*Celso
de Mello, ministro de STF, no seu voto, ontem, de despedida da Corte.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sexta-feira, 9 de outubro de 2020
Opinião do dia – Celso de Mello*
Merval Pereira - O fantasma de Bolsonaro
Bernardo Mello Franco - O sincericídio do paraquedista
No
dia em que Jair Bolsonaro disse ter acabado com a corrupção no governo, outra
declaração causou espanto em Brasília. Esta, pela sinceridade.
No
lançamento da campanha Outubro Rosa, o ministro Eduardo Pazuello admitiu seu
completo despreparo ao assumir a pasta da Saúde. “Eu não sabia nem o que era o
SUS”, confessou.
O
Brasil pagou caro pela ignorância do general paraquedista. Quando ele pousou na
Esplanada como ministro interino, em maio, o país contava 13 mil mortos pela
Covid. Entre hoje e amanhã, deve ultrapassar a marca de 150 mil vidas perdidas.
A
tragédia seria menor se o governo tivesse agido com o mínimo de seriedade,
confiando a gestão da pandemia a gente qualificada. Bolsonaro preferiu entregar
a tarefa a um militar inapto, que não sabia nem o que era o Sistema Único de
Saúde.
Eliane Cantanhêde* - Não tem corrupção?
A
Lava Jato vai e vem, mas não acabou e tem aliados articulados, como Luiz Fux
Odiada
pelo PT desde sempre e desprezada pelos bolsonaristas após a
queda de Sérgio Moro do governo, a Lava Jato continua
no centro das preocupações e, se tem adversários poderosos, tem também aliados
ágeis e articulados. Acaba de ter uma vitória preciosa no Supremo e obriga o presidente Jair
Bolsonaro a providenciar frases de efeito e versões para jurar
que não é contra a Lava Jato nem atrapalha o combate à corrupção. Acredita quem
quer.
Rápido
e de surpresa, o novo presidente Luiz Fux conseguiu,
por unanimidade, tirar os inquéritos e ações penais das duas turmas e jogar
para o plenário do Supremo. Perderam os ministros Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski, ganhou a Lava Jato. Condenar ou absolver os implicados
na operação vai deixar de depender de dois ministros e voltar a ser
responsabilidade de todos os onze da casa.
Voltar ao plenário não é garantia de vitória ou derrota dos réus da Lava Jato, mas confere mais credibilidade, peso e força para as decisões, sejam numa direção ou na outra. O que não era mais possível é transformar julgamentos em leilão: cair na Primeira Turma era prenúncio de condenação; cair na Segunda, de absolvição na certa.
Simon Schwartzman* - Democracia em crise
As
próximas eleições vão nos dizer se teremos chance de não continuar afundando.
A democracia está em crise. O fato de termos um presidente que não acredita nela aumenta o problema, mas é mais uma consequência do que sua causa. A crise da democracia tem origens mais profundas. Primeiro, pelo número crescente de grupos e setores capazes de se organizar e pressionar por seus interesses. Segundo, pela explosão das comunicações, que tornou impossível manter a distância que protegia as ações da administração pública da vigilância da opinião pública.
Antes,
o que se decidia era feito, ainda que nem sempre de forma acertada. Agora, as
agências têm medo e dificuldade de decidir, e as divergências que surgem a todo
o momento se transformam em problemas políticos que o governo tem de resolver.
Antigamente se acreditava que o poder dos governos era tanto maior quanto mais
decisões eles poderiam tomar, mas o que se observa é que, quanto mais são as
coisas que o governo precisa resolver, menos capacidade ele tem de resolvê-las.
As dificuldades tornam-se ainda mais graves porque a lógica eleitoral, que leva
os governantes ao poder, requer juntar o máximo possível de apoiadores, todos
com expectativas de ter seus interesses atendidos, enquanto a lógica de
governar requer prioridades que com frequência contrariam os interesses de
muitos. O resultado são governos paralisados, que não conseguem tomar decisões,
e uma sociedade civil irresponsável, formada por grupos organizados que não
conseguem separar a defesa de seus interesses particulares dos interesses
comuns da sociedade.
Luiz Carlos Azedo - O centro está órfão
O
candidato no poder tem vantagens estratégicas e precisa errar muito para perder
a eleição. A oposição enfrenta muitas dificuldades para construir uma
alternativa convincente
O
presidente Jair Bolsonaro não é mais um líder sem estado-maior. No Palácio do
Planalto, consolidou-se um alto-comando formado por oficiais generais de quatro
estrelas: Braga Netto (Casa Civil), Luiz Ramos (Secretaria de Governo) e
Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), agora reforçado com a ida
do almirante de esquadra Flávio Augusto Vianna Rocha, da Secretaria de Assuntos
Estratégicos para a Secretaria-Geral da Presidência, no lugar do ministro Jorge
Oliveira. Completam o time os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra
(MDB-PE); no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO); e na Câmara, Ricardo
Barros (PP-PA), que operam as articulações políticas no Congresso, com apoio dos
ministros do Desenvolvimento, Rogério Marinho; da Infraestrutura, Tarcísio de
Freitas; e da Agricultura, Teresa Cristina. O cururu na história é o ministro
da Economia, Paulo Guedes, que joga praticamente sozinho.
Ricardo Noblat - Candidatos a prefeito de capitais que apoiam Bolsonaro começam mal
Cresce
em São Paulo a rejeição a Russomanno, e no Rio a Crivella
A
segunda rodada de pesquisas Datafolha sobre intenção de voto para prefeito em
quatro das 10 capitais mais populosas do país só trouxe más notícias para o
presidente Jair Bolsonaro. Candidatos apoiados por ele, ou que poderão vir a
ser, ou que simplesmente invocam seu apoio inspiram preocupação.
O
deputado federal Celso Russomanno, em São Paulo, não só caiu dois pontos
percentuais como sua rejeição aumentou oito pontos. Ainda lidera, com 27% das
intenções de voto, contra 21% de Bruno Covas (PSDB), o atual prefeito. Mas o
grupo de eleitores que disse não votar nele de jeito nenhum saltou de 21% para
29%.
Essa
parece ser a sina de Russomano sempre que disputa uma eleição majoritária.
Costuma sair na frente, mas começa a cair, a cair até ser ultrapassado e ficar
fora do segundo turno. A história poderá repetir-se. Covas manteve-se estável.
Guilherme Boulos, do PSOL, demarcou-se de Márcio França (PSB). É o terceiro
colocado.
O eleitorado de esquerda na capital paulista dá sinais de que prefere Boulos (12%) a Jilmar Tatto, do PT, um dos lanterninhas da pesquisa com 1%. Boulos é o candidato que tem atraído mais novos seguidores nas redes sociais. Ali, ele tem procurado compensar seu pouco tempo de propaganda na televisão.
Dora Kramer - A harmonia é o limite
Civilidade
não pode significar promiscuidade entre poderes
Harmonia,
civilidade e cortesia são atributos imprescindíveis às boas relações entre os
humanos, sobretudo quando nas mãos deles está o destino da nação e na figura de
cada um a representação dos poderes da República. Portanto, há de ser bem
recebida a decisão do presidente Jair Bolsonaro de arquivar (ou abandonar, numa
perspectiva otimista) a hostilidade que vinha exibindo em relação ao Supremo
Tribunal Federal.
Há
de se ressalvar, porém, que do “oito” da agressividade não é aceitável uma
transição para o “oitenta” do excesso de informalidade, terreno pantanoso em
que se corre o risco de resvalar para a promiscuidade. Esse é um cuidado a ser
observado e preservado na fase inaugurada pelo presidente da República no
âmbito da indicação do novo ministro do Supremo. Vale para o chefe do Executivo
e vale também para integrantes do Legislativo e do Judiciário.
Não
soa adequado um senador usar o pronome “nosso” para se referir ao desembargador
Kassio Nunes Marques, ainda mais quando o referido congressista (Ciro Nogueira)
é alvo de processo no STF. Assim como não parece apropriado o presidente
ressaltar entre as qualidades de seu escolhido para compor a Corte Suprema o
fato de ser seu parceiro no consumo de “tubaína”.
César Felício* - A longa estrada de Bolsonaro
Bolsonaro
precisa crescer nos grandes centros
De
Parauapebas, sul do Pará, a São Paulo, são 2.365 quilômetros. Segundo aplicativos,
é possível ir de carro, desde que parando apenas em pedágios, em 33 horas, pela
BR-153. Viagem dura.
Em
Parauapebas o presidente Jair Bolsonaro vive os píncaros da glória. Segundo
levantamento desta semana do Ibope, sua administração é avaliada como boa ou
ótima por 58% dos entrevistados. É uma aprovação acima da média nacional nesta
cidade de 200 mil habitantes, com PIB per capita de quase o dobro da capital
paulista, graças aos royalties pagos pela exploração mineral. O chão de
Parauapebas é o da Serra de Carajás. Seus moradores dispõem de um shopping
center, mas só 17% das residências têm ligação de esgoto.
Em
São Paulo, de acordo com o levantamento XP/Ipespe divulgado ontem pelo Valor, a soma de avaliações boa
ou ótimo do presidente da República é de 26%, um ponto percentual inferior ao
que seu candidato na cidade, Celso Russomanno, obteve.
A
candidatura de Russomanno não cumpre apenas o propósito de melar a articulação
do governador João Doria de construir uma grande aliança para enfrentar o
bolsonarismo em 2022. Ela também recebeu o apoio presidencial porque Bolsonaro
precisa melhorar seus percentuais na capital paulista. O presidente não é uma
figura popular na cidade, ainda que menos rejeitado que o governador tucano. Na
pesquisa Ipespe, 46% dos entrevistados avaliaram Bolsonaro como ruim ou
péssimo. Em Parauapebas, foram 16%. A ajuda que Bolsonaro dá a Russomanno e a
que recebe dele se equivalem.
José de Souza Martins* - Política à flor da pele
O
caso dos 21 mil candidatos que mudaram de cor em relação à eleição anterior é
um forte indício de um país cuja população está passando por uma crise de
identidade
Dos
quase 550 mil candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador na totalidade dos
municípios brasileiros em 2020, 21 mil mudaram a definição da cor de sua pele
em relação à que haviam declarado na eleição de 2016. A cor da pele é
subjetiva, culturalmente determinada. O critério é peculiar de cada sociedade.
Kamala Harris, candidata democrata a vice-presidente nos EUA, é negra; aqui
seria branca.
Com
a política por trás dessas alterações na cor da pele dos candidatos, pode-se
supor que há aí oportunismo eleitoral e falta de autenticidade. A “Folha de S.
Paulo”, em matéria a respeito, selecionou oito fotografias de políticos que
mudaram de cor. Deles, apenas dois são de fato pretos. Um, de Salvador, que era
pardo em 2016, é agora preto. Outra, de São João do Meriti (RJ), que era preta
em 2016, ficou parda em 2020. Os outros seis são branquíssimos. Dois desses
brancos ficaram pardos. Dois eram pardos e ficaram brancos. Um era mais que
branco e ficou preto. E uma parda ficou preta, embora continue branca.
Fernando Abrucio* - País precisa dizer o que quer ser no século XXI
Parafraseando
o “50 anos em 5” de JK, o que guia Bolsonaro é um projeto de “40 anos em 4”,
mas para trás, de volta ao mundo da ditadura e da Guerra Fria
Mal
começaram as campanhas municipais de 2020 e os atores políticos já falam em
2022. Especialmente o bolsonarismo e seus aliados estão concentrados na
aprovação de seu elixir político, que no momento tem o nome de Renda Cidadã,
continuação do auxílio emergencial que catapultou a popularidade presidencial.
Obviamente que há outros projetos no Congresso, mas seu sentido mais amplo está
deslocado da estratégia política de curto prazo, que é reeleger Bolsonaro e
salvar sua família das querelas judiciais. E qual é o projeto dos opositores do
presidente? Novamente, há uma miríade de temas, muitos louváveis, mas não uma
visão clara e articulada de como o Brasil deve lidar com os desafios do século
XXI.
A
ideia de projeto para o país, com metas claras, meios definidos e articulando
as questões numa visão ampla, está em falta no momento. Geralmente, o
comandante do Executivo federal tem a primazia na definição dos rumos
nacionais, pois foi votado pela maioria dos brasileiros, além de ter um enorme
poder político e administrativo. Mas o governo atual padece de cinco problemas
que dificultam liderar um processo mais amplo de mudanças.
Bruno Boghossian - Uma eleição sem padrinhos?
Transferência
de votos de políticos populares para afilhados ainda é duvidosa
Na
largada da campanha na TV em 2012, Fernando Haddad aparecia no segundo pelotão
de candidatos em São Paulo, com apenas 8% nas pesquisas. O petista precisou de
45 dias nas telas para colar sua
candidatura à imagem do ex-presidente Lula e chegar aos 29% que
obteve nas urnas no primeiro turno.
A
transferência de votos de um padrinho popular para um afilhado relativamente
desconhecido é uma aposta antiga da política. O fenômeno já elegeu prefeitos e
presidentes, mas é tratado como incógnita na disputa municipal deste ano.
Reinaldo Azevedo - Medo da cadeia leva a Kassio; que bom!
- Folha de S. Paulo
O
garantismo assegura a Bolsonaro o devido processo legal, negado a seus
adversários
Por
que Jair Bolsonaro indicou
Kassio Marques —para todos os efeitos, um garantista— para o Supremo?
Porque, sendo inculto, não é burro e é capaz de aprender com a experiência,
inclusive aquela que o levou à Presidência, fagocitando o juiz-celebridade dos
tolos, que havia engaiolado
seu adversário por meio de uma condenação sem prova, referendada pelos
parças do TRF-4.
O
“Mito” percebeu que, tudo o mais constante, seu destino inexorável é a cadeia.
“Está acusando o presidente de ter cometido algum crime, Reinaldo? Seja claro!”
Não neste artigo. Já o fiz dezenas de vezes. No dia 29 de março de 2019,
diga-se, antes de ele concluir o terceiro mês de mandato, apontei aqui ao
menos quatro crimes
de responsabilidade então consumados. Na minha conta, já são 19.
O objeto deste artigo é outro. Mesmo que Bolsonaro fosse inocente como as flores, o encontro com o xilindró está em seu destino porque essa é a metafísica influente. E isso vale para qualquer governante. Este país manteve encarcerado um ex-presidente da República condenado sem prova e contra o que dispõem o artigo 283 do Código de Processo Penal e o inciso LVII do artigo 5º, cláusula pétrea da Constituição.
Hélio Schwartsman - A maldição do currículo
A mania de ficar embelezando CVs é
generalizada
A indicação de Kassio Nunes para uma vaga no STF vai
sobrevivendo às inconsistências curriculares. Carlos Alberto Decotelli, que
fora apontado para ocupar o MEC, não resistiu mais do que alguns dias quando
apanhado na mesma situação. Não tenho como provar que a diferença de tratamento
se deve ao fato de Decotelli ser negro, mas essa é uma
daquelas suspeitas difíceis de afastar.
Não é, porém, o racismo estrutural que eu gostaria
de discutir hoje, e sim a mania de ficar embelezando CVs. Ela é generalizada.
Levantamento de 2019 da DNA Outplacement mostra que 75% dos currículos enviados
a RHs de 500 empresas no Brasil continham informações distorcidas. Os pontos
sobre os quais os candidatos mais mentem são salário (48%) e fluência no inglês
(41%). Escolaridade e títulos acadêmicos são deturpados por 10%.
Ruy Castro* - Currículos de araque
Nada
como um doutorado que não se precisou cumprir ou um título de mestrado
imaginário
Kassio
Marques, escalado por Jair Bolsonaro para o STF a fim de votar com
imparcialidade a favor de sua família, gabou-se em seu currículo de uma
pós-graduação na Universidade de La Coruña, na Espanha. Faltou combinar com a
universidade. Consultada, ela informou que Marques fez apenas um curso de
quatro dias sem relação com qualquer pós, e, mesmo assim, como ouvinte. Para
Marques, o encarregado de compor seu currículo "errou" ao traduzir o
quesito. Seria mais honesto se dissesse "Desculpem, não colou".
É
um "erro" frequente na biografia dos homens de Bolsonaro. Vide seus
notáveis indicados para o MEC, Ricardo Vélez Rodrigues, Abraham Weintraub e
Carlos Alberto Decotelli. Todos tinham em seus currículos cursos fictícios no
exterior, plágios descarados ou autoria de livros alheios. Belo exemplo para os
estudantes.
Vinicius Torres Freire - O Brasil foi adiado para dezembro
Economia
está em suspenso e depende de acordos políticos do presidente
A
política adiou para dezembro a grande decisão relevante da economia pelos
próximos meses ou anos. Isto é, se vai ou não haver mexida ou gambiarra no teto
de gastos. Como Jair Bolsonaro deixou o assunto para depois das
eleições municipais, seria razoável especular que ele pretende financiar o
Renda Brasil com algum arrocho de outra despesa social e de servidores. Mas
Bolsonaro também continua a negociar o dote de seu casamento com o centrão. O
acordo inclui conversa de desmembramento
do ministério da Economia de Paulo Guedes, retoques na política
econômica e a disputa do comando da Câmara em 2021. É política, política,
política –e tem mais.
Até
lá, fica malparada a situação das taxas de juros em alta, uma das duas notícias
econômicas mais importantes desde meados do ano. A outra é a despiora da
economia, que continua mais rápida do que se esperava, embora não se saiba se
dura até dezembro.
Roberto Luis Troster* - Continuidade do Bolsa Família
Pandemia
é oportunidade para acabar com a miséria, corrigir distorções estruturais e
abrir a porta para um futuro digno
A
covid-19 atingiu a economia brasileira num momento que apresentava fragilidades
- desemprego alto, investimento baixo, inadimplência elevada e uma dinâmica
fiscal arriscada. Afetou a cada empresa e cidadão de maneira diferente. A
recuperação está sendo em K, uns retornando rapidamente, outros mais anêmicos
do que antes e alguns deixando de existir.
As
contas públicas pioraram. A relação dívida/PIB saltou dez pontos percentuais em
seis meses e as projeções de superávits primários a partir de 2026 foram
deslocadas para 2031, se não houver outro choque de oferta. É uma dinâmica que
pode levar o país a mais uma década perdida.
A
situação financeira de muitas empresas também é crítica. Antes da pandemia,
havia 6,1 milhões de empresas e 63,8 milhões de cidadãos com anotações de
atrasos de pagamentos. A crise agravou o quadro com efeitos danosos no emprego
e no crescimento.
O
aspecto social é dramático. Somando 13 milhões de desocupados com 10 milhões
que deixaram a força de trabalho e 14 milhões que já estavam na pobreza,
chega-se a 37 milhões de pessoas. Em números redondos, um em cada seis
brasileiros não tem renda. É possível que se agrave mais.
Míriam Leitão - Brecha para fugir do teto de gastos
Por Alvaro Gribel (interino)
O ministro Paulo Guedes
cedeu mais uma vez à pressão por aumento de gastos. Ontem à noite, admitiu que
a PEC do Pacto Federativo vai incorporar uma emenda que permite acionar o
chamado orçamento de guerra. Na prática, se o Congresso prorrogar o estado de
calamidade no ano que vem, em função da pandemia, o governo poderá contornar o
teto de gastos para pagar o auxílio emergencial. O texto ainda não foi
apresentado, e os detalhes serão cruciais para se saber a reação do mercado,
mas economistas ouvidos pela coluna disseram de antemão que é um erro colocar
em uma legislação permanente um mecanismo que foi usado para um caso
absolutamente emergencial. Outro ponto levantado seria a forma de acionar esse
orçamento, se via conselho fiscal, com a decisão restrita a poucas pessoas, ou
via Congresso, ainda que seja como um fast track, em votação conjunta pelas
duas Casas.
É preciso encontrar uma
solução para manter o socorro aos mais vulneráveis a partir de janeiro, mas ampliar
gasto sem fonte de receita provocará aumento do endividamento do governo, e é
isso que tem pressionado as taxas de juros e estressado os indicadores
financeiros do país. O governo deveria cortar despesas, mas prefere o caminho
mais fácil de tentar contornar o teto.
Celso Ming - Acordo sob ataque
Nesta
quarta-feira, o Parlamento
Europeu rechaçou “em seu estado atual” os termos do acordo de
livre comércio entre União
Europeia e Mercosul.
Não
é decisão que produz efeito imediato porque, para ratificação de tratados, o
Parlamento Europeu não é instância decisória da União Europeia. Mas essa
votação tem enorme influência sobre o destino do acordo, que foi fechado em
junho de 2019 depois de 20 anos de árduas negociações. Com essa rejeição, fica
mais difícil a aprovação final pelos Parlamentos dos 27 países que integram a
União Europeia e pela Comissão Europeia, formada pelos chefes de governo da
área.
Nas justificativas para a decisão tomada, o argumento central é o de que os tratados não podem respaldar a desastrada política de preservação da Amazônia pelo governo Bolsonaro.
Para
o governo brasileiro, trata-se de um falso motivo. A má vontade dos políticos
europeus, liderada pelo presidente da França, Emmanuel
Macron, é mais que tudo protecionista. Os europeus temem que a
liberação do comércio entre os dois blocos produziria invasão de produtos
agropecuários do Mercosul, o que colocaria em risco os negócios pouco
competitivos da área, sustentados artificialmente por subsídios e reservas de
mercado.
Lucília Garcez* - Uma pauta para a educação hoje
O
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que avalia alunos de 15
anos, revela que, entre 79 países investigados, o Brasil está no final do
ranking. Nossa média é 413 enquanto a da China é 555. Estamos em 58º lugar em
leitura, em 66º lugar em ciências, e em 72º lugar em matemática. Consideradas
apenas as escolas particulares poderíamos estar entre os dez primeiros.
Mas não
precisávamos dessa informação, pois o INEP tem feito, ao longo dos anos,
inúmeras avaliações em larga escala: Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA);
Sistema de Avaliação da Educação Báásica (SAEB); Exame Nacional de Certificação
de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA); Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes dos Cursos de Graduação (ENADE); além do ENEM. Neste último, houve
queda em todas as notas. De 3.935.237 participantes apenas 57 tiraram 1000 na
redação e 143.736 tiraram zero. No ensino médio, 7 entre 10 alunos não
apresentam desenvolvimento suficiente em português e matemática.
O Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que analisa diversas fontes de
dados, indica que a média brasileira (que vai de 0 a 10) está em 4,6. Uma
parcela de 34% dos alunos da educação básica chega ao 5º ano, sem o domínio da
leitura, e 20% chegam ao 9º, sem saber ler e escrever de forma satisfatória.
Dos 100 alunos que entram na escola, 40 chegam ao 9º ano, 14 terminam o ensino
médio e 11 chegam ao curso superior. Além dos dados quantitativos, o INEP
dispõe de questionários de alunos, professores, diretores e secretários de
educação.
O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais
Esclarecimentos
podem e devem ser dados por Kassio Marques, mas o currículo do desembargador
não contribui para sua reputação.
Longe
de ser expressão de algum tosco moralismo, o requisito relativo à reputação dos
indicados para a Suprema Corte representa indispensável proteção do próprio
STF. Não basta que as decisões sejam tecnicamente perfeitas. Para que o Supremo
seja capaz de realizar sua missão institucional, não deve pairar dúvida a
respeito da lisura de seus integrantes. A ilibada reputação possibilita, assim,
que as decisões do STF alcancem plena efetividade, também em relação à
pacificação social. A Corte e seus ministros necessitam de autoridade.
Para
que tudo isso não seja mera formalidade, a Constituição estabelece a sabatina
no Senado. “Os ministros do STF serão nomeados pelo presidente da República,
depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”, diz a
Constituição.
Se
sempre é necessário recordar a responsabilidade dos senadores na aferição das
qualidades de quem é indicado para integrar o STF, o tema adquire relevância
especial quando, por exemplo, surgem – como ocorreu recentemente –
inconsistências no currículo da pessoa indicada pelo presidente da República.
Por certo, a sabatina não é uma prova de títulos. Mas é, assim prevê a
Constituição, uma avaliação sobre a reputação da pessoa indicada.
O
desembargador Kassio Marques deverá ser sabatinado pela Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no dia 21 de outubro. Nessa sabatina,
seria muito oportuno esclarecer, por exemplo, a razão pela qual a dissertação
de mestrado que Kassio Marques apresentou à Universidade Autônoma de Lisboa
contenha trechos idênticos – até os erros de digitação são os mesmos – a três
artigos acadêmicos do advogado Saul Tourinho Leal. Segundo levantamento feito
pelo Estado, ao menos 13% do que o desembargador do TRF-1 entregou é igual
ao que Tourinho escreveu anos antes.
Poesia | Carlos Drummond de Andrade* - A Federico García Lorca
Sobre teu corpo, que há dez anos
se vem transfundindo em cravos
de rubra cor espanhola,
aqui estou para depositar
vergonha e lágrimas.
Vergonha de há tanto tempo
viveres — se morte é vida —
sob chão onde esporas tinem
e calcam a mais fina grama
e o pensamento mais fino
de amor, de justiça e paz.
Lágrimas de noturno
orvalho,
não de mágoa desiludida,
lágrimas que tão-só destilam
desejo e ânsia e certeza
de que o dia amanhecerá.
(Amanhecerá.)
Esse claro dia espanhol,
composto na treva de hoje
sobre teu túmulo há de abrir-se,
mostrando gloriosamente
— ao canto multiplicado
de guitarra, gitano e galo —
que para sempre viverão
os poetas martirizados.
*Carlos Drummond de Andrade, em “Poesia
completa”. São Paulo: Nova Aguilar, 2002.