Não tenho vontade de entrar
nesse bate-boca que rola por aí em torno do julgamento do mensalão. O tema está
sendo mal discutido e equivocadamente instrumentalizado. Em vez de levar ao
debate público democrático, está empurrando os participantes para o inferno da
grosseria e da discussão adjetiva. Sempre que resvalo no assunto, provoco
reações passionais de alguns amigos, com quem não quero brigar mas com quem não
consigo discutir serenamente.
Dá tédio e tristeza ver
petistas e tucanos digladiando para ver quem é o mais puro e o mais bandido.
Ambos sacam argumentos ridículos para se atacarem reciprocamente, manipulando a
bel-prazer um episódio da vida nacional que deveria causar constrangimento e
reflexão, não comemorações ou chororô.
Impossível saber quem se
comporta pior ou de modo mais medíocre. Se os que posam de vestais ou se os que
alegam estar presenciando um “golpe” contra “o mais progressista de todos os
governos nacionais”. Se os que choram de emoção perante a figura impoluta do
ministro Joaquim, ou se os que se lanham em praça pública dizendo que Dirceu
foi condenado sem provas porque é um “guerreiro do povo brasileiro”.
Para não me furtar de dar
minha opinião e me posicionar, elaborei o roteiro abaixo, que socializo na
esperança de que tenha alguma utilidade e contribua para requalificar o debate
político atual, que me parece rebaixado demais.
1. O mensalão existiu, foi
exaustivamente comprovado tanto por fatos como sobretudo pela lógica dos fatos.
O “núcleo político” que acabou de ser condenado dele participou ativamente,
pois era isso que se esperava que fizessem, como coordenadores políticos do
governo Lula. A chave mestra desse núcleo foi uma estratégia política
inteligente, dedicada a tirar o PT do isolamento e a lhe dar condições de
governabilidade. Acertaram na estratégia, mas pisaram na bola nos
procedimentos. Foram gramscianos na intenção, mas toscos e antirrepublicanos na
conduta.
Foi um mau passo, uma ida
com sede excessiva ao pote. Fizeram o que acharam que precisava ser feito e o
que determinaram que fizessem. Não podem ser criticados ou condenados por terem
agido assim, pois eram homens de partido, militantes revolucionários,
leninistas, cumpridores de diretrizes. Mas deviam ter escolhido melhor os
parceiros, usado procedimentos mais inteligentes e adequados às leis do país.
Poderiam, por exemplo, ter se limitado a fazer trocas de cargos e apoios
eleitorais. Seria corrupção também, mas bem mais palatável na democracia
representativa. Deixaram que o dinheiro — esse deus da maldição e da cobiça —
entrasse em cena, burramente, e perderam o controle da coisa.
Cansei de ouvir histórias de
militantes revolucionários que caíram em esparrelas desse tipo. Nem por isso
seus partidos sangraram em praça pública.
2. É um truísmo dizer que
democracia exige negociação. Essa é uma das bases operacionais da esquerda
democrática. Negociar e persuadir, compor alianças que permitam avançar ou deem
apoio a iniciativas reformadoras, tudo isso tem muito mais valor e eficácia do
que pressões e imposições a qualquer custo. Também é verdade que negociar não
exclui pressionar e certamente não implica ceder tudo àqueles com quem se
negocia. É preciso ter um norte e uma boa cultura política para se negociar.
3. Em 2005, o PT estava
começando a adquirir cultura de negociação. Era noviço nessa prática. Ganhara
protagonismo e musculatura seguindo outra via, a da “democracia dos
movimentos”, na qual não se podia “transigir jamais” nem “ceder jamais aos
liberais e conservadores”. Ainda estava contaminado por alguns vícios alojados
em seu DNA, em sua cultura política, faltavam-lhe sagacidade e paciência. Não
tinha Gramsci nas veias. Deixou-se cair bobamente numa arapuca.
O núcleo politico que
dirigia o partido não soube distinguir as fronteiras entre negociação e
negociata, que podem ser tênues e pouco transparentes mas existem e precisam
ser respeitadas. Negociações políticas não podem envolver dinheiro, repasses de
milhões e empréstimos fraudulentos, seja por que motivo for e com quem for. É
falso dizer que às vezes isso é necessário, que não devemos ser moralistas e
precisamos ser “realistas” para vencer as mazelas do “presidencialismo de
coalizão”. Somente se põe dinheiro na mesa (somente se faz uma negociata no
âmbito de uma negociação) sob duas condições: ou quando se é fraco e venal
demais, ou quando se tem arrogância em excesso e se pensa que a impunidade
estará garantida. O PT era forte em 2005, mas seu núcleo político foi
arrogante.
4. O PT não é igual ao
mensalão. É absurdo, antidemocrático e falso reduzir o partido a isso. Nem como
argumento de luta eleitoral isso deveria ser feito. O PT carregará pela história
a grande contribuição que seus governos deram à melhoria da distribuição de
renda, à elevação de milhões de brasileiros à condição de cidadãos. Negar-lhe
isso é desconsiderar a história. E mentir.
Tratar o PT em conjunto como
uma “organização criminosa” é pior ainda. Muitos tucanos fazem isso, agindo
como se eles próprios não tivessem outros tantos problemas nas costas. O PSDB
teve seu momento de glória durante os anos FHC e não soube aproveitá-lo para
deixar uma marca social no pais. Também fez pequena política e má política,
“instrumentalizou” o governo de São Paulo e não deu outro padrão à gestão
urbana na metrópole paulistana, quando teve a oportunidade de fazer isso. Os
tucanos têm telhado de vidro e poucos méritos para “descontruir” o PT.
5. O modo petista de atacar
o PSDB e Serra é igualmente primitivo, falso e antidemocrático. Dizem que os
tucanos são “contra os pobres” e seguem preceitos “higienistas”, que estão
associados a verdadeiros “criminosos” nas privatizações, que praticam políticas
sistematicamente violentas em São Paulo, que mentem e iludem a população,
mobilizando para isso argumentos retrógrados e obscurantistas.
Menosprezam o papel que os
governos tucanos tiveram na estabilização monetária e na racionalização
administrativa. Tratam o PSDB em bloco, empurrando-o gratuitamente para a
direita. E fazem tudo isso passando batido pelo populismo personalista de Lula,
por seu sistemático deboche das instituições, incluindo o próprio partido.
Estigmatizam o PSDB como reacionário e direitista ao mesmo tempo em que se
aliam a Maluf, a Sarney, a Renan Calheiros. Façam o que falo, mas não o que
faço: os petistas têm defeitos demais para “desconstruir” o PSDB.
6. O trágico desse tipo de
ataques recíprocos é que, com base nele, deixa-se de lado a discussão que
realmente importa: a discussão sobre as políticas que foram praticadas por
ambos os partidos, sobre os projetos de sociedade que carregam consigo, sobre
os interesses sociais que efetivamente representam, sobre seu legado para o
país. O maniqueismo grosseiro privilegia as árvores, não enxerga a floresta.
Não consegue raciocinar em termos de ciclos, mas somente de resultados tópicos,
localizados. Impede que se compreenda que governos são governos, acertam e
erram, fazem coisas boas e más. Governos podem e devem ser comparados, mas isso
só faz sentido se os critérios forem razoáveis. A análise política das
situações políticas não pode frutificar à base de disputas eleitorais, de
torcidas passionais ou ideológicas.
7. Dizer, como diz a maioria
dos petistas, que Dirceu e Genoino foram acusados sem provas é algo que
maltrata a inteligência alheia. A linha seguida pelos juízes foi clara: nem
tudo precisa de “prova material” para ser considerado crime, abordagem
consagrada nas práticas forenses. Em crimes de lesa-pátria ou que são cometidos
nas entranhas do Estado, os indícios, as confissões e os depoimentos falam bem
alto.
Dado o enraizamento da
corrupção (e do caixa 2, que também é corrupção, ainda que o vejam como
“imposição do sistema eleitoral”) na vida institucional e na história política
do pais, a criação de uma jurisprudência a respeito poderá ser decisiva para
que se desestimulem novas tentativas de mensalão, ou de compra de apoio
político, seja com que moeda for.
8. O mensalão não foi o
primeiro na história nacional. Ele seguiu um padrão praticamente instituído
entre nós. É bobagem ficarem falando que se tratou do “maior escândalo” da vida
republicana. É bobagem idêntica ficar brigando pra saber qual mensalão foi
pior, o de Brasília ou o de Minas. Todos os atos semelhantes devem ter o mesmo
tratamento, e o Supremo indicou claramente que é assim que fará. O fato do “DNA
do mensalão” não ser petista, porém, não exime o PT de culpa no cartório nem
muito menos inocenta seus coordenadores. A relativização, aqui, é o pior
argumento.
9. A mesma militância que
chora a integridade de Dirceu e Genoino despreza Delubio Soares, sacrificado
sem dó, sem pena, sem deferência. Foi tratado como cachorro morto. Prestou-se
ele ao sacrifício, como o bom soldado que morre para salvar o comandante, o
exercito ou a pátria. Deveria receber mais elogios que apupos. Mas por acaso
não ficou evidente que o desprezo e a falta de solidariedade para com ele
escondem uma tentativa de preservar os ocupantes de posições mais elevadas?
Nesse caso, tentou-se dar os anéis para preservar os dedos.
10. O chororô petista é
ridículo, mas faz parte do jogo. Derramarão lágrimas de crocodilo ao menos
enquanto durar a campanha eleitoral, especialmente em São Paulo. Acham que
assim tirarão o PT das cordas. Mas o PT não foi nocauteado! Nem grogue ficou.
Alguns de seus integrantes perderam as pernas, o partido não. Ir além disso é
agitação gratuita. Indica que a direção do partido está em crise de identidade
e autoestima, o que surpreende quando se confronta isso com a força que o
petismo exibe no país. Hoje, exceção feita a São Paulo, o Brasil é um vasto
território controlado pela coalizão política pilotada pelo PT.
11. O PSDB mostra
extraordinária limitação política ao oferecer palco para a autoimolação pública
que o PT e muitos torcedores petistas estão a ensaiar. O núcleo político que
comanda a campanha tucana em SP parece cego para isso. Vai insistir no tema,
bater a torto e a direito. Pouco se importará em fazer o sangue correr pelas
frestas da República, porque acredita que o eleitorado quer precisamente
sangue. Provavelmente perderá a eleição por causa disso (ainda é cedo para
falar, eu sei). O povo brasileiro é sensível à desgraça dos outros, não resiste
a um bom choro, a uma carta de ex-mulher, mãe ou filha. Além disso, é um povo
que não liga muito para bate-bocas entre políticos. Aprendeu a vê-los como
superfetação, exagero e jogo de cena. Foi treinado para isso por elites
políticas pouco comprometidas com o uso público da razão e o diálogo
democrático. As mesmas elites que hoje, na pele de petistas e tucanos,
protagonizam uma baixaria sem comparação.
12. PT e PSDB assemelham-se
a irmãos siameses que caminham abraçados para a morte. Historicamente, são
carne da mesma carne. Nasceram em solo paulista, paridos pela mesma elite
política e ao embalo da democratização e do desenvolvimento capitalista do
pais. Deram expressão política às classes médias urbanas, aos operários
revigorados pela industrialização selvagem, ao sindicalismo que queria se
libertar da camisa de força do autoritarismo. Ambos quiseram ser uma
alternativa à esquerda comunista tradicional, que combateram como “stalinista”.
Agregaram múltiplos pedaços da esquerda, de trotskistas a católicos radicais,
de socialistas a liberais éticos exacerbados. Foram duas vertentes que se
alimentaram do mesmo momento histórico. Poderiam ter se reunido e dado ao país
a social-democracia que nunca conseguimos ter, e que aqui talvez viesse a agir
revolucionariamente. Não tiveram capacidade para fazer isso, foram mesquinhos e
egoístas, optaram por maximizar suas diferenças, que foram ainda mais
potencializadas pelas disputas por poder em que se meteram.
Agora, ao final do ciclo,
extenuados pelos embates insanos que protagonizaram, entregam-se sem pudor às
forças do atraso e da regressão política. Converteram-se no pior pesadelo de
suas glórias e tradições. Suas línguas envelheceram, ficaram despidas de
nobreza, viço e vigor, estão inflamadas pelo prazer sádico do insulto. Não
falam mais nada de aproveitável para a sociedade. PT e PSDB estão obcecados por
poder e mais poder, o que somente cessará com a morte (valha-me Hobbes...).
Ficaram viciados em olhar para o Estado, perderam contato com a sociedade
civil. Com isso, pularam fora do campo da esquerda democrática, que para eles,
na melhor da hipóteses, tornou-se um território nominal, a ser ocupado somente
em termos protocolares e autorreferidos.
13. O chororô petista fica
ainda mais ridículo e patético quando combinado com teoria da conspiração. Dizer
que os conservadores, as elites, a direita, a mídia golpista agem para
“destruir o PT” em nome da luta de classes e de um golpe contra “o mais
progressista de todos os governos” chega a ser risível, caso não fosse
sustentado por gente graúda, jornalistas, cidadãos maduros e bem informados,
professores, lideranças comunitárias e cientistas sociais. Ou é cegueira brutal
diante da vida, ou é pura e simples manipulação. Isso porque nunca houve antes
na história desse pais um arranjo governamental mais amado pelos interesses
economicamente dominantes. Por qual motivo esses interesses conspirariam contra
aqueles que lhes garantem sossego, lucros, casa e comida? Mas, dirão alguns, e
quanto às “elites”, às “classes médias conservadoras” e, claro, à mídia, que simplesmente
têm “ódio do PT”? A argumentação circular desafia a lógica e os fatos.
14. É uma tristeza ver gente
que se diz de esquerda, moderna e democrática usar esse tipo de estratagema.
Ele abusa da ideia de que se estão contra mim é porque querem o meu fim. Não
aceita que se faça oposição ou se divirja de um governo porque, afinal, esse
governo “mudou a face do país” e por isso deve ser devidamente canonizado, ou
seja, não pode ser criticado. Se o criticam é porque querem o seu mal e o seu
fim. Haveria sempre um golpe em marcha em toda critica, especialmente quando
ela é vocalizada pela imprensa. Jornalistas, sobretudo os da grande mídia, não
erram e não têm uma cultura profissional típica: simplesmente estão “a serviço
dos interesses dominantes” e por isso sempre estão a tramar um “golpe” contra o
povo. O único jeito de combatê-los é mediante a “regulação da mídia”,
postulação sempre feita mas jamais suficientemente esclarecida.
Estratagema simplista,
maniqueísmo em excesso, tratamento grosseiro da dialética da luta de classes.
Adjetivações inócuas.
15. Os tucanos e muitos
antipetistas dão gás para essas sandices ao falarem do mensalão em termos
moralistas, não políticos. Comportam-se como santos e justiceiros, sempre
vigilantes contra a maldade dos outros. Jamais olham para o próprio umbigo,
jamais analisam o quadro político, cultural e institucional em seu conjunto. Se
fossem tudo o que dizem e acham ser, deveriam agir de outro modo, conclamar a
população a virar a página, assumir sua própria culpa como partido (o tal
mensalão mineiro), tomar providências para blindar as instituições contra
quaisquer tentativas de instrumentalização.
Só não se saem pior porque
os petistas, por sua vez, agem com incompetência ainda maior: berram a plenos
pulmões que a condenação do “núcleo político” foi “hipócrita” porque não se
baseou em provas e porque visou atingir o partido, não certas pessoas. É
burrice demais: em vez de entregarem os anéis, entregam dedos, mãos, braços,
pernas, cabeça e coração, expondo o conjunto do partido à execração pública.
16. Certo esteve Lula em
2005 quando se separou dos “companheiros aloprados” e disse: “Eu me sinto
traído por práticas inaceitáveis sobre as quais eu não tinha qualquer
conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer que nós temos de pedir
desculpas. O PT tem de pedir desculpas. O governo, onde errou, precisa pedir
desculpas”. Foi cínico, individualista e cruel, mas foi realista e
maquiaveliano. Ganhou as eleições de 2006 com essa atitude. Tivesse o PT
aproveitado aquele momento para fazer a devida autocrítica, se reformular e se
ajustar, estariam todos muito melhor hoje.
Hoje, Lula está na linha de
frente do gestual que pede revanche e revide, que é, para mim, o caminho mais
curto para a destruição do rico patrimônio petista. Depois tem gente que acha
que não existe um “lulismo” superposto ao petismo.
17. Os ministros do Supremo
foram majoritariamente designados por Lula e Dilma. Talvez a raiva petista
contra as decisões seja um misto de decepção e surpresa. Juízes “traidores do
povo brasileiro”, marionetes nas mãos da opinião pública manipulada pela mídia
golpista: as palavras cortam como lâmina afiada, mas não fazem jus ao que se
falava do STF antes do julgamento começar, quando se acreditava que tudo
terminaria em pizza.
Levantar suspeitas quanto à
isenção de uma Corte cujos membros foram na maioria indicados pelos próprios
presidentes petistas, dizendo que ela se comporta como se fosse teleguiada pela
mídia e “condena sem provas”, é uma atitude pouco inteligente, porque não tem
base lógica nem racionalidade política. É desconhecer a natureza das
instituições e a natureza dos homens investidos do poder de julgar, que
seguramente não costumam arriscar sua honra e seu prestigio para se curvar a
uma pressão política.
18. Toda a operação
desenvolvida pelo STF teve grande valor pedagógico. A cidadania deveria ser
incentivada — por todos, mas sobretudo pela esquerda democrática, que é a que
mais tem interesse na pedagogia democrática — a aprender com o julgamento, e
não a vê-lo como uma “farsa”.
É um equívoco (ou argumento
dedicado somente à agitação) dizer que o Judiciário usurpou o lugar da
política. Ele não está “criminalizando” nem a política nem os partidos nem os
movimentos sociais, como se ouve falar por aí. Está somente julgando atos
denunciados como ilícitos penais pelo Ministério Público que, salvo melhor
juízo, é uma instituição republicana, saudada e respeitada por todos os
democratas. Seguem preceitos hermenêuticos consagrados, baseiam-se em alguma
jurisprudência, têm pouquíssimo espaço para advogar em causa própria. O STF não
é um salvador da pátria, mas é incoerente e antidemocrático vê-lo como joguete
nas mãos da “mídia neoliberal” ou da “direita conservadora”.
19. José Dirceu tem muitos
motivos para estar decepcionado, para se sentir injustiçado e perseguido.
Jamais imaginou que a história poderia terminar assim. Mas não mostra muita
sensibilidade política ao jurar que irá à luta para revidar o golpe que sofreu
graças ao “estado de exceção” instalado pelo STF. Menos mal que ele tenha
enfatizado o combate eleitoral como primeiro round do revide. Mas deveria ter
mais compostura cívica, retirar-se para a vida privada, deixar a poeira baixar
e fazer uma reflexão circunstanciada sobre tudo o que ocorreu. O pior que pode
fazer agora é sair por aí agitando a galera.
20. O PT atira no próprio pé
e perde estatura como partido ao se recusar a aceitar que errou. Sairia
engrandecido do episódio se assumisse a culpa pelo que ocorreu de errado,
pedisse desculpas e tocasse a vida com a velha vibração de antes. Posar de
coitadinho é horrível para um partido que se pretende revolucionário. Rouba
energia da militância, gera desconfiança no cidadão, mostra tibieza e
fragilidade perante adversários e aliados. Deslegitimar as instituições do
Estado num momento em que o partido ocupa o centro do processo político
nacional e detém muitos recursos de poder é atitude tosca demais. Empurra o PT
de volta a um gueto de que ele próprio se esforçou tenazmente para sair.
21. Gostem ou não gostem
deles, o fato é que PT e PSDB são o que de melhor temos por aqui. Conseguirão
se reerguer, lamber suas feridas, se autocriticar e levar a sério a crise em
que se encontram? Se o fizerem, renascerão das cinzas e fortalecerão a
democracia brasileira. Têm massa critica para fazer isso. Terão coragem para
fazê-lo? É o que teremos de descobrir no próximo ciclo, que se abrirá assim que
se fecharem as urnas do segundo turno.
Marco Aurélio Nogueira é professor titular
de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações
Internacionais da Unesp.
Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.