quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Opinião do dia - Hannah Arendt (Pluralidade Humana)

"A pluralidade humana, condição básica da ação e do discurso, tem o duplo aspecto da igualdade e diferença. Se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus antepassados, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender. Com simples sinais e sons poderiam comunicar as suas necessidades imediatas e idênticas.

Ser diferente não equivale a ser outro - ou seja, não equivale a possuir essa curiosa qualidade de «alteridade», comum a tudo o que existe e que, para a filosofia medieval, é uma das quatro características básicas e universais que transcendem todas as qualidades particulares. A alteridade é, sem dúvida, um aspecto importante da pluralidade; é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem a distinguir de outra.

Na sua forma mais abstrata, a alteridade está apenas presente na mera multiplicação de objetos inorgânicos, ao passo que toda a vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se; só ele é capaz de se comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa - como sede, fome, afeto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidades e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade dos seres singulares."

Hannah Arendt, in 'A Condição Humana'

Merval Pereira - Ainda as interpretações

- O Globo

O ideal seria que se definisse um tempo máximo para a tramitação dos processos, para evitar a sensação de impunidade

O relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, defensor da prisão a partir da condenação em segunda instância, deu ontem o tom do que será o combate à corrupção a partir da provável decisão hoje do plenário de alterar a jurisprudência vigente, exigindo o trânsito em julgado para o inicio do cumprimento da pena.

Para ele, a mudança de posição não será prejudicial, pois sempre é possível decretar-se a prisão preventiva de um réu que ofereça risco à sociedade ou ao processo. Essa solução seria mais uma manobra jurídica para superar obstáculos colocados no caminho da Operação Lava Jato.

Seria uma atitude similar à que os procuradores utilizaram quando o Supremo proibiu a condução coercitiva de suspeitos. Passaram então a usar a prisão temporária, de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. O Supremo também reagiu a isso, alegando que os procuradores estavam usando uma “condução coercitiva” disfarçada.

O ministro Gilmar Mendes atuou também para que o STF acabasse com o que chamou de "farra das prisões preventivas". Há muito tempo ele dizia que o Supremo tinha um encontro marcado com “as prisões alongadas” sem justificativa. Comparava o uso da prisão preventiva, que não tem limite de tempo, às torturas para que os presos confessassem seus crimes, e no caso da Lava Jato, fizessem a delação premiada.

Tudo indica que voltaremos a esse debate, e agora com o apoio público do ministro-relator da Lava Jato no STF. O mentor da mudança do entendimento do Supremo com relação à prisão em segunda instancia foi o ministro hoje aposentado Eros Grau, que defende que a Constituição, no artigo 5º, no inciso LXI, trata da prisão preventiva quando determina: “ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Ascânio Seleme - Guedes 2022

- O Globo

Nenhuma dúvida, o mercado já tem o seu candidato para a sucessão de Bolsonaro em 2022. Você pode dizer que é muito cedo para falar em eleição presidencial. Seria, se as circunstâncias fossem outras. Mas, diante das trapalhadas sem fim da turma encarregada, não se fala em outra coisa. O pacote de Paulo Guedes, apesar de ter alguns problemas, credencia o seu criador a postular mais adiante o principal cargo do país. As medidas apresentadas na terça-feira aliadas à reforma da Previdência transformam o ministro da Economia na persona que se buscava
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Guedes, que assumiu o papel de missionário do liberalismo, sabe muito bem o que está fazendo, aonde quer chegar, e em quanto tempo. Ele trabalha com metas, e vem atingindo todas nos primeiros dez meses de governo. Muito certamente o pacote será modificado e abrandado pelo Congresso, mas o ministro já pavimentou bem sua relação com as principais lideranças do Congresso, sobretudo com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.

Até parece que foi Guedes, e não Bolsonaro, que exerceu sete mandatos consecutivos na Câmara. Já se viu na tramitação da reforma da Previdência que Bolsonaro atrapalhou mais do que ajudou na sua aprovação. Enquanto isso, Guedes foi a cada uma das comissões que o convocaram nas duas casas para esmiuçar e defender sua proposta. Com Rodrigo Maia, rodou fóruns e redações de jornais, participou de seminários, foi questionado em sabatinas num verdadeiro da reforma previdenciária. A história vai atribuir a Guedes e a Rodrigo o mérito pela sua aprovação.

Bernardo Mello Franco - Um Portugal de miseráveis

- O Globo

O número de brasileiros na extrema pobreza cresceu 50% em quatro anos. Apesar da crise, o país reduziu a cobertura e o valor real do Bolsa Família

O IBGE informa: aumentou o número de brasileiros na extrema pobreza. Em 2018, o país passou a ter 13,5 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de R$ 145 por mês. É um contingente maior do que a população inteira de países como Portugal, Grécia e Bolívia.

Desde 2014, houve um salto de 50% no número de miseráveis. Isso significa que 4,5 milhões de brasileiros foram empurrados para a base da pirâmide social. É a face mais perversa da crise, que reduziu os empregos e a renda de quem ainda tem trabalho.

A omissão do poder público também contribuiu para o aumento da extrema pobreza. A parcela de lares atendidos pelo Bolsa Família, que era de 15,9% em 2012, caiu para 13,7% no ano passado. O valor real dos benefícios diminuiu, com congelamentos e reajustes abaixo da inflação.

O economista Marcelo Neri, da FGV Social, diz que o arrocho agravou as dificuldades de quem luta pela sobrevivência. “O país resolveu economizar às custas dos mais pobres. Só que isso não gerou uma economia expressiva e ainda aumentou a miséria”, explica.

Luis Fernando Verissimo - Promiscuidade

- O Estado de S. Paulo | O Globo

A ideia era fazer um churrasco, mas com aqueles vizinhos, os espetos seriam fatalmente transformados em espadas

No mesmo condomínio da Barra, no Rio, onde mora o presidente da República, quando não está em Brasília, mora um filho do presidente, mora um dos suspeitos de ter matado a Marielle (preso, no momento), mora o dono até agora não identificado da casa onde encontraram todas aquelas armas, moram os três porquinhos pobres e o lobo mau, que compreensivelmente não se falam quando se cruzam na área social do condomínio, moram Cinderela e suas irmãs invejosas, que também não podem se enxergar, e uma lista de condôminos inimagináveis que só agora começa a ser conhecida. A lista é enorme e cheia de surpresas.

No estranho condomínio, Batman e o Coringa são quase vizinhos. Quem se espanta com a presença do suposto assassino da Marielle morando tão perto de um presidente da República vai se espantar ainda mais com a revelação de que as armas – sobre as quais nunca mais se ouviu falar – tinham chegado para a milícia da zona, via Sedex, e recebidas pelo porteiro do condomínio. Mais tarde o porteiro diria que vira o tamanho dos pacotes e as pontas de ferro aparecendo e concluíra que eram patinetes.

Míriam Leitão - Leilão fraco eleva dúvidas do pacote

- O Globo

Frustração do leilão reduz o dinheiro para o pacto federativo, mas há outras dúvidas nas reformas, como a presença do STF no Conselho Fiscal

O conjunto de reformas econômicas enviadas ao Congresso na terça-feira começa agora sua longa tramitação, mas há pelo menos um ponto estranho: a presença do STF no Conselho Fiscal da República. Será que o Judiciário deve estar presente em avaliações de políticas que ele terá que julgar? Ontem, no segundo dia intenso na área econômica, houve um banho de água fria no leilão do pré-sal. O valor arrecadado foi menor do que o esperado, só a Petrobras comprou. Foi uma verdadeira reestatização. E isso tem tudo a ver com o acordo político em torno das PECs enviadas na terça.

Na economia e na questão institucional, há sinais a serem considerados. Ontem, o mercado deu um aviso. O leilão foi bem mais fraco do que o esperado. Isso significa menos recursos para irrigar a federação, e era com isso que o governo contava para ter a boa vontade na aprovação de algumas medidas mais ásperas. Claro que R$ 70 bilhões é um valor alto, mas R$ 34,6 bilhões terão que ser pagos à Petrobras. E ficou uma dissonância no discurso liberal, porque a grande compradora foi a Petrobras, com uma pequena participação de duas estatais chinesas.

Segundo especialistas no mercado de petróleo, a união do tempo político e do tempo econômico foi ruim. Ao usar esse dinheiro como parte da negociação com o Congresso, houve um prazo curto para se negociar as regras de um leilão complexo. As áreas eram já conhecidas, mas ainda há incertezas, como, por exemplo, sobre como o comprador acertaria contas com a Petrobras. Como foi a estatal brasileira que arrematou não entraram os dólares que se esperava. Além disso, a Petrobras terá que gastar muito para desenvolver os campos, principalmente Búzios, e isso vai atrapalhar o processo de redução de dívida da empresa.

Luiz Carlos Azedo - Falta articulação

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo corre o risco de ser atropelado pelos líderes da Câmara, que pretendem aprovar a admissibilidade da PEC 423/18, que também altera a regra de ouro dos gastos públicos”

As primeiras reações ao pacote de reformas encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso entre os parlamentares do Senado e da Câmara foram mais cautelosas do que esperava o ministro da Economia, Paulo Guedes. A iniciativa é elogiada nos seus objetivos, mas sofre restrições à amplitude e pela forma como foi apresentada, principalmente na Câmara, para onde deveria ter sido encaminhada pelo governo se fosse seguido o rito legislativo tradicional.

São três propostas básicas: PEC do Pacto Federativo, que dá mais recursos e autonomia financeira para estados e municípios; PEC Emergencial, que cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e municípios; e a PEC dos Fundos Públicos, que extingue a maior parte dos 281 fundos públicos e permite o uso de recursos para pagamento da dívida pública.

Mesmo no Senado, algumas propostas são consideradas polêmicas. O texto cria gatilhos que já estavam previstos na regra de ouro dos gastos públicos. Na proposta de Guedes, porém, a mudança da regra de ouro pode engessar completamente os orçamentos da União, dos estados e dos municípios, impedindo investimentos e promovendo cortes nos gastos sociais, enquanto houver deficit fiscal, o que, para a oposição, pode provocar uma tragédia social.

Na Câmara, a reação das principais lideranças foi muito negativa quanto à forma como a proposta foi apresentada, apesar das declarações favoráveis à iniciativa. Bolsonaro entregou as propostas ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como sugestão. Transformada em projetos pelo líder do governo, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), e outros senadores, isso foi interpretado pelos líderes da Câmara como uma tentativa de anular o natural protagonismo do presidente Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na aprovação das reformas pelo Congresso, ou seja, o Palácio do Planalto perdeu a colaboração do principal articulador da reforma da Previdência nos debates iniciais dos novos projetos de Guedes.

Ricardo Noblat - Um general de maus bofes

- Blog do Noblat | Veja

À direita de Bolsonaro
Se o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, pode chamar a ex-presidente Dilma de terrorista porque ela fez parte de uma organização armada que enfrentou a ditadura de militar de 64, ele, o general, poderia ser chamado de torturador só porque oficiais do Exército, à sua época, torturaram presos políticos.

Em 1972, por 3 votos contra 2, Dilma foi condenada a um ano de prisão pela Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar de Juiz de Fora, acusada de crimes contra a segurança nacional. Antes disso ficara presa por três anos e fora torturada. À ditadura de 64, a Comissão Nacional da Verdade atribuiu a morte e o desaparecimento de 434 pessoas.

Em bate-boca, ontem, em uma comissão da Câmara, com a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), o general Heleno irritou-se por ela ter-lhe perguntado por que não criticara a declaração de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) favorável à edição de um “novo Ato Institucional nº 5”, que fechou o Congresso em 1968 e tirou a máscara da ditadura de 64.

Heleno recusou-se a criticar Eduardo. E cobrado pela deputada, retrucou asperamente: “A senhora vai me torturar pra eu falar?” Em seguida, explicou que para ele o golpe de 64 foi uma espécie de contrarrevolução para evitar que o Brasil se tornasse tão comunista quanto era Cuba. “Há duas visões da História do Brasil”, observou.

Pode haver até mais. Mas fato é tudo aquilo que aconteceu e que pode ser provado. E o que aconteceu foi que os militares, em março de 1964, a pretexto de abortar um golpe comunista, puseram os tanques nas ruas, rasgaram a Constituição, depuseram um presidente eleito, e ficaram no poder durante 21 anos. É fato. Saíram quando a ditadura fez água.

Não é uma questão de lado, de visões contrárias da História, de pontos de vista. É simplesmente a verdade. Relativizar a verdade como fez o general ou dizer que cada um tem a sua. pode até animar uma discussão, mas não passa de argumento chinfrim para enganar os tolos ou os mal informados.

Porteiro sob pressão para que recue

Pacote de Guedes sem proteção a mais pobres provoca resistência até em liberais do Congresso

Pacote de Guedes sem proteção a mais pobres provoca resistência até em liberais do Congresso Parlamentares ainda digerem conjunto de mudanças ambiciosas para reduzir gasto público e avaliam o que tem chance de virar realidade. Extinção de municípios, por exemplo, dificilmente será aprovada

Afonso Benites | El País

BRASÍLIA - Parte do Congresso Nacional tem demonstrado boa vontade com relação ao pacote econômico enviado pelo Governo Jair Bolsonaro ao Legislativo nesta semana. Mas há resistências até entre os apoiadores das três propostas de emendas constitucionais entregues na terça-feira pela equipe de Paulo Guedes. A principal crítica é a de que faltou povo nas propostas, ou seja, faltaram ações sociais que visem diretamente a população pobre e extremamente pobre —esta última faixa atingiu 13,5 milhões neste ano. Uma das avaliações feitas à reportagem é que a lógica do plano do ministro da Economia, Paulo Guedes, segue sendo a dos anos de ditadura militar, no qual acreditava-se que bastava melhorar os índices econômicos para gerar mais empregos e retirar a população da pobreza.

“Não podemos esperar uma hipotética melhoria na economia para reduzirmos a desigualdade”, 
afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos congressistas que elogiou a maior parte do pacote. E completou: “A tese de esperar o bolo crescer para, depois dividir, não funcionou no passado e não funcionará agora”

Um item que foi pouco notado entre os parlamentares é o que desvincula o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo. Esse benefício é regido pelo artigo 58 da Constituição. É pago para idosos ou portadores de necessidades especiais cuja renda familiar seja de um quarto de salário mínimo per capta. Sua revogação, que já foi tentada pelo Governo Bolsonaro sem sucesso na reforma da Previdência, agora está prevista no artigo 8º, inciso VII da PEC do Pacto Federativo. Ou seja, se aprovada a PEC, o BPC poderá ser inferior a um salário mínimo.

Entre os congressistas, também há os que criticam a medida que pretende reduzir em um quinto o número de municípios brasileiros, os que reclamam da fusão dos gastos mínimos obrigatórios da saúde com a educação, da inclusão dos gastos com os inativos nessa contabilidade (ainda que o Governo tenha prometido recuar deste item), e os que se queixam da proteção de categorias consideradas a cúpula do funcionalismo público nos casos de crises econômicas. Uma das PECs, a Emergencial, prevê o congelamento da ascensão funcional de todos os servidores, excetuando-se os magistrados, membros do Ministério Público, diplomatas, militares e policiais.

“De maneira geral, as medidas são positivas porque elas dão flexibilidade ao gestor. Mas incluir os gastos com inativos no mínimo de saúde e educação é uma excrescência”, avaliou o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES). Uma análise preliminar elaborada por técnicos de um gabinete compartilhado entre Vieira, Rigoni e a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), mostra que, apesar de considerarem o atual pacote positivo, ainda falta um pedaço da proposta econômica.

Na avaliação desses técnicos, para entender onde o Governo Bolsonaro quer chegar, ainda é preciso aguardar o envio das reformas administrativa e tributária, do projeto de geração de empregos e da nova lei das privatizações. Dizem, por exemplo, que todas essas medidas estão conectadas porque envolvem geração de receitas ou diminuição de despesas. Juntos, eles elaboram, com a bênção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), uma série de projetos de lei com o objetivo de amenizar a dureza das medidas liberais e que leva em conta cinco eixos: a garantia de renda dos mais vulneráveis, a inclusão produtiva, atualizar a rede de proteção ao trabalhador, melhorar o acesso ao saneamento básico e à água e a criação de uma lei de responsabilidade social.

Maria Cristina Fernandes - Drible do pacote fiscal tropeça no leilão

- Valor Econômico

Oitenta anos da campanha “O petróleo é nosso”, fracasso em atrair estrangeiros para leilão provocou lamento de que o petróleo também não seja deles

Durou menos de 24 horas o fôlego alcançado pelo governo com o pacote fiscal. A ausência dos estrangeiros do leilão do pré-sal ofuscou a estratégia montada pelo governo para marcar uma virada no jogo.
Não era uma estratégia de todo amadora. Ainda que a ambição do pacote seja incompatível com a capacidade de articulação de um presidente que nem partido tem, esta desproporção parecia rimar com o conjunto da obra. Do congelamento do salário-mínimo à redução dos repasses ao BNDES, passando pelo gatilho que bloqueia o gasto com funcionalismo, o pacote, com tudo junto e misturado, não inviabiliza apenas a articulação do governo como a de uma reação em bloco ao seu conjunto.

Ainda que derrubem pontos como aquele que ameaça os grotões insustentáveis, os parlamentares podem acabar presenteando Bolsonaro com o discurso de que a tentativa de fazer a coisa certa esbarra na resistência de políticos que se alimentam da máquina estatal.

Ao privilegiar o Senado como porta de entrada do pacote, o governo também busca esvaziar o balão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A preferência foi dada ao senador Davi Alcolumbre, cujos planos regionais em 2022 não ofuscam as ambições presidenciais. A passagem fugidia de Maia pela cerimônia de entrega do projeto por Bolsonaro foi registrada pelo entorno do presidente da República como o recibo passado com firma reconhecida pelo deputado. Por mais que a pauta da Câmara seja mantida, é natural que as atenções se voltem para o Senado, Casa que primeiro se debruçará sobre o pacote, um conjunto de medidas que, no essencial, não colidem com a agenda de Maia.

Ribamar Oliveira - Governo muda teto para acionar gatilhos

- Valor Econômico

Medida corrige erro cometido pela equipe de Michel Temer

A proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um novo modelo fiscal para o Brasil, enviada pelo governo na terça-feira ao Congresso, altera o chamado teto de gastos da União. O texto da PEC prevê que, se a despesa obrigatória de um determinado Poder ou órgão ultrapassar 95% da despesa primária total, as duras medidas de ajuste previstas na emenda constitucional 95, de 2016, terão que ser acionadas.

Com essa alteração, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende corrigir um erro cometido pela equipe econômica do ex-presidente Michel Temer, quando foi elaborado o mecanismo do teto de gastos. Pelas regras do teto que foram aprovadas em dezembro de 2016, somente se o limite individual de gasto for descumprido o Poder ou órgão terá que adotar as medidas de ajuste.

Descobriu-se, no início deste ano, que o gatilho que aciona as medidas jamais será disparado, pois o Poder ou órgão pode ir reduzindo progressivamente suas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina) para acomodar o aumento das despesas obrigatórias. Poderá reduzir esses gastos até zero, ou seja, até eliminar o espaço para os investimentos e o custeio, o que resultaria na paralisação da atividade do Poder ou do órgão. Ou seja, haveria o que os economistas chamam de “shutdown”.

Maria Hermínia Tavares de Almeida* - Tiro no pé

- Folha de S. Paulo

O Partido Militar Brasileiro (PMB) poderá se juntar em breve às 32 legendas aptas a disputar eleições. A iniciativa é do deputado em segundo mandato Capitão Augusto. Além de liderar a "bancada da bala", o seu único disparo bem-sucedido foi a aprovação de proposta que inclui o rodeio no patrimônio cultural do país.

O anunciado advento do PMB passaria em branco não fosse o fato de ser uma das siglas cogitadas para abrigar Bolsonaro, seu clã de zeros à esquerda e seus seguidores mais fiéis em busca de uma legenda para chamar de sua. Mas o nome Partido Militar é um tiro no pé, ao evocar um passado que se imaginava superado, não obstante certa nostalgia do autoritarismo que ajudou a eleger Bolsonaro.

A participação das instituições militares na política brasileira é antiga. Elas estiveram presentes na inauguração da República, na Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, no autogolpe de 1937, em que se fez ditador, e no movimento que o depôs, em 1945.

Entre 1946 e 1964, desempenharam papel de árbitro e moderador do conflito político. Intervieram na crise que culminou com o suicídio de Vargas, asseguraram a posse de Juscelino Kubistchek e voltaram à cena para restringir os poderes do vice João Goulart quando da renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Finalmente, o destituíram de vez.

Fernando Schüler* - As reformas são do país, não do governo

- Folha de S. Paulo

Virou moda chamar de liberais coisas sobre a racionalidade do setor público

Alguém acha razoável a proliferação de municípios ocorrida após a Constituição de 1988? Aumentamos em 35% o número de prefeituras, sendo 53% em cidades com menos de 5.000 habitantes. Em regra, sem a mínima sustentabilidade fiscal. A arrecadação própria, que poderia ir para o investimento, mal paga a máquina política local. Faz sentido isso? Revisar essas coisas é fruto da cabeça de algum monstrinho liberal?

Alguém acha razoável que os estados ponham a mão nos depósitos judiciais, fruto de ações entre particulares, para tapar suas contas no vermelho? Ou acha ruim que incentivos fiscais sejam revisados, de tempos em tempos, e que se estipule um teto para as desonerações, no plano da União?

O que há de especialmente liberal nisso? Virou moda, no Brasil, chamar de liberais (por vezes com o “ultra” na frente) coisas que simplesmente dizem respeito ao rigor fiscal e à racionalidade do setor público. Não deixa de ser um elogio ao liberalismo, mas no fundo é um truque: joga para a conversa ideológica temas que são, de fato, uma defesa do setor público e de sua capacidade de funcionar.

Acho curioso quem enche a boca para defender nosso atual modelo de Estado. Modelo que nos levou a um investimento pífio, dívida batendo a 80% do PIB, déficit crônico, 94% do Orçamento engessado e oferecendo, para 85% de nossos estudantes, um dos piores sistemas de educação do mundo, segundo o Pisa, da OCDE. Alguns usam a imaginação, dissociando o modelo de suas consequências. Tento escapar disso.

Roberto Dias - O país dos sem-noção

- Folha de S. Paulo

Sobra corporativismo para que a Lei Orgânica da Magistratura deixe de ser letra morta

O caso da promotora bolsonarista do Rio é ótimo exemplo da falta de discernimento de quem desempenha função pública por aqui.

Uma das investigadoras incumbidas de descobrir quem matou Marielle fez campanha pelo então candidato do PSL.

Com isso, estabeleceu não só um conflito de interesses, dado que o caso literalmente cerca a primeira família, como promoveu clara desobediência à Lei Orgânica, que proíbe promotores de fazerem atividade político-partidária.

A promotora tomou a iniciativa de se afastar do caso. Mas o sistema de autocontrole do Ministério Público não funcionou, e o comando ainda passou a mão na cabeça dela.

O episódio é especialmente interessante. Embute sinal ideológico trocado em relação ao comportamento visível mais frequente no funcionalismo —o problema desconhece fronteira partidária, pois.

Bruno Boghossian - O custo da euforia

- Folha de S. Paulo

Com menos verba do pré-sal, agenda do ministro pode ter dificuldade no Congresso

Paulo Guedes insistiu por meses para que o Congresso aprovasse uma reforma da Previdência que representasse uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos. O ministro chegou a dizer, mais de uma vez, que poderia deixar o governo se os parlamentares transformassem sua proposta numa "reforminha".

No fim das contas, deputados e senadores entregaram um novo sistema que vai poupar R$ 800 bilhões em uma década. Barraram a redução de benefícios sociais e derrubaram a criação do regime de capitalização --menina dos olhos de Guedes.

A aprovação da reforma foi praticamente um milagre para um governo com capacidade de articulação quase nula. O resultado, porém, mostrou que ambições exageradas costumam pagar um preço político.

A frustração do leilão de áreas do pré-sal também terá um custo. A equipe econômica projetou uma arrecadação que permitiria distribuir para estados e municípios um total de R$ 21,5 bilhões. A ideia era adoçar a boca de governantes e parlamentares para amenizar o amargor de uma agenda de aperto fiscal.

Vinicius Torres Freire - Pacotão fiscal do governo tem contradições e deixa dúvidas

- Folha de S. Paulo

Emendas constitucionais têm textos com versões diferentes para os mesmos artigos

Parte das emendas constitucionais do pacotão do governo não conversa entre si ou se contradiz. O texto de pelo menos três artigos, o 37, o 167 e o 167-B, é diferente na emenda dita “emergencial” e na do “pacto federativo”. Além do provável equívoco na redação legal, a diferença cria problemas objetivos.

As dúvidas não param por aí, mas convém começar do mais intrigante. Por exemplo, o proposto novo artigo da Constituição sobre as medidas de emergência de corte de despesas em estados e municípios, o 167-B.

Caso a despesa ultrapasse 95% da receita, em 12 meses, governadores e prefeitos poderão adotar as mesmas medidas de arrocho do governo federal (suspensão de reajustes, contratações e promoções de servidores, reajustes de benefícios, cortes de salários etc.).

“Poderão”, se diz lá. O ajuste emergencial não parece, pois, obrigatório. Mas, caso governadores e prefeitos não façam os cortes de emergência, não terão direito a garantias da União (a operações de crédito, supõe-se), diz-se numa versão do parágrafo 2º do inciso 3 do artigo 167. No entanto, na outra PEC, que contém o mesmo artigo, esse parágrafo não existe, com esse teor.

Qual das versões vale? Faz diferença, pois um governador ou prefeito sujeito a perder garantias da União estaria mais propenso a fazer o arrocho, é razoável especular. O problema não para por aí, porém. O inciso 13 do artigo 167 diz que “são vedadas” ... “a concessão de garantias, pela União, a operações de crédito de Estados, Distrito Federal e Municípios”. Haverá garantias da União para estados e municípios ou não?

William Waack - Bolsonaro e a Fortuna

- O Estado de S.Paulo

As dificuldades para aprovar o pacotaço são imensas, mas continua aberta a janela

Demorou mas o que importa agora é que o governo Bolsonaro colocou diante do País a mais ambiciosa proposta de reforma do Estado das últimas décadas. A de Fernando Henrique ficou pela metade,– e Lula foi desistindo à medida em que a bonança do super ciclo das commodities o convenceu de que não precisaria fazer muita coisa. Vai dar certo com Jair Bolsonaro?

As dificuldades políticas são monumentais. Começando pelas mais óbvias e imediatas, a dissolução do PSL é apenas um exemplo das consequências negativas para os planos do governo quando o Executivo renuncia a construir uma base ampla e bem coordenada no Legislativo. O governo vai sentir falta dessa plataforma e corre perigo de cair na ilusão de que a aprovação da reforma da Previdência se repita nos mesmos termos, isto é, na base do “deixa que vai”.

O adversário escolhido para um ataque frontal é o mais poderoso: o funcionalismo público e suas corporações, extraordinariamente bem sucedidas em se defender. Na verdade, sequestraram para si o Estado. Vai vir chumbo grosso. As dificuldades políticas de articulação em sentido amplo também assustam. Basta como exemplo o emaranhado que se conhece das discussões sobre a reforma tributária, que ficou para depois, e o problemão que é fazer convergir todos os entes da federação.

Eugênio Bucci* - ‘Economia criativa’ ou o mito da cultura lucrativa

- O Estado de S.Paulo

Avizinha-se a política cultural dos incultos, representada pela destruição dos brucutus

O primeiro anúncio de que a produção de bens culturais se havia transformado numa indústria ordinária, banal, comum veio na forma de notícia ruim. Mais que ruim, agourenta. A expressão “indústria cultural”, formulada nos anos 40 do século passado por dois filósofos da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, deixou todo mundo mal na foto. A dupla acusou os “capitães” da indústria cultural de substituírem o artista criador pelo “trabalho fungível” de anônimos, numa linha de montagem que endeusava o gosto do consumidor (que era gosto nenhum) e explorava a diversão das massas como um “prolongamento do trabalho”.

O negócio do entretenimento, então na sua adolescência, foi retratado como um engenho para alienar gente e assegurar o domínio do capital sobre as macacas de auditório. Ato reflexo, como recompensa pela má notícia que deram, Adorno e Horkheimer levaram a fama perpétua de pessimistas rabugentos. Mesmo assim, como a filosofia dos dois era boa, a influência ficou. Não dá pensar a cultura sem pagar pedágio a eles.

O segundo anúncio de que a produção de bens culturais se tinha transformado numa indústria veio na forma de euforia deslumbrada. Com excitação e ganância, a “economia criativa” foi proclamada, transformando em virtude e geração de riqueza o que a Escola de Frankfurt via como vício e manipulação.

Vera Magalhães - Leilão não tão mega

- O Estado de S. Paulo

Foi um balde de água fria na expectativa do governo o fato de só dois dos quatro campos ofertados no megaleilão do excedente da cessão onerosa terem recebido ofertas, e mesmo assim graças a uma presença maciça da Petrobras — como antecipamos no nosso relatório Fique de Olho desta semana.

O governo contava com os R$ 106,5 bilhões do bônus de assinatura das quatro áreas, o que faz com que os R$ 70 bilhões obtidos soem modestos. A Petrobras com seu grande endividamento terá de fazer altos investimentos para extrair petróleo em Búzios, a maior área licitada. Para isso, terá de aprofundar seu plano de desinvestimento em outras áreas.

Megaleilão do pré-sal arrecada menos do que o esperado

Equipe BR Político / O Estado de S. Paulo

O leilão das quatro áreas de exploração do pré-sal da Bacia de Santos – Búzios, Itapu, Atapu e Sépia – arrecadou R$ 36,5 bilhões a menos do que o previsto e a arrecadação foi puxada, principalmente, pelas ofertas da Petrobrás. A expectativa inicial era de que o leilão arrecadasse R$ 106,5 bilhões, mas o montante final foi de apenas R$ 69,96 bi. Com o saldo final abaixo do esperado, as ações da Petrobrás registraram queda de cerca de 0,35% nesta quarta-feira, 6.

O BRP já havia adiantado que a Petrobrás deveria dominar o leilão, e a estatal levou dois dos quatro campos. Atapu e Sépia não receberam ofertas. Já o de Búzios, o mais bem avaliado, foi arrematado pela estatal brasileira em parceria com empresas chinesas. O campo de Itapu só recebeu ofertas da Petrobrás, que também arrematou a área.

Como informa o Estadão, o leilão era uma boa forma de medir o interesse de empresas estrangeiras de investir a longo prazo no Brasil. O resultado aquém do esperado representa uma frustração da expectativa do governo de atrair parceiros estratégicos e do potencial de entrada de moeda estrangeira no País.

Zeina Latif* - Navegar é preciso

- O Estado de S.Paulo

Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever as políticas públicas

Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever as políticas públicas. Atribuindo ou não o rótulo de agenda liberal, o fato é que o debate econômico avança. Velhos temas que preocupam há anos ou décadas, inclusive com tentativas fracassadas de avanço, emergem no debate público, com a liderança de Paulo Guedes.

Foram enviadas ao Congresso propostas de emenda à Constituição (PEC) que visam a melhorar a gestão das contas públicas no longo prazo e produzir alguma economia de recursos no curto prazo. São muitos temas polêmicos divididos em três PECs. Essa estratégia parece arriscada, pois poderá produzir um congestionamento de pautas no Congresso e ataques prematuros, sendo que cada PEC terá de seguir seu rito. Não se sabe a ordem de prioridades do governo, mas provavelmente as medidas emergenciais de curto prazo serão priorizadas.

São várias frentes de discussão, e algumas se destacam.

Pretende-se dividir com Estados e municípios a receita de exploração do pré-sal (na casa de R$ 400 bilhões em 15 anos), mas com mudanças na relação do Tesouro com esses entes, com medidas como: proibir empréstimos do Tesouro e limitar as garantias a empréstimos de terceiros a partir de 2026; encerrar a (longa) disputa judicial sobre a Lei Kandir, que representa expressivo risco fiscal ao Tesouro; eliminar a linha de crédito para pagamento de precatórios; e proibir o uso de fundos de pensão e depósitos judiciais entre partes privadas (expedientes utilizados para Estados fecharem as contas).

O que a mídia pense – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Leilão foi bom para a Petrobras e frustrante para o governo – Editorial | Valor Econômico

Para um governo que precisa muito de dinheiro a curto prazo, o leilão foi ruim

O maior leilão de petróleo do Brasil terminou de forma decepcionante: com a vitória da Petrobras, a ausência de concorrentes e de ágio, além de dois campos sem ofertas. A licitação dos excedentes da cessão onerosa em quatro campos do pré-sal, pelo regime de partilha, teve participação de 90% da estatal brasileira, com pequena participação, de 5% cada, das chinesas CNOOC e CNODC, no campo de Búzios. A Petrobras venceu sozinha o a disputa por Itapu, sem ágio sobre o percentual de óleo oferecido. A arrecadação do bônus de assinatura esperado, de R$ 106,5 bilhões, reduziu-se a R$ 69,96 bilhões, dos quais R$ 34 bilhões serão pagos à Petrobras pelo acordo que pôs fim à cessão onerosa, após anos de litígios.

Das 14 petroleiras inscritas, entre elas as maiores do mundo, 7 compareceram e só três fizeram os lances vencedores. BP e Total indicaram dias antes que ficariam fora da disputa. Entre os possíveis erros que jogaram os campos no colo da Petrobras, um é certo: houve avaliação exagerada do interesse das petroleiras, o que se refletiu em parte nos valores dos bônus de assinaturas e na calibragem dos ágios. Algumas petroleiras haviam indicado insatisfação com os desembolsos necessários, considerados altos demais na fase inicial dos projetos.

Poesia | O Medo (Carlos Drummond de Andrade)

Música | Villa-Lobos - Bachianas Brasileiras Nº 2 - IV. Tocata (O trenzinho do caipira) . Minczuk