domingo, 31 de julho de 2016

Opinião do dia – Alberto Aggio

Luiz Sérgio Henriques publicou neste espaço artigo sobre a crise do PT e a possibilidade de uma “outra esquerda”, democrática e reformista, fundada nos valores da Constituição de 1988 e no Estado Democrático de Direito. Certamente, ela deverá também buscar uma maneira justa e progressista de combinar reformismo social e democracia política. Assim, além de perenizar a aliança com o liberalismo em defesa das liberdades, na quadra que atravessamos será preciso avaliar os termos de uma nova concertação que possa empreender uma reforma histórica do Estado brasileiro, rompendo privilégios e corporativismos, sem eliminar sua presença reguladora, solidária e em defesa da cidadania. Seria um grande desafio e um belo destino.

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Alberto Aggio é historiador, é professor titular da Unesp. ‘O pós-PT e o retorno da política’, O Estado de S. Paulo, 31/7/2016

Grupos voltam às ruas em atos contra e pró-impeachment

• Marcados para este domingo, protestos são antagônicos não apenas nas reivindicações, mas na expectativa de mobilização de manifestantes

Valmar Hupsel Filho, Pedro Venceslau e Gilberto Amendola - O Estado de S. Paulo

A cerca de um mês da votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Senado, milhares de pessoas devem voltar às ruas de centenas de cidades brasileiras neste domingo em manifestações organizadas por grupos pró e contra o impedimento definitivo da petista. Marcados para o mesmo dia, os protestos são antagônicos não só nas reivindicações, mas também na expectativa em torno da mobilização de manifestantes.

O Vem Pra Rua, principal organizador de atos pró-impeachment, sai isolado após desistência de outros grupos, como o Movimento Brasil Livre e o Nas Ruas. A expectativa do principal porta-voz do VPR, o empresário Rogério Chequer, é de um ato mais esvaziado que os anteriores, quando milhares de pessoas tomaram a Avenida Paulista e centros de outras cidades.

“Não é nosso objetivo quebrar recordes”, diz. Segundo ele, há uma menor mobilização porque há uma “transição de causas”. “As bandeiras estão mudando”, afirma. O grupo deve levar manifestantes às ruas em 201 cidades em 26 Estados brasileiros, além de 7 cidades no exterior. As principais bandeiras, além do impeachment, são o fim do foro privilegiado, a implantação do voto distrital e a renovação política.

Já a Frente Povo Sem Medo, que reivindica o retorno de Dilma à Presidência e defende a realização de novas eleições, estima ser este um dos seus mais representativos atos, confirmados em 15 capitais brasileiras e sete cidades no exterior. Em São Paulo, o ato será realizado no Largo da Batata, com possibilidade de seguir em marcha com destino a ser definido pelos manifestantes.

“Há uma mobilização mais forte que nos atos anteriores nas redes sociais. Nossa expectativa é de ser um ato relevante e seguramente maior do que eles vão fazer na Avenida Paulista”, diz o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulous, um dos organizadores da Frente Povo Sem Medo. Segundo ele, não há a intenção de seguir em direção à Paulista – para evitar confronto.

Além do “Fora Temer”, os motes são: o povo deve decidir, pano de fundo para o pedido de realização de novas eleições, a defesa dos direitos sociais e de uma reforma política. “Os atos foram marcados no mesmo dia para colocar de forma clara os dois projetos políticos que estão postos para o País”, resume.

Lurdinha e Evinha. A empresária Lurdinha Marques, de 47 anos, estará na Paulista enquanto a atriz Evinha Sampaio, de 57, irá para o Largo da Batata. Como não devem se encontrar, a reportagem pediu para que uma dissesse o que pensa da outra. “Se vai protestar contra a corrupção, porque ficou calada em relação ao Eduardo Cunha? Essas manifestações não são contra a corrupção. São contra o PT”, disse Evinha. Já Lurdinha diz que não consegue entender quem ainda defende Dilma: “Não fui eu quem colocou Temer lá. Foi a própria Dilma”.

Rio pede a Moro provas da Lava Jato

• Promotoria solicita dados para tentar avançar em 16 investigações em andamento no Estado, incluindo obras do Metrô e concessão do Maracanã

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo

RIO - O Ministério Público do Rio pediu ao juiz Sergio Moro, da Justiça Federal do Paraná, acesso a informações da Operação Lava Jato, na tentativa de avançar em 16 investigações em curso no Estado, a maior parte referente a contratos com o poder público. Os promotores pedem acesso principalmente a documentos da 23.ª e da 26.ª fases da ação, que têm como foco o esquema de propina que envolveu a empreiteira Odebrecht. Pedem também informações de delações premiadas de pessoas ligadas à construtora Andrade Gutierrez.

No pedido encaminhado à 13.ª Vara Federal de Curitiba, os promotores do Rio listam procedimentos conduzidos e os documentos da Lava Jato a que gostariam de ter acesso.

Dois pedidos de informações referem-se a apurações sobre a Linha 4 do Metrô, em que são citados o Metrô-Rio, a companhia estadual de transporte sobre trilhos – Riotrilhos – e a Concessionária Barra S. A.

Um procedimento do MP, de 2010, apura “regularidade em modificação, alteração, mudança de trajeto” e o outro, de 2014, investiga “incidentes na construção da Linha 4 (...), risco grave de acidente (...) e eventual dano ao erário decorrente de adequações do cronograma físico-financeiro”. A Linha 4 foi inaugurada no sábado passado e faz parte dos compromissos assumidos pelo Rio para a Olimpíada.

Outros dois inquéritos citados pelos promotores, de 2015 e 2016, investigam contratos de obras, prestação de serviços e manutenção do Parque Olímpico, principal palco de competições dos Jogos que começam na sexta-feira. São citados a prefeitura do Rio, o prefeito Eduardo Paes (PMDB) e as empresas Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Carvalho Hosken e Concremat. O MP apura os gastos públicos com o parque e se foram cumpridos os serviços contratados.

Há três pedidos de documentos que, segundo os promotores, podem auxiliar em duas investigações e uma ação civil pública referentes às obras de reforma e à concessão à iniciativa privada do Maracanã. Nesses dois inquéritos, o MP cita como “personagens”, entre outros, o Estado do Rio, a Delta Construções, a Andrade Gutierrez e a Odebrecht.

O MP menciona “possível irregularidade em privatização do Estádio Mário Filho” e diz que “financiadores da campanha do (ex-) governador Sérgio Cabral (PMDB) figuram entre os possíveis candidatos à concessão”. Não menciona, contudo, quem são esses financiadores. Cabral tem reiterado que não há qualquer irregularidade nas contas de suas campanhas, em 2006 e 2010, e que todas as doações foram legais, declaradas à Justiça Eleitoral.

Outra investigação, de 2013, refere-se à implementação da rede coletora de esgoto na zona oeste, investimento, segundo os promotores, de R$ 2 bilhões. O MP investiga morosidade das obras e omissão de fiscalização. São citadas a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) e a Odebrecht.

Apuração. Procurado, o MP apenas confirmou que pediu o acesso e informou que “há investigações em andamento de improbidade administrativa”.

A prefeitura respondeu que “todos seus processos de licitações de obras e contratações de serviços obedecem rigorosamente a lei”. “O município considera natural que os promotores do Rio busquem, com órgãos de outras jurisdições, informações sobre atores que estão sob investigação”, informou, em nota.

O governo do Estado não comentou o pedido nem as investigações em curso. Também não comentaram a Concessionária Rio Barra, a Delta Construções e a Odebrecht.

A Carvalho Hosken afirmou que não teria como comentar, por nunca ter sido chamada a dar qualquer explicação sobre obras do Parque Olímpico. A Andrade Gutierrez afirmou que “mantém o compromisso de colaborar com a Justiça, além disto, tem feito propostas concretas para dar mais transparência e eficiência nas relações entre setores público e privado”.

A Concremat Engenharia informou que “foi contratada em consórcio para o apoio ao gerenciamento do Parque Olímpico e desenvolveu as atividades conforme contrato vigente”. A Camargo Correa disse não ter nenhum vínculo com o Parque Olímpico.

O Metrô Rio informou que é apenas operador das linhas e não tem envolvimento nas obras. A Cedae disse que “não foi notificada oficialmente sobre investigação da Lava Jato e portanto não tem informações para se manifestar a respeito”.

O esquema de Lula no BNDES

• O ex-presidente estará no centro das investigações sobre os financiamentos concedidos pelo banco para obras no exterior. Procuradores têm indícios de que parte do dinheiro desviado foi usada para bancar entidades comandadas pelo líder petista

Mário Simas Filho, Mel Bleil Gallo – Revista IstoÉ

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará no centro das investigações da operação Lava Jato. É que, nas próximas semanas, uma equipe da força-tarefa passará a dar prioridade às apurações que envolvem financiamentos feitos pelo BNDES às empreiteiras envolvidas com o Petrolão. 

Preliminarmente serão analisados os casos que envolvem obras realizadas no exterior e que até agora têm seus contratos tratados como segredo de Estado. Depoimentos já prestados por executivos de diversas construtoras revelam que parte dos financiamentos concedidos pelo banco foi obtida mediante pagamento de propinas que seriam, na verdade, uma espécie de contrapartida ao tráfico de influência praticado pelo ex-presidente no exterior.

Na semana passada, membros da força-tarefa ouvidos por ISTOÉ afirmaram já dispor de indícios suficientes para acreditarem que no BNDES havia um esquema a serviço de Lula e que, além de ajudar a bancar campanhas petistas, o dinheiro desviado teria sido utilizado para financiar o instituto comandado pelo ex-presidente, por meio de palestras. Antes de colherem novos depoimentos de empresários e executivos já comprometidos com delações premiadas, a Lava Jato pretende recorrer ao Judiciário para ter acesso aos contratos e transações realizadas entre o BNDES e as empreiteiras. 

O Ministério Público já dispõe de uma série de depoimentos e documentos a respeito do faturamento do Instituto Lula e da LILS Palestras e Eventos. Entre as empresas que negociaram com o petista e têm suas relações com o BNDES no alvo das investigações estão a Odebrecht, a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez, a Queiroz Galvão e a OAS. Somadas, elas repassaram quase R$ 30 milhões às duas entidades ligadas a Lula, entre 2011 e 2014.

Os delatores e as propinas
Em Curitiba, onde se concentra o comando da Lava Jato, a frente de investigação que coloca o ex-presidente no alvo da força-tarefa ganhou corpo após executivos de pelo menos três empresas terem denunciado o aparelhamento do banco para arrecadar recursos de campanha do PT. A mais recente acusação partiu do dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, que no mês passado prestou novas declarações em delação premiada. Ele disse que participou de uma reunião com Luciano Coutinho, ex-presidente do banco, às vésperas da eleição de 2014. No encontro, ocorrido no escritório do BNDES, os executivos discutiram o projeto de ampliação do Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP). Líder do consórcio, a UTC recebeu um empréstimo de R$ 1,5 bilhão, aprovado em dezembro de 2013. Ao final da reunião, Coutinho teria orientado a empresa a procurar o tesoureiro da campanha à reeleição de Dilma Rousseff, Edinho Silva (PT-SP), para acertar o repasse de doações da UTC à candidata petista. A suspeita dos investigadores é de que Coutinho condicionava financiamentos do BNDES ao compromisso de doações eleitorais por parte dos empresários no caso de obras realizadas no Brasil. Mas, nas obras feitas no exterior, a propina seria transferida naquilo que os agentes da Lava Jato classificam de o “Esquema de Lula”. “Há evidente relação entre as empresas favorecidas pelo BNDES e os repasses de recursos ao Instituto Lula”, disse um dos procuradores da Lava Jato, na quarta-feira 27. “Vamos agora também apurar o superfaturamento em obras no exterior e esses pagamentos de palestras.”

Em maio, durante negociação para delação premiada, o empreiteiro Marcelo Odebrecht descreveu a membros do Ministério Público os detalhes sobre um esquema de propinas envolvendo 1% dos valores de todos os financiamentos feitos pelo BNDES para obras fora do Brasil. Segundo Odebrecht, Coutinho e o ex-ministro Guido Mantega eram os responsáveis por obter o compromisso por parte dos empresários. Na ocasião, Odebrecht afirmou que o dinheiro seria destinado ao PT, sem entrar em maiores detalhes. Nas próximas semanas, diretores e funcionários da empreiteira serão chamados para novos depoimentos e serão questionados exatamente sobre o destino dessa dinheirama. A Odebrechet foi a empresa que mais recebeu financiamentos do banco para atuar em obras no exterior. 

A versão da propina sobre os contratos com o BNDES fora do Brasil é confirmada pelo executivo da Andrade Gutierrez, Flávio Gomes Machado Filho, delator da Lava Jato. Em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, ele afirmou que a empreiteira pagou a dita propina sobre obras na Venezuela financiadas pelo banco. Segundo Machado Filho, a contrapartida das doações teria sido exigida pelo então presidente do PT, Ricardo Berzoini, e realizadas de forma oficial para as campanhas petistas. “As contratações de palestras feitas pelo ex-presidente Lula também são pagas de forma regular. Isso não significa que a origem do dinheiro seja irregular”, afirma um dos procuradores da Lava Jato.

Operações de R$ 1,56 trilhão
Coutinho é reconhecido por ter sido o presidente mais longevo do BNDES. Comandou o banco de maio de 2007 a maio de 2016. Ao longo destes nove anos, o BNDES seguiu a cartilha petista de expansão dos gastos e oferta de créditos, expressas na aprovação de operações que totalizaram R$ 1,56 trilhão, do qual R$ 1,2 trilhão chegou a ser desembolsado. Como resultado, a dívida do órgão junto ao Tesouro subiu para R$ 518 bilhões, montante cobiçado pelo ministro da Fazenda do governo Temer, Henrique Meirelles, para reduzir o rombo fiscal. Coutinho confirma as reuniões com os executivos da UTC e da Andrade Gutierrez, mas nega ter discutido doações eleitorais. No mês seguinte a sua saída do comando do BNDES, a nova gestão da entidade criou uma Diretoria de Controladoria e Gestão de Riscos, voltada para o controle interno. “O objetivo é assegurar a adequação de ferramentas e processos, avaliar a eficácia dos investimentos e contribuir para o aumento da transparência e do retorno dos investimentos”, afirmou o banco, em nota à ISTOÉ. O órgão cita ainda o acordo de Cooperação firmado com a Controladoria-Geral da União (CGU), em maio, e informa que, de 2012 a 2015, o BNDES respondeu a 1945 diferentes demandas formais de órgãos como a própria CGU, o Banco Central, ministérios, o Tribunal de Contas da União e tribunais de contas estaduais. Mas, pelo jeito, não foi suficiente.

Nas mãos de Moro
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou o golpe na última semana. Recorreu à ONU contra o juiz Sergio Moro. Chegou ao absurdo de dizer que o magistrado o persegue por ter pretensões eleitorais. Na prática, recorre à estratégia do tudo ou nada. Sabe que provas não faltam para que Moro decrete a prisão de Lula. Recentemente, aliás, o juiz foi categórico ao afirmar que o ex-presidente já poderia estar preso por obstrução à Justiça. E ainda pesam outras acusações. Nas próximas semanas, Moro irá se manifestar sobre a ocultação pela família do petista da propriedade de um tríplex no Guarujá e de um sítio em Atibaia. Provas não faltam. Um laudo da Polícia Federal atesta que a família Lula é dona do imóvel no interior paulista. Os peritos reuniram mensagem de dirigentes da OAS que mostram que o ex-presidente e a ex-primeira-dama, Marisa Letícia, orientaram reformas pagas pela empreiteira no sítio que dizem não ser deles. As obras, como a cozinha gourmet, faziam parte de um centro de custo da construtora apelidado de Zeca Pagodinho. Há ainda uma foto de Paulo Gordilho, arquiteto da OAS, bebendo com Lula no sítio.

O esperneio de Lula na ONU foi um tiro no pé e um desrespeito ao País. Sua estratégia de defesa só faria sentido se o Brasil não fosse um país democrático. Os 14 anos do PT no poder mostram que não é o caso. Provavelmente, acontecerá com ele o mesmo que ocorreu com petistas que ameaçaram durante o Mensalão, sem sucesso, recorrer a cortes internacionais. Conseguiram apenas, assim como Lula, insultar a comunidade jurídica. “É típico de quem não têm sentido de grandeza e de estadismo e não se preocupa em desmoralizar o seu país”, resumiu Carlos Velloso, ex-presidente do STF. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, foi além. “É uma argumentação completamente ofensiva e que expõe o País de uma maneira deplorável.” Já, para a Associação dos Magistrados do Brasil, “é inadmissível a utilização de quaisquer outros meios, que não os legais, para tentar inibir o trabalho de agentes públicos no desempenho de suas funções.” (Revista IstoÉ)

A estrutura criminosa do governo Dilma

• Lava Jato e outras investigações da Polícia Federal e do Ministério Público mostram como a presidente afastada institucionalizou a corrupção no governo federal e envolvem mais de vinte ex-ministros com desvios de dinheiro público, achaque a empresas e ameaças a testemunhas

Ary Filgueira – Revista IstoÉ

Há exatamente um ano, em despacho redigido em um dos processos que tem como réu o ex-ministro José Dirceu, o juiz Sérgio Moro escreveu que o País passou a vivenciar um quadro de corrupção sistêmica sob o comando do PT. Na ocasião, muitos analistas políticos e observadores das entranhas do Judiciário trataram o alerta do magistrado responsável pela Lava Jato como alarmista. Hoje, não há quem discorde de Moro. Depois de dois anos de investigações em diversas operações da Polícia Federal e de mais de 70 delações premiadas, fica evidente que as gestões petistas transformaram o governo federal em uma verdadeira e organizada estrutura de corrupção. 

Praticamente todos os ministros de Dilma Rousseff estão envolvidos em desvios de dinheiro público. Desde aqueles que ocuparam gabinetes no Palácio do Planalto até os mais distantes. “A corrupção que o PT promoveu foi uma corrupção institucional, não foi dispersa nem com indivíduos participando isoladamente”, afirma o professor Álvaro Guedes, especialista em administração pública da Unesp. “Pessoas foram escolhidas a dedo para estar em posições estratégicas e promover o desvio de dinheiro”, conclui o professor.

Um estado dominado
Um dos expoentes desses “escolhidos a dedo” é Paulo Bernardo, ex-ministro das gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Na semana passada, ele foi indiciado pela Polícia Federal na Operação Custo Brasil. A PF diz ter provas suficientes para assegurar que Bernardo, enquanto esteve no governo, participou de organização criminosa e praticou crime de corrupção passiva. No mês passado, ele foi preso após a polícia constatar que havia recebido R$ 7,1 milhões desviados de uma fraude no crédito consignado que cobrava uma taxa superfaturada dos servidores federais que se encontravam endividados. 

Paulo Bernardo é casado com Gleisi Hoffmann, uma das líderes da tropa de choque de Dilma no Senado, ex-ministra da Casa Civil e também acusada de receber propinas do Petrolão. Gleisi só não foi presa junto com o marido graças ao foro privilegiado. O casal sempre teve livre trânsito no gabinete e na residência oficial da presidente afastada. No mesmo esquema que lesou milhares de funcionários públicos, está o ex-ministro da Previdência Carlos Gabas, aquele que costumava levar Dilma para passeios de moto aos domingos. 

Ainda na semana passada, Edinho Silva, outro ex-ministro íntimo da presidente afastada, viu-se diante de novas provas que o envolvem em corrupção e achaque contra empresários que tinham contratos com o governo. Ele, que já era investigado por intermediar, a pedido de Dilma, R$ 12 milhões da Odebrecht para o caixa dois da campanha da petista em 2014, desta vez foi alvejado por investigação promovida pelo TSE. Peritos descobriram que uma empresa pertencente a um ex-assessor de Edinho recebeu R$ 4,8 milhões da campanha de Dilma para serviços que não consegue comprovar (leia reportagem na pág. 38). Em um de seus despachos, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que prometer facilidades na liberação de obras às grandes empreiteiras em troca de recursos para o PT era uma medida habitual de Edinho, que antes de ocupar o ministério foi tesoureiro da campanha da reeleição.

Crimes sob encomenda
Outros ex-ministros próximos à presidente afastada também agiam dentro da organização criminosa. São os casos de Fernando Pimentel, Jaques Wagner, Giles Azevedo, Ricardo Berzoini, entre outros. O Ministério Público investiga ainda amigos da presidente afastada que não ocuparam cargos no primeiro escalão de sua gestão, mas comandaram setores estratégicos do governo, como Valter Cardeal e Erenice Guerra. O primeiro foi diretor da Eletrobrás e é acusado de ter se beneficiado com propinas nas obras de Angra 3. Erenice, uma das principais auxiliares de Dilma e ex-ministra de Lula, é investigada por ter recebido R$ 45 milhões desviados das obras de Belo Monte. Como quadrilha organizada, expressão que costuma ser usada pelo ministro do STF, Gilmar Mendes, ao se referir às gestões petistas, a estrutura criminosa instalada no governo Dilma também locupletou os ministros que chegaram à esplanada por indicação dos partidos aliados .“O PT unificou diversas quadrilhas que agiam em setores diferentes”, diz Paulo Kramer, analista e professor da Universidade de Brasília. “O partido deu um comando central à corrupção, decidia quem entraria para o esquema de poder”, complementa.

Com o avanço da Lava Jato, o governo passou a usar ministros para tentar barrar as investigações. A presidente afastada e o ex-chefe da pasta de Justiça, José Eduardo Cardozo, procuraram nomear ministros comprometidos para os tribunais superiores. Sem êxito, Dilma escalou o ex-ministro Aloizio Mercadante para tentar comprar o silêncio de testemunhas. Ex-ministro da Educação e da Casa Civil, Mercadante foi um dos principais conselheiros dela. Acusado de receber dinheiro de propina da UTC em sua campanha de 2010, ele foi flagrado, em março deste ano, em uma gravação oferecendo dinheiro e ajuda para tentar melar a Lava Jato. 

A armadilha foi criada pelo assessor do ex-senador Delcídio do Amaral a quem o ex-ministro fez a proposta indecente para tentar impedir que Delcídio fechasse um acordo de delação. Na ocasião, o processo do impeachment de Dilma parecia caminhar para um encerramento favorável ao governo. Mercadante não conseguiu comprar o silêncio de Delcidio e a delação feita pelo ex-senador, publicada com exclusividade por ISTOÉ, permitiu a retomada do processo que a cada dia desvenda novas falcatruas protagonizadas pelo grupo que se instalou no poder a partir de 2003. “Nos últimos anos foi instalada a cleptocracia em Brasília”, diz o ministro Gilmar Mendes.

Em proposta de delação, Santana relata que Dilma sabia de tudo

• Marqueteiro vai contar aos procuradores que petista não só conhecia todas as operações de caixa dois da campanha presidencial como as autorizou

Por Thiago Bronzatto – Revista Veja

A presidente afastada Dilma Rousseff vem ajustando seu discurso de acordo com o avanço da Lava-Jato. Há cerca de um ano, diante das acusações de que sua campanha recebera doações por fora da construtora UTC, ela afirmou:

“Eu não aceito e jamais aceitarei que insinuem sobre mim ou a minha campanha qualquer irregularidade (…) porque não houve”. De lá para cá, as negativas da petista ganharam um tom cada vez mais baixo. Há duas semanas, após o marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, admitirem ter recebido dinheiro pelo caixa dois na campanha presidencial de 2010, Dilma disse: “Não autorizei pagamento de caixa dois a ninguém. (…) Se houve, não foi com meu conhecimento”. Cinco dias depois, eis que surge outra justificativa: “Minha campanha não tem a menor responsabilidade sobre em que condições pagou-se dívida remanescente da campanha de 2010. (…) Ele (João Santana) tratou essa questão com a tesouraria do PT”. Em pouco tempo, a negativa da existência de dinheiro sujo saltou do “eu não sabia” e pousou no “a culpa é do partido”.

Em breve, Dilma terá de atualizar a versão. Em sua proposta de delação premiada feita à Procuradoria-Geral da República, João Santana e sua mulher relatam que a presidente afastada não só sabia da existência do caixa dois como aprovou as operações ilegais. Segundo o casal, Dilma conhecia detalhes do custo real da campanha e o valor que era declarado oficialmente. A diferença, de algumas dezenas de milhões de reais, vinha de empresas envolvidas no petrolão. Uma parte dos recursos, oriundos de propinas avalizadas pela petista, foi usada até para pagar despesas pessoais da presidente.

Para comprovar as acusações, que constam em mais de dez capítulos chamados de “anexos”, Santana apresentará documentos. Os detalhes do acordo do marqueteiro foram tratados recentemente numa reunião realizada com integrantes da PGR. Quem leu os anexos garante: o mago do marketing petista, que ajudou a construir a imagem de Dilma, está agora armado com provas para fulminá-la.

O Planalto pediu propina

• Surge a primeira prova material de que partia da sede do governo a ordem para achacar empresas durante a campanha de Dilma Rousseff

Por Robson Bonin – Revista Veja

Em 7 de agosto de 2014, executivos de uma das maiores agências de publicidade do mundo, a Borghi Lowe, discutiam o que fazer diante de uma situação delicada. A campanha presidencial estava no início. Uma pesquisa divulgada naquele dia mostrava que a disputa entre a petista Dilma Rousseff e o tucano Aécio Neves seria acirrada. A angústia de Valdir Barbosa, vice-¬presidente da Borghi Lowe, no entanto, decorria de outra encrenca. Ele e um colega da agência, Ricardo Hoffmann, representante da Borghi Lowe em Brasília, tinham sido convocados para uma reunião sigilosa com um diretor da Caixa Econômica Federal, Clauir Santos, responsável pelo marketing do banco. Ouviram dele um pedido de dinheiro, não para ele mesmo, mas para a campanha eleitoral do PT. E o pedido não partira do tesoureiro do partido ou da campanha. Clauir Santos disse que estava cumprindo ordens do Palácio do Planalto.

Em 2014, a Borghi Lowe era uma das quatro agências encarregadas da conta publicitária da Caixa Econômica, um butim excepcional de 560 milhões de reais, um dos maiores contratos do governo na área. Antes de qualquer providência, Valdir Barbosa preferiu consultar seu superior, Michael Wall, que fica em Londres. Em um e-mail, escrito em inglês, informou: “O diretor-presidente da Caixa foi chamado ao Palácio do Planalto e solicitado a ‘pedir aos fornecedores da Caixa que fizessem contribuições políticas ao partido do governo (PT)’”. Em seguida, comentou o incômodo da situação: “O próprio diretor-¬presidente, que trabalhou como servidor público durante toda a sua carreira profissional, se sentiu completa e totalmente constrangido e desconfortável com tal solicitação”. Na época, o diretor-¬presidente da Caixa era Jorge Hereda, que deixou o cargo no início do segundo mandato de Dilma. Hereda tem mais de trinta anos de serviço público.

Na mesma mensagem, Valdir Barbosa ressaltou ter informado a Clauir Santos, diretor de marketing da Caixa, que as normas da Borghi Lowe proibiam “contribuições políticas”, ao que o funcionário retrucou lembrando que as outras três agências aceitariam o “convite”. Era uma insinuação de que a Borghi Lowe poderia sofrer algum tipo de retaliação no futuro caso virasse as costas às necessidades do PT. Escreveu Barbosa: “Expliquei ao Clauir o con¬teú¬do da Política Anticorrupção e disse a ele que nós somos absolutamente proibidos de fazer este tipo de contribuição ou qualquer contribuição semelhante a esta.
Ele obviamente lembrou-nos que provavelmente as três outras agências deveriam aceitar o ‘convite’ e fazer contribuições, ao que eu repliquei que elas eram agências 100% brasileiras e que, portanto, podiam fazer o que quisessem sem consultar ninguém”.

Mesmo constrangido, Clauir tentou justificar que havia “base legal” à contribuição. A Borghi Lowe é brasileira, com um sócio estrangeiro, mas, pela legislação da época, poderia, de fato, fazer contribuições eleitorais, desde que legais. Mas esse não era o caso, segundo suspeitam os envolvidos na investigação.

Em poder da força-tarefa da Lava-¬Jato em Curitiba, a mensagem obtida por VEJA é a evidência mais contundente até o momento de que o Palácio do Planalto atuou como uma central de arrecadação de recursos ilegais para o caixa dois do PT e, para tanto, constrangia graduados servidores públicos a trabalhar como achacadores. A mensagem pode ser mentirosa, uma invenção do vice de uma agência de publicidade? Até pode, por mais estranho que seja, mas os investigadores também acham que não é o caso. “Um pedido de doação legal jamais seguiria aqueles trâmites. Todos sabiam que a nossa política interna não autorizava contribuições ou doações a partidos políticos”, explica um dos envolvidos no caso.

Eles acreditam que a ordem veio mesmo do Planalto e o dinheiro era mesmo para o caixa dois porque já comprovaram que havia uma intimidade criminosa entre a Borghi Lowe e braços do governo. A mensagem integra uma investigação sigilosa que começou em abril de 2015, quando a polícia prendeu seis pessoas, entre elas o publicitário Ricardo Hoffmann, representante da Borghi em Brasília, e o ex-deputado petista André Vargas. Alvo de uma devassa, a agência de publicidade decidiu negociar um acordo de leniência, que está estranhamente parado há um ano na Controladoria-Geral da União. Já encaminhou ao Ministério Público e-mails, notas fiscais e balanços nos quais se constata que havia uma parceria clandestina para fraudar licitações.

PT já não acredita na volta de Dilma

• Para cúpula do partido, impeachment é inevitável

Embora evitem admitir em público, dirigentes petistas dizem que não há mobilização para virar votos no Senado; prioridade é superar desgaste da Lava-Jato

Descrente de que obterá os votos necessários para evitar no Senado o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, a cúpula do PT está mais preocupada em superar o desgaste causado pela Operação Lava-Jato, para que o partido sobreviva politicamente até as eleições de 2018, relatam Fernanda Krakovics e Jeferson Ribeiro.

“Não tem mobilização”, afirma um integrante do comando da legenda sobre o clima interno em relação ao julgamento, previsto para terminar em setembro. Esse distanciamento é percebido em declarações do ex-presidente Lula que, num de seus últimos discursos, criticou Dilma por ter feito desonerações que favoreceram empresários, enquanto promovia um ajuste fiscal que puniu os menos favorecidos. A presidente afastada, por sua vez, diz que cabe ao PT, e não a ela, explicar as denúncias de caixa dois em sua campanha.

Dilma e PT viram a página

• Às vésperas da votação do impeachment, cresce distanciamento entre partido e presidente

Fernanda Krakovics Jeferson Ribeiro – O Globo

Com a proximidade da votação final do processo de impeachment, em agosto, cresce o distanciamento entre a presidente afastada, Dilma Rousseff, e o PT. Com o partido descrente, a resistência à destituição da presidente virou mais um discurso para animar a militância, e tentar conter o desgaste causado pela Operação LavaJato, do que uma mobilização para tentar virar votos no Senado que salvem Dilma.

A presidente afastada, por sua vez, tem se mostrado mais preocupada em preservar sua biografia do que em voltar ao poder ou trabalhar pela sobrevivência política do PT. Na última quarta-feira, em entrevista à Rádio Educadora, ela jogou para o partido a responsabilidade pelo pagamento do marqueteiro João Santana, que disse ao juiz Sérgio Moro ter recebido recursos relativos à campanha de Dilma em caixa dois, no exterior.

Lideranças do PT tentaram minimizar a declaração de Dilma, afirmando ser natural que ela procure se eximir da culpa por eventuais irregularidades às vésperas da votação do impeachment. O partido afirma que todas as operações foram feitas dentro da legalidade e que as contas da campanha de 2010, às quais o marqueteiro se referiu, foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.

Lula busca reconstruir sua imagem
O ex-presidente Lula tem viajado pelo país, principalmente o Nordeste, na “Caravana Popular em Defesa da Democracia”. Petistas dizem que o principal objetivo de Lula é tentar reconstruir sua própria imagem e defender seu legado, sobretuseu do as conquistas sociais de seus oito anos de governo, visando às eleições de 2018, independentemente de ser ele o candidato ou outro nome escolhido pelo líder petista. O primeiro teste será este ano, nas eleições municipais. A prioridade do PT é reeleger o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.

Apesar de dizer que não há crime de responsabilidade que justifique o impeachment, Lula apontou, em atos este mês em Recife e em Carpina, na Zona da Mata pernambucana, supostos erros cometidos por Dilma, como a insistência nas desonerações e o endurecimento de regras para benefícios trabalhistas e previdenciários. O ex-presidente também disse que ela não seguiu seus conselhos para tentar superar a crise econômica:

— A Dilma Rousseff, durante o ano de 2014, não se deu conta de que, ao abrir mão de imposto para favorecer os empresários, começou a faltar dinheiro no cofre para a gente poder fazer a economia continuar acontecendo. Depois das eleições, ela apresentou um programa de ajuste econômico que deixou muitos de nós descontentes, porque mexeu com a aposentadoria, com pescador, com mulheres que casavam com aposentados no Nordeste — disse Lula durante ato em Recife, no último dia 13.

Mesmo assim, no dia anterior, em Carpina, Lula pediu a uma plateia de agricultores que, em vez de irem para a rua gritar “Fora, Temer”, enviassem mensagens de WhatsApp pressionando senadores que votaram pelo afastamento de Dilma.

O Senado abriu o processo de impeachment com o apoio de 55 senadores. Para afastar definitivamente a presidente, são necessários 54 votos. Dilma, que teve na primeira votação, em maio, 22 votos, precisa convencer seis senadores a mudar de posição. Petistas afirmam que ainda não viraram nenhum voto e que correm o risco de perder apoios, como de Otto Alencar (PSD-BA). — Não tem mobilização. Se ainda tivesse viabilidade, mas não tem — disse um integrante da cúpula do PT.

O partido, no entanto, continua com o discurso do “golpe” e pretende levar esse debate para as eleições municipais.

— Não jogamos a toalha, ainda acreditamos. Tem três ou quatro senadores que estão mudando de voto — disse o senador Lindbergh Farias (PTRJ), ao discursar, domingo passado, na convenção do PCdoB que oficializou a candidatura de Jandira Feghali à prefeitura do Rio, com o PT de vice na chapa.

Para um auxiliar de Dilma, a desmobilização se restringe a setores do PT, especialmente deputados interessados, segundo ele, em ter acesso ao governo interino de Michel Temer e a benesses na Câmara. Ainda segundo esse auxiliar, as articulações para tentar barrar o impeachment esfriaram semana passada devido ao recesso parlamentar.

Integrantes do PT e de movimentos sociais reclamam que Dilma se encastelou no Palácio da Alvorada e viajou pouco para defender seu mandato. Desde que foi afastada, transformou perfil no Facebook em seu principal canal de comunicação. Também deu entrevistas, principalmente para a imprensa internacional.

Falta de traquejo político
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-chefe da Casa Civil de Dilma, é apontada como um retrato da deterioração da relação entre a presidente afastada e o PT. Apesar de continuar na linha de frente contra o impeachment, a senadora, nos bastidores, passou a se tornar uma crítica, dizem petistas.

Gleisi ficou magoada, segundo esses petistas, com a bronca que levou de Dilma, junto com outros senadores, em 9 de maio. O grupo foi ao Palácio do Planalto comemorar a anulação, pelo então presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), da tramitação do processo de impeachment. Os senadores foram chamados de “idiotas”, segundo relatos, por acreditarem que aquela manobra se sustentaria.

— Tá certo que a Dilma não é nenhuma mola de Fusquinha, não tem o corpo assim para tratar de política. Às vezes é dura, as pessoas têm medo dela, não conversa, e vai dificultando. Mas isso não é defeito, a gente conserta — disse Lula, no último dia 12, em discurso em Carpina (PE).

A aposta na mudança de atitude de Dilma ocorre oito anos após a então ministra da Casa Civil receber um bambolê de presente do então líder do PMDB, deputado Henrique Alves (RN), para que tivesse “mais jogo de cintura”.

Julgamento será concluído até 2 de setembro

O julgamento do impeachment de Dilma começará em 29 de agosto e terminará até 2 de setembro, segundo cronograma definido pelo presidente do STF, que comanda o processo.

Julgamento do impeachment terminará até 2 de setembro

• Sessão no Senado começa no dia 29 de agosto, segundo Lewandowski

Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, acertou com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que o julgamento final da presidente afastada, Dilma Rousseff, começará em 29 de agosto, com o término previsto para 2 de setembro. Caso Dilma seja definitivamente afastada, Michel Temer poderá viajar para a reunião do G-20, na China, a partir de 6 de setembro, não mais na condição de ocupante interino do Palácio do Planalto.

Pelas regras do processo de impeachment, Lewandowski preside o processo, desde o afastamento de Dilma. O cronograma foi relevado ontem pelo site do GLOBO e confirmado pelo Supremo, em nota. Segundo técnicos que participaram das discussões, a data foi escolhida por ser uma segunda-feira, já que os senadores não costumam trabalhar em finais de semana.

Aprovação, só com 54 votos
Dilma está afastada desde 12 de maio, quando o Senado aprovou a abertura do processo de impeachment contra a petista, confirmando a decisão da Câmara dos Deputados. Pela legislação, ela pode ficar afastada até 180 dias. O impeachment tem que ser aprovado por dois terços dos senadores, ou seja, por pelo menos 54 dos 81 parlamentares.

O Palácio do Planalto considera fundamental a conclusão do impeachment antes de 6 de setembro, quando haverá o encontro do G-20. Temer quer viajar tranquilo, já como presidente efetivo. O presidente do STF também quer concluir o cronograma dentro dos prazos legais, até porque seu mandato à frente da Corte acaba em 10 de setembro.

Desde o início, o único consenso entre aliados de Dilma e os defensores do impeachment é sobre a conclusão do processo na gestão de Lewandowski. A ministra Cármen Lúcia deverá tomar posse como nova presidente do STF em 14 de setembro.

Assessores de Lewandowski ressaltam que o ministro tem cobrado o estrito cumprimento do cronograma legal e que não há qualquer tratativa para atrasar o processo. Em nota, o Supremo disse que “as decisões do presidente do STF, no exercício da presidência do processo de impeachment, notadamente sobre rito e o calendário, são regidas pela Constituição Federal e pela lei 1.079/ 50 (a chamada Lei do Impeachment), não cabendo interferências em questões alheias aos requisitos técnicos”. Além disso, é tido como base o rito adotado em 1992, no processo de impeachment do então presidente Fernando Collor.

Número de testemunhas cai
Como presidente do processo de impeachment, Lewandowski comandará as sessões do Senado nesta fase final. Na prática, há três grandes votações no Senado: a aprovação da abertura do processo, que ocorreu em 12 de maio; a sentença de pronúncia, quando o Senado dirá se há elementos para o julgamento; e o julgamento definitivo de Dilma.

Lewandowski presidirá as sessões da sentença de pronúncia e o julgamento final. Já há negociações entre defesa e acusação para que seja reduzido o número de testemunhas no julgamento final, chegando a cinco para cada lado. Renan presidiu a primeira sessão (a de abertura do processo) e disse que não votaria nas outras duas ocasiões. Ele foi aliado até o último momento de Dilma, mas, recentemente, aproximou-se de Temer.

Parecer de Anastasia
Todos os prazos legais terminarão em 25 de agosto. O julgamento final poderia ser marcado para o dia seguinte, uma sexta-feira. Porém, os senadores avisaram que não querem passar o final de semana debatendo o assunto. Lewandowski concluiu que será melhor iniciar o julgamento no dia 29, uma segunda-feira.

Na próxima terça-feira, o processo de impeachment entra numa fase decisiva. Nesse dia, o relator do processo de impeachment na comissão especial, senador Antonio Anastasia (PSDBMG), lerá seu relatório final, a chamada sentença de pronúncia. Em 4 de agosto, o parecer de Anastasia será votado na comissão.

Sessão pode durar 20 horas
Em 9 de agosto, o Senado então votará o parecer de Anastasia, que deverá reafirmar que há elementos para o julgamento de Dilma. Segundo o acerto, Renan abrirá a sessão às 9h e passará os trabalhos a Lewandowski, que explicará as regras da votação. A expectativa é que a sessão dure de 15 a 20 horas, como a que ocorreu em maio. O parecer, mais uma vez, precisa ser aprovado por maioria simples, ou seja, pelo menos 41 dos 81 senadores.

Ao final da sessão de pronúncia, Lewandoswski determinará a intimação para que a acusação apresente em 48 horas o libelo acusatório e para que a defesa, 48 horas depois, apresente sua contradita.

O Planalto já contabiliza uma maioria para aprovar o impeachment. A ideia é ter os 54 votos já na votação do dia 9, para mostrar força.

O pós-PT e o retorno da política - Alberto Aggio

• É preciso avaliar uma nova concertação que empreenda reforma histórica do Estado

- O Estado de S. Paulo

A conjuntura política do País segue normalmente seu curso, sem contramarchas, desde a admissão do processo de impeachment pelo Congresso, o afastamento de Dilma Rousseff e a assunção de Michel Temer ao comando interino do governo da República. Malgrado temores de uns e desejos de outros, não há recuo no sentido que se impôs ao processo. Apesar das críticas e das indefinições iniciais do governo interino, das ocupações de prédios públicos e das manifestações de rua, nenhum abalo expressivo foi produzido. Aguardam-se para agosto os lances finais do processo de impeachment e poucos são os que creem na volta da presidente afastada. Crescem a aprovação do governo interino e a esperança na recuperação econômica, enquanto é visível o isolamento político de Dilma e do PT.

As avaliações do cenário político feitas pelos intelectuais petistas, salvo raras exceções, reiteram ad nauseam o paradigma do “golpe de novo tipo” (Opinião, 8/6). Algumas delas, sem nenhuma razoabilidade, beiram a alucinação. A favor do novo governo também houve manifestações destoantes de impaciência, desconsiderando as condicionantes da governabilidade nesta fase de interinidade.

Mesmo premido por uma herança dramática, Temer tomou iniciativas administrativas importantes. As medidas econômicas de restrição de gastos, de difícil implementação, ainda dependem de aprovação do Congresso. Elas compõem um ajuste fiscal de perfil estrutural, necessário e realista para recolocar o País nos eixos. Dilma tem argumentado que tais medidas não foram aprovadas pelas urnas e jamais seriam caso fossem apresentadas. Trata-se de uma crítica vazia e sem sustentação, uma vez que Dilma abandonou seu discurso eleitoral para adotar um ajuste fiscal mitigado, que não se concretizou por tibieza sua e por oposição do seu próprio partido. Traindo a si mesma e ao País, Dilma cometeu um “estelionato eleitoral” que lhe custou a confiança da sociedade. Agora, o País precisa enfrentar a crise sem tergiversações.

As mudanças mais significativas verificaram-se, contudo, no âmbito político. A renúncia de Eduardo Cunha e a eleição de Rodrigo Maia para a presidência da Câmara dos Deputados são sinais de um “retorno da política” e apontam para uma valorização da representação, para a superação das crispações decorrentes da clivagem “nós versus eles” e para mais autonomia, articulação política e eficiência do Parlamento.

A renúncia de Cunha e suas derrotas subsequentes nas Comissões de Ética e de Constituição e Justiça da Câmara jogam por terra mais uma falácia petista. Afirmava-se que o afastamento de Dilma levaria a um governo Temer/Cunha e aprovar o impeachment era colocar Cunha na Presidência da República, razão por que o ex-presidente da Câmara havia posto em pauta o processo de impeachment, “vingando-se” de Dilma. Mas essa fábula se foi e Cunha, neste mesmo agosto, poderá perder o mandato de deputado.

Os primeiros lances do “retorno da política” exigiram que o PT negociasse seus votos na eleição para presidência da Câmara, mesmo com a condenação de alguns de seus intelectuais e parlamentares, evidenciando mais uma vez sua crise de orientação. O PT ainda não é capaz de admitir que sua decaída, cristalina pelo fracasso de Dilma e pela montanha de casos de corrupção, é a base da imagem negativa que o partido criou para si mesmo, uma consequência que não pode ser enfrentada com escapismos do tipo “o PT é atacado por suas virtudes, e não por seus erros”.

É uma situação dramática para um partido que, longe de ser revolucionário, promoveu um reformismo débil e instrumental com o objetivo de se perpetuar no poder. O PT fracassou porque não conseguiu combinar reformismo social e democracia política de maneira progressista, o que lhe bloqueou a possibilidade de se tornar uma esquerda simultaneamente “transformadora” e “de governo”. A consequência foi a perda da vocação majoritária e a regressão a um discurso de “resistência” a tudo: ao suposto “golpe”, ao governo Temer, ao imperialismo e ao capitalismo. Somado ao pragmatismo de sempre, o PT vive hoje envolto pela sedução de um regresso a posições remotas da esquerda do século 20, em companhia desajeitada daqueles que creem num “movimentismo” permanente.

No mundo político fora do PT, os resultados da débâcle petista são diferenciados. Um deles foi o ressurgimento de um anticomunismo anacrônico e obtuso, idêntico ao seu objeto de rechaço. O outro foi abrir espaço para o liberalismo voltar a ocupar o centro da cena e, renovado, apostar suas fichas num programa para sair da crise e retomar o crescimento. Na bússola do liberalismo constam a contração do Estado e o estímulo à economia privada, que parecem convencer o conjunto da sociedade.

Embora divididos, os liberais passaram a ser tratados como o núcleo de articulação de uma nova proposta hegemônica. Em nossa História contemporânea, a aliança entre esquerda e liberais operou em defesa das liberdades: foi assim no Estado Novo e na luta contra o regime militar. Não há razão para que ela não seja perenizada e ganhe novos patamares, novos direitos.

Luiz Sérgio Henriques publicou neste espaço artigo sobre a crise do PT e a possibilidade de uma “outra esquerda”, democrática e reformista, fundada nos valores da Constituição de 1988 e no Estado Democrático de Direito. Certamente, ela deverá também buscar uma maneira justa e progressista de combinar reformismo social e democracia política. Assim, além de perenizar a aliança com o liberalismo em defesa das liberdades, na quadra que atravessamos será preciso avaliar os termos de uma nova concertação que possa empreender uma reforma histórica do Estado brasileiro, rompendo privilégios e corporativismos, sem eliminar sua presença reguladora, solidária e em defesa da cidadania. Seria um grande desafio e um belo destino.
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Alberto Aggio é historiador, é professor titular da Unesp

Um breve exercício de cidadania - Bolívar Lamounier

• Não estará na hora de medidas que ajudem a construir um sistema político mais sério?

- O Estado de S. Paulo

Embora timidamente, a reforma política parece estar retornando à agenda nacional. A questão de fundo permanece: não é a sociedade que diz aos congressistas como quer ser representada, eles é que dizem a ela como pretendem seguir se autorrepresentando. Ainda assim – ou exatamente por isso –, penso que seria útil a cidadania saudar o reaparecimento da questão enviando um breve exercício aos excelentíssimos senhores deputados e senadores.

Dou por inegável que a atual classe política rebaixou a vida partidária brasileira a um nível sem precedentes, mesmo pelos sabidamente frouxos padrões da nossa República.

Considere-se, por exemplo, a proliferação de siglas, que se acelerou na última eleição e parece fadada a fugir ao controle nas próximas. No momento, salvo melhor juízo, há 26 partidos representados na Câmara dos Deputados, 32 registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e outros 30, segundo consta, na fila, esperando por registro. Numa primeira aproximação, o número de siglas pode ser examinado sob duas diferentes perspectivas.

A teoria da representação proporcional recomenda um amplo pluralismo, pois se baseia no pressuposto de que as agremiações existem para dar voz a ideologias ou a interesses consistentes e preexistentes na sociedade. Além de antidemocrático, restringir-lhes o número seria disfuncional para o sistema político, pois implicaria alijar do Parlamento correntes de ideias e grupos importantes, dificultando, em vez de facilitar, o manejo dos conflitos que lavram continuamente na sociedade.

A segunda perspectiva não é necessariamente oposta à que venho de expor. Afirma que cada caso é um caso, podendo existir algum país onde as coisas se passem como foi mencionado, devendo-se, pois, aceitar a proliferação como um mal menor que a exclusão de interesses relevantes. Mas, como disse, cada caso é um caso.

No Brasil, decorridas três décadas do restabelecimento do regime civil, é forçoso reconhecer que o pluralismo partidário se transformou de fato na pilhéria prevista já ao tempo da Comissão Afonso Arinos, em 1985-1986, à qual coube a tarefa de elaborar um anteprojeto de Constituição. Neste ano da graça de 2016, todas ou quase todas as 32 siglas registradas se declaram de centro-esquerda; duas dúzias, pelo menos, são rechaçadas com o cabível sarcasmo pela maioria do eleitorado, que nelas não discerne um vestígio sequer de seriedade. Não foi por acaso que, desde 2013, a opinião pública optou por se manifestar na avenida; declarou que a praça é do povo como o céu é do condor. Engajando-se numa memorável onda de protestos, manteve todos os partidos a uma asséptica distância.

Esta é, pois, a situação: o Brasil chegou ao século 21 com um sistema político institucionalmente razoável, extremamente generoso, direi mesmo permissivo, no tocante à abrangência do sufrágio e às facilidades para a criação de partidos, mas deficiente, para não dizer fraudado e fraudulento, noutros aspectos cruciais do regime político que denominamos democracia representativa.

Acontece – e aqui retomo a segunda perspectiva – que nenhum regime político ou sistema de governo existe para lidar com apenas uma ou com umas poucas necessidades. Todos são multipurpose, ou seja, existem para e são de fato forçados a lidar ao mesmo tempo com numerosos objetivos e valores. Objetivos e valores nem sempre compatíveis entre si, diga-se de passagem. Eis por que, se me permitem invocar brevemente o conselheiro Acácio, governo tem de governar escolhendo os objetivos que esteja de fato disposto a implementar e ignorando ou rechaçando os que não esteja.

Pelo menos em dois momentos, portanto, a importância dos partidos políticos deve ser ressaltada. Primeiro, cumpre-lhes refletir a diferenciação subjacente de interesses e ideologias, caso ela exista, ou estabelecer balizas para que ela se constitua – obviamente, dentro de limites, em se tratando de um regime democrático. Nessa função, se não querem ser cúmplices no fraudar a vontade popular, os partidos têm de ser estáveis no que toca a suas formas de organização e liderança, e doutrinariamente inteligíveis – o que nem de longe significa rigidez ou fanatismo ideológico.

O segundo momento, ou função, é o que pedantemente se costuma chamar de governabilidade. Assim como devem ajudar a organizar a opinião pública, os partidos devem também organizar as correntes parlamentares, incutindo nelas a altivez necessária para defender a instituição legislativa, mas também flexibilidade para colaborar com o Executivo no que este tiver de sério a propor.

Isto posto, volto à ideia de enviar aos nossos representantes um breve exercício de cidadania. Não incluiria nele os cidadãos sinceramente satisfeitos com a situação atual: os que se sentem bem servidos com o funcionamento atual da representação proporcional e do pluripartidarismo. Aos insatisfeitos e aos que se encontram em dúvida, eu proporia algumas indagações. Dada a complexidade do tema, limitaria minha enquete a detentores de diplomas universitários em nível de pós-graduação.

Primeira indagação: indique os nomes de metade (16) das 32 siglas registradas. Segunda: descreva (genericamente...) as ideologias ou os interesses que as referidas 16 se propõem a representar. Terceira: as principais lideranças de cada uma.

Meu teste nada tem de malicioso. Se a razão de termos 32 siglas registradas e outras tantas na linha de montagem é a necessidade de dar voz a ideologias, interesses ou projetos consistentes, parece-me razoável indagar se pelo menos a faixa mais escolarizada do País as conhece. Caso contrário, não estará na hora de adotarmos cláusulas legais fortemente redutoras, que nos ajudem a construir um sistema político mais sério?
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Bolívar Lamounier é cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria. É membro da Academia Paulista de Letras

Sobre humor e cangurus - Fernando Gabeira

• A frase infeliz de Paes faz pensar: existe um humor tipicamente carioca?

- O Globo

Não precisamos de cangurus, mas sim de encanadores. A frase da chefe da delegação australiana na Olimpíada do Rio é mais do que uma tirada pragmática. Ela nos leva a pensar no humor. Quando prometeu os cangurus, diante das reclamações sobre problemas hidráulicos, Eduardo Paes estava fazendo humor. E, ao contrário do que ele costuma dizer, não é um humor carioca, apenas humor. Na verdade, não sei se existe um humor tipicamente carioca. Um dos maiores humoristas de todos os tempos, o carioca Millôr Fernandes era universal na maioria dos seus textos e pode ser incluído em qualquer boa seleção planetária.

Talvez exista um humor judeu, classificado, organizado em antologias, com traços marcantes, como a autoironia de Woody Allen. Mas ainda assim é um esforço classificatório. No livro “O ato da criação”, Arthur Koestler descreve a dinâmica do humor e, de um modo geral, o atribui a um tipo de associação que expressa o encontro súbito de dois quadros do pensamento, uma centelha criativa que faz rir. Paes associou rapidamente um fato do mundo material, o entupimento das pias, para outro do mundo afetivo, os cangurus tão presentes no cenário australiano. A resposta australiana recolocou o quadro real da demanda.

Se examinarmos o quadro clássico da dinâmica do humor, ele apenas introduziu uma centelha criativa, com o propósito de fazer rir. No entanto, carioca ou judeu, o humor está sujeito a uma condição universal: tem ou não tem graça? É difícil aceitar a tese de um humor carioca, sempre que o prefeito do Rio diz uma frase infeliz. Existe um estado de espírito mais descontraído talvez. Mas ele também está sujeito ao julgamento do outro.

Se as frases de Paes expressam um típico humor carioca, era de se esperar que os cariocas fossem discretamente evitados por outros povos: lá vêm aqueles caras, com aquelas piadas sem graça. E não é isso o que acontece nas relações entre eles e o mundo. É compreensível que pessoas modestas atribuam seus talentos à sociedade em que trabalham, que socializem a celebração de suas conquistas. 

Mas torna-se um pouco difícil atribuir frases das quais ele próprio se arrepende a um traço da sua própria cultura. Como os cariocas, por serem cariocas, estivessem condenados culturalmente a dizer coisas sem graça, nas circunstâncias mais sérias. A resposta da australiana, Kitty Chiller — “precisamos de encanadores” — jogou Paes na realidade e foram feitos avanços nas reparações. Ministros de Brasília andaram dizendo que isso acontece mesmo com prédios novos. É a inversão do senso comum. Seria como dizer: meu carro é novo, por isso não sai da oficina.

O diálogo Paes-Chiller me jogou também numa outra dimensão da realidade. Se uma obra que custou R$ 2,9 bilhões, inaugurada com exposição internacional, foi entregue assim, o que acontece com as outras ao longo do Brasil, escondidas das câmeras, anônimas? Cobrindo uma enchente num bairro popular de São Gonçalo, a moradora me convidou para entrar em sua casa e ver o resultado de uma recente obra de saneamento. Simplesmente os canos devolviam esgoto para dentro de casa. Naquele momento, senti muito que ela fosse obrigada a viver naquelas circunstâncias desagradáveis. Era apenas uma velha senhora de São Gonçalo. O que vemos hoje atrela aquele destino individual à própria imagem do Brasil.

As reportagens mais críticas e dolorosas referem-se sempre aos graves problemas de saneamento. Uma atleta americana postou para seus seguidores: vou remar na merda por vocês. Num sentido mais amplo, a chefe da delegação australiana falou por todo o Brasil: precisamos de encanadores. 

Impossível esconder de uma superexposição internacional o fato de que ainda não resolvemos no XXI o problema que alguns países resolveram no século XIX, como o saneamento básico. Não é preciso ir aos bairros mais pobres para constatar essa realidade. As lagoas são um termômetro. Todas, e especialmente a Baía de Guanabara, são poluídas e decadentes. A opção de realizar a Vila Olímpica na Barra consagra um tipo de crescimento que segue o ritmo do próprio comércio imobiliário. Ao fugir das grandes concentrações, a expansão impõe ao governo custos muito altos para instalar a infraestrutura. A frase da australiana Kitty Chiller não é todo estranha à Barra de Tijuca de hoje.

Mas, certamente, ao apontar o crescimento para a região, ela pode se tornar profética: precisamos de encanadores. De uma certa forma, a Lava-Jato nos ajudou nisso. Grandes empreiteiras como a Odebrecht não terão condições de repetir seus métodos. E não poderão substituir o planejamento pela lista das obras que querem construir. O colapso dessas grandes empresas talvez abra caminho para se enfrentar com mais eficácia a tarefa do saneamento.

Se isso acontecer será também um legado da Olimpíada, teremos encanadores e os canos que ainda nos faltam.

Em busca de soluções, o homem inventou Deus – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Sem pretender complicar as coisas, devo, no entanto, admitir que o ser humano tem necessidade de atribuir sentido à sua existência.

Ao que eu saiba, gato, cachorro, cavalo, macaco, não têm necessidade disso. Começa que, ao contrário do bicho-homem, não sabem que vão morrer. E aí está todo o problema: se vamos morrer, para que existimos?, perguntamos nós, sejamos filósofos ou não. Aliás, é por essa razão que surgem os filósofos, para responder a essa pergunta de difícil resposta.

Em busca de soluções, o homem inventou Deus, que é a resposta às perguntas sem resposta. Por isso mesmo, e não por acaso, todas as civilizações criaram religiões, diferentes modos de inventar Deus e de dar sentido à vida. Há, porém, quem não acredita em Deus e busca outra maneira de dar sentido à existência, à sua e a do próprio universo.

Esses são os filósofos. Mas há também os que, em vez de tentar explicar a realidade, inventam-na e reinventam-na por meio da música, da pintura, da poesia, enfim, das diversas possibilidades de responder à perplexidade com o deslumbramento e a beleza.

Há, porém, quem dê sentido à vida empenhando-se nas pesquisas científicas, nas realizações tecnológicas e nas produções agrícola, industrial ou comercial. Também existem os que encontram esse sentido na ajuda aos outros ou na dedicação à família.

Qualquer uma dessas opções exige do indivíduo maior ou menor empenho, conforme as características de sua personalidade e as implicações da opção feita. Por exemplo, se a opção é no campo da arte, os problemas que surgem podem conduzir a um empenho que às vezes implica numa entrega limite, que tanto pode levar à realização plena como à frustração do projeto.

Diversamente, no plano político, por envolver um número considerável de indivíduos, o sectarismo ideológico tem consequências graves, às vezes trágicas. O exemplo mais notório é o nazismo de Adolfo Hitler, que levou ao massacre de milhões de judeus e a uma desastrosa guerra mundial. Mas houve outros exemplos de sectarismo ideológico, como o stalinismo e o maoismo, de lamentáveis consequências.

No plano da religião, então, por adotar muitas vezes a convicção de que ali está a verdade revelada, tanto se pode alcançar a plenitude espiritual como render-se ao fanatismo intolerante, a exemplo do que ocorreu, no século 13, com a Inquisição, quando a Igreja Católica criou tribunais para julgar e condenar os chamados hereges. Eles eram queimados vivos na fogueira, já que teriam entregue suas almas ao Diabo. A religião é, certamente, o campo propício ao surgimento da intolerância intelectual, precisamente porque ela se supõe detentora da verdade absoluta, da palavra de Deus. Hoje, temos, nesse campo, a atuação fanática do Estado Islâmico.

Mas voltemos à necessidade que temos todos de dar sentido à nossa vida. Generalizando, pode-se dizer que o bicho humano, para ser feliz, necessita de uma utopia. No século 20, para muita gente, essa utopia foi a busca da sociedade fraterna e justa, concebida por Marx e que, sem se realizar plenamente, extinguiu-se. A consequência disso é que, hoje, vivemos sem utopia, o que atinge particularmente os mais jovens.

Sem dúvida, a maioria deles, de uma maneira ou de outra, encontra seu caminho, um sentido para sua vida. Mas há os que, por uma razão ou por outra, tornam-se presas fáceis de uma opção radical, como a do fanatismo islâmico que, além de lhes oferecer um rumo –uma espécie de missão redentora–, atende a seus ressentimentos. A isso se somam muitos outros fatores, como as raízes étnicas, a descriminação, a frustração social e, sobretudo, um grave distúrbio mental.

Faltam líderes - Merval Pereira

- O Globo

A atual crise brasileira revela uma aguda escassez de líderes com visão de longo prazo e capacidade de infundir confiança por meio do exemplo, problema que ainda vai perdurar por um longo período e promete ser um desafio para os eleitores nos próximos pleitos. A perda de legitimidade de políticos — independentemente de vinculações partidárias — tornou-se endêmica.

Nomes antes promissores foram varridos do tabuleiro político, e não há no horizonte novos líderes despontando. Resolvi pedir ao economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan, especializada em planejamento, gestão e cenários prospectivos, uma avaliação sobre os governadores mais promissores em atividade, nomes que podem aparecer, a médio e longo prazos, como eventuais alternativas políticas.

A Macroplan acompanha há longo tempo o desempenho de governantes, avaliando a qualidade da gestão pública no país, e tem visão detalhada de inovações em curso em governos estaduais. Porto confirma a sensação de ausência de lideranças no campo nacional, e de quadros que inspirem confiança para conduzir o país a uma trajetória de crescimento sustentável no longo prazo, mas identifica gestores diferenciados que eventualmente poderão ocupar esse imenso vazio.

Para Porto, a grave crise econômica coloca em evidência aqueles que mais têm trabalhado no ajuste estrutural das finanças públicas sem comprometer as entregas de serviços e obras à sociedade. Dos três que ele destaca numa primeira leva, apenas o governo do Espírito Santo é seu cliente.

O governador Paulo Hartung (PMDB) retornou ao cargo após um primeiro período de governo em que livrou o Espírito Santo do crime organizado e implantou um modelo de gestão política, estratégica e de austeridade fiscal reconhecido nacionalmente, especialmente pela capacidade de produzir respostas rápidas e em acordo com os demais Poderes do estado capixaba.

Não foi à toa que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, foi buscar em seu governo a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, que era secretária da Fazenda de Hartung.

“Apesar do ambiente de escassez de recursos, o governo capixaba prestou os serviços de Saúde, Educação, Segurança e Assistência Social sem interrupção, pagou servidores e fornecedores em dia e terminou 2015 reequilibrado do ponto de vista fiscal, situação nada comparável aos déficits de R$ 7,6 bilhões do Estado do Rio, R$ 2,6 bilhões de Minas e R$ 2,2 bilhões do Rio Grande do Sul”, analisa Porto.

Ele destaca o rigoroso ajuste de gastos de custeio de Hartung, com redução de cargos comissionados, renegociação de contratos de fornecimento e adequação dos investimentos à disponibilidade de recursos.

Outro que vem se destacando, para a Macroplan, é o governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori, também do PMDB. “Embora à primeira vista possam ser interpretadas como emergenciais ou meramente pragmáticas por serem inevitáveis, as medidas do governador Sartori de disciplinar gastos revelam que ele esboça uma reação estrutural”, analisa Porto.

Apoiado por coalizão empresarial e de líderes civis, Sartori liderou a aprovação da primeira Lei de Responsabilidade Fiscal estadual — com regras complementares à lei federal de 2000 — e tem objetivo de restringir concessão de reajustes salariais para outras administrações ou governantes pagarem, bem como limita contratações, criação de cargos e reajustes se a despesa com pessoal ultrapassar o limite de 60% da receita. Há poucos dias, o governo do RS ingressou com ação no Supremo contra o reajuste dos servidores dos demais Poderes do RS, aprovado pela Assembleia Legislativa.

O terceiro nome que se apresenta como contraponto ao desencanto com a política, para Porto, é o do governador de Mato Grosso, Pedro Taques, cujo currículo chama a atenção. Procurador da República antes de se eleger senador, em 2010, Taques foi protagonista na prisão de empresários e políticos acusados de corrupção, entre os quais o ex-senador Jader Barbalho.

O ex-pedetista, hoje tucano, tem trajetória em temas importantes, como combate à corrupção e elaboração do novo Código de Processo Civil; e, como governador, foi um dos mais firmes opositores à presidente Dilma. “No campo da gestão, Taques tem atuado fortemente na costura de parcerias com a iniciativa privada, principalmente no campo da Educação, fazendo entregas relevantes para a sociedade”, destaca Porto.

Partido que fala javanês - Dora Kramer

• Discurso do PT anda tão confuso que nem parece expressar-se em português

- O Estado de S. Paulo

A coerência nunca foi uma característica cultivada pelo PT, mas de um tempo para cá, desde que o infortúnio bateu com força em sua porta, a desconexão entre a realidade e a fantasia vem assumindo dimensões amazônicas nas falas e nos gestos dos petistas. Discursos e ações tão confusos que parecem ditados em idioma desconhecido.

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva ainda se tem na conta de um líder com identificação e, portanto, apoio popular. Assim dizem considerá-lo os petistas, apontando a preferência do eleitorado por ele, como candidato a presidente em 2018. Nas mesmas pesquisas aparece também como o “preferido” em matéria de rejeição, embora esse seja um detalhe que nunca venha ao caso quando dele se trata.

Pois como entender que ele assuma posição de ataque direto ao juiz Sérgio Moro, denunciando ao mundo como deletéria sua atuação na Lava Jato, que tem sustentação na lei e, por isso, aprovação absoluta na sociedade? Uma de três: ou não está ligando para o apoio popular porque deu por encerrada a carreira político-eleitoral ou aposta na impossível hipótese de a ONU aceitar a tese da “perseguição política” ou constrói uma falsa justificativa para quando, e se, for preso.

Moro, hoje, é um ídolo e a Lava Jato um símbolo da bandeira original do PT da defesa pela ética na política. Quem se posiciona contra ambos se coloca na contramão da demanda social.

Nessa trilha, como compreender que o PT denuncie o processo de impeachment como “golpe” e ao mesmo tempo apoie a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ) – tido como uma das pontas de lança do “golpismo” – para a presidência da Câmara. Pragmatismo poderia ser uma explicação se o resultado do apoio não fosse inócuo. Mas, pior. Resultou em derrota, dado que ao PT nenhum benefício decorreu da aliança firmada da disputa pelo comando da Câmara. O partido ficou com o malefício sem que tenha obtido qualquer benefício.

O dilema petista se exacerba quando o tema é a atitude a tomar nas eleições municipais de outubro próximo. Dizer o quê? Insistir na existência de um golpe ou se concentrar nos assuntos locais atinentes aos problemas das cidades? O golpe é desmentido pelos fatos, e a administração urbana retratada nos índices de rejeição a Fernando Haddad nas pesquisas sobre a possibilidade de se reeleger prefeito de São Paulo.

De onde é impossível entender o que diz o PT que abandonou de vez o português para se comunicar em javanês.

Para todos. Na proposta de reforma da Previdência a ser apresentada ao Congresso depois das eleições trabalhadores rurais deixarão de ter os benefícios adquiridos na Constituinte (em boa medida responsáveis pelo déficit geral), passando a contribuir de maneira mais equilibrada, e os funcionários públicos terão cortados alguns privilégios de modo a tornar mais igual a relação com o setor privado.

Jucá de volta. O governo não desistiu de ter o senador Romero Jucá como titular do Planejamento. Jucá deixou o cargo uma semana depois de nomeado por causa da divulgação de gravações em que fala sobre a necessidade de “estancar a sangria” da Lava Jato. Ele é investigado pela operação e alvo de outro processo no Supremo Tribunal Federal (STF).

Na ocasião do afastamento, Jucá pediu ao Ministério Público que dissesse se há ou não impedimento legal para que ele assuma o posto. Isso tem um mês e meio e o MP ainda não se pronunciou. No Planalto o tempo de espera está se esgotando. Se não houver pronunciamento em breve, valerá a interpretação de que quem cala consente.

Não por outro motivo nem por coincidência, Dyogo Oliveira continua sendo tratado e nominado como interino.

‘O mais pesado’ Eliane Cantanhêde

• Principal liderança do País, Lula vai esgotando possibilidades para 2018

- O Estado de S. Paulo

A “fonte” é quente: o que já saiu não é nada leve, mas as denúncias “mais pesadas” contra o ex-presidente Lula ainda estão por vir. É por isso que Lula e seus advogados se antecipam, em busca de uma duvidosa proteção no Comitê de Direitos Humanos da ONU. No ambiente político, a sensação é de que foi um ato de desespero, indicando que Lula sabe que pode ser preso e estaria aplainando terreno para um futuro pedido de asilo político.

Obstrução de Justiça ao tentar evitar delações premiadas contra amigos e contra si, ocultação de patrimônio no caso do sítio e do triplex, suspeita de palestras fictícias para empreiteiras, envolvimento do filho na Zelotes... tudo isso, que já não é pouco, é apenas parte da história. Os investigadores estão comendo o mingau pelas bordas, até chegar ao centro, fervendo.

No centro, podem estar as perigosas relações de Lula com o exterior, particularmente com Portugal, Angola, Cuba e países vizinhos. E o calor vem da suspeita – com a qual a força-tarefa da Lava Jato trabalha – de que Lula seja o cérebro, ou o chefe da “organização criminosa”. No mensalão, ele passou ao largo e José Dirceu aguentou o tranco. No petrolão, pode não ter a mesma sorte – nem escudo.

Lula tornou-se réu pela primeira vez, na sexta-feira, pelo menor dos seus problemas com a Justiça: a suposta tentativa de evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, para que ele não abrisse o bico sobre as peripécias de seu amigo José Carlos Bumlai. Peripécias essas que seriam para atender a interesses, conveniências e possivelmente pedidos de Lula.

Digamos que tentar obstruir a Justiça é um “crime menor”, quando Lula é suspeito de ter ganho fortunas e viver à custa de empreiteiras, numa rede de propinas, de toma lá, dá cá. Menor, mas impregnado de simbologia e de força política.

Os fatos embolaram-se de quinta para sexta-feira, num ritmo de tirar o fôlego. Lula entra com a petição no Comitê da ONU, acusando o juiz Sérgio Moro de “abuso de poder” e “falta de imparcialidade”. Ato contínuo, sai o laudo da PF mostrando, até com detalhes constrangedores, como o ainda presidente e Marisa Letícia negociaram cada detalhe da reforma de um sítio que juram não ser deles e cujo dono oficial é um íntimo amigo que não tem renda para tal patrimônio. E, já no dia seguinte, explode a decisão da Justiça Federal do DF tornando Lula réu.

O efeito prático da petição à ONU é remoto, ou nenhum. O comitê tem 500 casos, só se reúne três vezes por ano e está esmagado por guerras, atentados que matam dezenas e golpes de Estado sangrentos. Além disso, só acata pedidos semelhantes quando todas as instâncias se esgotaram no país de origem e Lula ainda está às voltas com a primeira instância. Conclusão: a ação é mais política do que jurídica.

Já o laudo da PF é minucioso e bem documentado, criando uma dificuldade adicional para Lula: ele é suspeito de mentir sobre suas propriedades não apenas em seu depoimento às autoridades, mas à própria opinião pública. Difícil acreditar que não é dono do sítio que frequenta regularmente com a família, que recebeu uma reforma feita ao gosto do casal, que abriga os barcos para os netos e parte da mudança do Alvorada após o governo. Se mentiu, por que mentiu?

Mais: Lula atacou Moro na ONU, mas se torna réu por um outro juiz, a muitos quilômetros de Curitiba. Vai alegar que há um complô dos juízes brasileiros contra ele? Porque são todos “de direita”? Ou são todos “tucanos”? Lula parece dar murro em ponta de faca, sem argumentos concretos para se defender e esgotando suas possibilidades não só de disputar em 2018, mas de liderar uma grande e saudável renovação da esquerda brasileira. “Cansei”, reagiu. Mas, se a “fonte” estiver correta, o “mais pesado” ainda vem por aí.