• ‘Não adianta contar o que sabemos”, diz procurador, que busca outros ‘Youssefs’
Em busca de 'novos Youssefs'
• Ministério Público só fará acordo com empresas que revelarem mais esquemas criminosos
Cleide Carvalho – O Globo
CURITIBA - O Ministério Público Federal (MPF) endureceu as exigências para firmar acordos de leniência com empresas e de delação premiada com pessoas físicas na Operação Lava-Jato. A principal é estabelecer que os futuros acordos permitam identificar a cobrança de propina e crimes de corrupção em novas áreas da administração pública, dando origem a outras operações como a que revelou o esquema criminoso na Petrobras.
A exigência dificulta, principalmente, a negociação com as grandes empreiteiras, que têm 11 dirigentes e executivos presos desde 14 de novembro do ano passado na sede da Polícia Federal em Curitiba. Pelo menos cinco empreiteiras tentaram negociar acordos, na tentativa de amenizar a situação de seus executivos, a maioria do primeiro escalão dessas empresas, como conselheiros, presidentes, vices e diretores.
Segundo o procurador Carlos Fernando Lima, um dos porta-vozes da força-tarefa da Lava-Jato, as tentativas de acordo recentes não prosperaram. Até agora, só as empresas de Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, do Grupo Toyo Setal (SOG Óleo e Gás e Setal), assinaram acordo de leniência.
- Não adianta contar o que já sabemos. Queremos informações que nos levem a desvendar o esquema em outros órgãos ou empresas públicas - afirmou o procurador ao GLOBO.
Lima disse que as empreiteiras precisam aceitar três condições para negociar um acordo de leniência e delação premiada de seus executivos: confirmar os fatos já apurados, ressarcir os prejuízos causados à Petrobras, na maior extensão possível, e confessar crimes de que o MPF ainda não têm conhecimento.
Embora ainda não tenha provas suficientes para embasar novas operações como a Lava-Jato, o MPF já tem a convicção de que o esquema de corrupção na Petrobras abrange outras áreas da administração pública. O ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, primeiro a assinar acordo de delação premiada, afirmou, na CPI Mista do Congresso, que o esquema de corrupção investigado na Petrobras ocorre "no país inteiro: nas rodovias, nas ferrovias, nos portos, nos aeroportos, nas hidrelétricas".
Num de seus despachos, ao citar a planilha de 750 obras de infraestrutura apreendida no escritório do doleiro Alberto Youssef, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal do Paraná, especializada em crimes financeiros e lavagem, disse que há indícios de que o esquema de corrupção é mais amplo.
"Embora a investigação deva ser aprofundada quanto a este fato, é perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras", escreveu o juiz.
O procurador afirmou que investigações de possíveis depósitos feitos a partidos políticos, fruto de desvio de dinheiro da Petrobras, podem ser centralizadas em Curitiba, já que o foro privilegiado não inclui os partidos.
Segundo Lima, as investigações da Lava-Jato permitiram identificar a ação de muitas pessoas como Youssef, que atuam especificamente na lavagem de dinheiro, e de empresas como a Sanko Sider, com atuação formal no mercado mas que acabam servindo de intermediárias no repasse de propina. Muitos envolvidos, disse ele, não são doleiros:
- Tem muita gente lavando dinheiro no Brasil - afirmou o procurador, frisando que os "novos Youssefs" estão ainda em fase inicial de investigação.
MP rejeitou acordo coletivo
Em meados do ano passado, o governo tentou fechar um acordo de leniência coletivo de grandes empreiteiras e fornecedores da Petrobras. A ideia, apresentada por representantes das construtoras, foi rechaçada pela força-tarefa do MPF. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deixou claro a parlamentares que o MPF considerava inaceitável um "cartel de leniência". Para ele, cada empresa e cada executivo responderia pelos atos praticados.
Ao apresentar as primeiras ações enviadas à Justiça Federal envolvendo os 11 executivos de empreiteiras, o procurador Deltan Dallagnol, que integra a Lava-Jato, afirmou que a força-tarefa não cessaria as investigações e não aceitaria acordos coletivos que não seguissem a lei, que prevê que cada um deve responder pelo crime que cometeu.
Também a Controladoria-Geral da União (CGU) tentou fazer acordo com o MPF para limitar as punições às empreiteiras envolvidas nas fraudes. A proposta era que elas fossem apenas multadas, em vez de consideradas inidôneas. Esta última punição impediria as empresas de prestar serviços à administração pública.
Lima afirmou que já há provas sobre o pagamento de propina pelas empresas e a atuação em cartel, juntadas aos autos dos processos em curso na Justiça Federal. Na próxima semana, o MPF deve apresentar as ações de improbidade administrativa, que podem levar a punições na esfera civil. Elas se somarão às ações penais já conhecidas, de âmbito criminal.
Nos bastidores, os advogados reclamam que a prisão dos 11 executivos por longo tempo é uma forma de pressioná-los a entregar o funcionamento do esquema em outras áreas do governo. Os executivos, porém, temem pela segurança deles e de suas famílias.
- Um delator se torna refém de suas próprias palavras pelo resto da vida - disse o advogado de uma das grandes empreiteiras envolvidas na Lava-Jato.