóruns de decisão da corte, uma rápida discussão entre os ministros Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandovski resumiu o cerne do que estava em jogo: se vale tudo no Judiciário para perseguir e prender inimigos políticos ou se ainda podemos acreditar na prevalência do devido processo legal.

A Vaza Jato mostrou que o ex-juiz Sergio Moro sugeriu pistas, informantes e estratégias aos procuradores da Lava Jato, ou seja, tramou fora dos autos como chefe da investigação. Violou o direito básico do réu a um juiz imparcial e desprezou o código de ética da magistratura.

O ministro Barroso considerou que a Vaza Jato revelou apenas "pecadilhos", "fragilidades humanas", "maledicências". A complacência não passou em branco para Lewandovski, que lembrou outros excessos de Moro muito antes da entrada em cena do hacker e do site The Intercept, como conduções coercitivas e prisões preventivas excessivas.

Demétrio Magnoli - Vírus verde e amarelo

- Folha de S. Paulo

Entrou na moda proclamar que o Brasil converteu-se em risco biológico global

Sob a hashtag #VariantBresilien, a xenofobia contra brasileiros espalha-se pelas redes sociais e as ruas da França. Na nossa língua comum, difunde-se também em Portugal (Folha, 17/4). O vírus tem pátria?

No auge da nossa segunda onda pandêmica, entrou na moda proclamar que o Brasil converteu-se em risco biológico global. “O Brasil é uma ameaça à humanidade e um laboratório a céu aberto”, disse Jesem Orellana, epidemiologista da Fiocruz, obtendo eco entre divulgadores científicos pop e comentaristas de jornais e TV. É asneira —mas uma daquelas asneiras que se quer inteligente.

A fogueira da pandemia chegou ao Ocidente pelo túnel da Lombardia. Na época, ninguém teve a ideia de rotular a Itália como “ameaça à humanidade”. Depois, o incêndio tomou a Europa, antes de atingir níveis assombrosos nos EUA —e, felizmente, o rótulo repulsivo permaneceu sem uso. Por que o Brasil, não os outros?

Carlos Góes - Recuperação para quem?

- O Globo

Esta crise, mais que outras, é marcada por um grande hiato entre brasileiros que estão em distintas partes da distribuição de renda

Na última coluna (“O PIB e o Povo”), eu enfatizei que o PIB, apesar de ser uma medida de bem-estar muito importante, vai ser um indicador enganador em 2021. A razão é um descolamento entre a atividade econômica agregada e o mercado de trabalho. Enquanto a primeira já voltou ao nível anterior à pandemia, há 8 milhões de brasileiros a mais sem trabalho.

 Este é um sintoma de um fenômeno mais importante: o caráter profundamente desigual da crise econômica do coronavírus.

O mercado de trabalho reflete claramente a assimetria da crise. Segundo dados do IBGE, entre aqueles que têm ensino superior completo, que em geral têm maior renda, houve uma contração de 7% na população ocupada.

Carlos Alberto Sardenberg - A culpa é do STF

- O Globo

Tomo emprestada a muito pertinente citação encontrada pelo advogado, jurista e escritor José Paulo Cavalcanti Filho: “O órgão que mais falhou à República não foi o Congresso; foi o Supremo Tribunal”. É de João Mangabeira, em “Rui, o estadista da República”, de 1937.

“Tenho medo de que, olhando para trás, um dia façamos juízo semelhante do Supremo de agora. Antes, pelo que não fez. Hoje, pelo que está fazendo” — acrescenta Cavalcanti Filho, em texto que pode ser encontrado em www.jp.com.br.

Pois o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão provavelmente entende que o Supremo de hoje é até pior que o comentado por Mangabeira. Depois de colocar as perguntas básicas acerca das últimas decisões do STF — afinal, Lula cometeu algum crime ou agiu dentro dos preceitos legais? —, Falcão arremata: “O Supremo não responde. Apenas constrói respostas reflexas. Não entra no mérito. Oculta-se em debates processuais sobre competências internas. Adia o Brasil. Nossa economia. Os investimentos. Nossa democracia. A normalização política”. (“O Estado de S.Paulo”, 23/04/21).

Mas, além de se esconder em firulas processuais (como já comentamos aqui), alguns ministros do STF, quando entram no conteúdo, apresentam teses estapafúrdias.

Almir Pazzianotto Pinto* - Anatomia do habeas corpus

- O Estado de S. Paulo

O que levou à decisão arbitrária que fulmina a Operação Lava Jato e consagra a impunidade?

 “O habeas corpus é meio processual destinado à proteção do direito de ir e vir, ameaçado por ilegalidade ou abuso de poder”

Ministro Eros Grau

O Supremo Tribunal Federal (STF) adquiriu duvidosa notoriedade nos últimos tempos. Após décadas de vida recatada, tornou-se autor de decisões nebulosas, com acentuada perda de prestígio e de autoridade.

A generalização é, todavia, injusta. Entre os 11 ministros da Suprema Corte encontramos alguns que julgam com a Constituição e são avessos ao populismo.

Exemplo de populismo jurídico é a decisão proferida em embargos declaratórios no Habeas Corpus 193.726-Paraná, relatado pelo ministro Edson Fachin. O julgamento se deu na Segunda Turma, integrada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Embargo declaratório é o nome de recurso previsto no Código de Processo Penal (CPP) cujo objetivo é sanar obscuridade, contradição ou omissão na decisão embargada (artigo 619).

O habeas corpus foi ajuizado em 3 de novembro de 2020. Figurou como paciente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atacou acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do Recurso Especial n.º 1.765.139, “no ponto em que foram refutadas alegações de incompetência do Juízo da 13.ª Vara Federal da Subsecção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal n.º 5046512-94.2016.4.04.7

000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de declaração de nulidade dos atos decisórios nesta praticados”.

O trecho está no relatório da decisão, do qual extraio também o seguinte parágrafo: “Após declinar argumentos pelos quais entende viável o ajuizamento da pretensão na via do habeas corpus, sustentam os impetrantes, em síntese, que, nos fatos atribuídos ao ora Paciente não há correlação entre os desvios praticados na Petrobrás e o custeio da construção do edifício ou das reformas realizadas em tal triplex, feitas em benefício e recebidas pelo Paciente (Doc. 11)”.

Entrevista | Raul Jungmann: “As Forças Armadas não aceitam uma aventura antidemocrática”

- Ricardo Chapola / Revista IstoÉ
Edição 23/04/2021 - nº 2675

A carreira política de Raul Jungmann, de 69 anos, passou por extremos. Nascido em berço esquerdista, Jungmann lutou contra a ditadura militar quando ainda era universitário ao ingressar no MDB. Depois, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Sua trajetória começou a mudar quando integrou o governo de Fernando Henrique Cardoso. 

Durante esse período, Jungmann estreitou relações com as Forças Armadas, o que se intensificou durante seus mandatos como deputado federal, até transformá-lo em ministro da Defesa no governo Temer. Foi nessa época também que passou a defender a proibição da venda de armas no País. Por essa razão, virou ministro da Segurança Pública em 2016. 

Atualmente, Jungmann continua militando pela regulação de armas e pela democracia. Em entrevista à ISTOÉ, o ex-ministro criticou a política armamentista de Bolsonaro, sugeriu que o presidente tenta formar milícias para se sustentar no poder e afirmou que o ex-capitão é o principal responsável pela grave situação do País na pandemia “Bolsonaro exerceu o papel de descoordenação, de negacionismo e também de negligência com a vida dos brasileiros, resultando nessa tragédia humanitária que nós estamos vivendo hoje”.

As trocas de ministros e de comandantes das Forças Armadas, além das mudanças na PF, feitas por Bolsonaro, configuram uma tentativa de o presidente interferir nessas áreas?

É privativo do presidente a substituição de cargos comissionados. Sob o aspecto legal é normal. O que parece anormal é o fato de termos tantas mudanças na PF. Isso sim caracterizaria uma intervenção na PF, que é descabida. A PF é a Polícia Judiciária da União. Evidentemente ela tem que ter autonomia, sobretudo face às funções que ela tem. Esse excesso de intervenção mostra interesse de dar uma direção política a um órgão de Estado e que não pode ser politizado. Essa sequência de mudanças e essa busca de politizar a PF desserve aos critérios constitucionais da impessoalidade e da imparcialidade que um órgão como esse tem que ter. Isso significa uma tentativa de intromissão no domínio legal. Não contribui para a democracia e tampouco para a independência dos poderes.

O Ministério da Justiça fez uso da LSN para abrir inquérito contra críticos a Bolsonaro. Qual a opinião do senhor sobre o assunto?

O Congresso tem falhado desde a redemocratização em dar ao País uma lei de defesa do Estado Democrático. Para mim, a principal responsabilidade é do Congresso. Na medida em que a legislação que você tem de defesa do Estado é uma lei do regime militar, ela termina sendo usada. Evidentemente que ela está sendo empregada abusivamente. E também acho que vem sendo usada com finalidade política. O Congresso já deveria ter aprovado uma lei do Estado Democrático.

Marcus Pestana* - O Brasil e as mudanças climáticas

O fato mais importante da semana foi a realização da Cúpula de Líderes sobre o Clima, reunindo quarenta chefes de governos, ato preparatório para a COP-26, a Conferência do Clima da ONU, que terá lugar em Glasgow, na Escócia, em novembro. Marca importante mudança de postura dos EUA, Joe Biden à frente, sobre as questões ambientais e o desenvolvimento sustentável, após o turbulento Governo Trump e sua postura negacionista frente às mudanças climáticas e suas consequências, que culminou com a saída dos EUA do Acordo de Paris firmado em 2015.

Nos últimos trinta anos, a agenda do desenvolvimento sustentável ganhou papel central no planejamento e nas ações de governos, da sociedade e das empresas. A consciência ecológica ganhou corações e mentes a partir do esgotamento de um modelo de crescimento urbano-industrial baseado em energias vindas dos combustíveis fosseis (carvão mineral, petróleo, gás natural, xisto betuminoso) e na intensa poluição do ar, das águas e da terra.

George Gurgel de Oliveira* - O Brasil, as comunidades indígenas e os desafios da sustentabilidade

Quando Pedro Alvares Cabral chegou à Bahia, em 1500, a população indígena brasileira era em torno de 3,5 milhões distribuída em quatro grupos linguístico-culturais: Tupi, Jê, Aruaque e Caraíba. Os Tupis eram os grupos dominantes e viviam ao longo do litoral.

A sociedade indígena era nômade, tinha um sistema de troca em forma de escambo e a divisão de trabalho entre os homens e as mulheres era baseada no sexo e na idade. Os homens preparavam a terra para a produção de alimentos, caçavam e pescavam. As mulheres semeavam, plantavam e faziam a colheita. Ainda faziam a fiação de algodão, teciam as redes, cuidavam dos animais domésticos e preparavam as raízes e folhas para a produção de cauim e os rituais. Havia uma atenção especial aos idosos e às crianças por eles representarem a história e a continuidade da comunidade.

As comunidades indígenas das Américas foram se transformando e se adaptando, ao longo de milhares de anos, a uma convivência com a natureza, da qual dependia sua existência física e espiritual.  Assim viveram até à chegada dos colonizadores europeus que escravizaram, destruíram e transformaram completamente a vida dessas populações indígenas no continente americano.

A cultura dos colonizadores de produzir e acumular riquezas, de tudo virar mercadoria para Portugal e o comércio mundial já estabelecido entrou em choque com a vida nômade, de não acumulação de bens das comunidades indígenas.  As relações iniciais de curiosidade e de trocas e de dependência dos portugueses aos índios para a sobrevivência ao longo do litoral brasileiro, foram se transformando em relações de conflitos entre os colonizadores e colonizados que passaram a ser obstáculo na ocupação da terra e, ao mesmo tempo em que os portugueses precisavam da força de trabalho indígena para o modelo de colonização extrativista que se implantava.

Luiz Paulo Costa* - Testagem em massa para reduzir as mortes

Das alternativas propostas pelos especialistas como o Dr. Drausio Varella, a testagem em massa é a que rapidamente pode arrefecer o vertiginoso aumento das infecções e hospitalizações de Covid-19 e as mortes que podem chegar ainda em abril a 400 mil brasileiros.

Ao alcance das prefeituras das grandes e médias cidades dos 5.570 municípios e contando com os governos estaduais para realiza-la nos pequenos municípios, produzem efeitos imediatos. Quer no isolamento de infectados como no convencimento de que terão de se cuidar. O que supõe ficar em casa e quando sair para suas atividades usar máscara e evitar aglomerações. E na volta lavar as mãos.

Música | João Bosco, Djavan - Corsário

 

Poesia | Ascenso Ferreira - Misticismo

Na paisagem da rua calma,

tu vinhas vindo… vinhas vindo…,

e teu vestido era tão lindo

que parecia que tu vinhas envolvida na tu’alma…

Alma encantada;

ama lavada

e como que posta ao sol para corar…

E que mãos misteriosas terão feito o teu vestido,

que até parece o de Maria Borralheira,

quando foi se casas…!

─ Certamente foi tecido

pelas mãos de uma estrela fiandeira,

com fios de luz, no tear do luar…

no tear do luar…

O teu vestido era tão que parece o de Maria Borralheira

quando foi se casar…

─ “Cor do mar com todos os peixinhos…!

─ Cor do céu com todas as estrelas…!

E vinhas vindo… vinhas vindo…

na paisagem da rua calma,

e o teu vestido era tão lindo

que parece que tu vinhas envolvida na tu’alma…