Consumidor sente no bolso alta de até 40% em 12 meses, taxa superior aos 6,5% oficiais
Cristiane Bonfanti
BRASÍLIA - Escaldados com a memória da desordem financeira que a inflação do passado causou em suas vidas, os brasileiros estão sentindo de novo o peso da alta de preços de bens e serviços. A percepção dos consumidores, muitas vezes, é de que os reajustes vão muito além dos registrados pelos índices oficiais. Enquanto a inflação média chegou a 6,5% no acumulado em 12 meses completados em maio, famílias ouvidas pelo GLOBO relataram que suas despesas mensais subiram até 40% no mesmo período.
Marcelo e Natássia Coutinho formam, com a filha de 2 anos, uma típica família de classe média. Obrigado a almoçar fora de casa durante a semana, o psicólogo viu subir de R$ 20 para R$ 30 o valor médio do prato. A família também percebeu alta de 25% nas compras de supermercado. Com gasolina, o gasto do casal saltou de R$ 960 para R$ 1.120 por mês. No total, a inflação dos Coutinho é de 23% em 12 meses.
- O que a gente tem feito é aumentar o controle, trocando a marca dos produtos para poupar - afirmou Coutinho, que economiza para ir uma vez por ano aos EUA fazer compras por lá.
Diante da alta dos preços, a publicitária Brina Martins adiou para o ano que vem a matrícula do filho de 2 anos na escola. Com a nova lei do empregado doméstico, cuja regulamentação ainda vai passar pelos plenários do Senado e da Câmara, pensou até em demitir a babá, mas fez as contas e decidiu manter a despesa. Sua inflação, bem acima dos 6,5% oficiais do IPCA, chega a 40%.
- A minha impressão é de que tudo aumentou. É como se o meu poder de compra tivesse sofrido um revés - disse Brina, que agora pensa duas vezes antes de levar para casa, por exemplo, uma peça de vestuário.
Dependendo da família, os gastos com serviços de beleza e produtos de estética também explodiram. A advogada Ivoneide Carvalho vai ao salão duas vezes por semana para fazer as unhas e tratar o cabelo. Em um ano, disse que a conta subiu de R$ 300 para R$ 500. Com a compra de outros artigos, como cremes e maquiagem, a despesa passou de R$ 400 para R$ 500. Ela também adquire medicamentos para problemas como pressão alta e observou que, nas compras na farmácia, houve uma alta de 13%.
- O que eu sinto é uma falta de parâmetro das empresas para reajustar os preços.
"Cada um percebe a inflação de modo diferente"
Já a estudante Victória Albuquerque Câmara, de 21 anos, passou a pagar R$ 45 para fazer as unhas, serviço que, em 2012, custava R$ 30. Pelos dados do IBGE, a inflação dos serviços de manicure foi de 12,94% em um ano.
- Até fazer um lanche ficou mais caro. Tenho saído menos - observou a estudante.
O economista da FGV André Braz explicou que o consumidor enxerga inflação mais alta que os índices oficiais porque os produtos básicos, dos quais ele não pode abrir mão, como alimentos, estão mais caros. Esse grupo sacrifica sobretudo as famílias mais pobres. Braz ressaltou que as famílias com renda mensal de até dois salários mínimos e meio destinam 30% do orçamento à alimentação, que ficou 13,5% mais cara em 12 meses e 101,65% em uma década.
- Se os alimentos são os vilões da inflação, e o pobre compromete 30% da renda com eles, com certeza a percepção da alta de preços está ali. Isso também depende da composição da família - se tem criança, idoso - e do nível de renda. Cada um percebe a inflação de forma diferente.
Casado e com dois filhos pequenos, o analista de contas Alexander Marlon Gomes usa o salário de R$ 1,1 mil para sustentar a casa e tem feito malabarismo para manter as contas em dia. Segundo ele, enquanto a sua renda aumentou 5,6% desde 2012, os gastos totais subiram nada menos que 33,3%. Uma das altas mais severas foi justamente a da comida - o gasto com as compras de supermercado subiu 60%, de R$ 250 para R$ 400 por mês.
- Tudo subiu. A caixa de ovos, que, no ano passado, custava R$ 1,85, hoje não sai por menos de R$ 4,85. Arroz, açúcar, sabão em pó, leite, tudo está mais caro - constatou Gomes.
Também foi na alimentação que a dona de casa Joseneide Nunes sentiu o maior impacto. Em um ano, o pacote de arroz passou de R$ 9 para R$ 13, e o de feijão, de R$ 3 para R$ 6, conta. A saída é pesquisar e aproveitar as promoções. Já a técnica em enfermagem Denise Ferreira disse estar há cinco anos sem reajuste salarial.
- O problema é que as empresas aproveitam uma alta para repassar aos preços e quando deveria voltar ao normal, por exemplo, com o fim de uma seca, não reduzem os valores.
Diante de altas tão expressivas, o diretor de preços do Walmart Brasil, Eduardo Britez, admite que reajustar é um desafio. Segundo ele, além de negociar com os fornecedores comprando em larga escala, a empresa corta custos por meio do uso racional de papel, impressora e energia, além de trabalhar para melhorar a eficiência dos trabalhadores e a sua própria. A rede tem um time de 400 pesquisadores monitorando o mercado para entender o comportamento dos preços na concorrência, afirma.
- Como o custo de aquisição não é muito diferente do dos outros varejistas, precisamos ter uma estratégia. Desde 2011, fizemos uma mudança grande, com negociação com fornecedores, para reduzir valores, para que o consumidor não precise ficar caçando ofertas.
Adriana Karina Muniz Ricci, diretora comercial da Lord Perfumaria, diz que, no setor de produtos e serviços de beleza, o desafio agora é driblar a alta do dólar. Tanto no salão de beleza quanto na loja, 90% dos itens são importados.
- Em agosto, os fornecedores vão importar produtos e, com base no dólar, a alta será ditada. Nosso empenho é para fazer no máximo um reajuste por ano, que pode ser para cima ou para baixo.
Fonte: O Globo