domingo, 29 de setembro de 2019

Opinião do dia – Marco Aurélio Nogueira*

Palavras são palavras: têm mil e uma utilidades. Diante das tropas fanatizadas do bolsonarismo, servem para mobilizar. Sem elas a base se desmancha e a narrativa não se sustenta. O “mito” deve ser reposto dia após dia, para que sua demagogia populista e patrioteira sobreviva. É uma reposição que se faz com atos e decisões, mas também com palavras, que mobilizam e persuadem.

Palavras influenciam, organizam, são recursos de hegemonia. Podem educar, iludir, inflamar, envenenar. Precisam ser, por isso, decodificadas.

É preciso separar o caricato do substantivo, descobrir o que há por trás do palavrório de Bolsonaro. Sua narrativa funciona como um filtro que bloqueia a visão da paisagem. É tóxica, sobretudo, por isso. Desconstruí-la é recuperar uma perspectiva e um entendimento que se perderam pelo caminho.

*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da UNESP. ‘Atos e venenos’, O Estado de S. Paulo, 28/9/2018.

Eliane Cantanhêde - O Titanic Lava Jato

- O Estado de S.Paulo

Gilmar Mendes está na posição de ‘quem ri por último ri melhor’, mas...

Com a sucessão de eventos da semana passada, a Lava Jato começa a ir a pique como o Titanic. Hackers, The Intercept Brasil, Supremo, Congresso, Planalto e, agora, a absurda, inacreditável, chocante história do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que entrou armado na mais alta corte do País para assassinar o ministro Gilmar Mendes.

Depois das “flechadas” contra Michel Temer, Janot queria assassinar Gilmar a tiros. Não tirou o mandato de um nem a vida do outro, mas acaba de matar sua própria reputação. Procuradores são servidores públicos e ele não era apenas um procurador qualquer, era o procurador-geral e estava disposto a cometer não um crime qualquer, mas o mais grave de todos: assassinato. E de um ministro do Supremo!

Janot agia como justiceiro, Gilmar era o crítico mais feroz dos personagens, métodos e atos da Lava Jato. O procurador era endeusado e o ministro, trucidado, principalmente nas redes sociais. Mas a gangorra inverteu. Janot cai do pedestal, Gilmar está exultante e a maior operação anticorrupção da história afunda fragorosamente.

Com seu partidarismo, arrogância e falta de limites, Janot foi o pivô da gravação que Joesley Batista, da J&F, fez com o ex-presidente Michel Temer. O resultado foi uma conversa mole, induzida, picada, que não conseguiu derrubar Temer, mas derrubou a reforma da Previdência e a retomada do crescimento. O País pagou um alto preço.

A J&F virou gigante internacional com o ex-presidente Lula, mas Janot e sua turma atiraram em Temer. Como a gravação não ficou forte o suficiente, eles adulteraram a ordem das frases e correram ao STF sem aprofundar as investigações, seguir o dinheiro ou sequer fazer perícia no áudio. E que acordo camarada com os irmãos Batista! Foi, portanto, uma ação política, que fica ainda mais irritante com a confissão de Janot justamente na semana da inversão da gangorra também no STF.

Vera Magalhães - Dudu faz as malas

- O Estado de S.Paulo

Jogo combinado entre Bolsonaro e o Senado prepara terreno para o filho

A reforma da Previdência vira refém da conveniência de tempo e agenda dos senadores. Vetos são derrubados sem que o presidente que os proferiu nem sequer lamente. O líder do governo no Senado é investigado sob a acusação de ter recebido propina quando era, vejam só, ministro de ninguém menos que Dilma Rousseff.

A sequência de fatos, todos das últimas duas semanas, contraria dois pilares da campanha de Jair Bolsonaro, comprados pelo valor de face pelo eleitorado traumatizado pelo PT: a proposta liberal-reformista na economia e o combate implacável à corrupção e à velha política.

Pouco importa. Essas promessas e a fidelidade a uma parcela do eleitorado foram colocadas em segundo plano diante da prioridade do momento: preparar o terreno no Senado para o envio, mais de dois meses depois do primeiro anúncio, da indicação do terceiro filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, à Embaixada do Brasil em Washington.

Não que seja uma preparação de todo planejada, como nada é na parafernália de conceitos e métodos do bolsonarismo. Ao mesmo tempo em que é necessário fidelizar senadores para a aprovação de Eduardo, seu irmão Carlos fustiga o partido com a segunda maior bancada na Casa, o Podemos – pela primitiva razão de que a sigla cresce em cima do PSL e pode virar morada de algum adversário do pai em 2022, como o temido Sérgio Moro.

Luiz Carlos Azedo - As leis de Beccaria

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Estamos assistindo a uma grande colisão entre a alta magistratura brasileira, representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato”

O milanês Cesare Beccaria, marquês de Beccaria, é considerado o pai do moderno direito penal. Educado por jesuítas, estudou literatura e matemática em Paris, em meados do século XVIII, e sofreu a influência dos pensadores enciclopedistas, principalmente Voltaire, Rosseau e Montesquieu. De volta a Milão, fundou uma sociedade literária de caráter iluminista e passou a escrever para o jornal Il Café, que circulou nos anos de 1764 e 1765. Na época, vigorava a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva, o que levava a aplicação de punições com consequências piores do que os males produzidos: torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, na maioria das vezes, com base em acusações secretas.

Beccaria se insurgiu contra isso e escreveu uma obra seminal, que todo estudante de Direito conhece: Dei Delliti e dele Pene (Dos delitos e das penas), fruto de suas discussões com os amigos, entre os quais os irmãos Pietro e Alessandro Verri. Para evitar perseguições, o livro foi impresso em Livorno, em 1764, anonimamente, com o cuidado de usar expressões vagas e imprecisas sobre assuntos que contrariavam magistrados e clérigos.

O tratado Dos Delitos e das Penas invoca a razão e o sentimento. Até os dias de hoje, é um libelo contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios. Separou a justiça divina e a justiça humana, os pecados e os delitos, condenou o direito de vingança e tomou por base a utilidade social para estabelecer o direito de punir. Classificou como inútil a pena de morte, assim como defendeu a separação do poder judiciário e do poder legislativo.

Aclamado em Paris, sobretudo pelos filósofos franceses, Beccaria foi acusado de heresia e sofreu forte perseguição em Milão. Entretanto, sua influência se espalhou pela Europa. A imperatriz Maria Teresa da Áustria, aboliu a tortura em 1776. Voltaire classificou seu livro como um verdadeiro código de humanidade. Catarina II ordenou a inclusão dos conceitos do livro no Código Criminal Russo de 1776. Em 1786, Leopoldo de Toscana adotou as reformas defendidas por Beccaria. Na Prússia, Frederico, o Grande, abraçou muitos de seus princípios.

Janio de Freitas - Sentenças sem defesa

- Folha de S. Paulo

Reconhecimento das garantias constitucionais foi ameaçado pelo Supremo

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal mostra uma combinação de temor a reações da opinião pública, inclinações políticas e argumentos artificiosos no trato de questão essencial para o regime democrático.

É o que existe sob o louvado reconhecimento, já feito, de que às defesas cabe o último pronunciamento antes da sentença, para responder a denúncias novas ou a pendências remanescentes --direito desrespeitado em julgamentos na Lava Jato.

Na verdade, porém, o valor desse reconhecimento depende de uma definição que está ameaçada pelo próprio Supremo.

Ainda faltando os votos dos ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli, que apenas antecipou sua opinião, a meio da semana ficava reafirmada, por 6 votos 3, a tese que levou à anulação da pena imposta por Sergio Moro a Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras.

Resultado que agora se estendia ao ex-gerente da empresa Márcio Ferreira. Mas a forçosa decisão incomodou vários ministros, dada a possibilidade de anular numerosas condenações da Lava Jato. Não tardou a aparecer o que foi chamado de "modulação" no reconhecimento do direito dos réus. Melhor diriam, no entanto, mutilação.

Luís Roberto Barroso, terceiro a votar, propôs que, se confirmada para o réu a última palavra, assim seja apenas daqui por diante. Logo, caso o Supremo declarasse incorretos os métodos condenatórios, a seu ver o incorreto deveria permanecer intocado. Nem ao menos era caso de regra nova e não retroativa. Azar o de quem não teve a defesa final e está na cadeia.

É interessante a virada de Barroso, que se mostrava de fino rigor legalista até que se viu sob críticas, por comprometer-se com a tese da prisão antes de concluídos os recursos de defesa. Sua reconhecida vaidade se teria magoado, e passou a responder com uma virada para a linha Fux.

Bruno Boghossian – Conversa de botequim

- Folha de S. Paulo

Sem enfrentar excessos, combate à corrupção ficará refém de paixões políticas

A Lava Jato é tema de conversa de botequim há mais de cinco anos, mas uma parte do país ainda se apavora quando surgem discussões sobre os abusos da operação. A fobia é reflexo das artimanhas dos poderosos para frear a turma de Curitiba, mas é também sinal de imaturidade de alguns de seus defensores.

Depois de 66 fases só no Paraná, há exemplos de sobra de que procuradores e juízes ultrapassaram os limites da lei mais do que um punhado de vezes. Além de insensato, o esforço para manter a Lava Jato intocada é um problema cada vez maior.

A tentativa de blindar a operação e barrar até a correção de seus excessos mais evidentes contaminou o debate público sobre esses casos. Provocou cegueira seletiva nos tribunais, produziu reações defeituosas e deu munição inclusive a réus incriminados sem sombra de dúvida.

Se o Brasil não tiver coragem de passar a Lava Jato a limpo para consertar suas arbitrariedades e estabelecer balizas claras, os esforços de combate à corrupção ficarão para sempre reféns de paixões políticas de momento, como se vê agora.

A névoa mantida nessa região de fronteira abre caminho para um Congresso que aprova, às pressas, uma lei de abuso de autoridade necessária, mas cheia de buracos. Cria condições também para que um presidente cite ações arbitrárias como justificativa para para interferir em órgãos de controle e proteger aliados.

Ruy Castro* - País de maus bofes

- Folha de S. Paulo

Autoridades escoiceando à solta estimulam a que seus esbirros façam o mesmo

Não sei bem o que significa perder as estribeiras, mas, seja o que for, o Brasil parece estar perdendo as suas. Pelo que podemos ver no noticiário e em nós mesmos, tornamo-nos 200 e tal milhões de sujeitos que passam o dia chutando baldes, rosnando ameaças e usando toda espécie de canal para destratar os inimigos, os adversários e até os simples desafetos. Ninguém mais tolera ninguém, ninguém admite um pensamento contrário. A continuar assim, vamos passar a nos esbofetearmos ou cuspir uns nos outros à guisa de bom-dia.

O exemplo vem de cima. Num país em que o presidente é o primeiro a não perder uma oportunidade de ejacular desaforos e descompor pessoas, inclusive ao microfone da ONU, como esperar moderação de seus chefiados? E, se esse presidente exerce a política da terra arrasada, da desarmonia entre os poderes e do desmantelamento das instituições, por que seus seguidores, dentro e fora do governo, fariam diferente?

O ministro da Educação, por exemplo, mesmo incapaz de tomar um ditado, não abre mão da arrogância. E dá-lhe de corte de verbas, desamparo a órgãos centenários e desprezo por funções que ele nem é capaz de entender, como a de professor universitário. E é contagioso. Uma autoridade escoiceando à solta estimula a que um esbirro do quarto escalão agrida uma heroína da cultura brasileira e fique por isso mesmo.

Hélio Schwartsman - Realismo democrático

- Folha de S. Paulo

Pleito após pleito, grande parte do eleitorado vai às urnas e repete o ciclo, na vã esperança de que, na próxima vez, algo diferente ocorra

Na linha “a democracia não é bem o que se imagina”, recomendo vivamente “Why Bother with Elections?” (por que se preocupar com eleições), do cientista político Adam Przeworski (NYU).

O livro é brutalmente realista. Diz logo de cara que a democracia é o regime da decepção. Um pouco menos da metade dos eleitores odeia o resultado da última eleição, e os cinquenta e poucos porcento que votaram no candidato vitorioso logo ficarão desapontados com sua performance. Ainda assim, pleito após pleito, grande parte do eleitorado vai às urnas e repete o ciclo, na vã esperança de que, na próxima vez, algo diferente ocorra.

Przeworski também deixa claro que eleições são incapazes de trazer uma solução para nossas ansiedades econômicas, imprimir racionalidade às decisões coletivas e ainda padecem de vieses graves, como a enorme vantagem que dão aos candidatos que já ocupam o cargo. De 2.949 pleitos registrados entre os anos de 1788 e 2008, os titulares venceram 2.949, ou 79%.

Vinicius Torres Freire – Poder aos Napoleões de hospício

- Folha de S. Paulo

Descrédito de procuradores aumenta crise institucional e anima autoritarismos

Um procurador-geral fantasia ou planeja o assassinato de um ministro do Supremo e considera cabível contar esse desvario ao público. Procuradores com altas responsabilidades fazem troça da morte de uma criança, neta do investigado-mor da República, Lula da Silva, entre outras vulgaridades teratológicas ou cruéis.

Os conluios e a politização da Lava Jato decerto causaram mais dano institucional. Mas arrivismos dinheiristas, piadas funéreas e delírios homicidas de procuradores dão o que pensar. De que gente é feito o Ministério Público?

A revelação do descalabro, seja moral, jurídico ou político, de qualquer modo contribui para a operação de revanche contra a Lava Jato. O movimento combina a reação de interesses corporativistas de políticos com a resposta de democratas à manipulação legal ou política de processos judiciais.

Nos tribunais ou no Congresso, o partido da Lava Jato sofre derrotas. A reação às extravagâncias desse movimento político-judicial, porém, não são sinal de restauração das funções do sistema político ou dos Poderes.

Por bem e por mal, a política da República de 1988 passou por um desmonte que se deveu, enfim e na prática, à Lava Jato. O acuamento do partido dos procuradores e do sistema de investigação em controle em geral não significa que o sistema está em obra de reconstrução. A Procuradoria é que entra no programa geral de demolição.

É um cenário favorável às piores tentações do bolsonarismo. O presidente e seu movimento têm as tintas de um cesarismo alucinado, para ser mais preciso de um bonapartismo, que não raro floresce nas paisagens com ruínas do descrédito de sistemas políticos.

Elio Gaspari* - A farra dos desembargadores

- Folha de S. Paulo | O Globo

Tribunal de SP quer construir novo prédio com custo estimado de R$ 1,2 bilhão

A menos de um quilômetro de distância do pedaço do Vale do Anhangabaú onde as filas de desempregados se formam ao amanhecer, o Tribunal de Justiça de São Paulo quer construir duas torres de 24 andares com seis subsolos para 1.300 vagas de estacionamento. Coisa estimada em R$ 1,2 bilhão.

Esse assunto rola desde 1975 e por ora o tribunal trata do projeto executivo da obra, que poderá custar até R$ 26 milhões. Deve-se à desembargadora Maria Lúcia Pizzotti o bloqueio da farra. Se ninguém mais puser a boca no mundo, esse negócio vai adiante. Vai aos poucos, mas vai.

Quem ouve falar em duas torres para o Tribunal de Justiça pode até achar que um país rico, em regime de pleno emprego, precisa de uma boa sede para o tribunal de São Paulo. Não é nada disso. Os edifícios destinam-se a abrigar apenas os gabinetes dos 360 desembargadores. Todo mundo pagará pela farra, mas as torres terão 28 elevadores e 12 serão privativos para desembargadores e juízes. Os doutores terão também um andar exclusivo para seu restaurante. Isso e mais um posto bancário só para desembargadores.

Merval Pereira – Reação prevista

- O Globo

Para Maria Cristina Pinotti, Mãos Limpas foi mutilada antes de seu final, e não cumpriu integralmente seu papel

Considerar que os delatores são auxiliares de acusação provocou uma repulsa grande ao Supremo, decisão que está sendo percebida pela população como ação contra a Lava-Jato. Utilizar-se do velho formalismo jurídico para anular a condenação de um corrupto por suposta falha técnica, que não está prevista em nenhuma legislação existente, é uma maneira de postergar a punição.

A modulação que será proposta pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF, deve definir que o julgamento volta às alegações finais, não havendo, portanto, o perigo de começar da estaca zero, o que vai certamente ser reivindicado pelos advogados de defesa.

Cumpridas as novas formalidades, o resultado do julgamento vai ser igual, não é possível acrescentar provas ou acusações. A questão mais grave é a da prescrição da pena, se houver possibilidade recursal de postergar o final do julgamento por qualquer outra mágica jurídica.

É possível que na decisão final fique definido que o prazo legal da prescrição permanece suspenso enquanto o processo retorna às alegações finais. As semelhanças com o caso das Mãos Limpas na Itália são muitas, mas, por enquanto, a popularidade da Operação Lava-Jato continua grande.

Na Itália, o combate à corrupção teve um apoio popular grande, que decaiu ao longo dos anos devido, principalmente, a diversas denúncias que ajudaram a gerar desconfianças na população, mesmo não tendo sido comprovadas.

A economista Maria Cristina Pinotti, estudiosa da Operação Mãos Limpas, coordenadora do livro “Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas”, relata que a reação do sistema político teve seu auge com a eleição de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro, em 1994.

Bernardo Mello Franco - O peixe podre do impeachment

- O Globo

Beneficiário direto do impeachment, o ex-senador Aloysio Nunes agora diz que a Lava-Jato cometeu “ilegitimidades” para forçar a queda de Dilma Rousseff

Três anos depois, a história do impeachment de Dilma Rousseff continua a ser reescrita. Na sexta-feira, o tucano Aloysio Nunes afirmou que a Lava-Jato cometeu “ilegitimidades” e vendeu “peixe podre” para forçar a derrubada da ex-presidente. Ele se referia ao grampo do “Bessias”, vazado por Sergio Moro às vésperas da votação decisiva na Câmara.

O então juiz divulgou o diálogo na tarde em que Dilma nomeou Lula para assumir a Casa Civil. Com base no grampo, o ministro Gilmar Mendes anulou a posse. Alegou que o ex-presidente estava atrás do foro privilegiado para fugir da cadeia.

Graças ao Intercept Brasil, hoje se sabe que Moro e a Lava-Jato omitiram outras conversas gravadas no mesmo período. Elas sugerem que o principal objetivo da nomeação era blindar Dilma, e não Lula. A presidente apelava ao antecessor para recompor sua base no Congresso e salvar o próprio mandato.

“Quando você fala na divulgação do diálogo do Lula com a Dilma, evidentemente você tem uma manipulação política do impeachment”, disse o ex-senador Aloysio em entrevista à “Folha de S.Paulo”. “Não é uma coisa por inadvertência, foi de caso pensado”, acrescentou.

Ascânio Seleme – Viva o velho Brasil!

- O Globo

Até os eleitores mais fiéis de Bolsonaro devem estar com uma pulga atrás da orelha depois de todos os desdobramentos políticos e jurídicos que atingem com artilharia pesada a Lava-Jato, a mais importante e famosa operação anticorrupção do mundo, depois da Mani Pulite, a Mãos Limpas italiana. Os outros brasileiros, os infiéis ao presidente e todos os que nunca votaram e jamais votariam nele também devem estar abismados com a reviravolta que vai se consumando no Brasil. A grande lavagem da corrupção dentro da política brasileira está desaparecendo porque aos poucos vão sendo dela subtraídos sabão e água.

A mudança do clima em torno da Lava-Jato, outrora intocável, é mais do que visível. Os torpedos que vão sendo disparados do Congresso, do Supremo e até do Palácio do Planalto causam danos importantes à força tarefa, alguns insuperáveis. A situação chegou a esse ponto porque, primeiro, Sergio Moro aceitou o convite e virou ministro de Bolsonaro. Depois, as trocas de mensagens entre Moro e a turma do Ministério Público publicadas pelo Intercept conferiram a coragem que faltava a muitos dos homens que hoje manejam a artilharia e os torpedeiros.

O Congresso dispara contra a Lava-Jato de modo a se proteger. É de uma desfaçatez monumental. O STF a ataca muitas vezes incomodado com o seu sucesso e com a sombra que ela projeta sobre a casa suprema. Claro que os argumentos sempre são outros e fazem todo sentido jurídico. Limita-se a Lava-Jato atendendo a premissa constitucional de se oferecer ampla defesa a qualquer acusado. No caso dessa semana, o STF entendeu que a defesa é cerceada se o delator for julgado depois do delatado. É controverso, mas faz sentido em razão do atendimento ao processo legal. O que parece incabível mas pode acontecer é que a decisão coloque em liberdade diversos condenados. A decisão vai alcançar 150 condenados, segundo O GLOBO, entre eles o ex-presidente Lula.

Míriam Leitão - Supremo tem semana decisiva para o país

- O Globo

Supremo Tribunal Federal (STF) estará diante de quatro caminhos que farão completa diferença na vida do país e da Operação Lava-Jato

Na semana em que o ex-presidente Lula deve ser solto, para cumprir o resto da pena em casa, o Supremo Tribunal Federal (STF) estará diante de quatro caminhos que farão completa diferença na vida do país. O dilema da ordem em que devem ser feitas as alegações finais nos casos em que há delação premiada deixou o país em suspenso. É o fim da Lava-Jato? Ela está sendo abatida por uma filigrana jurídica ou o que está se discutindo é a garantia fundamental do direito de defesa? No Supremo há quem considere que se encontrará uma solução intermediária.

O STF poderá decidir que tudo o que foi feito até agora está anulado, dado que não foi observada a ordem de que o delatado é o último a falar. Essa posição extrema tem seus defensores, mas é difícil de se sustentar, até pelo fato de que o que está sendo levantado não está na lei. É apenas uma interpretação. “Uma interpretação importante”, pondera um ministro da Corte.

O caminho proposto pelo ministro Luiz Roberto Barroso é de que só se aplique aos casos que forem julgados futuramente. É difícil que seja seguido. A terceira saída sugerida pela ministra Cármen Lúcia é de rever caso a caso. A tese é de que isso dá mais trabalho, mas que em direito penal não se pode “passar a régua”, nem se pode descuidar, um milímetro que seja, do respeito ao direito de defesa. E há a proposta do ministro Alexandre de Moraes que é a de serem considerados apenas os casos em que, durante o processo, o réu pediu para ser ouvido por último e se disse prejudicado. Portanto, não há um tudo ou nada, segundo a explicação que ouvi dos juristas do Supremo, mas sim algumas alternativas em cima das mesas do Tribunal, que podem atenuar o cenário mais radical.

Dorrit Harazim - Caldeirão do Trump

- O Globo

Mesmo que a abertura do inquérito na Câmara não leve à aprovação do impedimento pelo Senado, de maioria republicana, é boa a hora de se relembrar o papel de whistleblowers

O que estará pensando Volodymyr Zelensky? Apesar da extraordinária versatilidade desse ucraniano camaleão de 41 anos — já foi ator e comediante de real sucesso, roteirista de TV e cinema, empresário cultural e produtor de filmes no eixo Rússia-Ucrânia —, nada o preparou para se ver catapultado a testemunha e coprotagonista de um enredo capaz de sacudir a história americana, e alterar a geopolítica mundial. Nem mesmo sua meteórica ascensão a sexto chefe de Estado da Ucrânia independente. Montado numa campanha eleitoral tipo blitzkrieg de apenas quatro meses, Zelensky conseguira saltar do papel de presidente ficcional em popularíssimo seriado de TV, “Servidor do povo”, para o de vencedor na vida real. Em abril, derrotara o presidente em exercício por 73% dos votos, e desde então vinha se equilibrando na complexa teia de relações com a sempre rombuda Rússia, e o guarda-chuva aliado dos países da Otan.

Esta semana, com a forçada divulgação do teor de um controverso telefonema confidencial entre Donald Trump e Zelensky, elemento central para o início do processo de impeachment do presidente americano pelo Congresso dos Estados Unidos, o ucraniano se vê num enredo para o qual não ensaiou. Para sorte dele, também é formado em Direito. Caberá à opinião pública de seu país avaliar se o novato no cargo defendeu ou entortou os interesses nacionais para os quais foi eleito.

A situação de Donald Trump é bem mais cabeluda. Em essência, ele agora passa a investigado por usar de seu poder na Casa Branca para pressionar Zelensky a fornecer informações sobre negócios envolvendo o filho do seu principal adversário à reeleição em 2020, Joe Biden. A moeda de troca seria o congelamento ou liberação de US$ 400 milhões em ajuda à Ucrânia.

Além do teor da carta Trump-Zelensky, o inquérito de impeachment tem embasamento num recheado relatório-denúncia de um informante (ainda) anônimo da CIA, que lista evidências de abuso de poder pelo ocupante da Casa Branca para ganho político pessoal. O relatório detalha desvios em série — do acobertamento de provas à alarmante participação do advogado pessoal do presidente, o casca-grossa Rudy Giuliani, na missão de pressão sobre a Ucrânia.

Bolívar Lamounier* - Pequim não crê em lágrimas

- O Estado de S.Paulo

Para se fazer presente no imenso mercado chinês, Hollywood terá de se reinventar

Meu artigo de hoje não é propriamente um artigo, é um relato sobre um artigo de Martha Bayles, professora do Boston College, publicado na edição digital da revista The Atlantic do dia 15 último. The Atlantic, para quem não sabe, é uma das revistas mais antigas e prestigiosas do mundo. Pratica o alto jornalismo há 160 anos, sem interrupção.

O grande salto para trás de Hollywood é o título sob o qual a professora Bayles aborda um assunto ainda pouco debatido mundo afora: o crescente risco que a liberdade de expressão está correndo em razão do apetite pecuniário da indústria cinematográfica americana pelo mercado chinês. Escusado dizer que meu texto acompanha de perto o da professora Martha Bayles.

Sob a orientação do primeiro-ministro Xi Jinping, o governo chinês concentrou e reforçou brutalmente uma habilidade que nunca lhe faltou: a de censurar tudo o que não lhe agrade.

Para situar o tamanho do problema, Bayle lembra o que se passou com a indústria editorial de Hong Kong. Quando a Grã-Bretanha se retirou e a China assumiu o controle de Hong Kong, os cidadãos daquela Nova York asiática receberam certas garantias, entre as quais avultavam as liberdades de expressão e de imprensa. Até aí, nada surpreendente. Bailey atesta que a poderosa indústria editorial lá sediada produzia uma enorme quantidade de livros, revistas e jornais, um vibrante espectro que tratava de cada aspecto da história, da política e da sociedade chinesas. Sem essa produção, não só os cidadãos de Hong Kong, mas também os da China continental saberiam muito menos do que passaram a saber sobre seu próprio país. Mas, claro, a nova orientação emanada de Pequim liquidou tudo isso e as referidas editoras praticamente deixaram de existir.

Presidente contra imprensa

Vitor Marques | Aliás / O Estado de S. Paulo

O ódio ao jornalismo não é algo novo. Tampouco é uma exclusividade da extrema-direita. Referirse à imprensa como “inimiga do povo”, por exemplo, é uma expressão atribuída a Josef Stalin. O que hoje gera extenso debate é o fato de que chefes de Estado e presidentes eleitos pelo voto, como o americano Donald Trump, atacam a imprensa como modus operandi do ato de governar. Para diversos autores, este é um comportamento que enfraquece a democracia liberal.

Recém-lançado no Brasil, o livro O Iimigo do Povo – Uma Época Perigosa para Dizer a Verdade, do jornalista da CNN Jim Acosta, vai além de relatar os bastidores e as disputas internas do governo Trump. Ao narrar sua experiência pessoal como correspondente chefe da emissora na Casa Branca, Acosta discute temas vitais para a democracia: a liberdade de expressão e de imprensa. Além disso, toca em outro ponto importante para o jornalismo: como os veículos de comunicação devem se comportar diante de um governo que, além de ser acusado de incitar o ódio, se tornou conhecido por disseminar notícias falsas?

A primeira mentira da era Trump, recorda Acosta, foi insistir que o número de pessoas que compareceram à posse do novo presidente era igual ou maior à quantidade de apoiadores que recepcionaram Barack Obama anos atrás. “Foi a maior plateia a testemunhar uma posse até hoje, tanto pessoalmente, quanto no planeta inteiro”, disse o então secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, um dia depois da posse de Trump. Como relataram os canais de notícias, era mentira.

O livro abrange o período em que Acosta passa a cobrir, pela CNN, a campanha de Trump à Presidência, em 2016, até os desdobramentos do diálogo no qual o já presidente americano acusa o jornalista e a CNN de serem “inimigos do povo”. O episódio ocorreu durante uma entrevista coletiva na Casa Branca, em novembro de 2018, dias após o partido Republicano de Trump perder o controle da Câmara dos Representantes (Deputados).

O futuro da floresta

Zander Navarro, Alfredo Homma, Antônio José Elias A. De Menezes e Carlos Augusto Mattos Santana | O Estado de S.Paulo

A ‘floresta em pé’ como solução para Amazônia apresenta dificuldades em sua materialização

Há disseminada desinformação sobre as transformações em curso na Região Amazônica e, em particular, sobre o seu aspecto mais chocante: os incêndios que invariavelmente pulverizam partes da floresta e sua extraordinária biodiversidade. Nos últimos 40 anos a maioria dos brasileiros apagou de sua memória os fatos que convulsionaram o bioma, estendendo-se de Rondônia, passando pelo norte de Mato Grosso e o sul do Pará e seguindo pelo Maranhão, ao leste. Esse gigantesco arco territorial foi visceralmente alterado, primeiramente, pela devastação florestal, depois pela pecuária extensiva e, mais tarde, pelo avanço da produção de grãos, embora esta movida por uma novidade: a sua alta densidade tecnológica.

O mesmo desconhecimento prevalece sobre o rural brasileiro como um todo, comprovado por inúmeras ilustrações. Exemplos: um dos nossos alimentos básicos, o arroz, tem a sua eficiente produção cada vez mais concentrada nos dois Estados meridionais, depois distribuída para o restante do País. Aos poucos desaparecem antigas produções regionais, incapazes de competir com a oferta sulista. Já a multiplicação de motos nas regiões rurais, por sua vez, encurta distâncias e, particularmente, descortina o mundo urbano para os jovens que, assim, ampliam o desejo de abandonar suas precaríssimas comunidades do vasto interior, esvaziando o campo.

Desde 1993 o Pará lidera o cultivo nacional de mandioca, mas sua primazia secular como responsável pela maior área plantada foi perdida para a soja a partir de 2015. A virada tem agudas consequências para o campo paraense, pois sepulta a agricultura de subsistência de antanho e integra o Pará ao sistema agroalimentar global. O Pará é também o maior produtor nacional de cacau, abacaxi, dendê, pimenta-do-reino, açaí e bubalinos. E destaque em bovinos, coco, laranja e maracujá, entre outros. O açaí, um produto tipicamente extrativista, vem ampliando seus mercados pelo mundo por meio do manejo, inclusive lavouras plantadas, boa parte sob sistemas de irrigação.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Pragmatismo, afinal – Editorial | O Estado de S. Paulo

Desde sua posse, o presidente Jair Bolsonaro adotou o total distanciamento como modo de se relacionar com o Congresso. Talvez convencido de que seus mais de 50 milhões de votos fossem suficientes para tornar automaticamente legítimos todos os projetos do governo encaminhados ao Legislativo, cabendo aos parlamentares apenas aprová-los sem maiores discussões e sem necessidade de negociação, Bolsonaro descuidou da formação de uma base governista com um mínimo de articulação. O resultado foram as seguidas derrotas sofridas pelo governo nos mais diversos temas, cabendo-lhe o papel de simples figurante em votações importantes, como a da reforma da Previdência.

Ante a perspectiva de novos reveses, o governo Bolsonaro parece afinal ter-se rendido às evidências de que sua estratégia estava equivocada e decidido abrir negociação com parlamentares inclinados a apoiar o governo, oferecendo-lhes participação na administração, na forma de cargos.

Ao contrário do que apregoa o jacobinismo antipolítico que tomou o País há alguns anos - e que, diga-se, ajudou a eleger Bolsonaro -, esse tipo de negociação não é, em si, sinônimo de corrupção. Num regime presidencialista com as características do brasileiro, em que o partido do presidente normalmente não tem maioria no Congresso para servir de base, é preciso atrair o apoio de outros partidos. Isso pode ser feito de duas maneiras: a cada votação ou por meio da construção de uma coalizão. No primeiro caso, a incerteza quanto ao apoio é permanente, pois depende de circunstâncias que mudam ao sabor da política; no segundo, articula-se a base conforme objetivos em comum, agrupando votos razoavelmente seguros para aprovar a maioria dos projetos de interesse do Executivo, o que tende a conferir estabilidade ao governo.

Livro - Doce Armênio Guedes

Ancelmo Gois | O Globo

O ex-ministro Eros Grau está lançando, pela Editora Globo, o livro “Nosso Armênio”, sobre Armênio Guedes (19182015), jornalista e que durante sessenta anos foi importante dirigente do antigo Partido Comunista. Figura querida, o livro relembra histórias desse baiano de Mucugê, por meio de amigos como Elio Gaspari, Juca Kfouri e Zelita Viana.

Poesia | Pablo Neruda - Integrações

Depois de tudo te amarei
como se fosse sempre antes
como se de tanto esperar
sem que te visse nem chegasses
estivesses eternamente
respirando perto de mim.

Perto de mim com teus hábitos,
teu colorido e tua guitarra
como estão juntos os países
nas lições escolares
e duas comarcas se confundem
e há um rio perto de um rio
e crescem juntos dois vulcões.

Música | Paulinho da Viola - Dança da solidão