sábado, 30 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Macron usa clima para justificar protecionismo

Folha de S. Paulo

Presidente francês ataca acordo entre Mercosul e UE, sob pressão do setor rural de seu país, que teme competição externa

Muito amigável na visita de três dias ao Brasil, o presidente da FrançaEmmanuel Macron, foi também claro a respeito de um tema essencial da agenda econômica. Rechaçou sem meias palavras os termos do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, defendendo novas negociações a começar do zero.

Para o mandatário francês, o acordo negociado há mais de 20 anos ficou antiquado e seria péssimo para as duas partes, pois olharia para o passado e não levaria em conta a biodiversidade e o clima.

Macron disse que a França não poderá abrir seu mercado agrícola a produtores externos que não estejam sujeitos às mesmas exigências ambientais. Não se disfarça o protecionismo, posição tradicional francesa que sempre foi o maior obstáculo nas negociações.

Embora as tratativas não sejam bilaterais e ocorram entre os dois blocos, a oposição de membros dificulta ou inviabiliza uma conclusão.

O momento político também não é propício na Europa. Vários países enfrentam protestos maciços de agricultores contra a agenda climática, que obriga o setor a reduzir emissões de carbono e aumenta os custos da produção local já pouco competitiva.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Sessenta anos de um golpe de estado triunfante: maneiras de lembrar

Um artigo irretocável, de tão lúcido, vibrante e cirúrgico, da jornalista Vera Magalhães, em sua coluna desta sexta-feira em O Globo ("Silêncio sobre o 31/3 expõe feridas do 8/1" - O Globo, 29.03.2024), por pouco não me fez dispensar o texto que já havia alinhavado para a coluna de amanhã. Tudo de mais imediatamente relevante sobre a presente discussão a respeito de lembrar ou não os 60 anos do golpe de 1964 está ali dito. Em vez de reiterar, bastaria compartilhar esse artigo, vero e valioso. 

Num segundo momento repensei e resolvi o oposto. Em vez de buscar outro tema e desistir do texto já iniciado, resolvi prosseguir e antecipar, para esta sexta santa, o que seria publicado no sábado de Aleluia. Creio que posso mencionar outros aspectos que desdobram o tema ou sugerir, quem sabe, algum aprofundamento. Como link, a partir do texto de Vera, basta um sim a seus pontos e argumentos.

Pablo Ortellado - Ditadura nunca mais!

O Globo

Não é aceitável contemporizar quando o assunto é democracia

Amanhã, 31 de março, lembramos o aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964. O presidente Lula, temendo reação negativa dos militares, determinou que a data não fosse mencionada pelo Executivo. Em contrapartida, os militares se comprometeram a também não citá-la na “ordem do dia” nos quartéis, numa espécie de acordo tácito entre Forças Armadas e governo civil.

Em entrevista para a RedeTV!, Lula enfatizou que o episódio “faz parte do passado” e que é preciso “tocar o país pra frente”. Repetiu o argumento de que a maioria dos oficiais militares era criança ou não tinha nascido em 1964. Além disso, lembrou que, atualmente, devido aos inquéritos do 8 de Janeiro, “em nenhum momento da História os militares foram punidos como estão sendo punidos agora”.

Seja pelo conhecido caráter pragmático e conciliador do presidente, seja porque calcula que não é sensato esticar a corda com os militares, passaremos o aniversário de 60 anos do golpe militar sob um vergonhoso pacto de esquecimento.

Marco Aurélio Nogueira* - Novas e novíssimas inteligências

O Estado de S. Paulo

Não se trata de condenar ou absolver a inteligência artificial, mas de compreender que os seus efeitos serão mais benéficos quanto mais educados forem os seus usuários

Não é de hoje que a inteligência artificial (IA) está na agenda. A cada avanço da tecnologia, maiores são suas repercussões nas várias dimensões do agir humano. As formas de IA reverberam em nossas casas, nas escolas, nas empresas, na cultura, na medicina, no sistema financeiro, no modo como namoramos, trabalhamos e, por óbvio, no modo como pensamos e fazemos política.

O surgimento do ChatGPT, em 2022, e logo depois, em intervalos sempre mais curtos, do DALL-E-2, do Baird e do Gemini 1.5, estabeleceu uma forma mais avançada da IA generativa, capacitada para simular a inteligência humana, dialogar com os usuários, escrever, codificar e produzir vídeos. Foi um salto na revolução digital, com desdobramentos imprevisíveis. Há quem pense que a IA adquirirá capacidade humana gradualmente, sem rupturas, e quem afirme que na próxima década ela passará por cima de tudo. Hoje, a questão é saber quando isso acontecerá e com quais resultados.

Fareed Zakaria* - É preciso cuidado ao confrontar o trumpismo

O Estado de S. Paulo

O problema é como falar para um terço dos EUA que ainda acredita que a eleição de 2020 foi fraudada

A contratação e demissão de Ronna McDaniel como analista política da NBC News pode parecer apenas uma pequena tempestade midiática, mas nos obriga a reconhecer uma questão muito mais ampla desta campanha: como lidar com Donald Trump e seus apoiadores.

Recapitulando: Ronna era presidente do Comitê Nacional Republicano, em novembro de 2020, e tentou pressionar autoridades republicanas locais a não certificar os resultados da eleição. Ela também negou que a vitória de Joe Biden tenha sido justa.

Tudo isso é terrível. Já ouvimos tanta coisa a esse respeito que, às vezes, ficamos insensíveis para a sua importância. Por isso, permitam-me lembrar: Trump foi o primeiro presidente na história americana a tentar impedir a transferência pacífica do poder. Ele incitou uma multidão para intimidar seu próprio vice-presidente e os legisladores republicanos.

Eduardo Affonso - A gente faz um país

O Globo

Cultura era para ser programa de Estado, não de governo. Porque é o que nos dá identidade

O artista já foi definido como “a antena da raça”. Seu papel não seria apenas reelaborar o passado (e manter viva a tradição) ou traduzir o presente (e ser o intérprete do seu tempo), mas, principalmente, captar o que está por vir. E inventar esse futuro, seguindo sua intuição.

Por isso incomoda tanto — e é tão perseguido e censurado. Por isso interessa tanto — e é tão sujeito a ser cooptado.

O artista incomoda o burocrata — aquele que cultiva o “lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor”, de que fala Manuel Bandeira. Incomoda o reacionário — o “burguês funesto”, refém das “adiposidades cerebrais”, alvo do ódio de Mário de Andrade. Incomoda a ponto de não faltar gente (como no governo anterior) que, quando ouve falar em cultura, não saca o Pix, mas o revólver.

Carlos Alberto Sardenberg - Mal corrigindo

O Globo

Ministra da Saúde foi atirada numa missão que exigia outros atributos além de ser uma técnica de respeito

A ministra Nísia Trindade não está apenas submetida a uma lenta fritura. É pior. Foi jogada numa fogueira alimentada por inimigos, os suspeitos de sempre e pretensos companheiros. Uma maldade sem tamanho contra uma pessoa do bem, atirada numa missão que exigia outros atributos além de ser uma técnica de respeito.

O orçamento do Ministério da Saúde para este ano é de R$ 218 bilhões, o segundo maior da Esplanada e quase R$ 50 bi acima das despesas de 2023. As funções são certamente as mais difíceis do governo.

Na parte técnica, digamos, vão desde distribuir remédios de graça em farmácias até planejar e investir em pesquisas de alta complexidade; comprar e aplicar vacinas; prevenir desastres anunciados, como a epidemia de dengue; selecionar e adquirir medicamentos; administrar hospitais complexos; levar medicamentos e tratar dos ianomâmis; manter os programas de tratamento de aids; financiar e apoiar ações de prefeituras e governos estaduais.

Marcus Pestana* - Primeiros resultados sob o novo arcabouço fiscal

A Secretaria do Tesouro Nacional e a Secretaria do Orçamento Federal publicaram, no último dia 22 de março, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, relativo ao 1º. Bimestre de 2024.

Como sabemos o equilíbrio das finanças públicas é essencial. A desorganização do orçamento público gera não só aumento da inflação, dos juros e da dívida, como inibe o desenvolvimento e abala a credibilidade da política econômica. A dívida pública brasileira é relativamente alta para um país emergente, devendo a DBGG (Dívida Bruta do Governo Geral) chegar, segundo as projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), a 77,66% do PIB em final de 2024, chegando a 80,19% em 2025. Quanto maior a dívida, maior o prêmio (taxa de juros) exigido pelo investidores que compram títulos do governo e menores são os prazos concedidos. 

Demétrio Magnoli - A Rússia de cada um

Folha de S. Paulo

País não é um monólito sempre igual a si mesmo

Visitei a Rússia em 2017. Num centro comercial de São Petersburgo, à procura de uma informação, indaguei de uma jovem, cabelo pintado de azul, se ela falava inglês. "Sim, claro. Todo mundo nessa cidade fala inglês e francês". Na Rússia, quase todos só entendem o russo –mas a nação moderna da garota e seu círculo cosmopolita de amigos é tão real quanto a "Rússia eterna" que a envolve. Pondé equivoca-se ao enxergar a Rússia como um monólito adornado pela face de Putin (shorturl.at/yM237).

Seu argumento central apoia-se na recusa histórica da Rússia em tornar-se um país europeu. De fato, porém, ao longo de séculos, a elite russa oscilou entre tal recusa e um desejo intenso de ser Europa. São Petersburgo nasceu da pulsão europeísta, assim como a densa teia de uniões dinásticas entre os governantes russos e seu pares europeus.

Rodrigo Zeidan* - Precisamos de uma reforma do Judiciário e da polícia

Folha de S. Paulo         

Pôr mais 'criminosos' na cadeia não vai resolver nada, a não ser gerar mais demanda por venda de sentenças

Os dois problemas principais do Brasil são a segurança pública e a desigualdade de renda. No caso da segurança pública, fomos enganados.

O debate público tem vendido a ideia, há décadas, de que a solução para a segurança pública passa por questões práticas: estatuto do desarmamento, policiamento ostensivo, invasão de comunidades e outras soluções que envolvem, normalmente, violência contra os mais pobres. O caso Marielle Franco descortinou a nossa triste realidade: o problema começa no Estado. Portanto, a solução também tem que começar lá.

Dora Kramer - Veto a cerimônias não apaga fatos do golpe em abril de 1964

Folha de S. Paulo

Ruptura institucional efetivada e prolongada por 21 anos tem teor de gravidade bem maior que a recente tentativa frustrada de golpear as instituições

O veto a cerimônias oficiais pode até ser visto como sinal de conciliação, mas não apaga os fatos dos idos de março e o golpe em abril há 60 anos. Os militares sabem disso. Percebem que gestos não substituem a realidade.

E a verdade é que uma ruptura institucional efetivada e prolongada por 21 anos tem teor de gravidade bem maior que a recente tentativa frustrada de golpear as instituições. O tempo não as separa, antes exibe um traço de união a ser mantido no radar de todos.

Alvaro Costa e Silva - Para o clã Brazão, não existe polarização

Folha de S. Paulo

Suspeitos de matar Marielle aliaram-se tanto ao petismo quanto ao bolsonarismo

A linguagem da delinquência explica o Rio e, por extensão e contágio, o Brasil, onde a segurança pública está atrelada ao marketing político. O objetivo não é resolver o problema e sim permanecer no poder. Um poder disfuncional que destrói as já fragilizadas estruturas administrativas. A autoridade se transforma numa gigantesca milícia, com fome de dinheiro e instinto de autopreservação. O crime organizado não é mais o inimigo, torna-se oficial.

"É melhor você acertar antes o crime do que esperar um bote." A frase, segundo o relatório da PF, é do conselheiro do Tribunal de Contas Domingos Brazão ao explicar a Ronnie Lessa o esquema de acobertamento do assassinato de Marielle Franco, do qual participava o chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa. Além da proteção, ficou combinado o "embuchamento" —destruir provas, atribuir o delito a outros e encerrar com rapidez as investigações.

Vagner Gomes de Souza* - 1964 e a “bestialização” carioca

Em memória ao centenário de Lindolpho Silva

1964 marca um profundo impacto para a antiga sede da Assembleia Constituinte de 1823, 1891, 1934 e 1946. Seu esvaziamento político institucional se aprofundou sob os parâmetros da perseguição política que muito atingiram cariocas e seus residentes como a memória do chamado “Massacre de Manguinhos” nos faz lembrar[1]. O Rio de Janeiro formado como a cidade da consolidação da unidade nacional em suas linhas tortuosas e ibéricas se abriu para uma “americanização” de seu subúrbio transformado num “Novo Oeste” americano ao Sul do Equador. Na expansão da ocupação do espaço urbano desordenado sob a égide de uma modernização conservadora muito de perversão do americanismo assolou a nossa cultura carioca.

A falta de autonomia da antiga capital do Império e da República não impediu que houvesse uma vida dinâmica se fizesse perceber nas favelas no pré-1964 com a dinâmica disputa política pela organização de seus moradores entre setores da Igreja Católica e os comunistas. As principais favelas cariocas, sob nossa medida, estavam se transformando com uma semelhança a longa disputa política entre a democracia cristã e os comunistas italianos essa é nossa hipótese que justifica as intervenções urbanas das chamadas “remoções” que fizeram emergir os conjuntos habitacionais de Vila Kenedy e Cidade de Deus.

Poesia | Oropa, França e Bahia, de Ascenso Ferreira

 

Música | Marcelo D2 - Delegado Chico Palha