Roberto Freire, político pernambucano e nacional, com mais de 60
anos de contínua militância na esquerda, desde seus tempos de estudante, está,
desde sábado, 09.09, virtualmente fora da vida política brasileira. Foi
destituído da presidência do Cidadania, por maioria de votos dos atuais
dirigentes.
É uma situação na qual é muito difícil distinguir os assuntos específicos
do partido daqueles que dizem respeito à política de uma maneira mais ampla. Cabe concentrar-se nesses últimos e contornar
o tema da disputa interna pelo poder partidário, com suas inevitáveis
controvérsias sobre métodos e fins das partes em litígio. Esses assuntos podem
ter lá a sua importância para os membros da organização, mas estão longe de terem
o mesmo interesse público que há em saber qual a importância e o papel que o
Cidadania poderá ter na política brasileira após o desfecho desse conflito. Se
o Cidadania nunca teve mais que um papel coadjuvante, foi sempre uma coadjuvância
muito respeitável. Torcemos para que, após o desfecho da crise partidária, essa
respeitabilidade política mantenha-se, de alguma forma.
Freire foi, por décadas, membro atuante e destacado do Congresso
Nacional, como deputado federal e senador, ministro de estado e longevo
dirigente de um partido que integrou durante toda a vida, como militante e voz
parlamentar, inicialmente de modo clandestino (no tempo da ditadura, abrigado
na frente democrática que foi o antigo MDB), depois como seu mais notório
representante popular eleito.
PCB (o antigo “partidão”) foi a sigla originária dessa histórica
organização, bem anterior à trajetória pessoal do político em questão. PPS e Cidadania,
os nomes que ela passou a adotar, sequencialmente, no bojo de mudanças de
paradigma, programa e atitude política, as quais já ocorreram sob sua
liderança. Essa porta, pela qual agora Freire está provavelmente saindo da cena
política, não é o assunto aqui. Tendo deixado esse/aquele partido há quase
vinte anos e ali estando, ainda, amigos a quem estimo e respeito, não me sinto
apto a analisar os meandros daquela organização para entender o desfecho do
último sábado. Cabe, porém, lamentar que tenha ocorrido e a razão do lamento é
a falta que esse valoroso quadro fará, se de fato se afastar da vida política
brasileira, tão carente de quadros assim.
Roberto Freire é, certamente, o dirigente político que melhor simboliza o encontro dos antigos comunistas brasileiros com o tema da democracia política. Encontro ocorrido ao longo de um caminho tortuoso em que frustrações superaram conquistas. Muita coisa já se escreveu sobre isso. Duas das mais persuasivas análises, reportando a contextos históricos diversos (“A esquerda positiva: as duas almas do Partido Comunista - 1920/1964”, de Gildo Marçal Brandão[1] e “Questão nacional e democracia: o ocidente incompleto do PCB”, de Luiz Werneck Vianna[2]) mostraram nitidamente esse dilema, jamais plenamente resolvido, entre as inspirações ligadas ao bolchevismo e à social-democracia reformista. As políticas “interna” e “externa” não conversavam bem e não poucas vezes o dilema levava a um pântano. Ainda assim, graças ao seu predominante foco na política e na sociedade real, no diálogo positivo com o que havia fora e distinto de si, o PCB afirmou-se como contraponto, simpático à democracia política liberal, numa esquerda atraída por concepções e experiências avessas a ela. O PCB pedia urnas e não fuzis; saudava Allende, não Fidel.