quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Trump representa perigo imenso para o mundo

O Globo

Prévias republicanas mostram que é preciso desde já levar a sério o risco de sua volta à Presidência

As duas primeiras prévias do Partido Republicano — nos estados de Iowa e New Hampshire — confirmaram o favoritismo de Donald Trump. Descartados efeitos de eventos imprevisíveis, como condenações judiciais nos processos em que é réu, o mais provável é que seu nome esteja nas cédulas em novembro. Pelas pesquisas, ele hoje derrotaria o presidente Joe Biden, virtual candidato democrata, na maioria dos estados necessários para vencer a eleição. É verdade que tudo pode acontecer até lá, mas o risco de uma eventual vitória de Trump precisa ser levado a sério desde já.

Líderes políticos e empresariais de todo o mundo começam a traçar cenários sobre sua volta à Casa Branca. Não causa surpresa que as conclusões sejam preocupantes. As avaliações, afinal, não são feitas com base em suposições. Nos quatro anos em que ocupou a Presidência, entre 2017 e 2020, Trump criou um clima de caos e incerteza em torno de sua personalidade errática e mercurial. Desagradou mais a aliados que a inimigos históricos dos Estados Unidos. Foi explícito ao pôr em questão a Otan, aliança militar com os europeus. Aproximou-se de Vladimir Putin, Kim Jong-un e outros autocratas. Num eventual segundo mandato, a única certeza é a incerteza.

Paulo Sternick* - A trama da desatenção

O Globo

O sentimento de impotência substitui o idealismo, e um realismo conformista ocupa o lugar que era do romantismo

‘Eu não sei dizer, nada por dizer, então eu escuto’ — diz a bonita letra musical. Podia ser frase de psicanalista à espera de um sinal do inconsciente, em meio ao jorro de falas do analisando. Mas também um canto retraído e perplexo do sujeito atual, diante dos absurdos que o cercam. Afinal, dizer o quê? Como se a palavra já tivesse morrido, tamanha sua inocuidade. E o escritor, enquanto nada articula, escuta sua alma discutir a função e a utilidade da escrita. O dilema paralisante pode ser injusto com os que precisam manter o espírito aceso por ideias que os ajudem a encontrar sentido para suas perplexidades.

Será o escritor capaz de atender à expectativa, emergir da banalidade e articular ideias instigantes, ressuscitando a palavra — como na arte que se afasta ou distorce a realidade para, em seguida, desvelar suas nuances? Pois bem. Uma conspiração mundial estaria em curso — anônima, inconsciente, coletiva. Mas, ao mesmo tempo, como se houvesse um desígnio subterrâneo, um projeto intencional, tão efetivo que se expressa em sua universalidade automática. Com a cumplicidade das vítimas. A estratégia é deixar todos os indivíduos desatentos. É uma conspiração da desatenção, de manter os seres entorpecidos — mesmo aqueles que, na superfície, parecem resistir e criticar.

Merval Pereira - Simulacros e arremedos

O Globo

Por que será que o presidente Lula se considera no direito de fazer de Guido Mantega — ministro da Fazenda do desastroso governo Dilma Rousseff, responsável pela fracassada “nova matriz econômica” — presidente da Vale? Será que ele não se lembra de que a Vale é uma empresa privada? Será que não sabe que os fundos de pensão das estatais são sócios minoritários, sem força para eleger o presidente da empresa? Será que não se convenceu de que os fundos de pensão de estatais não podem ser manipulados politicamente, pois acabam prejudicando os trabalhadores aposentados?

Até hoje há aposentados de estatais, como a Petrobras, que sofrem desconto do que recebem para compensar o prejuízo causado pelo petrolão. Claro que Lula sabe dessas coisas, e muito mais. Sabe que a vida da Vale pode virar um inferno se o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) ou a Agência Nacional de Mineração (ANM) quiserem boicotar a empresa nas concessões de licenças ambientais e de mineração.

Luiz Carlos Azedo - Eleição paulistana tem potencial de desagregar o governo

Correio Braziliense

Ao se engajar diretamente na disputa paulistana, Lula dá uma guinada à esquerda na sua política de alianças, que se estreita em São Paulo

O envolvimento direto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições para a Prefeitura de São Paulo é o epicentro de um realinhamento de forças políticas nas eleições municipais de consequências imprevisíveis. Até agora, Lula está se saindo melhor, com a refiliação de Marta Suplicy ao PT e sua indicação para a vice de Guilherme Boulos (PSol), o candidato de esquerda que lidera as pesquisas. Com isso, o candidato de Lula amplia suas possibilidades eleitorais em direção às periferias paulistas, onde a ex-prefeita é popular, e a sua capacidade de interlocução com a elite de São Paulo, da qual ela faz parte.

Na cidade de São Paulo, Lula venceu as eleições contra Bolsonaro. Obteve 3.677.921 votos, o que corresponde a 53,54% dos votos válidos, ante 3.191.484 votos — ou seja, 46,46% dos votos válidos do ex-presidente. Natural, portanto, que o prefeito Ricardo Nunes (MDB) busque o apoio da extrema direita, não apenas por intermédio do governador Tarcísio de Freitas (PR), mas com o engajamento direto do ex-presidente na sua campanha.

Maria Cristina Fernandes - Segurança pública sob comando bandeirante

Valor Econômico

Equação montada por Lula enfrentará teste. Estendeu ao grupo que comanda o enfrentamento ao bolsonarismo o poder sobre a segurança pública. E nomeou Dino para equilibrar o poder deste mesmo grupo no STF

O titular será um ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (Ricardo Lewandowski) e o secretário de segurança pública, um procurador-geral de Justiça (Mario Sarrubbo), a ser empossado graças ao apoio de um ex-SSP-SP que hoje é ministro do Supremo Tribunal Federal (Alexandre de Moraes). Não há dúvida de que o Ministério da Justiça terá domínio paulista.

A mudança não se limita ao sotaque bandeirante. Se o modo como se imbricam justiça e polícia em São Paulo for exportado para o Planalto, aguardem-se mudanças a reverberar para a política.

A mosca azul que pousou no STF com os inquéritos que caçam o bolsonarismo, ameaça aportar sobre a política de segurança pública. Se a Corte asfixia o bolsonarismo de um lado, o medo face à escalada do crime organizado o alimenta do outro.

Nelson Niero - É hora de os empresários voltarem a ter voz

Valor Econômico

Como o liberalismo, novo ou velho, não colou no país, continuamos atrás do Estado redentor

É certo, a se crer nas estatísticas, que a vida do empreendedor brasileiro melhorou nos últimos anos. Tome-se como medida o dado do Banco Mundial que mostra quantos dias demoram para se abrir uma empresa. O Brasil passou de 86,6 dias em 2013 para 16,6 dias em 2019 - comparado a meio dia na Nova Zelândia e 230 na Venezuela, só para situar o país entre dois extremos.

Um avanço significativo, porém pequeno diante das dificuldades que o candidato a empresário terá de enfrentar. Por exemplo, no indicador que mede a facilidade de se fazer negócios, o Brasil ficou na 140º posição, atrás do Senegal e à frente dos vizinhos Paraguai e Argentina. Nova Zelândia, outra vez no primeiro lugar, é seguida por Cingapura, país que a megavarejista de origem chinesa Shein escolheu como sede e de onde ela exporta seus produtos superbaratos para o Brasil.

Pedro Cavalcanti Ferreira/Renato Fragelli Cardoso* - A velha nova política industrial

Valor Econômico

Ao priorizar setores e aumentar as distorções e custos impostos ao resto da economia, a nova política industrial reproduz erros cometidos no passado

Nesta semana, o governo anunciou o plano Nova Indústria Brasil (NIB), uma nova política industrial. Ele tem coisas novas e coisas ruins. As novas não são boas.

O NIB parte da premissa de que uma indústria forte seja pré-condição para o desenvolvimento de uma nação. Diante da queda da participação da indústria no PIB brasileiro, observada nas últimas três décadas, o diagnóstico é que o país está se desindustrializando precocemente, não havendo possibilidade de os setores de serviços e agropecuária liderarem a retomada do crescimento. Conclui que, a fim de reverter o processo, uma nova política industrial se torna necessária.

Ocorre que isso já foi tentado no passado e não deu certo. Com raras exceções, após a retirada dos subsídios e apoios públicos, os setores beneficiados regrediram. A suposta novidade está no conceito de missões e de um setor público empreendedor. Esses pontos parecem ter como origem o pensamento da economista Mariana Mazzucato. A ideia de missão é congregar esforços de inúmeros órgãos públicos e do setor privado em torno de um objetivo estratégico. A atual política terá missões, ou objetivos temáticos, ligados aos setores de agroindústria, saúde, infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade.

William Waack - Elites e Estado indutor

O Estado de S. Paulo

Problema para políticas industriais, entre outras, é a escolha de estratégias

A recém-anunciada política industrial do governo foi chamada de velha pelo próprio Lula antes mesmo de começar, mas o problema não é ser uma ideia antiga. É não se conseguir entender o que aconteceu com o que já se tentou.

Na leitura que Lula faz do passado recente, tudo ia maravilhosamente bem até a derrota “das elites” na eleição de 2014. O esperneio de derrotados inconformados juntou-se à Lava Jato (e aos ianques) e tramou-se então o golpe que interrompeu o caminho natural das coisas, o da permanência indefinida do PT no poder.

Nessa visão histórica, não eram as políticas públicas que estavam equivocadas. Faltou tempo (devido à interrupção causada pelo golpe) para sua devida implementação. Nessa forma de se ver as coisas foram fatores puramente políticos que impediram, por exemplo, que dessem certo projetos como incentivar a indústria naval ou construir refinarias monumentais.

José Serra - O Brasil na era das ferrovias?

O Estado de S. Paulo

O esforço do governo em buscar receitas novas para financiar o desenvolvimento do setor está alinhado com a agenda mundial

Vem sendo anunciado um plano para ampliar a malha ferroviária no Brasil, mediante a retomada de investimentos públicos em parcerias público-privadas no setor. Ao sinalizar uma estratégia de desenvolvimento – sem a falsa narrativa de que o capital privado pode financiar sozinho os gargalos no setor, o Ministério dos Transportes indica que o Brasil se insere na agenda global de investimentos em infraestrutura ferroviária.

Como autor do projeto de lei que se converteu no Marco Legal das Ferrovias – Lei n.º 14.273, de 2021 –, vejo com bons olhos a proposta do governo. Fui um crítico do teto de gastos e um dos parlamentares a propor um novo arcabouço fiscal, para preencher lacunas que hoje ainda estão na Lei de Responsabilidade Fiscal. Na vigência do teto, prevaleceu no País a ideologia de que o setor privado pode resolver sozinho todos os gargalos da infraestrutura de grande vulto, em especial ferrovias. Virou pecado falar em um orçamento de capital para promover o setor.

Eugênio Bucci - O fator humanista das emissoras públicas

O Estado de S. Paulo

A democracia depende da existência de uma população educada, culta e questionadora, assim como a pregação totalitária depende de massas ignorantes, raivosas e obedientes

Desde o final de semana, protestos eclodiram em dúzias de cidades da Alemanha. Nas ruas de Berlim, Munique, Hamburgo, Dresden, Colônia e outros centros urbanos, centenas de milhares de manifestantes marcharam juntos. O objetivo foi um só: repudiar os planos da extrema direita de expulsar do país milhões de imigrantes, mesmo aqueles que já tenham cidadania.

A conspiração de xenofobia era mantida em segredo, mas foi revelada por uma reportagem investigativa do Correctiv, um site jornalístico independente, apartidário e sem fins lucrativos. Logo após veiculação da notícia, as passeatas vieram. Foram a primeira reação, em tempo devido e em bom volume, e foram bem recebidas pela opinião pública internacional.

Mas, como sabemos, passeatas não bastarão para barrar a intolerância e o ódio que grassam na Europa. No ano passado, extremistas de direita ganharam posições mais altas na Suécia e na Holanda. Agora, de modo perturbador, surge esse fato novo na Alemanha. O que mais vem por aí? Será que estamos à beira de um revival da distopia da morte, na terra que é o berço e o túmulo do nazismo?

Celso Ming - Um plano de muitas intenções

O Estado de S. Paulo

Não são apenas os jornalistas rabugentos que receberam com críticas a recém-anunciada política industrial, que leva o título de Nova Indústria Brasil.

Até o presidente Lula reclamou da falta de “pontos concretos” e também de “problemas nos prazos para o cumprimento das metas estabelecidas”, conforme revela matéria da Folha de S.Paulo desta quarta-feira.

De dentro do Ministério da Fazenda também foram disparadas flechadas envenenadas. O assessor especial e coordenador da agenda verde do Ministério da Fazenda, Rafael Dubeux, declarou ao Estadão que a política industrial deveria ter como objetivo o aumento da competitividade, e não a proteção da indústria. E, no entanto, são vários os tipos de protecionismo que transparecem no plano.

Bruno Boghossian - Candidatura de Trump coroa degeneração da direita americana

Folha de S. Paulo

Republicanos abraçam populismo e incorporam extremismo trumpista sem olhar para trás

Ron DeSantis gastou milhões de dólares para convencer os republicanos a indicarem um candidato um pouco mais normal do que Donald Trump. Nikki Haley defendeu muitas das propostas do ex-presidente, mas disse que era hora de deixar o caos para trás. O primeiro foi moído nas eleições primárias. A segunda deve ter o mesmo destino.

Se a escolha de Trump como candidato em 2016 pareceu uma pegadinha e sua derrota em 2020 soou como um alerta, a provável indicação do ex-presidente para disputar a Casa Branca em 2024, com boas chances de vitória, coroa uma transformação decisiva na direita americana.

Maria Hermínia Tavares* - O que ele não poderia dizer

Folha de S. Paulo

Difícil entender por que um político de ficha democrática ceda a intolerância que aviva a polarização e beneficia a extrema direita

Em toda parte, a radicalização sempre foi um empreendimento das lideranças políticas, gerido por seus seguidores mais ativos. No Brasil, desde as eleições de 2014, a disputa pelo poder se encrespou.

O impeachment de Dilma Rousseff e o terremoto no campo da direita que culminou com a eleição de Jair Bolsonaro só fizeram nutrir a radicalização de posições. No governo, o ex-capitão dedicou-se a cevá-la.

O resultado do pleito de 2022 e a derrota da intentona do 8/1 sustentam a crença confortável de que tudo aquilo foi parar na proverbial lata de lixo da história. Um governo de amplíssima coalizão, chefiado por um grande negociador, parece ter sucesso em atrair as forças da direita mais pragmática.

Ruy Castro - Porta afora, alegremente

Folha de S. Paulo

Se estivesse vivo, Nelson Rodrigues acharia o furto de seu busto no cemitério a glória definitiva

"Vestido de Noiva" (1943), peça de Nelson Rodrigues, começa com o atropelamento da protagonista, a tentativa de salvá-la na mesa de cirurgia e sua morte. "Valsa nº 6" (1951) é o monólogo de uma menina morta. "A Falecida" (1953), a história de uma mulher que quer um enterro de luxo, com cavalos de penacho. O romance-folhetim "Asfalto Selvagem" (1959), uma festa de mortes naturais, suicídios e assassinatos, sempre por amor.

Toda a obra de Nelson Rodrigues, em teatro, ficção ou crônica, é uma galeria de viúvas (algumas, porém, honestas), mulheres de luto, crianças-fantasmas e figuras espectrais. Sua vida, aliás, foi definida pelo assassinato de seu irmão e consequente morte de seu pai. E ninguém escreveu mais sobre velórios. A morte era o grande assunto de Nelson.

Poesia | Tenho tanto sentimento, de Fernando Pessoa

 

Música | Lenine com Casuarina - Eu quero é botar meu Bloco na rua