Para
o economista, que está lançando o livro 'O Anel de Giges', elite brasileira
ainda acredita poder transgredir leis impunemente
Luciana
Dyniewicz | O Estado de S. Paulo
Ética
é o tema central do último livro do economista Eduardo Giannetti, O Anel de Giges. Nele, o autor
conta como diferentes correntes de pensamento abordam as respostas do homem
para a certeza de impunidade. A obra é uma reflexão sobre “elementos universais
da psicologia moral dos seres humanos”. “Embora esse livro não fale de Brasil,
ele parte de uma experiência de um cidadão brasileiro, que percebe como a ética
é talvez o fulcro maior das nossas dificuldades”, diz o economista.
Giannetti
não trata de brasileiros nem de nenhuma sociedade específica, mas, quando
questionado sobre os padrões éticos locais e atuais, afirma que o País está no
século 18. “O Brasil vive o Antigo Regime, aquele mundo pré-revolução francesa,
em que uma classe de pessoas ricas, poderosas e famosas se sente acima dos
demais e acredita que pode, impunemente, transgredir normas e leis que regem a
vida em sociedade.”
O
economista diz também que acreditava que esse cenário poderia mudar com a Lava
Jato, mas que o País acabou retrocedendo nos últimos anos. “(A Lava Jato) não
teve sequência, não mudou as práticas políticas. Não construímos um regime que
torne muito mais onerosa e custosa uma prática corrupta.”
Em Anel de Giges, o autor parte da
fábula de Giges - relatada no livro República,
de Platão -, em que um camponês encontra um anel que lhe dá o poder da
invisibilidade. Sem censuras sociais e podendo violar a lei sem ser punido,
Giges seduz a rainha, mata o rei e se apossa do trono. Giannetti questiona o
que cada um de nós faria no lugar de Giges. Seríamos o “Giges-sem-lei”? Isto é,
um Giges que age como “a fera da ambição desmedida”. Ou o “Giges-cristão”? Ou
seja, um Giges que se abstém de usar o anel por ser livre de tentações.
Giannetti, novamente, trata do homem de forma universal, mas, nesta entrevista
ao Estadão,
admite que o brasileiro pode ser um “Giges-sem-lei afetuoso”, mais passional e
menos calculista.
No
livro, o sr. afirma que ética e virtude não são mais frágeis que desonestidade
e má-fé. Isso é válido para todas as sociedades independentemente dos períodos?
Às vezes é difícil acreditar nisso quando vivemos momentos trágicos como o
atual e vemos pessoas e governantes tirando vantagem sem nem mesmo precisar de
um anel de Giges.
Esse
livro não é referido a um contexto histórico. A palavra Brasil sequer ocorre no
livro inteiro. Estou tentando pensar elementos universais da psicologia moral
dos seres humanos. Aquela corrente do Giges-sem-lei, que começa com o Gláucon
(irmão mais velho de Platão, que conta a história de Giges), em República, passa na filosofia
moderna, entre outros, por Hobbes e Rousseau e reaparece na obra do Freud, toma
a parte pelo todo. Ela se foca muito nos elementos antissociais da psicologia
humana: agressividade, sexualidade abusiva, desejo de tirar proveito sem
nenhuma preocupação com o outro. Ela não leva em conta que o ser humano tem um
princípio de sociabilidade muito profundo. Nós buscamos construir vínculos
densos de afetividade com pessoas que importam para nós. Isso foi completamente
subestimado. O Giges-sem-lei que trata os outros de forma puramente
instrumental e calculista termina solitário. Criando um deserto à sua volta.
Ele está permanentemente em uma postura de manipulador. Procuro mostrar que
essa concepção de felicidade é limitada. Ela não dá conta dos anseios
constitutivos do ser humano. Adam Smith e David Hume colocam um contraponto.
Hume fala de uma pessoa que tem todos os poderes do universo, mas que, enquanto
não tiver uma pessoa com quem possa compartilhar isso de maneira sincera e
espontânea, é o mais miserável dos homens. Adam Smith diz que o maior charlatão
tem algum princípio na sua constituição psicológica que o leva a ter algum grau
de empatia com os demais. (O homem) não é totalmente isolado dos sentimentos
morais da comunidade.