quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Opinião do dia: Raimundo Santos

Pelo que se vê nas verbalizações do PT, não há reconhecimento da derrota de grandes proposições que representa a eleição de Bolsonaro, justamente facilitada pelas duas radicalizações que dominaram a cena eleitoral – a rigor mobilizadas, cada uma no seu registro, por visões de sociedades fechadas. As eleições terminaram num tsunami em que a imensa maioria do eleitorado se posicionou antissistema, particularmente impondo derrota desorganizadora às correntes moderadas da vida política brasileira.

Não obstante a vitória de Bolsonaro, aquele problema da separação entre política e sociedade mostrado em 2013 fica agora novamente colocado ao campo alinhado com a democracia política – vale dizer, o sistema representativo pluripartidário e o Estado democrático de Direito – que ora se movimenta para sobreviver após enorme derrota. Tem como perspectiva de grande alento, mas que exige passos imediatos, o desafio de conquistar confiança no seio das duas grandes correntes que, há pouco, se pronunciaram nas urnas do segundo turno, pondo seu voto em um dos lados da polarização extrema, Bolsonaro e PT, discordando das suas ideias.

Este campo moderado discerne esses eleitorados, qualificando que eles se utilizaram do voto para evitar as consequências da eleição de um dos candidatos da nova polarização, pois, de um lado, os que votaram em Bolsonaro já conheciam o passado recente da Era Lula, enquanto na outra ponta os que votaram em Haddad recusavam o autoritarismo do pós-64. As correntes do campo moderado – especialmente o que restar do PSDB, a REDE, o PPS, pequenos redutos do MDB de tradição da resistência política ao regime de 1964, incluídos pequenos setores novos na política e outras áreas, principalmente os três primeiros por certo farão autocritica em relação ao passado até os dias atuais, e anunciarão reflexões em outros registros para a formulação de nova plataforma e modo de agir, a se conhecer suas manifestações iniciais nesta passagem de ano e em 2019, quando começa o governo da direita.

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Raimundo Santos, professor universitário, autor de vários livros e um dos organizadores, junto com José Antônio Segatto e Milton Lahuerta, da coletânea 'As esquerdas e a democracia', editora Verbena e Fundação Astrojildo Pereira. ‘A polarização das eleições de 2018’, revista Política Democrática n. 52, dezembro de 2018.

Vera Magalhães: Com a palavra, Fabrício Queiroz

- O Estado de S.Paulo

Ao que tudo indica, o Brasil verá Fabrício Queiroz nesta quarta-feira. O ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, tão próximo da família que era visto constantemente em festas, pescarias e campanhas com integrantes do clã e tinha vários familiares empregados nos gabinetes de Jair Bolsonaro & filhos, de repente sumiu e ninguém mais ouviu falar dele.

Flávio, o ex-chefe, chegou a dizer que falou, sim, com Queiroz, há cerca de dez dias, quando veio a público um relatório do Coaf que mostra movimentação de mais de um milhão de reais em sua conta entre 2016 e 2017. Achou que a explicação do ex-assessor era “bastante razoável” para essa e outras atipicidades de sua movimentação bancária, mas não disse qual justificativa era essa. Depois não se soube mais de contatos entre ambos, ainda que Flávio esteja com o nome diariamente nas páginas de jornais graças ao caso.

Pois Queiroz deve depor nesta quarta-feira ao Ministério Público do Rio. Além do montante que passou pela sua conta, terá de explicar por que outros servidores do gabinete do agora senador eleito na Assembleia do Rio depositavam sistematicamente dinheiro para ele, em datas próximas ao pagamento dos salários na Casa.

Também poderá esclarecer por que esses depósitos e transferências coincidiam quase sempre com saques de dinheiro vivo em quantias semelhantes.

Por fim, poderá referendar a afirmação feita pelo presidente eleito de que contraiu R$ 40 mil em empréstimos com ele, mesmo tendo uma movimentação de dinheiro tão expressiva em conta, e se os R$ 24 mil que repassou à futura primeira-dama, Michelle, eram pagamento desses empréstimos feitos sem recibo em declaração no Imposto de Renda.

As explicações do ex-servidor são essenciais para que não continue pairando essa cortina de silêncio numa família que, para todo o resto, é expedita em se manifestar nas redes sociais, na tão propalada comunicação direta com o povo.

Ontem mesmo, Jair Bolsonaro fez mais uma de suas transmissões ao vivo. Tratou de vários temas confortáveis e populares para seu público cativo: médicos cubanos, a escola militar batizada com o nome de seu pai, o desconvite aos ditadores de Cuba e Venezuela para a posse. Surfou tranquilamente e manteve aquecida a torcida. Mas não tratou de Fabrício Queiroz, seu amigo desde os anos 1980. Eduardo Bolsonaro também tratara de se esquivar do assunto mais cedo, ao dizer que o problema é de seu irmão, não dele.

Como ninguém quer tratar do tema, que fale o próprio personagem. Com a palavra, Fabrício Queiroz.

Zuenir Ventura: Uma senhora encrenca

- O Globo

O deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro reclama que a imprensa faz “uma força descomunal” para desconstruir sua reputação e ade Jair Bolsonaro, que, por sua vez, fala em “escarcéu proposital diário”. Porém, não foi a imprensa e sim o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que descobriu o que ocorria de estranho no seu gabinete da Alerj, onde um assessor podia passar 248 dias em Portugal, sem licença, e outro era capaz de depositar um cheque de R$ 24 mil na conta da futura primeira-dama Michelle Bolsonaro e realizar uma “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão sem renda compatível.

Este personagem, o PM Fabrício de Queiroz, que desapareceu, deve enfim prestar depoimento hoje ao Ministério Público. Ele é amigo do presidente eleito há 30 anos e, além do poder financeiro, tinha prestígio para promover um festival de nepotismo no gabinete do primogênito, nomeando cinco parentes: a própria mulher, Márcia Aguiar, as duas filhas, a enteada, Evelyn Mayara e o ex-marido da atual mulher, Márcio da Silva Gerbatim.

Afilham ais famosa, Nathalia, aparece no relatório do Coaftambémc omo secretária parlamentar lotada no gabinete de Jair Bolsonaro com uma renda bruta mensal de R $10.502,00, o que lhe permitiu transferir, no intervalo de 13 meses, R$ 84.110,00 para uma conta do pai.

Só que a função exigia 40 horas semanais de trabalho —redatora de correspondência, discursos e pareceres, serviços de secretaria e datilográficos, pesquisas —e “Nat Queiroz” atuava no Rio como personal trainer de celebridades como Bruna Marquezine e Bruno Gagliasso.

Bernardo Mello Franco: Vai sobrar para o Queiroz?

- O Globo

Depois de 13 dias de sumiço, o motorista de R$ 1,2 milhão terá que se explicar ao Ministério Público. Se depender dos antigos chefes, a conta vai sobrar para ele

Fabrício Queiroz vai sair da toca. Pelo menos é o que espera o Ministério Público, que pretende ouvi-lo hoje no Rio. Ainda não se sabe como o motorista vai explicar sua movimentação bancária, mas uma coisa é certa: se depender dos antigos chefes, a conta vai sobrar para ele.

Ontem o primeiro-filho voltou a ser questionado sobre as transações suspeitas de Queiroz. Ele deu de ombros e tentou atirar a responsabilidade no colo do funcionário. “Quem tem que dar explicação é o meu ex-assessor, não sou eu. A movimentação atípica é na conta dele”, disse Flávio Bolsonaro.

O senador eleito se irritou com os repórteres que faziam perguntas sobre o assunto. “Deixa eu trabalhar, deixa eu trabalhar. Não tem nada de errado no meu gabinete”, afirmou. O presidente eleito preferiu fugir dos microfones. Ele chegou a ser anunciado na diplomação do herdeiro, mas não apareceu.

É compreensível que Flávio não veja “nada de errado” no próprio gabinete. A questão é saber se os promotores concordam com ele. Até aqui, sabe-se que um motorista com renda de R$ 21 mil movimentou mais de R$ 1,2 milhão em um ano. Ele recebeu repasses de outros oito assessores do deputado, em datas que coincidem com os dias de pagamento na Alerj.

Míriam Leitão: As instituições testam o país

- O Globo

Poderes da República colecionam erros, reativam privilégios, aprovam pautas-bombas e ameaçam as minorias

As instituições brasileiras têm escolhido errar sistematicamente, como se quisessem testar os limites do país em diversas áreas. Depois de usar o auxílio-moradia como moeda de troca para ter um aumento em época de crise, o Judiciário aprovou ontem o novo auxílio-moradia. O governo Bolsonaro nomeou um ruralista para cuidar de índios, quilombolas, licenciamento ambiental e reforma agrária, para três horas depois recuar, mas deixar ameaças no ar. O Congresso tem usado as últimas sessões do ano para aprovar medidas que ampliam os gastos públicos e limitam o espaço da administração que nem começou.

Um juiz enviado temporariamente para uma comarca na qual ele não mora, pode ter auxílio-moradia, claro. Mas são casos específicos e poucos. A ideia que vigorou nos últimos anos, de que todos os juízes tinham direito a que o estado lhes pagasse a moradia, porque não receberam reajustes, é espantosa. O Brasil está em crise, teve dois anos consecutivos de queda do PIB. Está saindo dolorosamente da recessão que encolheu a receita e devastou o mercado de trabalho. Há 12 milhões de brasileiros neste momento procurando emprego e sem encontrar, e outros cinco milhões desalentados. Os que têm estabilidade, os servidores públicos, pressionam o Congresso e conseguem reajustes. O Judiciário que está na elite do funcionalismo aprovou para si mesmo o aumento de 16,38%, e não se deu por satisfeito.

Elio Gaspari: Paulo Guedes mostrou a faca

- O Globo

Falando a uma plateia de empresários na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, fez o principal pronunciamento político do novo governo: “O Brasil, um país rico, virou um paraíso de burocratas e piratas privados”. Na mesma ocasião, avisou: “A CUT perde e aqui fica tudo igual? Tem que meter a faca no Sistema S também.”

Falou em corda numa casa de enforcados, pois todas as federações das indústrias são alimentadas pelo ervanário que o Sistema S arrecada mordendo as folhas de pagamento das empresas. Em 2017, foram R$ 16,5 bilhões e, na conta de quem entende, pode-se estimar que o desperdício chegue a 30%, com mordomias, obras suntuosas, contratos de consultorias y otras cositas más. Guedes avisou que, com uma boa conversa, esse seria o tamanho do corte. Sem conversa, prometeu uma facada de 50%. Na plateia, riram e aplaudiram.

Por que riram, não se pode saber. Pode ter sido por boa educação, sabedoria, ou ainda porque diante de um ministro que assumirá com plenos poderes, rir é o melhor remédio.

Jair Bolsonaro administrará um país cujo PIB per capita cresceu apenas 1,1% nos últimos 20 anos, e Paulo Guedes promete revolucionar sua economia. Pode-se estimar que ele assumirá o “Posto Ipiranga” com poderes prometidos que só o professor Antônio Delfim Netto teve. Sem o cajado do Ato Institucional nº 5, a caneta de Guedes terá menos tinta que a de Delfim. Mesmo assim, o ex-ministro é um bom mestre. Primeiro, vale visitar sua opinião sobre o empresariado nacional.

“Você tem dois grupos de empresários. O primeiro vem ao teu gabinete e pede redução dos impostos, perdão das dívidas e reserva de mercado. Você manda eles lamberem sabão (versão edulcorada), batem os calcanhares, dão meia-volta e vão trabalhar. O segundo bate os calcanhares, vai para a antessala e pede uma nova audiência. No dia de hoje, as chances de êxito deste grupo podem ser estimadas em 60%.”

Vinicius Torres Freire: A facada de Bolsonaro no Sistema S

- Folha de S. Paulo

Ideia de acabar com serviço social das empresas cria mais conflito cultural e empresarial

O Sesc de São Paulo gastou em atividades culturais o equivalente a dois terços da despesa do Ministério da Cultura em 2017. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, quer enfiar a faca no Sistema S, do qual o Sesc, o Serviço Social do Comércio, faz parte.

Pessoas que trabalham no ramo já sentiam a faca no pescoço com a eleição de um presidente em geral avesso à cultura. O pânico aumentou. Mas a ameaça de desmonte do Sistema S leva o conflito muito além.

O plano bolsonarista ameaça desde as finanças da Confederação Nacional da Indústria até centenas de milhares de empregados nos serviços sociais do empresariado, passando por centenas de milhares de crianças matriculadas nas escolas de educação básica do sistema, para nem falar dos estudantes dos centros de formação técnica. O "plano S" de Bolsonaro deve criar encrenca política.

Guedes sugeriu que a facada pode chegar a 50% das receitas do Sistema S, composto também de Senac, Sesi, Senai, quase uma dúzia de "Ss". Seu futuro secretário da Receita, Marcos Cintra, diz que estuda o fim da contribuição obrigatória para o sistema.

Esses serviços sociais autônomos começaram a ser criados na ditadura de Getúlio Vargas, anos 1940, a fim de financiar o treinamento profissional. Empresas têm de contribuir para o sistema com até 2,5% do que gastam em folha de salários.

O dinheiro não vai para o caixa do governo, não passa pelo Orçamento, pelo Congresso. Fica com as confederações patronais de indústria, comércio, transporte, pequenas e médias empresas etc.

Rosângela Bittar: Flancos vulneráveis

- Valor Econômico

Já no primeiro dia, Bolsonaro inicia a luta contra o tempo

Esbaforido e descabelado, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou ao Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, minutos antes do início da cerimônia de diplomação do presidente eleito, Jair Bolsonaro, no Tribunal Superior Eleitoral, a quilômetro dali, onde ele deveria estar naquele momento. A diplomação precede a posse que precede a nomeação do ministro. Deu tempo, mas teve que se explicar porque estava sem o convite e seu rosto ainda não é conhecido de porteiros e recepcionistas. Ele vinha de uma semana acamado, no Rio. No auge da transição e das nomeações, uma gripe o abateu com imunidade baixa, certamente.

Esse Paulo Guedes assoberbado, carregando o mundo Bolsonaro nas costas, é uma espécie não de ministro, mas de presidente para a Economia. Jamais se ouviu dele qualquer comentário sobre o restante do governo nem do restante do governo sobre assuntos da economia. É senhor absoluto e responsável pelo sucesso ou fracasso do governo que nele deposita suas esperanças. Um Paulo Guedes sobrecarregado é o flanco vulnerável número um do governo Jair Bolsonaro.

Desde o início das nomeações, Sergio Moro foi um trunfo do presidente eleito e sua indicação para o Ministério da Justiça considerada uma jogada de mestre. Outra área da qual o presidente vai abrir mão no seu governo para deixar-se comandar pelo juiz popular. Para Moro, no entanto, a avaliação geral sempre foi de que o negócio não tinha sido tão bom assim, mesmo que ele estivesse à espreita de uma oportunidade para transportar-se da magistratura para a política. O que acontecerá com o ministro da Justiça de Bolsonaro na primeira convocação para falar no Senado ou na Câmara sobre irregularidades, desmandos, rasteiras, práticas viciadas do governo ou de membros da família presidencial? Já foi cobrado pelas irregularidades denunciadas no gabinete de Flávio Bolsonaro, no Rio. Flávio não estará na plateia de Moro? Os ministros da Justiça têm sido uma espécie de anteparo do presidente da República. Moro terá condições de ser essa pessoa para Bolsonaro? Então, investigações e punições até ontem eram com ele, agora não são mais? De trunfo se transformará em flanco vulnerável, já está sendo.

Bruno Boghossian: Novela indecorosa

- Folha de S. Paulo

Juízes provaram que têm pouco interesse em extinguir cultura de privilégios

A criação de novas regras para o pagamento de auxílio-moradia para juízes é o desfecho de uma novela indecorosa. Apesar de estabelecer padrões relativamente rígidos para o benefício, o Judiciário provou que está pouco interessado em extinguir sua cultura de privilégios.

Numa trama de negociações sigilosas e chantagens escancaradas, o Conselho Nacional de Justiça levou 1.555 dias para reconhecer o óbvio: só pode receber o valor extra aquele juiz que é transferido de sua comarca original, desde que não tenha imóvel próprio no novo local.

O colegiado ainda deu ares de austeridade ao aplicar uma exigência que deveria ser uma condição moral para qualquer uso de dinheiro público, que é a obrigatoriedade de apresentação de um documento que comprove a despesa do magistrado com o aluguel.

O papel de vilão cabe ao ministro Luiz Fux. Em 2014, ele assinou a liminar que liberou o pagamento do auxílio a toda a magistratura. O argumento original era a necessidade de equiparação dos benefícios recebidos em alguns estados e por outras categorias. Anos depois, comprovou-se que era papo furado.

Cristiano Romero: Bolsonaro usará proposta de Temer para Previdência

- Valor Econômico

Capital político vem dos votos, mas dura pouco em Brasília

O governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, vai adotar o projeto de reforma da Previdência enviado ao Congresso Nacional pelo presidente Michel Temer, em vez de formular e propor uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Possíveis alterações no projeto serão feitas por meio de emendas durante a sua tramitação. A decisão de aproveitar a PEC que já andou na Câmara dos Deputados, confirmada a esta coluna por fonte graduada do futuro governo, é sensata porque aprovar essa reforma será o primeiro grande teste do novo presidente. Não há tempo a perder.

A PEC passou pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e, no início de maio do ano passado, a Comissão Especial criada para analisar a proposta aprovou o texto básico. Tudo se encaminhava para a primeira votação da PEC na Câmara ainda naquele mês, mas uma operação de "espionagem" mambembe - feita pelo empresário Joesley Batista e incentivada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para incriminar Temer a qualquer preço - inviabilizou a reforma. Joesley gravou conversa embaraçosa com o presidente para entregar sua cabeça às autoridades e salvar a sua e a do irmão Wesley, seu sócio na JBS. Não conseguiu nem uma coisa nem outra, mas tornou Temer, desde 17 de maio de 2017, um "lame duck" (pato manco), como os americanos se referem a governantes que, em pleno exercício do mandato, não têm força política para aprovar projetos no Legislativo.

Janot e os irmãos Batista não conseguiram imputar Temer, mas destruíram o que em Brasília se chama de "capital político". É com isso que se governa num regime presidencialista sem partidos hegemônicos. Trata-se de um bem precioso, mas temporário e fugaz; aparentemente forte, mas delicado e suscetível.

O capital político se origina do voto popular, mas não somente. Temer assumiu a Presidência da República num dos momentos mais delicados da vida nacional em décadas. Foi acusado de liderar um "golpe" contra a então presidente Dilma Rousseff, caso único da história do país em que um mandatário que se indispõe com todos - vice, aliados, oposicionistas, mercados, amigos, assessores, piloto do avião oficial em que viajava, secretárias, o pessoal que serve cafezinho nos palácios de Brasília e até com o responsável por sua ascensão ao poder (Luiz Inácio Lula da Silva) -, por acreditar que só ela sabe o que é certo e errado.

Fábio Alves: A herança de 2018

- O Estado de S.Paulo

Alguns indicadores antecedentes já apontam para um novembro também fraco

Com base no ritmo da atividade econômica registrado até agora neste quarto trimestre, dificilmente o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 vai atingir o desempenho estimado atualmente pelos analistas do mercado financeiro.

Além de o resultado para 2018 como um todo decepcionar, a herança estatística da economia caminha para uma virada do ano mais fraca do que se esperava. Do ponto de vista estatístico, a economia precisa crescer mais aceleradamente em 2019 para compensar a perda de fôlego da economia nos últimos três meses deste ano.

Conforme a mais recente pesquisa Focus, do Banco Central, os analistas projetam crescimento de apenas 1,30% do PIB de 2018 – um contraste em relação ao primeiro levantamento deste ano, quando essa projeção era de uma expansão de 2,69%. Para 2019, a estimativa é de um crescimento de 2,55%, o que implicaria numa expansão trimestral ao redor de 0,7%.

Só que os indicadores de atividade para o mês de outubro mostraram que o quarto trimestre registrará uma perda de ímpeto em relação ao terceiro trimestre, quando o crescimento do PIB foi de 0,8% ante o segundo trimestre.

Luiz Carlos Azedo: A língua do índio

- Correio Braziliense

“O Brasil tem cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional”

Um grito de guerra virou bordão no Centro Cultural da CCBB, onde funciona a equipe de transição do presidente eleito, Jair Bolsonaro: “Selva!” É um cumprimento militar adotado em todas as unidades vinculadas ao Comando Militar da Amazônia (CMA), espalhadas em 62 localidades e envolvendo seis estados e partes do Maranhão e do Tocantins. A saudação simboliza a integração entre oficiais e a tropa formada por caboclos, mamelucos e índios.

Um vídeo produzido pelo próprio Exército brasileiro, nos confins da Amazônia, ilustra a mística: mostra meia dúzia de soldados-índios de diversas etnias se apresentando em sua língua nativa, mas fazendo a saudação em português que virou bom dia e boa noite também no Palácio do Planalto, entre funcionários do governo que fazem parte da mobília do poder e aguardam os novos chefes. A origem da saudação é a Oração do Guerreiro da Serva, de autoria do tenente-coronel Humberto Leal, que vive em Petrópolis, a Cidade Imperial. “Dai-nos hoje da floresta:/A sobriedade para persistir;/A paciência para emboscar;/A perseverança para sobreviver;/A astúcia para dissimular;/A fé para resistir e vencer. /E dai-nos também, Senhor, /A esperança e a certeza do retorno”, diz o principal trecho da oração, que resume o treinamento dos batalhões especiais de selva.

Em São Gabriel da Cachoeira (AM) ou no 5º Pelotão de Fronteira de Maturacá, aos pés do Pico da Neblina, na divisa com a Venezuela e a Colômbia, os soldados índios das etnias tucano, inhangatú, aruac e yanomami são maioria na tropa. Entretanto, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, quando Comandante Militar da Amazônia, notabilizou-se pela crítica à política indigenista tradicional e anteviu a possibilidade de conflitos na região, por causa da Venezuela e da Guiana, entre outros pontos da fronteira. Esse é o xis da polêmica sobre a demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol, uma das maiores terras indígenas do país, com 1.743.089 hectares e 1.000 quilômetros de perímetro. O nióbio é só um pretexto. Mais da metade da área é constituída por vegetação de cerrado, lá chamado de “lavrado”, e uma região montanhosa cujo topo é monte Roraima, marco da tríplice fronteira entre Brasil, Guiana e Venezuela. É impossível, porém, guarnecer a região sem o apoio dos índios.

Recentemente, o Departamento de Estado norte-americano pressionou o governo brasileiro para que mandasse tropas para Guiana, temendo uma invasão venezuelana do país vizinho, o que foi rechaçado pelo governo Temer. Nesse aspecto, o futuro ministro-chefe do gabinete de Segurança Institucional tem razão: a política do governo Bolsonaro vai aumentar a tensão na fronteira com os venezuelanos. A dúvida é se mandaremos nossos soldados-índios para Guiana.

Monica De Bolle*: A Venezuela

- O Estado de S.Paulo

Para entender e opinar sobre a Venezuela, é preciso primeiro compreender o arco histórico

A confusão sobre o convite-não-convite de Nicolás Maduro para a posse de Bolsonaro deu o que falar nos últimos dias. Maduro teria sido convidado pelo Itamaraty para a posse, a chancelaria da Venezuela recusou o convite, e em seguida Ernesto Araújo o desconvidou. É claro que a ditadura venezuelana deve ser rechaçada. Contudo, o uso constante do colapso venezuelano como arma ideológica é não apenas um equívoco, mas demonstração de profunda ignorância. São poucos os que realmente sabem alguma coisa sobre a história da Venezuela. Ao que parece, o próprio chanceler brasileiro prefere os espantalhos ideológicos a um entendimento sério de como o país chegou ao atual descalabro. Não é com desconhecimento que se faz boa política externa.

Começo lá atrás, no pós-guerra. Entre 1948 e 1958 a Venezuela era uma ditadura. Removido o ditador presidente Marcos Pérez Jiménez em janeiro de 1958, os três maiores partidos políticos do país – AD, Copei e URD – firmaram um pacto que ficou conhecido como Ponto Fixo (“Punto Fijo”). O pacto tinha como objetivo enraizar e proteger a democracia em um país que havia sido governado por ditadores praticamente desde sua independência, em 1830. O Ponto Fixo deu origem ao sistema bipartidário formado pela AD e pelo Copei que permaneceu em vigor até a ascensão de Hugo Chávez nos anos 1990. Durante as quatro décadas decorridas entre 1958 e 1998, a Venezuela foi essencialmente uma democracia estável, tendo chegado a ser um dos primeiros países latino-americanos a ser classificado como país de renda média alta pelo Banco Mundial.

Entre 1960 e 1977, a renda por habitante crescera mais de 30%, alcançando US$ 16 mil por pessoa. Contudo, entre o fim dos anos 70 e meados dos anos 80, a renda por habitante perdera todo o ganho anterior, passando de US$ 16 mil para pouco menos de US$ 12 mil. Ou seja, o país sofreu um colapso brutal do crescimento em virtude de vários problemas, inclusive da queda dos preços do petróleo. Colapsos dessa magnitude costumam estar associados a guerras e graves conflitos internos, o que não foi o caso da Venezuela. Até hoje estudiosos se debruçam sobre o dilema do crescimento venezuelano durante os anos 80 e 90.

Ishaan Tharoor: Protestos resumem a política da Europa

- The Washington Post / O Estado de S.Paulo

As manifestações de massa que sacudiram duas capitais europeias no domingo contam uma história continental – um arco ilustrativo que começa com a ira populista e o sentimento antimigrante e termina em desilusão e num crescente status quo autoritário. Em Bruxelas, 5 mil manifestantes direitistas se opuseram à decisão de se assinar um pacto de migração costurado pelas Nações Unidas.

Houve cenas de violência: a polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo para dispersar manifestantes que lançavam pedras e paralelepípedos. Um grupo tentou invadir os escritórios da Comissão Europeia. Cerca de cem pessoas foram presas.

Em Budapeste, 15 mil manifestantes protestaram contra leis promulgadas pelo governo não liberal do primeiro-ministro Viktor Orban. Uma das leis em questão cria um tribunal paralelo que na prática dá ao Executivo controle do Judiciário do país. Outra autoriza empregadores a cobrar 400 horas extras anuais dos empregados para impulsionar a produtividade. Críticos chamaram-na de “lei da escravidão”.

Protestos na capital húngara prosseguiram na segunda-feira, com manifestantes atacando o sistema público de rádio e televisão, visto como porta-voz do partido governante. Numa instância, vê-se o ódio nacionalista que se espalhou por muito da política europeia. Em outra, vê-se a inquietação com um governo profundamente nacionalista – que usa a retórica populista para justificar políticas que minaram a democracia húngara.

Ricardo Noblat: À sombra de Queiroz

- Blog do Noblat | Veja

O desaparecido vai falar

Quem irá depor, hoje, ao Ministério Público do Rio, é Fabrício Queiroz, ex-funcionário da Assembleia Legislativa do Estado, desaparecido há mais de 10 dias desde que a ele se atribuiu a movimentação suspeita de uma dinheirama para muito além do que sua renda permitiria.

Mas quem estará em cheque será o objeto oculto do que ele tenha a dizer – o deputado Flávio Bolsonaro, recém-eleito senador e filho de quem é. Queiroz foi assessor de Flávio, e de sua conta bancária saiu um cheque de R$ 24 mil que foi parar na conta de Michele, mulher de Jair.

A depender do depoimento de Queiroz, a reputação dos Bolsonaro estará salva, ou então sofrerá um duro abalo. De indesmentível, o fato de que Queiroz, a mulher e duas filhas prestaram durante anos inestimáveis serviços a Flávio e ao seu pai, sendo recompensados com empregos.

Os encantos do capitão
Bolsonaro diz o que eles querem ouvir

Deputados recebidos em bloco para audiências com o presidente eleito Jair Bolsonaro têm saído encantados com a maneira afável com que são recebidos, e com o que ele lhes diz. Insatisfeitos saem os líderes de partidos que antes falavam sozinhos em nome de todos.

Bolsonaro tem dito que as emendas dos parlamentares ao Orçamento da União serão liberadas com presteza para o devido pagamento. E que o governo não as usará para chantagear ninguém. Trata-se de dinheiro destinado a pequenas obras nas bases eleitorais de cada um deles.

Bolsonaro tem dito também que compreenderá as dificuldades de cada parlamentar para votar de acordo com o governo em assuntos considerados por eles sensíveis ou polêmicos. É o caso da reforma da Previdência, por exemplo. Mas garante que não haverá retaliação por isso.

Assegura Bolsonaro que seu gabinete sempre estará aberto para receber o parlamentar que o procure em busca de ajuda, de orientação ou para uma simples troca de ideias. E se diz disposto a atender pedidos desde que eles não firam “os princípios republicanos”.

Martin Wolf: O pacto diabólico do nacionalismo

- Valor Econômico

Quanto mais os resultados econômicos divergirem dentro de um Estado-nação, mais facilmente políticos cínicos conseguirão convencer cidadãos angustiados de que seus interesses estão sendo sacrificados em favor dos de uma elite "globalista" traidora

A história da ascensão da humanidade, de grandes macacos antropóides da savana a senhores do planeta, é uma de pactos fáusticos. A revolução agrícola trouxe enormes aumentos populacionais, mas baixou os padrões de vida de muitos. O que vale para sistemas produtivos vale também para ideologias. Para nenhuma delas isso é mais verdadeiro do que para o nacionalismo - um motor tanto do desenvolvimento quanto da destruição. Precisamos identificar e administrar ambos os aspectos de sua personalidade - o benéfico e o diabólico.

O nacionalismo é, sobretudo, uma força social extraordinariamente poderosa. Como fomos lembrados pela comemoração do armistício de 1918, dezenas de milhões de pessoas lutaram e morreram nos exércitos nacionais, muitas vezes voluntariamente, desde o início do século passado. Elas morreram em massa pelo que Benedict Anderson chamou de uma "comunidade imaginada": "imaginada" porque a vasta maioria de seus membros é desconhecida daqueles com os quais compartilha sua identidade nacional, e "comunidade", porque isso reconhece a existência de um vínculo primário de fidelidade e apoio. Esses vínculos não podem ser facilmente inseridos no quadro dos economistas de que o benefício magnifica indivíduos racionais. Eles se ligam em uma coisa muito mais profunda: o nacionalismo é uma religião secular que santifica a noção de nação.

Os seres humanos são profundamente sociais. É completamente natural para eles se identificarem com algo maior do que seus egos individuais. Inicialmente, no entanto, essas comunidades eram, ao mesmo tempo, pequenas e familiares. A maioria de nossas entidades políticas subsequentes não previa que seus sujeitos sentiriam estreita identidade com o Estado: elas exigiam obediência, principalmente. O Estado-nação mobilizado e a intensa identidade que ele promove são, grosso modo, produto dos últimos 200 anos, embora no Ocidente reflitam os valores das antigas cidades-Estados. Nosso ponto de partida contemporâneo pode ser o "levée en masse" (serviço militar obrigatório em massa), introduzido após a Revolução Francesa.

O finado filósofo britânico-tcheco Ernest Gellner fez contribuições notáveis à nossa compreensão dos benefícios econômicos do nacionalismo. Sua essência, argumentou, é a imposição de uma cultura de conhecimento universal em um idioma comum, em grande medida por meio de um sistema nacional de educação. Isso, por sua vez, exigiu a criação de instituições nacionais e respaldou o surgimento de uma economia nacional. Essa nova ideologia não apenas acompanhou como promoveu ativamente um modo de vida mais flexível, enquanto a velha economia agrária, com seus pequenos proprietários rurais, servos e senhores feudais, desapareceu na história. O nacionalismo foi uma das parteiras da contemporaneidade industrializada.

Um Estado-nação contemporâneo tem consequências benéficas, menos benéficas e maléficas. Entre as benéficas está o surgimento de uma massa com um idioma comum e, em vista disso, capaz de cooperar mais facilmente e de transitar mais livremente entre atividades econômicas. Além disso, a nova ênfase em uma cultura e identidade nacional compartilhadas levou, muito naturalmente, a exigências por democracia: se todos são membros plenos da comunidade nacional, certamente todos também merecem ter voz sobre o destino dela.

Protestos na Hungria chegam ao sexto dia e unem partidos de oposição

No entanto, número de participantes diminui e há dúvidas se haverá força para confrontar governo

- Folha de S. Paulo

BUDAPESTE - Seis dias de manifestações em Budapeste uniram a oposição, antes fragmentada, em uma coalizão unida contra o premiê da Hungria Viktor Orbán, que têm levado os jovens húngaros a protestar nas ruas contra o que eles consideram um aumento do autoritarismo do governo.

No entanto, o número de manifestantes nas ruas vem diminuindo. Na terça (18), cerca de 200 pessoas realizaram um ato em frente ao Parlamento. Um dia antes, cerca de 2.000 protestaram no edifício da TV estatal. No domingo (16), aproximadamente 10 mil ativistas ocuparam as ruas de Budapeste.

A aprovação de duas leis, na semana passada, motivou os protestos. Uma delas permite às empresas exigir até 400 horas extras por ano dos funcionários,, levando críticos a chamá-la de “lei da escravidão”.

O governo também aprovou uma regra para estabelecer novos tribunais administrativos que responderão ao governo e cuidarão de temas como a lei eleitoral, protestos e acusações de corrupção.

Augusto de Franco: Do que os democratas devem começar a tratar daqui para frente

Os democratas vêm sempre lidando com a mesma coisa desde que surgiram na Grécia clássica, na passagem do século 6 para o século 5 antes da era comum. Sempre há um senhor – ou um candidato a senhor – ao qual temos de resistir. A pensadora Ágnes Heller, aos 90 anos, lamenta – comentando a situação da Hungria sob o domínio do populista i-liberal Viktor Orbán – que “não vamos encontrar oposição democrática em meio à população”. Sim, mas os democratas não são “a população”. Não somos “a massa” – e sim o fermento na massa.

Quem achar que os mais de 40 mil atenienses que chegaram a frequentar a Ecclesia (na ἀγορά), em meados do século 5, eram, todos, democratas convictos, está redondamente enganado. Mesmo naquela colenda assembléia, que fundou a democracia, os democratas jamais passaram de uma ínfima minoria.

Hoje, no mundo e no Brasil, os principais adversários das democracias realmente existentes não são mais os fascistas ou os comunistas e sim os populistas (sejam ditos “de direita” ou de “esquerda”) que usam a democracia contra a democracia para torná-la menos liberal e mais majoritarista.

É o caso, à direita, de Orbán (na Hungria), que tira o sono de Ágnes Heller e de todos os democratas, mas também os de Putin (na Rússia) e Recep Erdogan (na Turquia) – que já viraram ditaduras, e também o de Jaroslaw e Lech Kaczynski (na Polônia), de Matteo Salvini (na Itália), de Le Pen (na França), de Geert Wilder (na Holanda), de Hans-Christian Strache (na Áustria), de Jörg Meuthen e Alexander Gauland (na Alemanha) e, na Asia, de Rodrigo Duterte (das Filipinas), além, é claro, de Donald Trump (nos USA) e dos lideres do Brexit (como Boris Johnson e Nigel Farage, na Inglaterra) e agora, na América Latina, de Jair Bolsonaro (no Brasil) – que se transformaram nas principais ameças à democracia liberal no plano global. Todos estes representam, com suas especificidades, forças políticas populistas-autoritárias.

E é o caso, à esquerda, de Hugo Chávez e Nicolás Maduro (na Venezuela) e de Daniel Ortega (na Nicarágua) – que também já viraram ditaduras, mas ainda de Evo Morales (na Bolívia), de Rafael Correa e Lenin Moreno (no Equador), assim como foi o de Mauricio Funes (em El Salvador), o de Manuel Zelaya (em Honduras), o de Fernando Lugo (no Paraguai), o de Néstor e Cristina Kirchner (na Argentina) e o de Lula e Dilma (no Brasil). E todos estes representam, com suas especificidades, forças políticas neopopulistas (nas diversas variantes, hard ou soft, do que ficou conhecido como bolivarianismo).

Relações ideológicas: Editorial | Folha de S. Paulo

Sob inspiração trumpista na área externa, equipe de Bolsonaro se mete em entrevero pueril

Sob o argumento de que a política externa brasileira nos anos petistas foi flexionada pelo peso da ideologia, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), prometeu em sua campanha pôr fim ao que chamou de aparelhamento do Itamaraty.

É incontestável, em especial no período do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o Brasil se aproveitou do momento econômico favorável para tentar aumentar sua relevância geopolítica, mas o fez assumindo posições de um surrado repertório antiamericanista e terceiro-mundista.

Sem dúvida, uma correção de rumos se fazia necessária —e chegou, de certa forma, a se esboçar no primeiro mandato de Dilma Rousseff, mas logo foi diluída pelo desinteresse da mandatária nessa seara.

Bolsonaro, infelizmente, não dá sinais de que pretenda buscar um equilíbrio. Ao assumir bandeiras de revanchismo contra uma esquerda que já deixou o poder há mais de dois anos, o presidente eleito padece, com sinal trocado, do mesmo mal que vê nos governos do PT.

O ideário que vai se revelando por vezes parece uma paródia do adotado por Donald Trump, com a crucial diferença de que este lidera o país mais poderoso do planeta.

A face constrangedora dessa conduta subalterna já se manifestou antes de o governo ter início. Por exemplo, na viagem aos EUA do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente eleito, que aproveitou a ocasião para posar com um boné com a inscrição “Trump 2020”, em referência ao próximo pleito naquele país.

Sem descer do palanque: Editorial | O Estado de S. Paulo

O Itamaraty informou que o presidente eleito Jair Bolsonaro pediu a exclusão dos chefes de Estado de Cuba e da Venezuela da lista dos convidados para sua posse, no próximo dia 1.º de janeiro. “Inicialmente, o Itamaraty recebeu do governo eleito a recomendação de que todos os chefes de Estado e de Governo dos países com os quais mantemos relações diplomáticas deveriam ser convidados, e assim foi providenciado”, relatou a Chancelaria em nota. “Em um segundo momento”, continuou o comunicado, “foi recebida a recomendação de que Cuba e Venezuela não deveriam mais constar da lista, o que exigiu uma nova comunicação a esses dois governos.”

Trata-se de decisão inusitada. A praxe diplomática, como sugere o Itamaraty em sua nota, é convidar, para a posse do presidente da República, representantes de todos os países com os quais o Brasil mantém relações. A explicação dada por Jair Bolsonaro e pelo futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, para a solicitação de excluir Cuba e Venezuela da posse do novo governo revela preocupante confusão entre campanha eleitoral e decisões de Estado.

Bolsonaro foi eleito com base em um forte discurso contra o PT e, por tabela, contra os parceiros do lulopetismo na América Latina, especialmente as ditaduras cubana e venezuelana. Durante a campanha, prometeu endurecer contra esses dois regimes. No programa de governo, Bolsonaro já dizia que defendia a integração do Brasil com a América Latina, desde que fosse com países “que estejam livres de ditaduras”. Não se pode dizer que Bolsonaro não está sendo coerente com o que prometeu.

Criar emprego é o grande desafio do novo governo: Editorial | Valor Econômico

O presidente eleito Jair Bolsonaro defendeu novas mudanças na legislação trabalhista. Após encontro com políticos na semana passada, disse que é necessário aprofundar a reforma trabalhista e voltou a afirmar que "é horrível" ser patrão no Brasil com as regras atuais. Mais tarde, no mesmo dia, acrescentou que ainda está estudando as reformas a fazer, mas ressaltou que "não basta ter só direitos e não ter empregos". Para Bolsonaro, é preciso flexibilizar as leis trabalhistas e rever os direitos assegurados no artigo 7º da Constituição "para se aproximar da informalidade".

Como em outras ocasiões, referindo-se a outros temas, Bolsonaro não deu maiores detalhes. O artigo 7º da Constituição trata do seguro-desemprego, FGTS, salário mínimo, piso salarial, 13º salário, salário família, jornada de trabalho, repouso semanal remunerado entre outros pontos. O programa apresentado pelo PSL trazia a proposta de criação da chamada carteira de trabalho verde-amarela, cujo portador não gozaria de todos os benefícios da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Poderia abrir da mão da contribuição patronal para o INSS e de encargos como auxílio-doença e, em contrapartida, teria liberdade para investir o FGTS, por exemplo.

Bolsonaro avalia positivamente a informalidade. Deve estar ciente, no entanto, de que o aumento dos contratos informais de trabalho pode acentuar o rombo da Previdência uma vez que dispensa os recolhimentos ao INSS, obrigatórios nos contratos formais, além de facilitar a sonegação de um modo geral. O grupo dos trabalhadores sem carteira e dos que trabalham por conta própria sem CNPJ já representa 44% do total dos trabalhadores ocupados, quase o mesmo percentual dos que têm carteira assinada ou trabalham no setor público e chegam a 48%.

Na verdade, apesar da reação ainda que tímida da economia, a recuperação do mercado de trabalho é lenta e se deve basicamente ao aumento da informalidade. O número de trabalhadores ocupados aumentou em 1,2 milhão para 92,9 milhões de pessoas no ano terminado em outubro, dos quais 534 mil arrumaram trabalho sem carteira assinada no setor privado e 367 mil começaram a trabalhar por conta própria sem CNPJ. O desemprego diminuiu para 11,7% no trimestre de agosto a outubro e, ainda assim, atinge 12,4 milhões de pessoas. Há ainda 4,7 milhões desalentados e um total de 27,2 milhões de subutilizados, número que inclui os que gostariam de trabalhar mais.

Oportunidade de se passar o Sistema S a limpo: Editorial | O Globo

Paulo Guedes tem razão em defender redução de custos que sobrecarregam a produção

Se é mesmo imperioso mudar o regime fiscal, e não apenas pela reforma da Previdência, todo o emaranhado de impostos e assemelhados que inflam o custo de se produzir qualquer coisa no Brasil também precisa ser revisto. O sistema produtivo tem de ficar leve e ágil para atender às necessidades de um crescimento sustentado, com a geração de receita tributária a partir de uma menor carga de impostos, sendo capaz de enfrentar as mudanças na concorrência mundial ditadas pela inexorável e rápida evolução tecnológica.

Assim, não há como não rever o chamado Sistema S, lançado em 1942, na ditadura do Estado Novo, a começar pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), o primeiro do sistema, seguindo-se outras siglas: Sesi, serviço social da indústria; Sesc, do comércio; e Sebrae, de apoio às micro e pequenas empresas, entre outras.

Mais uma herança do getulismo, que precisa ser exorcizada para modernizar-se a economia. A reforma trabalhista já fez competente serviço nesta direção. Na segunda-feira, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, aproveitou almoço na Federação das Indústrias do Rio (Firjan) para anunciar de forma clara: “tem que meter a faca no Sistema S; a CUT perde o sindicato e aqui fica tudo igual?” Traduzindo: se os sindicatos dos trabalhadores perderam o imposto sindical, por que os patronais ficarão com algo semelhante? A lógica da afirmação é irrefutável.

Da urna ao teste das ruas, segurança será maior desafio para Bolsonaro

Estevão Taiar e André Guilherme Vieira | Valor Econômico

SÃO PAULO- A deterioração generalizada da segurança pública ajudou a impulsionar a candidatura do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), mas será um dos principais problemas com os quais ele terá que lidar a partir de 1º de janeiro. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registradas 63.880 mortes violentas intencionais em todo o território nacional no ano passado.

Isso equivale a 30,8 mortos por 100 mil habitantes, crescimento de 10,7% em relação a 2013. Entram na conta homicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, homicídios de policiais e mortes resultantes de intervenções policiais.

O quadro é mais grave principalmente no Norte e no Nordeste, embora a crise não se limite a essas regiões. Também entre 2013 e 2017, as mortes violentas internacionais no Rio Grande do Norte saltaram de 48,1 por cada 100 mil habitantes para 68 por cada 100 mil habitantes - o maior índice entre as 27 unidades da federação. Nos últimos dois anos, as forças de segurança potiguares e capixabas foram alvo de intervenções pontuais feitas pelo governo federal, enquanto no Rio de Janeiro e, mais recentemente, em Roraima houve o emprego mais amplo das Forças Armadas por meio da garantia da lei e da ordem (GLO).

Realizada logo após o segundo turno, pesquisa da Kantar TNS colocava a segurança no topo da lista do que deveria ser prioridade do governo eleito. Entre as mil pessoas entrevistadas, 17% afirmaram que o tema era o principal problema a ser enfrentado. Saúde, crescimento econômico e geração de emprego vieram em seguida, com 16%.

Mas é pouco factível que no curto prazo o presidente eleito consiga combater efetivamente o aumento da violência, dizem especialistas, integrantes de governos atuais e até mesmo participantes da gestão Bolsonaro - estes últimos só concordaram em falar ao Valor sob compromisso de anonimato.

O crescimento das facções criminosas, com a expansão de suas atividades para além dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, desponta como um dos gargalos com os quais vão se deparar Bolsonaro e o futuro "superministro" da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Isso porque o aumento do tráfico de drogas e da incidência de crimes violentos parecem fortemente ligados, de acordo com analistas.

Entidades reagem à declaração de Guedes sobre Sistema S

Segundo nota conjunta do Sesi e do Senac, cortes fechariam mais de 310 escolas e causariam a demissão de mais de 18 mil funcionários

Pedro Ladislau Leite | O Estado de S.Paulo

A declaração do futuro ministro da Economia de que é preciso “meter a faca no Sistema S” gerou reações de entidades que integram o sistema. Segundo comunicado do Sesi e do Senac divulgado nesta terça-feira, 18, "mais de 1 milhão de estudantes ficariam sem opção de cursos de formação profissional e 18,4 mil funcionários das entidades perderiam o emprego".

Em nota, Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai, que tem 2,3 milhões de alunos, afirma que "a proposta de cortes no Sistema S teria efeitos devastadores" sobre essas instituções, responsáveis pela formação técnica e profissional de jovens. No caso do Senai, ele prevê que 162 escolas, de um total de 541, fechariam as portas com os eventuais cortes. As regiões mais afetadas, afirma Lucchesi, seriam Norte e Nordeste.

Sobre o Sesi, que tem 1,2 milhão de alunos na educação básica, Lucchesi diz que os cortes levariam ao fechamento de 155 escolas, além de impossibilitar parte da prestação de serviços de saúde.

O braço do sistema associado ao setor de transportes também se manifestou após a declaração de Paulo Guedes. Sem citar diretamente os cortes pretendidos pelo novo governo, o presidente do Sest e do Senat, Clésio Andrade, divulgou nota afirmando que foram prestados neste ano, até setembro, 8,6 milhões de atendimentos gratuitos de qualificação profissional.

Segundo Andrade, as duas entidades têm hoje 148 unidades, responsáveis por 8,7 mil empregos diretos.

"Agua Pa' Los Santos" • Descemer Bueno & Pedrito Martinez • Musica Cubana Salsa Jazz Funk

Álvaro Moreyra: As sete sombras

Saudade,
— velha torre erguida
nevoentamente
na paisagem de outono da minha alma.
Torre de onde se vê tudo tão longe...
Saudade...
Na distância, a perder-se, a voz de um sino
salma.
A luz no poente
é o pálido eco dessa voz perdida.
A alma da tarde envolve a velha torre.
E na velha torre
erguida
nevoentamente,
ondulam sete sombras silenciosas,
tecendo o sonho da minha vida...
Fico a senti-las. Lembro...
As sete sombras silenciosas...
Uma, quando chegou era novembro,
loura de sol, trazia
as mãos cheias de rosas:
— Deixa-me entrar, sou a Alegria. —
E eu lhe disse: — Bem-vinda sejas, Alegria. —
Outra, tênue, de espuma,
olhos azuis de criança,
lentos gestos de pluma,
surgiu mais tarde a mendigar pousada:
— O meu nome é Esperança.
Venho de muito além. Estou cansada. —
E eu lhe disse: — Descansa.
Bem-vinda sejas, Esperança. —
Veio depois a Felicidade,
tão linda sombra, toda em ouro acesa.
E veio a Dor, veio a Beleza,
veio a Bondade.
Uma noite, bateste. A velha torre
abriu-te as longas portas vagarosas.
E desde então, na velha torre,
tu ficaste, também, serena, inesquecida,
sombra das sombras silenciosas,
tecendo o sonho da minha vida...

In: MOREYRA, Álvaro. Lenda das rosas. São Paulo: Ed. Nacional, 1928. p.41-43. (Os Mais belos poemas de amor