- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
“Estamos assistindo a uma grande colisão entre a alta magistratura brasileira, representada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato”
O milanês Cesare Beccaria, marquês de Beccaria, é considerado o pai do moderno direito penal. Educado por jesuítas, estudou literatura e matemática em Paris, em meados do século XVIII, e sofreu a influência dos pensadores enciclopedistas, principalmente Voltaire, Rosseau e Montesquieu. De volta a Milão, fundou uma sociedade literária de caráter iluminista e passou a escrever para o jornal Il Café, que circulou nos anos de 1764 e 1765. Na época, vigorava a tese de que as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva, o que levava a aplicação de punições com consequências piores do que os males produzidos: torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos, na maioria das vezes, com base em acusações secretas.
Beccaria se insurgiu contra isso e escreveu uma obra seminal, que todo estudante de Direito conhece: Dei Delliti e dele Pene (Dos delitos e das penas), fruto de suas discussões com os amigos, entre os quais os irmãos Pietro e Alessandro Verri. Para evitar perseguições, o livro foi impresso em Livorno, em 1764, anonimamente, com o cuidado de usar expressões vagas e imprecisas sobre assuntos que contrariavam magistrados e clérigos.
O tratado Dos Delitos e das Penas invoca a razão e o sentimento. Até os dias de hoje, é um libelo contra os julgamentos secretos, o juramento imposto aos acusados, a tortura, a confiscação, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios. Separou a justiça divina e a justiça humana, os pecados e os delitos, condenou o direito de vingança e tomou por base a utilidade social para estabelecer o direito de punir. Classificou como inútil a pena de morte, assim como defendeu a separação do poder judiciário e do poder legislativo.
Aclamado em Paris, sobretudo pelos filósofos franceses, Beccaria foi acusado de heresia e sofreu forte perseguição em Milão. Entretanto, sua influência se espalhou pela Europa. A imperatriz Maria Teresa da Áustria, aboliu a tortura em 1776. Voltaire classificou seu livro como um verdadeiro código de humanidade. Catarina II ordenou a inclusão dos conceitos do livro no Código Criminal Russo de 1776. Em 1786, Leopoldo de Toscana adotou as reformas defendidas por Beccaria. Na Prússia, Frederico, o Grande, abraçou muitos de seus princípios.