Raymundo Costa e Cristiano Romero, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO
O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disse ao presidente Lula que só em março decidirá se será ou não candidato à sucessão. A decisão do governador deixa os outros partidos na defensiva, inclusive o maior deles, o PMDB. Há dúvidas até se a ministra Dilma Rousseff, a escolhida de Lula, será a candidata do PT.
O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), disse ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro há duas semanas, que só tomará uma decisão sobre uma possível candidatura presidencial em março de 2010, quando expira o prazo para desincompatibilização. Serra, segundo apurou o Valor, disse a Lula que pode, inclusive, optar por não sair candidato.
O governador paulista deixou a impressão, no Palácio do Planalto, de que só lançará sua candidatura se concluir que tem condições de bater o candidato de Lula - até o momento, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, cuja candidatura ainda é vista com desconfiança até por aliados. Serra não está disposto a perder o mandato de governador do Estado mais rico do país para entrar numa "aventura". Neste momento, ele lidera todas as pesquisas de opinião, mas sabe que o presidente Lula vai fazer tudo para eleger Dilma.
"Posso ser candidato?", indagou recentemente o governador em conversa com uma pessoa de suas relações. Ele mesmo respondeu positivamente, mas com uma ressalva: "Posso, sim, mas é uma balela essa história de que sou candidato de qualquer maneira". Fez uma pausa e depois enfatizou, segundo relatos feitos ao Valor: "Isso não existe". O comentário, feito a mais de uma pessoa, chegou a petistas e pemedebistas, que procuraram caracterizá-lo como receio de enfrentar um candidato apoiado por um presidente forte. Entre os tucanos acredita-se que Serra está apenas fazendo jogo de nervos, pois considera que pode bater Dilma tanto quanto bateu Marta Suplicy em São Paulo em 2004.
Na avaliação que faz da crise econômica aos tucanos, Serra diz que "a queda forte" da economia já aconteceu, mas que em 2009 o crescimento será negativo. Melhora, mas apenas um pouco, no próximo ano. Trata-se de uma avaliação inteiramente diferente da feita pelo governo, que aposta em crescimento acelerado em 2010, fato que beneficiaria Dilma Rousseff. A crise teve reflexos negativos na arrecadação de São Paulo, mas, enquanto outros Estados tiveram de cortar investimentos, o cronograma de obras paulistas mantém o ritmo - São Paulo, alega Serra dispõe de recursos provenientes de concessões, financiamentos externos, venda da Nossa Caixa e da folha-salário, portanto, não depende apenas da receita corrente.
Serra sempre se recusou a antecipar a disputa sucessória. Para governar, ele precisa ter um bom relacionamento com o governo federal. Em dois anos e meio de mandato, teve a maioria dos seus pleitos atendida pelo presidente Lula e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Obteve, por exemplo, três autorizações para elevar o endividamento do Estado e, assim, aumentar a capacidade de investimento em obras.
Serra prima por uma política de boa vizinhança com Brasília, fazendo oposição discreta a Lula, algo que durante algum tempo parecia uma estratégia de Aécio Neves, governador de Minas Gerais e seu concorrente na briga interna do PSDB para ver quem enfrentará o candidato de Lula em 2010. Quando critica publicamente o governo, Serra se limita às políticas monetária e cambial, das quais discorda desde o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, seu colega de partido e um de seus mentores políticos. Nas conversas reservadas, Serra revela um visão do governo Lula muito menos condescendente.
O governador acha que a campanha presidencial foi antecipada em demasia pelo presidente Lula. Ainda assim, ele quer que a decisão do PSDB fique para 2010. Para Serra, a antecipação da campanha não significa que as análises são mais ricas. O raciocínio é que, a mais de um ano da eleição, é difícil saber como estarão os principais atores da sucessão no início do próximo ano.
Em política, um ano é muito tempo, diz Serra a seus aliados do PSDB. De fato, um retrospecto da história recente do país dá razão ao governador. Em abril de 1988, o que se sabia sobre a eleição de 1989? Era impossível imaginar, na ocasião, que o pleito seria decidido no segundo turno entre os dois candidatos mais improváveis - Fernando Collor de Melo e Lula. O mesmo se deu nas eleições seguintes (excetuadas as duas reeleições, de 1998 e 2006).
No PSDB, as opiniões estão divididas sobre a antecipação da campanha presidencial. Há quem considere, como Aécio Neves, que os tucanos devem dinamizar o processo para ocupar espaço. Mas há também quem considere isso absolutamente secundário. Os tucanos, na verdade, tiraram proveito do programa eleitoral, na semana passada, e farão isso a partir desta semana com a celebração dos 15 anos do Plano Real.
Os defensores do adiamento da campanha acham que Lula poderia fazer tudo o que está fazendo agora em três meses de 2010 - a partir de julho de 2010, por exemplo, a TV Globo entrevista todos os dias os candidatos no "Jornal Nacional", o programa de maior audiência no país. Em seguida há o registro das candidaturas e, por fim, o horário eleitoral gratuito na TV, eventos mais do que suficientes para tornar conhecidos os candidatos. Serra é partidário dessa tese, mas, como já é visível a olho nu, os tucanos preferiam combinar as duas estratégias.
Um exemplo sempre citado é o do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), que partiu de um baixo patamar de conhecimento e chegou ao segundo turno da eleição de 2008 à frente da ex-prefeita Marta Suplicy. Alguns tucanos avaliam inclusive que a longa exposição de Dilma, pelo contrário, pode até ser pior e causar um desgaste prematuro de sua candidatura. Principalmente se o PT, temendo uma derrota, repita erros do passado recente.
O empenho dos tucanos, neste primeiro semestre, foi começar a pavimentar o caminho para fazer boas alianças para 2010. Há uma explicação para essa estratégia. O Rio de Janeiro, por exemplo, pode ser uma pedreira para o PSDB, se o julgamento ficar por conta dos números que ele teve no Estado em 2002 (pior, só no Ceará de Ciro Gomes, então candidato do PPS). Naquele ano, além da onda vermelha, Serra enfrentou o candidato local à sucessão, o ex-governador Anthony Garotinho. Tinha um palanque fraco. Agora, pode contar com os palanques do deputado Fernando Gabeira (PV) para o governo ou para o Senado e do ex-prefeito César Maia. E até de Sérgio Cabral, se o PT tiver candidato próprio para governar o Estado ou não apoiar a sua reeleição.
Serra prefere dedicar a maior parte do seu tempo à administração de São Paulo, adotando medidas que ele acredita que darão substância ao discurso de uma possível candidatura em 2010. Ele vê no embate da eficiência um grande diferencial com a possível candidata do presidente. O governador acredita que fez, em menos de três anos, muito mais do que o governo Lula em quase sete anos.
Embora esteja dedicado à administração de São Paulo, Serra não descuida do projeto político. Está sempre com Aécio, para desfazer intrigas dos adversários, mas sobretudo dos próprios correligionários. Aos poucos, vai sedimentando uma relação de confiança com o neto de Tancredo Neves. Recentemente um interlocutor perguntou a Serra se, a exemplo de Lula, Aécio também não antecipara a corrida sucessória. Serra foi elegante: para ele, foi "uma coisa de muito menor peso", se comparada à movimentação de Lula.
Com gestos assim o governador paulista tenta assegurar que os eleitores de Minas ficarão efetivamente com a sua candidatura, caso haja um acordo com Aécio - no PSDB diz-se que é só uma questão de tempo. Serra quer evitar o que aconteceu em 2002, quando foi apoiado por Aécio, mas o governador mineiro ficou com um pé em cada canoa. A situação de Aécio em Minas também aconselha Serra a adiar a decisão sobre sua candidatura: como pretendente à vaga de candidato do PSDB, o governador mineiro mantém mais controle sobre a sucessão no Estado em 2010.
O PSDB, especialmente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, insiste na tese de que uma chapa pura com Serra na cabeça e Aécio na vice é imbatível. Aécio tem dúvidas que devem ocorrer também a Serra, só que o paulista evita comentá-las mesmo entre os mais íntimos por entender que de modo algum pode ferir suscetibilidades que o afastem do governador de Minas.
Serra passou a acompanhar Aécio nas viagens aos Estados e também concordou com a proposta de realização de prévias para a escolha do candidato do partido, duas exigências de Aécio. Nada impede que os dois voltem a se bicar, mas a relação política entre eles está melhor do que em janeiro e fevereiro passados. Ambos estão empenhados nas articulações para a formação dos palanques regionais.
O PSDB acha que vai manter a votação que Alckmin teve nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Em São Paulo acredita que Serra será mais votado do que Alckmin foi em 2006. A avaliação é que, apesar do esforço do governo para penetrar no Sul, a região é naturalmente refratária ao PT, como demonstrariam as pesquisas encomendadas pelo partido. Agora os tucanos tentam equilibrar o jogo no Nordeste, um território predominantemente lulista.
Os recados de Serra ao Palácio do Planalto - de que só decide em 2010 e pode até não ser candidato - embaralham o quadro eleitoral, pois todos os partidos esperam uma solução definitiva para mapear seus movimentos - entre os atuais aliados de Lula ainda há quem duvide até de que Dilma será a candidata do PT. Confiante na recuperação da saúde da ministra, o presidente não tem dúvida de que ela será a candidata do partido.