terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Merval Pereira - A democracia venceu

O Globo

Cerimônia de diplomação foi uma exaltação à democracia

Era para ser uma simples diplomação dos candidatos eleitos a presidente da República e vice, como sempre acontece antes da posse formal. Mas, como não estamos em tempos normais, acabou sendo uma cerimônia de exaltação à democracia e, também, de advertência aos que insistem em tumultuar o processo normal de transição de um governo ao outro.

Tivemos apenas duas mudanças de guarda da oposição para a situação na Presidência da República depois da redemocratização. Em 2003, Fernando Henrique Cardoso fez uma transição democrática exemplar para seu adversário histórico, o PT de Lula. Em 2019, o então presidente Michel Temer, um político de centro, passou a faixa ao representante da extrema direita, Bolsonaro.

As demais transições foram entre iguais, nas reeleições de FH e Lula e entre os petistas, com Lula passando a faixa a sua escolhida, Dilma Rousseff. A cerimônia de diplomação, em todos esses casos, foi apenas protocolar, sem polêmicas. Desta vez, será a passagem de bastão de um presidente de extrema direita para um de esquerda.

Essa mudança radical poderia ser o ápice de nossa evolução democrática, não fossem as ameaças permanentes do perdedor da eleição e os acampamentos de seus seguidores para pedir intervenção militar, sem que as autoridades militares desautorizem tais manifestações, que não são protegidas pela liberdade de expressão porque defendem medidas ilegais.

Vera Magalhães - Qual foi o principal recado da diplomação

O Globo

Fala de Alexandre de Moraes de que responsáveis por ataques à democracia serão "integralmente responsabilizados" é indireta direta para Bolsonaro

Os discursos de Lula e de Alexandre de Moraes na diplomação do presidente e do vice-presidente eleitos foram pródigos em recados, em mais uma mudança de paradigma entre as tantas de 2022: o que é mais um ato protocolar do processo eleitoral ganhou simbolismo maior diante das persistentes tentativas de deslegitimar o processo eleitoral por parte de apoiadores de Jair Bolsonaro. O principal desses recados veio do presidente do Tribunal Superior Eleitoral justamente para o ainda presidente, ausente como tem estado desde 30 de outubro: os responsáveis pelos ataques à democracia já estão sendo detectados e serão "integralmente responsabilizados".

Moraes fez de seu discurso na posse um desabafo diante de todos os ataques que sofreu na pessoa física e das tentativas de solapar o Judiciário e o processo eleitoral. Acabou se estendendo mais que o próprio Lula, roubando um pouco a cena de uma solenidade na qual não era o protagonista. Mas acabou sendo, como foi na eleição como um todo.

Esse protagonismo não foi buscado por ele ou pela Justiça em primeira mão, mas também não foi evitado. Tanto que ele próprio disse que o Judiciário mostrou que é forte e altivo, e não se acovarda. Moraes listou três pilares que são atacados quando se tenta subverter a democracia no mundo: a liberdade de imprensa, o sistema eleitoral e a independência do Judiciário. Listou as formas como esse tripé foi atacado nos últimos anos no Brasil e a forma como as redes sociais foram usadas por milícias extremistas para esse intento.

Míriam Leitão - O diploma da democracia

O Globo

Lula venceu uma longa jornada, da prisão ao seu terceiro mandato, e a democracia venceu a mais dura batalha desde a redemocratização

Foi uma longa jornada a do presidente Lula desde a prisão até o dia de ontem, em que recebeu o diploma do seu terceiro mandato à frente dos destinos do país. Foi uma longa jornada também para a democracia brasileira, que venceu a sua mais dura batalha desde a redemocratização. Por isso, a diplomação dos eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin foi mais do que um ritual da Justiça Eleitoral. Foi um desagravo à democracia. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, recebeu palmas de quase um minuto ao entrar, fez um fortíssimo discurso de recados contundentes, o presidente diplomado falou com o coração e a razão, e avisou que aquela era a celebração da democracia. Tudo teve um significado muito além do protocolo.

Foram anos duros demais. O pacto político brasileiro, assinado na Carta Política de 1988, enfrentou um ataque sem trégua. Usando o poder da cadeira de presidente, Jair Bolsonaro conspirou diariamente contra a democracia, com discursos dúbios, ameaças explícitas, mobilizações e uma ampla rede de milícia digital. Seus seguidores ainda estão nas ruas, perturbando o direito de ir e vir e na semana passada Bolsonaro voltou a fazer discurso golpista. As Forças Armadas permitiram que ele deixasse no ar a ideia de que havia uma espada sobre as nossas cabeças. Esse tempo tenebroso começa a acabar.

Carlos Andreazza - Agradamentos alcolúmbricos

O Globo

A PEC da Transição, como aprovada no Senado, é obra-prima da acomodação. Contempla a todos. Amarra tudo. (Amarra também o Supremo, não sem contemplar os ministros que fazem cálculos políticos.) Daí por que avance tão rapidamente. Resolve o Orçamento do governo Lula, encaminha as reeleições de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco às presidências das Casas legislativas, assegura as emendas dos alcolumbres e faz fechar as contas de Bolsonaro.

Um arranjo perfeito.

A perfeição oportunista do bicho se pode medir no puxadinho que projetará mais cerca de R$ 23 bilhões para fora do teto de gastos, espécie de bônus a depender do nível de arrecadação. Com efeito já para 2022, a gambiarra ao mesmo tempo permitirá que Bolsonaro evite a paralisação da máquina e que Lira e Pacheco honrem os compromissos bilionários em emendas parlamentares do orçamento secreto. As granas estavam bloqueadas. Agora andarão. Andando, farão rir. A boiada passa. Ficam todos felizes.

O lance é o fluxo. A fluência do fluxo. Não interrompa o fluxo — e a mágica acontece. A PEC é a da continuidade do fluxo. Da transição sem traumas.

Andrea Jubé - Um filósofo no Ministério da Fazenda

Valor Econômico

Haddad diz que teve “a melhor relação com o Congresso”

Em maio, na pré-campanha ao governo de São Paulo, quando lançou o livro “O Terceiro Excluído - Contribuição para uma Antropologia Dialética”, o ex-prefeito e professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Haddad foi alvo de críticas internas no PT por se dedicar à produção de uma obra acadêmica, quando, na percepção dos aliados, deveria estar em campo, pedindo votos nas periferias.

Na introdução da obra, o ex-prefeito de São Paulo antecipou-se às críticas, alegando que desejou contribuir para o debate coletivo, num cenário de negacionismo sistêmico, diversionismo e “fake news” como estratégias políticas. “Diante do achatamento brutal do debate público no país, o meu ímpeto foi o de seguir na direção oposta, da reflexão e do aprofundamento”.

Advogado formado no Largo de São Francisco (USP) e mestre em economia, Haddad é doutor em filosofia, com uma tese sobre o teórico alemão Jürgen Habermas, da Escola de Frankfurt. “O Terceiro Excluído” começou a ser escrito logo após a derrota para Jair Bolsonaro em 2018. Na definição da psicanalista Vera Iaconelli, foi essa a reação do político ao trauma da derrota: uma obra científica. Um franco contraponto ao comportamento do presidente Bolsonaro, que desde o resultado das urnas, recolheu-se em silêncio tonitruante, incensando de forma velada os atos antidemocráticos que se perpetuam na frente dos quartéis.

Pedro Cafardo - O que se espera dos novos planejadores

Valor Econômico

Pensamento liberal tende a deixar a tarefa do planejamento apenas para o mercado, que nem sempre direciona os recursos públicos de acordo com os interesses públicos

Quando circulou a informação de que Lula, presidente eleito, pretendia convidar Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda e Persio Arida para o do Planejamento parecia haver inversão de posições. Normalmente, governos nomeiam ministros ortodoxos em matéria de pensamento econômico para a Fazenda/ Finanças e heterodoxos para o Planejamento.

Não é o caso da dupla. Haddad é advogado, mestre em economia e keynesiano, pouco ativista, é verdade, e marcado por uma administração bem austera como prefeito de São Paulo de 2013 a 2016. Arida é liberal e há dúvidas sobre sua crença em planejamento de Estado. A nomeação de Haddad já foi confirmada. A grande notícia, porém, consequência do novo viés ideológico do governo, deve ser essa volta do planejamento de Estado, abandonado no governo Bolsonaro.

Na verdade, toda economia é planejada, como diz o economista americano L. Randall Wray. A questão é que o pensamento liberal tende a deixar essa tarefa apenas para o mercado, que nem sempre direciona os recursos públicos de acordo com os interesses públicos.

O objetivo de qualquer governo sério é construir um Brasil rico, com educação para todos, crescimento de produção, oferta de empregos e, sobretudo, mais igualitário e que possa propiciar o bem-estar geral à população. Isso exige planejamento.

Nos quatro anos do governo Bolsonaro funcionou - ou deveria ter funcionado - o superministério da Economia, unificando Fazenda, Planejamento, Trabalho, Previdência e Indústria e Comércio. O “super” ficou só no apelido, porque o resultado foi um desastre. As secretarias especiais criadas para substituir cada uma das pastas unificadas não tinham status necessário para o comando de suas áreas.

Maria Clara R. M. do Prado* - Não cabe segredo nas contas públicas

Valor Econômico

Pela Constituição, a emenda parlamentar não pode descaracterizar metas definidas pelo Executivo no PPA

No apagar das luzes do governo Bolsonaro começam a ser contabilizados os custos impingidos à sociedade ao longo dos últimos quatro anos. Os retrocessos comprometem não apenas o presente, mas as gerações futuras, em especial nas áreas da saúde, da educação e do meio ambiente.

Evidências, casos concretos e situações comprovadas têm sido divulgados com certa frequência desde o início de 2019, mas pouca pressão foi feita para abortar ou no mínimo mitigar os abusos acumulados pela omissão de um governo que não soube governar, abusos esses difíceis de contabilizar porque não estão contemplados nos modelos que buscam medir a eficiência da administração pública.

Cristina Serra - Congresso, garimpo e crime

Folha de S. Paulo

A visão extrativista deve ser superada por outra, que leve em conta a soberania do país

O anteprojeto do novo Código de Mineração, aprovado por um Grupo de Trabalho (GT) na Câmara dos Deputados, é um exemplo de como parlamentares podem agir como despachantes de poderosos grupos econômicos em vez de propor leis que contemplem os interesses mais amplos da sociedade.

O código vigente é de 1967 e precisa, de fato, ser atualizado. Assunto de tamanha importância deveria ter tramitado nas comissões da Câmara. Mas o presidente da casa, Arthur Lira, preferiu criar um GT, onde o rito é mais acelerado e distante do monitoramento público.

Joel Pinheiro da Fonseca - A centro-direita e Lula?

Folha de S. Paulo

A lembrança do que houve de pior nos anos PT aponta riscos do novo governo

O início do novo governo Lula é —ou pode ser— um recomeço não só para o PT, como também para os seus críticos. É um desafio criar o discurso crítico de direita a esse governo. Grande parte da oposição está agarrada à histeria antipetista, vendo chavismo e comunismo em toda e qualquer nomeação. A cada ato de moderação do governo, perderão credibilidade.

A religião do antipetismo já azedou faz tempo, mas nem por isso a indignação na qual ela se baseava era injusta. Pelo contrário; a lembrança do que houve de pior nos anos PT é o que nos aponta alguns dos maiores riscos do novo governo.

O primeiro e mais imediato, sem dúvida, é a economia. A situação do Brasil é difícil e não permite aventuras como a que culminou na crise de 2014. A boa notícia é que Haddad nunca foi um populista tresloucado. Ter Rui Costa —outro quadro moderado do PT— na Casa Civil é também um ótimo sinal no que diz respeito às prioridades. Resta saber se alguma outra pasta econômica trará algum nome mais liberal para compor com Haddad.

Igor Gielow - 'Lula day' político retoma nós contra eles e herança maldita

Folha de S. Paulo

No adequado palco do TSE, ameaças de Bolsonaro à democracia são rejeitadas pelo establishment

Se o 10 de novembro entrou para a crônica da transição do governo abandonado por Jair Bolsonaro (PL) como o "Lula day" na economia, o presidente eleito do Brasil fez questão de pontuar a versão política de sua carta de apresentação ao establishment com um pacote misto.

Diplomado pela terceira vez presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insistiu na importância da manutenção da democracia no Brasil, que viu ameaçada nos turbulentos anos do atual mandatário. Fez disso o ponto central de seu discurso.

Ao mesmo tempo, contudo, Lula puxou um rosário de messianismos que não teriam ficado deslocados caso a pessoa no púlpito fosse Bolsonaro. Começou com um "Deus existe" e pulou diretamente para qualificar a disputa de outubro como um embate entre um "governo de destruição nacional" e outro na via inversa.

Logo falou "o quanto custou a espera" para voltar ao poder, não só para si, mas para os brasileiros que "reconquistaram a democracia". Tudo muito bonito para os 50,9% dos eleitores que digitaram 13 em 30 de outubro, mas o problema começa com os 49,1% que preferiram o 22 de Bolsonaro.

João Villaverde* - ‘De uma vez por todas’ dá o tom da diplomação

O Estado de S. Paulo

O clima era “de uma vez por todas”. Quem acompanhou a cerimônia de diplomação da chapa Lula-Alckmin no TSE seguramente terminou o evento com essa sensação. Alexandre de Moraes, o presidente do tribunal, balizou todo o seu discurso como se estivesse dizendo “de uma vez por todas” que todos aqueles que atentam contra as eleições e a democracia pagarão criminalmente. Diplomado presidente, Lula falou “de uma vez por todas” que o resultado eleitoral foi claro e deve ser respeitado.

A eleição foi a mais apertada de nossa história. Jair Bolsonaro teve o melhor resultado que um segundo colocado jamais registrou. Mas Lula teve mais votos que ele. Lula venceu e Bolsonaro perdeu. Pronto. A cerimônia da tarde de ontem, um protocolo que normalmente tinha pouca (ou nenhuma) importância, serviu de marco simbólico relevante nesses tempos incertos.

Diante de uma parcela de extremistas que bloqueiam rodovias e destroem patrimônio público e privado, o País assistiu no TSE duas falas seguidas que capturaram perfeitamente o tom do momento. Era preciso dizer uma última vez, como quem fala “de uma vez por todas”, que as eleições acabaram. Lula venceu e Bolsonaro perdeu.

Cristovam Buarque* - A cultura importa

Correio Braziliense

Depois dos turnos eleitorais para escolher o presidente, investidores e consumidores ficam na expectativa de como o eleito vai conduzir a economia

Poucos lembram da importância que tem a cultura no progresso em qualquer país, em qualquer momento, especialmente no Brasil, nos próximos anos. A primazia da renda e dos preços no dia a dia de cada pessoa e no futuro do país coloca a economia como o setor de maior preocupação na formação e nos rumos do próximo governo.

Depois dos turnos eleitorais para escolher o presidente, investidores e consumidores ficam na expectativa de como o eleito vai conduzir a economia. Poucos se preocupam com os rumos a serem adotados pelo Ministério da Cultura e com quem vai ocupar a pasta.

Entre esses poucos, a preocupação mais comum é em saber quem vai cuidar dos órgãos de promoção e financiamento das atividades artísticas. Quase todos esquecem que vai caber a esse ministério coordenar a grande luta pela recuperação da mente brasileira, comprometida nos últimos quatro anos pela visão obscurantista, preconceituosa, censora, promovida pelo ainda presidente e seus asseclas mentais.

Luiz Carlos Azedo - Diplomação de Lula simboliza a derrota do golpismo

Correio Braziliense

A atuação do presidente do TSE foi decisiva para garantir a realização das eleições

O discurso do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, na cerimônia de diplomação do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi um duro recado aos golpistas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL) de que a democracia venceu, ancorada no Estado Democrático de Direito e, em especial, nas urnas eletrônicas, que garantiram eleições livres e limpas.

O choro de Lula ao dizer que sua eleição representou a reconquista da democracia pelo povo e que pretende exercer seu mandato em nome da "normalidade institucional" e da "felicidade", sinaliza a intenção de superar o processo de radicalização que pautou as eleições e ainda ronda sua posse na Presidência. Entretanto, nada foi mais simbólico de que estamos virando a pagina do golpismo do que a chegada de Lula, ao lado da primeira-dama Rosângela, a Janja, pelo corredor formado pelos Dragões da Independência para receber o novo presidente da República.

Não fosse a emoção de Lula, o discurso de Alexandre de Moraes teria roubado toda a cena. A atuação do presidente do TSE à frente do processo eleitoral foi decisiva para garantir a realização das eleições e seus resultados. Antes, durante e depois do pleito, se considerarmos o pedido de anulação do segundo turno das eleições apresentado levianamente pelo PL, por exigência de Bolsonaro.

Alexandre de Moraes - Discurso na Diplomação de Lula/Alckmin

 

Lula - Discurso na Cerimônia de Diplomação no TSE

 

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novo governo deveria ter rosto menos ideológico

O Globo

Primeiros escolhidos de Lula para o ministério têm currículo e capacidade. Precisarão saber evitar a prepotência

Depois de diplomado ontem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, precisa acelerar as indicações para o primeiro escalão do próximo governo, iniciada na sexta-feira passada com o anúncio dos cinco primeiros nomes do ministério.

Os dois ministérios mais importantes da Esplanada ficaram com o PT. Fernando Haddad, candidato derrotado ao governo de São Paulo, será o novo chefe da Fazenda, desmembrada do atual Ministério da Economia. Rui Costa, ex-governador da Bahia, estará à frente da Casa Civil. A delicada pasta da Defesa será comandada por José Múcio Monteiro, ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU). Flávio Dino, ex-governador do Maranhão atualmente no PSB, será ministro da Justiça. E Mauro Vieira, chanceler no governo Dilma, voltará ao Itamaraty.

Poesia | Manoel Bandeira - Trem de Ferro

 

Música |Tom Zé e Moska - Tô