sexta-feira, 13 de maio de 2011

Reflexão do dia - O Abolicionismo (Prefácio):: Joaquim Nabuco

Já existe, felizmente, em nosso país, uma consciência nacional – em formação, é certo – que vai introduzindo o elemento da dignidade humana em nossa legislação, e para a qual a escravidão, apesar de hereditária, é uma verdadeira mancha de Caim, que o Brasil traz na fronte. Essa consciência, que está temperando a nossa alma, e há de por fim humanizá-la, resulta da mistura de duas correntes diversas: o arrependimento dos descendentes de senhores, e a afinidade de sofrimento dos herdeiros de escravos.

Não tenho, por tanto, medo de que o presente volume não encontre o acolhimento que eu es pero por par te de um número bastante considerável de compatriotas meus, a saber: os que sentem a dor do escravo como se fora própria, e ainda mais, como par te de uma dor maior – a do Brasil, ultrajado e humilhado; os que têm a altivez de pensar – e a coragem de aceitar as conseqüências desse pensamento – que a pátria, como a mãe, quando não existe para os filhos mais infelizes, não existe para os mais dignos; aqueles para quem a escravidão, de gradação sistemática da natureza humana por interesses mercenários e egoístas, se não é in famante para o homem educado e feliz que a inflige, não pode sê-lo para o ente desfigurado e oprimido que a sofre; por fim, os que conhecem as influências sobre o nosso país daquela instituição no passado, e, no presente, o seu custo ruinoso, e prevêem os efeitos da sua continuação indefinida.

Possa ser bem aceita por eles esta lembrança de um correligionário ausente, mandada do exterior, donde se ama ainda mais a pátria do que no próprio país – pela contingência de não tornar a vê-la, pelo trabalho constante da imaginação, e pela saudade que Garrett nunca teria pinta do ao vivo se não tivesse sentido a nostalgia – e onde o patriotismo, por isso mesmo que o Brasil é visto como um todo no qual homens e partidos, amigos e adversários se confundem na superfície alumiada pelo sol dos trópicos, parece mais largo, generoso e tolerante.

Quanto a mim, julgar-me-ei mais do que recompensado, se as sementes de liberdade, direito e justiça, que estas páginas contêm, derem uma boa colheita no solo ainda virgem da nova ge ração; e se este livro concorrer, unindo em uma só legião os abolicionistas brasileiros, para

apressar, ainda que seja de uma hora, o dia em que vejamos a Independência completada pela abolição, e o Brasil elevado à dignidade de país livre, como o foi em 1822 à de nação soberana, perante a América e o mundo.

Londres, 8 de abril de 1883

Joaquim Nabuco. O abolicionismo – prefácio. Pag. 1-2. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

BR puxa queda de até 11 % nos combustíveis

FOLHA DE S. PAULO

Governo dificulta importação para atingir Argentina

O ESTADO DE S. PAULO

Brasil retalia Argentina e impõe barreira à importação de carros

VALOR ECONÔMICO

TST suspende julgamentos para rever jurisprudências

BRASIL ECONÔMICO

Brasil freia importação de carros e bate de frente com a Argentina

ESTADO DE MINAS

Preço da carne sobe 1,18% e supera inflação

CORREIO BRAZILIENSE

Descanse que o Senado garante

ZERO HORA (RS)

Planalto garante verba para o metrô da Capital

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Preço de combustível não deve cair no Estado

Chegou a hora da verdade para o PT:: Roberto Freire

Muito se fala de crise na oposição. E ela está evidente. Mas, nos preocupemos antes com a crise no governo, porque a que envolve a da oposição é uma dança da política e dos políticos. Só atinge a nós. Já aquela que se abate sobre o governo é grave, e afeta toda a sociedade.

Podemos aqui mesmo discutir a situação dos partidos oposicionistas, mas, antes, vamos ao governo. A fatura da irresponsabilidade nos gastos públicos que foi o aspecto central dos últimos dois anos do governo Lula chegou.

Esse governo, tão "generoso" no uso dos recursos públicos, com os quais calçou sua popularidade, agora recebe críticas que antes não sofria.

Não é fácil administrar o rescaldo de um governo que surfou de forma imprevidente sobre o boom da economia internacional e que, ao longo desses anos, deixou de realizar as necessárias reformas democráticas do Estado, que ampliasse o poder da sociedade civil e concentrasse a ação do Estado em suas tarefas fundamentais, de garantir educação, saúde e segurança a seus cidadãos e atuasse como regulador da esfera econômica.

Essa gestão imprevidente lhe possibilitou gastar além da conta, não apenas comprometendo os fundamentos da estabilidade da moeda, mas concomitantemente garantiu guarida aos mais antagônicos setores e segmentos da sociedade, de forma subalternizada - o que levou o sociólogo Luiz Werneck Vianna a chamar esse arranjo de Estado Novo do PT.

O governo podia atender a todos. Dava-se ao luxo de ter um ministério do trabalhador e outro dos patrões. Um da reforma agrária e outro do agronegócio. Chegou a hora da verdade.

Em um momento em que a inflação estoura o teto da meta e em que se discute o excessivo endividamento das famílias brasileiras - principalmente daquelas de mais baixa renda e que têm maior dificuldade de honrar seus compromissos -, o fantasma do arrocho salarial também ronda os lares brasileiros, elevando a ameaça de inadimplência. Passado o boom da economia internacional, como ficamos?

Dilma Rousseff parece não estar disposta a comprometer o crescimento para combater a inflação. Talvez por isso não esteja adotando a política de aumento sistemático da Selic. Transigir com a inflação é atentar contra o país.

É preciso seriedade no tratamento com a estabilidade econômica, porque ela envolve todos os brasileiros. O governo não vê com preocupação o fato de a inflação flutuar um pouco, porque isso evitaria o arrefecimento do crescimento.

O risco de tal opção está evidenciado. A inflação pode tornar-se irrefreável. É isso que estamos vivendo.

As commodities, ao inundar o mercado de dólares, apreciam nossa moeda, ampliando a crise cambial e podendo trazer algo pior: "bolhas" de consumo insustentável a longo prazo. Se isso ocorrer com as commodities agropecuárias será um desastre para a América Latina, que em grande parte teve crescimento baseado no aumento de preços desses produtos.

A oposição não pode se desesperar frente ao adesismo, que é uma marca registrada da política brasileira. Há um paradoxo. Embora o cobertor esteja curto, o governo continua a atrair apoio para sua base. Vai faltar soro para tanto fisiologismo. E, sem toma-lá-dá-cá, esse tipo de apoio desaparece.

Roberto Freire é presidente do PPS

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O Código da discórdia :: Merval Pereira

O novo Código Florestal tornou-se um assunto que superou a divisão situação/oposição. A base governista é maioria, mas, nesse caso, a maioria extrapola a base governista, como prova a votação da aprovação da urgência para o projeto, que foi de 399 a 18. O governo tem força para obstruir, mas perde se colocar em votação o novo Código Florestal.

Na próxima terça-feira, se o presidente da Câmara, Marco Maia, confirmar uma viagem à Coreia do Sul, provavelmente o Código Florestal não será votado, e tudo indica que esse é o desejo do governo.

O líder Cândido Vaccarezza, que submeteu a base governista a um vexame, fazendo com que os partidos que já haviam se manifestado a favor da votação, inclusive o PMDB, voltassem atrás, já está dizendo que não há prazo para a votação.

Mas existe também a possibilidade de o presidente da Câmara não viajar porque o PMDB decidiu que nada será votado antes do Código Florestal, e existem várias medidas provisórias na fila.

A senadora Kátia Abreu, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), uma das fundadoras do PSD e sua provável futura presidente, diz estar tranquila, sem nervosismo, porque tem certeza da vitória.

O Congresso está muito firme, convencido do que vai fazer, diz ela. O relator Aldo Rebelo, do PCdoB, fez um trabalho de formiguinha, falando com bancada por bancada, e a senadora Kátia Abreu fez, com a Confederação Nacional da Agricultura, uma pregação a favor do relatório por estados.

Mas, segundo ela, além disso, nesse caso tem acontecido que as bases partidárias estão pressionando os deputados e senadores. Há um "incômodo eleitoral" que atinge apartidariamente os políticos, e esse "incômodo" é provocado pelos pequenos e médios produtores rurais.

Na disputa com a esquerda petista e com os ambientalistas, a senadora Kátia Abreu tenta se descolar do rótulo de defensora dos grandes produtores, como ela, e centra a defesa das mudanças no Código Florestal nos pequenos produtores, a mesma tecla em que bate o comunista Aldo Rebelo.

Outro ponto comum entre os dois é a defesa da produção de alimentos. A senadora de Tocantins diz que os grandes produtores - no tamanho de terra e também na renda - estão com sua vida arrumada, têm escala, têm contratos internacionais, e, por isso, não são perturbados por uma exigência de mais dez metros para lá ou para cá do rio.

"Não é isso que vai fazer esse grande produtor perder dinheiro, ele já vendeu no mercado futuro. Os verdadeiramente aflitos são os pequenos e médios produtores, que não sabem nem por onde começar, só têm a multa em cima da cabeça, o impedimento de produção e o desespero total de não poder financiar", diz ela.

O destaque que seria aprovado no plenário permitindo que milhares de pequenos produtores que já estão nas beiras dos rios lá permanecessem foi considerado pelos ambientalistas, com o apoio do governo, como a consolidação de uma transgressão às Áreas de Preservação Permanente (APPs), mas a senadora Kátia Abreu garante que é uma situação "irreversível".

Preservar não significa não ocupar, diz ela, citando o que aconteceu "em todos os rios da Europa, da Ásia, do mundo inteiro". A pequena propriedade tem obsessão pela água, diz a senadora, e é natural que assim seja, diz ela, pois um grande produtor pode estar a 500 metros do rio, mete uma bomba e um, cano e irriga o que quiser. Já o pequeno produtor não tem condições de fazer isso.

Pela lei, o mínimo é 15 metros da margem do rio, podendo chegar a 500 metros, onde não se pode produzir nada. O destaque dizia que pode sim consolidar a situação dos que já estão pela APP, que seriam verificados pelo programa de certificação ambiental para adequar suas atividades à preservação ambiental.

Dentro dessas APPs, vamos nos certificar quem é que está lá dentro e qual a atividade que está sendo praticada há dezenas e dezenas de anos, ressalta Kátia Abreu.

"Como é que um parlamentar de qualquer lugar do país vai chegar em seu estado e dizer que vão arrancar os produtores rurais da beira do rio como se fossem uma erva daninha?", dramatiza a senadora, para quem, se a decisão for tomada a ferro e fogo, "tem que demolir o Palácio do Jaburu, residência do vice-presidente, e o Palácio da Alvorada, residência da presidente da República, porque as margens de represa também são APP. E a margem do Rio Tietê em São Paulo, o que vamos fazer?".

Se aprovar do jeito mais radical, diz ela, vai haver um barulho danado em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e no Paraná, onde 90% são pequenos agricultores.

Em Santa Catarina, que tem rio para tudo quanto é lado, não sobra nada, garante.

O segundo ponto de discórdia é sobre o Plano de Regularização Ambiental (PRA) previsto no projeto do Aldo Rebelo.

A senadora Kátia Abreu enumera: o Brasil tem 850 milhões de hectares e seis biomas, e Brasília não pode controlar isso tudo. Na Constituição de 1988, meio ambiente passou a ser uma matéria de responsabilidade também estadual, para que os estados legislem sobre suas peculiaridades.

No relatório de Aldo Rebelo, existiam normas nacionais, mas havia margem para os estados cuidarem de suas questões específicas. Ficaríamos assim com responsabilidades superpostas, diz Kátia Abreu, e esse é nosso sofrimento hoje. "Você pode levar uma multa estadual, municipal e ainda federal no mesmo lugar".

O destaque dizia que o PRA seria exclusividade dos estados. "Somos uma Federação, todos os estados têm órgãos ambientais, todos têm procuradores da República, por que Saúde e Educação foram para os estados e o meio ambiente não pode ir?".

O governo alega, não sem razão, que deixar ao critério de cada estado colocaria em risco uma política nacional de preservação do meio ambiente.

A iniciativa do ex-governador de Santa Catarina, hoje senador pelo PMDB, Luiz Henrique, é tomada como exemplo tanto pelos ruralistas, que elogiam as medidas liberalizantes adotadas pelo estado, quanto pelos ambientalistas, que consideram a legislação catarinense um exemplo de como a política nacional pode ser prejudicada por decisões isoladas.

Mas a senadora Kátia Abreu acha que são as ONGs que não querem que a legislação seja estadualizada, "porque vão perder o poder político, que traz o poder financeiro delas".

FONTE: O GLOBO

Zona de risco:: Dora Kramer

Os líderes do governo, do PT e do PMDB na Câmara, deputados Cândido Vaccarezza, Henrique Eduardo Alves e Paulo Teixeira, oficializaram no início da madrugada de ontem sua condição de meninos de recados do Palácio do Planalto.

Ignorando a autonomia dos mandatos, os mandamentos do Congresso e o preceito da respeitabilidade pessoal, os três mudaram de posição em pleno encaminhamento de votação do novo Código Florestal e passaram a defender o descumprimento de acordo assinado horas antes.

Por quê? Porque o governo mandou, diante da possibilidade real de vitória do destaque da oposição que retirava do texto a prerrogativa de o Executivo comandar o setor agrícola por decreto.

Não foi um recuo qualquer. O processo de votação havia sido iniciado com o exame de requerimento do PSOL e do PV pedindo a retirada do projeto de pauta.

Todos os líderes partidários, à exceção dos signatários, orientaram suas bancadas a votar "não" porque havia sido feito um acordo no gabinete do presidente da Câmara para que a votação ocorresse naquela noite.

Bastou um telefonema de Antonio Palocci, da Casa Civil, para que com a mesma cara lisa de quem antes defendera o acordo, o líder do governo, Cândido Vaccarezza, voltasse à tribuna para denunciar o acordo. Alegou a existência de pontos obscuros e passou a orientar as bancadas a - como as manadas - caminhar no rumo oposto e votar "sim" ao adiamento.

Não havia nada de obscuro, apenas o governo percebeu que perderia no voto e resolveu desrespeitar a maioria.

Constrangidos e enredados na falta de argumentos, Henrique Alves e Paulo Teixeira também foram à tribuna contar a mesma mentira a respeito da obscuridade dos termos do acordo, impassíveis diante da exibição do documento que haviam assinado. Manobra tosca.

Diante do que aconteceu no plenário da Câmara dos Deputados em matérias de conduta parlamentar, francamente, a votação do Código Florestal chega a ser o de menos.

A não ser pela revelação do real objetivo do governo: assegurar e ampliar seu poder de mando absoluto sobre vida e obra dos agricultores brasileiros.

É óbvia a vontade da maioria de aprovar o texto resultante do acordo entre lideranças a partir do parecer do relator, Aldo Rebelo. Portanto, mais cedo ou mais tarde essa questão estará resolvida. Da pior ou da melhor maneira.

O que restou daquela sessão, porém, não se revolve facilmente: o fato de que a República no Brasil está capenga. Há o Poder Judiciário na vanguarda, há o poder discricionário do Executivo, mas não há Legislativo.

Uma coisa é a articulação de maioria, outra bem diferente é a imposição da hegemonia de poder ao custo do equilíbrio entre os Poderes. Institucionalmente imperfeito e entrando numa área de risco, passa da hora de o Brasil dar a devida atenção a isso.

Chumbo trocado. Com semblante de santa, a ex-senadora Marina Silva, postou-se ao fundo do plenário da Câmara para viver uma noite incomum. Acostumada a homenagens, Marina ouviu o deputado Aldo Rebelo acusar seu marido, Fábio Vaz de Lima, de contrabandista de madeira.

Rebelo reagia à acusação que havia recebido pouco antes da ex-senadora via twitter, de ter alterado o texto do acordo depois de sacramentado.

"Fraudador é o marido dela, contrabandista de madeira", bradou o deputado ao microfone do plenário, acrescentando, sem medir as consequências da confissão, que quando era líder do governo evitou pessoalmente a convocação ao Congresso de Vaz de Lima para falar do assunto.

Essas brigas servem para o público ficar sabendo que na política pode haver de tudo, menos vestais e querubins.

O líder do PV, Alfredo Sirkis, chamou Rebelo de "canalha traidor", outro deputado verde pediu que se retratasse, mas como Marina Silva também não retirou a acusação de fraude feita pelo relator, virou uma conta de soma zero.

Marina, por ter tido o marido envolvido em algo que carecia de esclarecimento exatamente na área de militância dela, e Rebelo, por ter interferido em prol do acobertamento.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Olho por olho :: Eliane Cantanhêde

Dois pesos, duas medidas. O governo comemora a aprovação do acordo pelo qual o Brasil vai pagar ao Paraguai o triplo do valor pela energia excedente de Itaipu, mas acaba de anunciar que, desde terça-feira, os veículos, autopeças e pneus que entram em solo brasileiro estão obrigados a mais uma burocracia: uma licença prévia para liberação de guias de importação. Antes, era automático.

Adivinha quem é o alvo dessa decisão? A Argentina, também vizinha e também membro do Mercosul, que já está com 70 caminhões parados na fronteira desde a entrada em vigor da medida. O governo nega que o alvo seja a Argentina, mas ninguém acredita, até porque esse tipo de picuinha e de provocação mútua já virou rotina.

Entra governo, sai governo, o Brasil trata o Paraguai com condescendência, inclusive fechando os olhos para contrabando e "outras cositas más", e a Argentina, com valentia. E não se fala aqui de jogo de futebol. Fala-se de comércio.

A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil, só atrás de China e EUA, e Lula não apenas manteve boas relações com o casal Kirchner (ex-presidente Néstor, morto em 2010, e sua mulher e sucessora, Cristina) como se transformou num raro sucesso de público e de crítica entre os argentinos.

Apesar disso, a Argentina sempre arranja um jeito de criar empecilhos para os produtos brasileiros, especialmente da linha branca (geladeiras, fogões etc.), alegando a necessidade de industrialização. Dilma agora responde à altura.

Pena que, por causa da pneumonia, os médicos tenham desaconselhado a ida da presidente a Assunção neste final de semana, para o bicentenário da independência do país. Poderia ser um bom momento para sentir a diferença entre Paraguai e Argentina para o Brasil.

Exportadores de lá e de cá vivem atiçando seus governos, mas agora protejam-se! Canelada se paga com canelada. Vem mais por aí.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Eduardo Campos e o PSD :: Maria Cristina Fernandes

O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, leu duas vezes o texto em que Fernando Henrique Cardoso discute a conquista política da nova classe média. Ao contrário dos petistas e de correligionários do ex-presidente como o senador Aécio Neves, encantou-se com o que leu. Credita a exploração negativa do documento a uma frase pinçada para a luta política. Não viu, na oposição, ninguém fazer um esforço semelhante em pensar o Brasil que foi transformado pelos quatro mandatos em que se sucederam PSDB e PT.

Na entrevista publicada no Valor de hoje, o presidente do PSB faz mais elogios a Fernando Henrique do que qualquer tucano da praça. Governador mais próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Campos vê convergências entre o artigo e os movimentos da presidente Dilma Rousseff neste início de governo, da política externa a uma relação menos conflituosa com a imprensa. O elogio a Dilma não se estende ao PT que, na sua avaliação, fez um movimento em direção contrária com a reincorporação de Delúbio Soares.

Desde as eleições do ano passado, Campos vem batendo na tecla de que as urnas sinalizaram para valores da classe média emergente mal ajambrados na polarização PT x PSDB e acolhidos, em grande parte, na votação de Marina Silva. No Recife, onde Dilma ficou abaixo de sua média nacional (42%) e Marina, acima (36%), Campos teve uma votação próxima (73%) à soma de ambas, resultado que lhe deixou numa situação confortável para se antecipar a esse debate.

Sigla será para Campos o que o PFL foi para FH

Pior do que perder é não tirar lições da derrota. E é isso que diz estar acontecendo com a oposição. Indaga-se, por exemplo, sem citar Aécio, que significado tem para o eleitor da feira de Caruaru, um dos bolsões de crescimento chinês do Nordeste, a mudança do rito das MPs que o senador mineiro passou a encampar.

Cada crítica de Campos ao PSDB é seguida de um elogio a Fernando Henrique. O partido, diz, não vai inverter a rota da desintegração enquanto não se deixar pautar pela rua. Bastaria se espelhar no que o ex-presidente fez ao enxergar o valor político da luta contra a inflação consolidada com o Plano Real.

Ao defender o real, Campos não endossa a gritaria tucana de que a política econômica coloca em risco a estabilidade da moeda. Não vê grandes mudanças na condução, mas diz que o aumento da taxa de juros, além de ser um remédio que não cura a doença, ainda gera outras.

Das lideranças nacionais tucanas, Fernando Henrique é o único a ser poupado. Não menciona nenhum deles, mas faz críticas nitidamente endereçadas. Se o senador mineiro entra na roda pela pauta autista no Congresso, o ex-governador paulista foi a cabeça de uma campanha que, ao privilegiar os rumos da fé cristã ou do aborto, desperdiçou a oportunidade de discutir a política anti-inflacionária ou o subfinanciamento do SUS.

Ao reafirmar suas convicções em defesa da meritocracia na gestão pública contrapõe-se a outro tucano, o governador paulista, Geraldo Alckmin, que começa a rever a bonificação de professores por desempenho dos alunos. Em Pernambuco, além de estar mantida para a educação, a bonificação se estende para a segurança pública, a arrecadação fazendária e a gestão.

Não acredita que a crise do PSDB seja suficiente para tirá-los do jogo em 2014, tanto pela estrutura nacional do partido quanto pelo número de governadores em Estados relevantes de que dispõe. Mas diz que a próxima eleição é jogo jogado. Se Dilma, favorita à reeleição, não quiser ficar no páreo, é Lula quem volta.

O jogo que está em campo, portanto, é o de 2018. Para esfriar as especulações em torno de seu futuro eleitoral já assumiu o compromisso de não se candidatar a nada em 2014. Mas parece claro que o jogo do PSB é o de comer o PSDB pelas bordas.

O maior indício disso é o surgimento do PSD. Poucos acompanharam tão de perto as negociações para o surgimento desse novo partido. O que o prefeito de São Paulo queria de início era uma fusão. Quando as lideranças do PSB viram a enxurrada que estava por vir das franjas do sistema partidário é que a negociação rumou para a criação de um novo partido.

Campos diz que o PSD possibilita o reagrupamento do conjunto de forças, que na desmontagem da ditadura, resultou no PDS. São forças que, a despeito da convergência na visão de país, trajetória e prática política, têm como principal amálgama a necessidade de pertencer a uma base de governo.

Pelo quadro de filiações que está se configurando uma aliança com o PSD é estratégica para um PSB com projeto de poder. A força do partido de Eduardo Campos está no Nordeste, região de quatro de seus seis governadores. Pois o PSD, além de filiar o governador do Amazonas, vai nascendo forte no Centro-Sul, onde o projeto é liderado pelo governador de Santa Catarina e ruma para abarcar o PP gaúcho, segundo maior força política do Estado.

Em São Paulo o polo é Kassab e o projeto da aliança é quebrar a polarização PT x PSDB no seu berço, sob os auspícios de Lula e Dilma. Sem Gabriel Chalita e Paulo Skaf, o PSB entra mais facilmente na órbita do prefeito para a sucessão municipal. A opção por um nome como o secretário de Meio Ambiente, Eduardo Jorge, azeitaria a aliança. Além de ex-colaborador da deputada Luiza Erundina, Jorge não é visto como uma ameaça a um candidato do PT, que continua a ser o principal aliado nacional do PSB e passará a ser, também, do PSD.

O movimento indica que Campos percebeu cedo que, para ter perspectiva de poder o PSB não poderia se restringir aos seus aliados históricos de esquerda. O PSD está para seu futuro político como o PFL esteve para o de Fernando Henrique Cardoso, e o PMDB, ainda que tardiamente, para o de Lula.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Um congresso no armário :: Fernando Gabeira

Pensando nos 60 mil casais gays no Brasil e nos milhares de outros que se formarão, o reconhecimento de seus direitos pelo Supremo Tribunal Federal é motivo de alegria. No entanto, da perspectiva de quem lutou pelo tema no Congresso Nacional, é desapontador ver o tema ser decidido em outra esfera de poder.

Não é uma decepção calcada apenas na superposição de um tribunal a uma assembleia de representantes eleitos pelo voto popular. Ela se alimenta também da certeza de que a maioria dos parlamentares brasileiros pensa como os ministros que julgaram o tema, mas não houve coragem para agendar a matéria e votá-la dentro dos ritos democráticos.

A primeira e mais simples explicação é esta: os deputados não querem criar problemas com as religiões. Mas, se avançamos um pouco na análise, vamos constatar que a resposta é incompleta. Um tema que também desagrada às religiões, a legalização do bingo, não tem a mesma dificuldade de chegar à agenda. Ao contrário, é preciso sempre uma forte aliança do governo com alguns dos seus adversários na oposição para evitar que seja aprovada.

Uma segunda tentativa de explicar: os deputados não querem conflito com a Igreja em ano eleitoral. Mas a incrível capacidade de sobrevivência do projeto dos bingos indica o contrário: seus defensores não só enfrentam a Igreja, como preferem fazê-lo em ano eleitoral.

A diferença essencial não está, portanto, no enfrentamento com a Igreja nem na proximidade de eleições. Está na natureza da questão: uma é puramente ideológica; a outra representa, potencialmente, ajuda financeira às campanhas.

A transferência de poder de assembleias eleitas para tribunais de Justiça é um fenômeno moderno e alguns críticos o denunciam nos EUA, onde parte das políticas sociais está sendo decidida fora do Congresso, pela Suprema Corte. O que chamamos aqui de judicialização da política segue seu curso e representa a falência dos mecanismos parlamentares de negociação e da capacidade de produzir algum tipo de consenso.

Historicamente, também contribuiu para isso o crescimento das lutas identitárias envolvendo minorias culturais. Algumas foram mais bem aceitas do que outras. A sociedade parece aberta à ideia de estender a todos os mesmos direitos e mais resistente a criar uma legislação que funcione como proteção especial a grupos minoritários. É um tipo de tensão que esteve sempre presente nos temas multiculturais. Garantir uma política igualitária que contemple todos ou enfatizar as diferenças?

Se essa suposição for verdadeira, o Congresso, na sua ótica oportunista, fez um péssimo negócio ao se omitir no projeto de união gay. Deixou para o Supremo a tarefa de tornar realidade a disposição da sociedade brasileira de abrigar todos sob as mesmas leis. E guardou para si a tarefa de votar o projeto que criminaliza a homofobia, que deve encontrar mais resistência numa sociedade propensa a adotar políticas universais.

Essa tensão deveria ser considerada pelo Congresso, que está diante de um desafio contemporâneo. Ora será solicitado a universalizar direitos, ora a reconhecer diferenças, como já o foi na Lei Maria da Penha e o será no caso de cotas para estudantes negros nas universidades. No caso dessas cotas, há quem prefira políticas universais que envolvam todos os pobres. E há quem considere essa preferência universal como conservadora. Isso pode implicar uma visão da sociedade como palco de uma multiplicidade de lutas isoladas, sem denominador comum, sem vínculos entre os vários atores.

Mesmo sem ter respostas para todas essas questões, é fácil concluir que o legalismo apolítico torna a democracia mais vulnerável. Perdida a instância parlamentar, é mais fácil concentrar poder no controle do Judiciário e da imprensa. Isso podemos constatar em outras experiências em que a democracia está sendo posta à prova. Imprensa e Judiciário são os alvos das perguntas 4 e 9 feitas na consulta popular no Equador, no fim de semana. Felizmente, as que Rafael Correa tem mais dificuldades de aprovar.

Com um Congresso no armário, perdido nas lutas por verbas e empreguinhos, culturas minoritárias sempre acharão um lugar na imprensa e no sistema judiciário para que suas demandas sejam consideradas. Esse é um movimento moderno que põe em cena não mais o cidadão abstrato, mas o indivíduo na busca da autenticidade, uma nova categoria para se pensar a política.

O mesmo não acontece com os setores sociedade que dependem de políticas universais produzidas num sistema que os deserdou. Os que precisam de saneamento básico, por exemplo.

A decisão do Supremo, apesar da alegria com a correção de sua sentença, coloca uma advertência sobre o futuro da democracia brasileira. Foi para isso que tantos lutaram pelo fim da ditadura, pelas eleições diretas? O declínio de um dos Poderes aparentemente fortalece os outros. Assim como o ocaso da oposição, na superfície, fortalece o governo.

No fundo, todos saem perdendo: a democracia não atua como o corpo humano, que diante de uma perda se reorganiza para cumprir as funções que órgão ausente deixou de satisfazer. Embora não pareça, a ausência de uma oposição articulada enfraquece o governo. E a ausência do Congresso em decisões importantes também enfraquece os Poderes que ocupam seu espaço.

A vitória do movimento pela união gay é irreversível, assim como o foi em diferentes países do mundo. Mas deixou um problema que ainda estamos longe de superar.

Cobramos do Congresso sobriedade nos seus gastos. Denunciam-se os desvios financeiros com alguma frequência, e isso é bom. Mas não basta usar o dinheiro de forma correta. É preciso assumir a complexidade do País, responder aos anseios, às vezes contraditórios, da sociedade. Neste momento, olhamos para o Congresso e ele não está lá. Há um imenso buraco na Praça dos Três Poderes.

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O que pensa a mídia

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A enrascada do combate à inflação :: Rogério Furquim Werneck

"O governo terá todo empenho para debelar a inflação, contanto, sem derrubar o crescimento. Derrubar a inflação, derrubando o crescimento, qualquer um faz. Não precisa de ministro da Fazenda para isso. Essa é a arte da coisa." Foi assim que o ministro Mantega ressaltou na semana passada, em declaração reportada pelo "Estadão", a maestria que lhe vem sendo exigida na condução da política macroeconômica.

Há cerca de dois meses, noticiou-se que havia grande satisfação no PT com o fato de que o governo, afinal, adotara uma política macroeconômica que o partido poderia considerar sua. Uma política que já não replicava a que havia sido adotada por FHC e que, sob choro e ranger de dentes, foi mantida e aprimorada por Lula durante os três anos iniciais do seu primeiro mandato.

De fato, a política de 2011 é bem diferente da de 2003-05. O celebrado tripé macroeconômico, consolidado a partir da crise cambial de 1999, já vinha sendo reconfigurado em grande medida desde 2008. E, agora, mostra os sinais inequívocos dessa mutação. Em vez de estrito cumprimento de metas fiscais, uma política fiscal ainda expansionista, marcada pela insistência na manutenção de farto orçamento paralelo no BNDES, alimentado por transferências diretas do Tesouro, sem contabilização no resultado primário e na dívida líquida. Em lugar de câmbio flutuante, uma política disfarçada de câmbio fixo. E, em vez de política de metas para inflação nas linhas habituais, nova proposta de condução da política monetária, com uso parcimonioso da taxa de juros.

A euforia do governo com sua política macroeconômica parece ter atingido o auge no final do primeiro bimestre, quando o ministro Mantega assegurou que, com as medidas prudenciais e o aumento de compulsório, a inflação começaria a cair. Não só não caiu como acaba de romper o limite superior da meta.

O agravamento do quadro inflacionário parece ter acendido a luz vermelha no Planalto. E já há analistas sugerindo que, agora, sob o comando da própria presidente, o processo de mutação da política macroeconômica estaria sendo rapidamente revertido. Alarmado com a inflação, o governo estaria disposto a se livrar da maior parte dos adereços heterodoxos que hoje entravam o combate à inflação.

Não é surpreendente que, em meio à insaciável demanda por interpretações róseas do que vem ocorrendo com a condução da política macroeconômica, esse tipo de análise tenha encontrado boa acolhida. Mas a verdade é que não é convincente. É como se, para reverter os equívocos envolvidos no combate à inflação, bastasse dar ao ministro da Fazenda e ao presidente do BNDES um comando "DESFAZER". E, com isso, da noite para o dia, a mesma equipe econômica passaria a se pautar por princípios de condução de política macroeconômica em que sabidamente não acredita.

Não vai ser tão fácil. Ideias equivocadas arraigadas custam a desaparecer. O mais provável é que o governo persista nos mesmos erros antes de se dispor a incorrer no desgaste de reconhecê-los. Na melhor das hipóteses, poderá tentar uma correção suave de rumo, começando pelo Banco Central, mas bem mais lenta do que o agravamento da situação parece exigir.

Seja como for, o governo já não esconde sua apreensão. Resgatando um discurso que parecia ter sido enterrado para sempre em 1994, tenta agora convencer as empresas a "evitar remarcações de preços". Alarmado com a reindexação e a sinalização que poderá advir das grandes negociações coletivas de reajuste salarial, num quadro de inflação próxima a 7% ao ano, o governo clama pela necessidade de que tais negociações sejam pautadas pela meta de 4,5%. E promete se empenhar para desindexar a economia. O que só realça a inconsequência com que a política econômica vem sendo conduzida. Afinal, trata-se do mesmo governo que, há poucos meses, com ares de defensor da austeridade, fez o Congresso aprovar uma regra de superindexação que deverá exigir, em janeiro de 2012, um reajuste do salário mínimo de nada menos que 14%.

"A arte da coisa" está cada vez mais difícil.

Rogério Furquim Werneck é professor de Economia na PUC-Rio.

FONTE: O GLOBO

Tumulto na noite :: Míriam Leitão

Era para ser um projeto que conciliasse duas necessidades do país, virou um conflito aberto com o relator sendo aclamado por um dos lados, que é praticamente o coautor do texto. A discussão do Código Florestal é reveladora. Só na noite de quarta-feira mostrou os erros do governo, a fratura da base parlamentar e o destempero do relator, o deputado Aldo Rebelo.

O relator prefere desqualificar e ofender a argumentar e convencer. Acaba prisioneiro de suas próprias palavras. Seu ataque ao marido da ex-ministra Marina Silva é uma confissão de culpa: ou bem o deputado considerava a acusação falsa e por isso evitou o depoimento no Congresso; ou está convencido da culpa do marido de Marina e portanto obstruiu uma investigação.

O que se discute é mais profundo e decisivo. É como o Brasil pode conciliar suas duas poderosas vocações. O Brasil é um dos maiores produtores agropecuários do mundo e o país com a maior biodiversidade. Isso nos coloca na principal esquina do planeta: aumentar a produção aproveitando a oportunidade aberta pelo crescimento da demanda em países de grandes populações e rápido crescimento; e preservar o patrimônio natural do país no momento em que a biodiversidade passa a ser de fato valorizada.

Aclamado com os gritos de "Aldo, Aldo" por uma parte do Congresso; ofendido pela outra parte em troca da acusação que lançou, o deputado ficou ainda mais inadequado ao papel de conciliador de posições.

O agronegócio é espinha dorsal da economia brasileira. Imagine que ele não exportasse o que exporta. Pode até tirar da conta o que o setor fornece ao mercado interno - que é até maior - e mesmo assim se chega a números impressionantes. A balança comercial do setor fechou 2010 com um superávit de US$63 bilhões. Sem o agronegócio, o Brasil naufragaria num gigantesco déficit.

Mas há inúmeras práticas danosas que precisam ser combatidas; os ruralistas precisam se atualizar urgentemente. Há um lado moderno que pouco aparece nessas refregas públicas. Uma pena que os modernos se deixem representar por líderes com discurso tão mofado. Há outro lado totalmente lavoura arcaica. Esta semana mesmo a Justiça do Trabalho condenou o grupo J. Pessoa a uma multa de R$5 milhões pela ação proposta pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul, após o Ministério do Trabalho ter constatado que mais de mil trabalhadores, entre eles 800 indígenas, trabalhavam em duas das usinas do grupo em condições degradantes, em 2007. Na época, o presidente do grupo, J. Pessoa de Queiroz Bisneto, era conselheiro do Instituto Ethos e diretor de Sustentabilidade da Unica. Entre outros absurdos, os trabalhadores dormiam amontoados. Um dos alojamentos tinha 2,8 metros por 9,4 metros. Lá, dormiam 20 índios. Faltava tudo: banheiros, água limpa, higiene nos alojamentos, proteína na alimentação. A empresa já tinha sido autuada dez vezes.

Em relação à questão ambiental também o setor tem exemplos estimulantes de conciliação e avanços convivendo com as mais bizarras práticas destruidoras, como o correntão na Amazônia.

Os sinais da mudança do tempo são inegáveis. Na última década, nós não tivemos um ano sequer em que não houve um evento climático extremo de grandes proporções no mundo; no Brasil tivemos sucessão de secas e enchentes, todas bateram recordes históricos. Estudo recente do Inpe e do MetOffice, da Inglaterra, mostrou que a Amazônia está ameaçada por duas forças: só uma podemos controlar. De um lado, a mudança climática; de outro, o desmatamento. Qualquer uma dessas forças pode destruir a Amazônia. O desmatamento e as queimadas contribuem para a mudança climática, portanto, convoca o perigo que não podemos controlar.

A Agência Nacional de Águas (ANA) mostrou no seu último levantamento que as bacias brasileiras estão quase todas comprometidas por poluição e erosão, os nossos aquíferos estão ameaçados, e defendeu em nota técnica a recomposição das matas ciliares e a manutenção das Áreas de Preservação Permanente (APP) como está proposta na legislação atual. Não existe agricultura sem água. A Amazônia é fonte de chuva em todo o país. Seguir o sensato conselho da ANA deveria ser parte da estratégia da agricultura. Os produtores não deveriam se esquecer também que a segunda maior fonte de água do Brasil é o cerrado, sobre o qual avançam como se fosse uma vegetação pobre, que pudesse ser, toda ela, substituída por culturas. Já há produtores sem água por não terem protegido as fontes. Como a Embrapa já mostrou em estudos e pesquisas, é no cerrado que estão espécies que poderão dar ao Brasil a capacidade de desenvolver sementes resistentes a pouca água e muito calor no futuro que se aproxima. A Mata Atlântica não suportaria mais nenhuma ofensa. Seus pequenos e valiosos fragmentos têm que ser protegidos a qualquer custo e a meta tem que ser não apenas preservar o existente, mas aumentar a cobertura florestal.

O governo em início de mandato deveria tirar duas lições da lamentável noite de quarta-feira. Primeiro, que sua base parece muito grande, mas é heterogênea demais e vai se fragmentar a cada votação se não tiver uma boa e forte liderança. O assunto tratado no projeto de mudança do Código Florestal é estratégico, não pode ser capturado por um dos grupos em conflito. O governo tem que dizer qual é sua política. Do contrário, ficará nessa contradição de ter uma vasta maioria, e usar seu partido mais importante para obstruir a votação de um projeto relatado por um integrante de sua própria base.

FONTE: O GLOBO

Partido único no Brasil :: Cristovam Buarque

Quando lemos os jornais, temos a sensação de que estamos caminhando para um regime de partido único no Brasil. E com tendências diferentes, como, aliás, todos os partidos únicos do mundo e seus conflitos internos.

De um lado, o governo está conseguindo juntar quase todos os partidos como tendências de grande partido único de governo, além de cooptar as organizações do movimento social. Do outro lado, a oposição está se diluindo, pela perda de propostas alternativas.

O governo adotou propostas das oposições e estas não poderiam adotar posições progressistas. Ficam vazios pelos dois lados, conservadores. Os partidos de oposição têm se limitado a ser apenas denunciadores.

Nem críticos eles conseguem ser mais: são denunciadores de coisas erradas. E os demais partidos são apenas apoiadores. É claro que isso facilita governar, mas não facilita o funcionamento da democracia. Ao juntar todo mundo, há a perda da perspectiva crítica do governante e o risco de se cometer erros por falta de alertas.

O grande mérito da democracia está na capacidade da sociedade identificar e corrigir erros de governos. Ao desfazer os outros partidos, os descontentamentos não têm para onde caminhar.

Na Tunísia havia um imenso partido, mas o presidente dava o direito de surgirem outros pequenos partidos, desmoralizados. Os descontentes não encontraram partidos alternativos que os representassem, foram para a praça e derrubaram o governo por meio de atos de rua, a única alternativa viável diante de partidos únicos.

O Brasil precisa ter democracia para abarcar os descontentes, com partidos organizados, consolidados e com programas, capazes de evitar que o povo, por falta de partido, tenha que ir para a rua quando precisar manifestar seu descontentamento. O governo FHC teve a sorte de ter tido o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT na oposição. Foi uma oposição qualificada, transformada em opção de governo.

Hoje, do ponto de vista histórico, considero uma sorte. A imensa capacidade do ex-presidente Lula era de juntar partidos diferentes, não em torno de programas nem de ideologias, mas de cargos e acordos específicos. Além disso, ele conseguiu juntar as forças não partidárias. As organizações não governamentais viraram associadas, os sindicatos ficaram amarrados, os estudantes, passivos, os intelectuais, calados.

Precisamos de intelectuais que falem, de estudantes que caminhem nas ruas, de sindicatos que reivindiquem, de ONGs que fiscalizem. Que possam radicalizar, dizendo que este País tem de ter hospital igual para todos, que tenham coragem de dizer que é imoral existir escola boa e escola ruim. Escola é escola ou não é escola, não existe boa ou ruim.

Ao não radicalizarem, o governo absorve as ideias moderadas que eles têm e fica tudo igual. A democracia brasileira corre risco. Não resiste um processo democrático construído a partir de alianças tão amplas que o que sobra do outro lado são concessões para que continue funcionando, sobretudo quando elas não têm propostas, metas.

Fica aqui o alerta. Para o bem da nossa democracia que é plena inflação e partido único não podem voltar.

Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Um debate que virou bate-boca na Câmara

Aldo Rebelo (PC do B-SP) fala ao microfone no plenário da Câmara na madrugada de ontem. Ao fundo (à dir. na foto), Marina Silva (PV-AC) reage: discussão do Código Florestal terminou em bate-boca entre o deputado - e relator do projeto - e a ex-senadora. Marina o criticou sobre mudanças no texto final. Aldo reagiu com ataques verbais ao marido da ex-senadora.

No calor do debate, Aldo acusa marido de Marina de contrabando

Deputado reagiu a uma mensagem de ex-ministra no Twitter e disse que evitou o depoimento de Fábio Vaz de Lima

Leandro Colon e Eugênia Lopes

BRASÍLIA - A atuação da ex-senadora Marina Silva (PV-AC) na discussão sobre o novo Código Florestal desencadeou um bate-boca em plenário e acusações contra o seu marido, Fábio Vaz de Lima. Já era início da madrugada de ontem quando o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), relator do projeto, reagiu a uma crítica feita por Marina no microblog twitter sobre mudanças que ele havia feito no texto final.

"Quem fraudou contrabando de madeira foi o marido de Marina Silva, defendido por mim nesta Casa quando eu era líder do governo", disse Aldo. "Quando líder do governo, evitei o depoimento do marido de Marina", afirmou. As declarações, dadas no microfone do plenário, ocorreram minutos depois de Marina escrever na internet direto do Congresso: "Estou no plenário da Câmara. Aldo Rebelo apresentou um novo texto, com novas pegadinhas, minutos antes da votação. Como pode ser votado?"

Ontem à tarde, Marina convocou uma entrevista coletiva para responder a Aldo. A ex-senadora rotulou de "levianas e infundadas" as acusações feitas pelo deputado. "Não tenho receio dessas acusações. Elas são falsas, levianas", afirmou Marina. "Não vamos permitir que se faça uma cortina de fumaça para sair do debate que interessa, que é o Código Florestal", disse.

Procurado ontem pelo Estado, Aldo minimizou o episódio. "Eu recebi a informação de que Marina dissera que eu havia feito uma fraude, uma coisa que ela não escreveu. Se eu soubesse, não falaria aquilo. Eu exagerei no tom", afirmou. Ele, disse, porém, que não se arrepende do que fez. "Não me arrependo porque não fiz uma coisa leviana."

As declarações de Aldo remetem ao ano de 2004, quando Marina Silva era ministra do Meio e Ambiente do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O deputado do PC do B ocupava o cargo de ministro da Articulação Política. Ao atacar a ex-senadora, ele referiu-se a uma tentativa da oposição de convidar o marido de Marina para depor na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara. Um requerimento foi apresentado pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), no dia 27 de abril de 2004, para ouvir Fábio Vaz de Lima e dirigentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No dia 12 de maio, a base do governo conseguiu esvaziar o pedido. Aprovou-se apenas o convite ao então presidente do Ibama, Marcus Luiz Barroso Barros. O requerimento mencionava reportagens sobre superfaturamento em contratações do Ibama com dinheiro do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social. O caso envolveria o Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais, cujo diretor na época, Atanagildo de Deus Matos, havia sido indicado pelo marido de Marina Silva.

O suposto "contrabando" de madeira aparece em outro caso, da mesma época, mas no Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão abriu investigação, após denúncia anônima, de favorecimento na doação de 6 mil toras de mogno apreendidas pelo Ibama para a Organização Não Governamental Fase, filiada à entidade Grupo de Trabalho Amazônico (GTA). O marido de Marina Silva é um dos fundadores do GTA. A ONG Fase deveria exportar a madeira, o que foi feito, por meio de uma empresa terceirizada, por R$ 7,9 milhões. Em troca de intermediar a transação, a entidade deveria usar R$ 3,5 milhões num fundo de proteção ambiental. Numa decisão de maio de 2004, o tribunal aponta falta de competitividade para a doação do Ibama à ONG Fase, falhas na avaliação dos valores do mogno, entre outras coisas.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Insatisfação na base aliada aumenta e já compromete agenda de votações

O Polêmico debate do Código Florestal provocou fusão inusitada de partidos da base do governo com a oposição, gerando número recorde de dissidentes; aliados reclamam de interlocução com Palácio do Planalto e reivindicam cargos no segundo escalão

Eugênia Lopes e Denise Madueño

BRASÍLIA - A votação do projeto de Código Florestal deflagrou a primeira crise na base aliada da presidente Dilma Rousseff. Insatisfeitos com o conteúdo da proposta e com a demora no preenchimento dos cargos de segundo escalão, os aliados se uniram à oposição para derrotar o Palácio do Planalto. A fusão ameaça agora a agenda legislativa do Planalto. Além da votação do Código ter sido suspensa diante da insegurança do governo sobre sua aprovação, novas votações importantes para o governo podem ser contaminadas.

O esgarçamento da base é sintoma da centralização nas mãos do alto petismo das nomeações para cargos-chave. Cerca de 350 deputados votariam contra a proposta do Código Florestal, um placar resultante da poderosa articulação dos ruralistas com a insatisfação na base por conta da distribuição de cargos.

As dissidências estão espalhadas por todos os partidos aliados. Um dos mais atingidos foi o PMDB, forçando o líder da legenda, Henrique Eduardo Alves (RN), a prometer à bancada que nada será votado enquanto não for desatado o nó do Código Florestal. No principal sócio do Planalto, a "rebelião" envolveria entre 50 e 57 deputados da bancada de 79 parlamentares.

O mesmo padrão de dissidência foi detectado nos demais partidos da base. Dos 27 deputados do PDT, cerca de 20 poderiam bandear para o lado da oposição.

Agora, o projeto do Código Florestal ficará parado, pelo menos, nos próximos dez dias. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e líderes da base aliada estarão ausentes de Brasília na semana que vem.

"Há uma insatisfação generalizada. A intransigência, a soberba e a arrogância do governo estão mexendo com os brios dos deputados", disse o deputado Moreira Mendes (PPS-RO), presidente da Frente Parlamentar de Agricultura. A avaliação é que o governo será derrotado em qualquer momento em que o Código for à votação.

Os relatos de líderes aliados com um número cada vez maior de defecções alarmaram o Planalto. O ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, telefonou para o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), e pediu o adiamento da votação.

"O PMDB está dando uma nova oportunidade para o Planalto", afirmou o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), ao explicar os motivos que levaram os peemedebistas a não insistir na votação do Código na noite de anteontem.

Impacto. A insatisfação na base interfere diretamente em propostas que o governo quer votar rapidamente na Câmara. Na semana que vem, Vaccarezza vai procurar os líderes partidários para tentar recompor um acordo que permita a continuidade das votações. Ele reconheceu que a suspensão da votação do projeto de Código Florestal foi um rompimento do acordo que havia sido feito com os líderes partidários e com a própria base.

"Eles têm razão de declarar guerra, mas eu não vou aceitar essa guerra", disse Vaccarezza. "Assumo que fiz o acordo e assumo que rompi. Estou pedindo um armistício", completou.

O rompimento do acordo compromete a votação de medidas provisórias, que perderão a validade no dia 1.º de junho. Uma delas é a MP 521, cujo texto foi incluído a proposta de um regime especial de licitação para as obras da Copa do Mundo e da Olimpíada.

O líder do governo avisou que o Palácio do Planalto não está disposto a fazer novas concessões no texto do Código.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Interferência de Marina no debate do Código Florestal preocupa governo

Planalto quer evitar que ex-senadora atrapalhe acordo com base aliada e ganhe espaço como terceira via no Congresso

Roldão Arruda

O governo acompanha com preocupação e com perfil de zagueiro as movimentações da ex-ministra do Meio Ambiente e ex-candidata ao Planalto Marina Silva (PV) nas negociações da reforma do Código Florestal.

A meta é impedir que Marina Silva atrapalhe um acordo entre governo e sua base de apoio no Congresso, mas, sobretudo, impedir que ela ganhe espaço para viabilizar uma terceira via política, entre Dilma Rousseff e a oposição, de olho disputa ao Planalto em 2014.

A avaliação feita no governo é que Marina Silva não tem sabido lidar com o patrimônio de quase 20 milhões de votos que obteve no primeiro turno das eleições presidenciais do ano passado. E, por ora, esse é o melhor cenário previsto pelo governo.

Identificada, no lançamento de sua candidatura, com a tentativa de conciliar o desenvolvimento sustentável com a preservação do meio ambiente, Marina Silva chegou atrasada ao debate da reforma do Código Florestal, durante os meses em que o governo e o relator do projeto Aldo Rebelo (PC do B-SP) buscavam uma proposta de acordo para a votação.

O acordo estava avançado quando a ex-presidenciável reapareceu no debate do Código Florestal, com críticas à proposta, que pretende regularizar a situação da maioria das propriedades rurais do País, sem acabar com a exigência de manutenção ou recuperação da vegetação nativa às margens de rios, encostas íngremes e em uma parcela dos imóveis.

A aparição da ex-candidata à Presidência, ontem, na Câmara dos Deputados, envolvida em bate-boca com o deputado Aldo Rebelo teria ajudado pouco a construção de um acordo.

Abalos à imagem do relator, que foi chamado de "traidor" em plenário, não contribuem no embate entre ruralistas e ambientalistas.

A maior contribuição de Marina Silva na reforma do novo Código Florestal, por enquanto, é a carta que obteve da então candidata a presidente Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2010.

No documento, Dilma se comprometeu em vetar mudanças na lei que representassem a redução das áreas de preservação permanente e de reserva legal.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Honda pode demitir 1.270 em São Paulo

Montadora japonesa enfrenta falta de peças por causa de terremoto. Empregados fazem greve

Lino Rodrigues

SÃO PAULO. A montadora japonesa Honda planeja demitir até 1.270 trabalhadores, a partir de junho, e reduzir 50% da produção de sua fábrica em Sumaré, no interior paulista. A informação foi dada ontem pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, após duas reuniões com diretores da companhia. Sindicalistas disseram que souberam da "readequação" na terça-feira, após um encontro entre representantes da matriz e da subsidiária brasileira. A decisão seria reflexo do terremoto que atingiu o Japão em 11 de março, afetando duramente a indústria. Em reação, metalúrgicos fizeram uma assembleia e anunciaram uma paralisação por tempo indeterminado.

- Se essa decisão for mantida, toda a cadeia produtiva estará comprometida, e trabalhadores de outras empresas de autopeças correm o risco de perder o emprego - disse Jair dos Santos, presidente do sindicato.

A entidade defende a redução da jornada de trabalho para cinco horas e meia e a extinção de um dos três turnos até que a produção de peças no Japão volte à normalidade. Segundo sindicalistas, a partir do dia 23, os funcionários da Honda em Sumaré vão entrar em licença remunerada por falta de peças. O retorno ao trabalho está previsto para 6 de junho, quando as encomendas deverão chegar à fábrica brasileira. A montadora estaria planejando fazer as demissões nesse período.

- Eles (a Honda) acham que é mais barato demitir agora e recontratar os trabalhadores em janeiro ou fevereiro - disse José Donizetti Ferreira, dirigente sindical e funcionário da montadora.

Procurada, a Honda garantiu que não tomou qualquer decisão formal em relação a demissões no Brasil. A montadora informou ainda que está em permanente contato com os sindicalistas para deixá-los a par de cada passo que vem tomando.

Se for confirmado, o corte atingirá 36,4% do total de empregados da Honda em Sumaré - são 3.487 metalúrgicos. Sindicalistas dizem que a montadora quer acabar com um dos três turnos de trabalho e adiar o lançamento de um modelo que estava previsto para 2012. A produção cairia de 600 para 320 carros por dia.

A Toyota, outra montadora japonesa, também está enfrentando dificuldades para fabricar veículos no Brasil e na Argentina por causa da falta de peças importadas da matriz. A produção do Corolla em Indaiatuba (SP) está suspensa desde a última sexta-feira. Porém, a companhia tem dito que o problema não deverá provocar demissões.

Em São José dos Pinhais, no Paraná, metalúrgicos da Volkswagen fizeram ontem uma nova assembleia e decidiram manter a greve iniciada há oito dias. Eles reivindicam R$12 mil a título de Participação nos Lucros e Resultados (PLR).

FONTE: O GLOBO

Procuradores: fazer obras para Copa sem abrir licitação é inconstitucional

Grupo de trabalho do Ministério Público pede que projeto não passe

BRASÍLIA. O grupo de trabalho criado no Ministério Público Federal para acompanhar as ações da Copa do Mundo e das Olimpíadas de 2016 entende que é inconstitucional a contratação de obras para esses eventos esportivos sem licitação. O governo federal tenta aprovar no Congresso uma emenda à medida provisória (MP) 521 em que prevê a adoção do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) para essas obras.

Em parecer encaminhado ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, os procuradores desse grupo recomendam a rejeição do projeto.

Eles afirmam que a aplicação do regime diferenciado às licitações e contratos "é uma cláusula intoleravelmente aberta", que confere ao Executivo o poder de definir ou escolher, "com base em critério de elevado subjetivismo", o regime jurídico da licitação pública.

Pelo regime diferenciado, as obras e serviços de engenharia da Copa e das Olimpíadas ficam liberadas da apresentação de projetos básico e executivo, previstos na lei 8.666, que regula as licitações na Administração Pública. O novo regime exige apenas um anteprojeto de engenharia, que na visão dos procuradores "é extremamente vago, genérico" e implicará a falta de definição adequada do objeto da licitação e do futuro contrato, o que fere a Constituição, segundo avaliação do grupo.

No parecer, os procuradores alertam que a utilização desse modelo pode resultar em "graves desvios de verbas públicas", em decorrência das deficiências do anteprojeto de engenharia.

Segundo o parecer, houve afronta aos artigos 22 e 37 da Constituição. "Sendo indiscutível a relevância dos eventos citados na norma (Copa e Olimpíadas), a mera referência a necessidades vinculadas aos mesmos não oferece nenhuma limitação ao exercício da competência administrativa, possibilitando o seu uso com arbitrariedade", diz o texto.

Na visão dos procuradores, há violação dos princípios constitucionais da Administração Pública e o regime atenta contra a isonomia e "gera violação da moralidade administrativa, porque a lei está chancelando, e não limitando, a atividade arbitrária do administrador".

"A Constituição não pode ser alterada por norma de estatura hierárquica inferior", destacam ainda os procuradores, que pedem que a Procuradoria Geral da República endosse essa posição.

O parecer do MPF reforçou a ação da oposição contra o regime diferenciado. O PPS ameaça entrar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a MP 521, caso esta seja aprovada pelo Congresso.

- Estamos alertando há muito tempo, e agora o Ministério Público confirma, que a manobra do governo é ilegal. O Congresso não pode aprovar uma medida inconstitucional para encobrir a incompetência do governo, único responsável pelo atraso nas obras da Copa do Mundo. Se insistirem com a emenda, vamos acionar o Supremo - disse o líder do PPS na Câmara, deputado federal Rubens Bueno (PR).

Já o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), minimizou o parecer dos procuradores do Ministério Público classificando o documento de "um panfleto".

- Acho uma manifestação ruim dos procuradores, mas o sistema jurídico permite. Eles já viraram parte, têm a mesma opinião da oposição, estão fazendo política. Fizeram uma manifestação mais filosófica do que técnica. É um debate ideológico, não pega bem. Se quisessem mesmo ajudar, não teriam procurado o caminho do enfrentamento público - reagiu Vaccarezza.

Ele disse que irá procurar os líderes da oposição e da base para convencê-los a votar, na próxima semana, a MP, que perde a validade no dia 31.

FONTE: O GLOBO

Clara Nunes -O canto das três raças / Paulo Cesar Pinheiro

O Navio Negreiro (Tragédia no mar) :: Castro Alves

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.


'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...


'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...


'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...


Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.


Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!


Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!


Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!


Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia,
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
.........................................................


Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!


Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.


II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.


Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!


O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!


Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...

III


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!


IV


Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...


Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!


E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...


Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!


No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."


E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...


V


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!


Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...


São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão...


São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.


Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
...Adeus, ó choça do monte,
...Adeus, palmeiras da fonte!...
...Adeus, amores... adeus!...


Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.


Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...


Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...


Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!...


VI


Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...


Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!


São Paulo, 18 de abril de 1869. (O Poeta, nascido em 14.03.1847, tinha apenas 22 anos de idade)