quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

IHU On-Line – Como o parlamento tem reagido a esse projeto e às tentativas do governo de colocar seu projeto em curso?

Luiz Werneck Vianna – O parlamento tem afrontado tudo isso. Embora esse parlamento tenha uma representação mais fraca do que alguns anteriores, ele é expressivo da nossa cultura política e, para ele, há limites. Ele tem deixado isso claro. Essa não é uma novidade, porque isso apareceu no transcurso do ano que passou. Mas há novidades na emergência de novas lideranças intelectuais muito relevantes.

IHU On-Line – Quais, por exemplo?

Luiz Werneck Vianna – Armínio Fraga, por exemplo, que vem do campo liberal e contesta o neoliberalismo primitivo com o qual o governo desempenha seu papel. Ele está atento à questão social, à necessidade de enfrentar as imensas desigualdades brasileiras e, não à toa, ele está sendo cortejado pela classe política como um novo intérprete – um intérprete interessante – do status quo que estamos vivendo.

O imperialismo político, longe de estar banido da cena pública brasileira, se fortalece a cada passo. Inclusive, encontra muita expressão na vida institucional, especialmente no parlamento e no poder Judiciário, sobretudo no Supremo Tribunal Federal, que tem servido como marcador da resistência da sociedade a esse projeto do governo que visa a sua desfiguração.

É uma guerra de posição em que estamos empenhados: governo de um lado, sociedade do outro. No horizonte não há nada que diga que uma das posições vai ceder para o avanço da outra; então, é uma guerra de posição continuada. Agora, a continuidade dela favorece mais a sociedade do que o governo, porque deixa à vista de todos que o governo trabalha com certas limitações políticas e institucionais. Ele não pode tudo, embora ele tente, a cada passo, um avanço; tenta sair da sua trincheira e avançá-la um pouco a mais, mas é obrigado a voltar, porque não consegue consolidar suas posições mais à frente. Por que o governo resiste tanto? Porque tem o apoio das elites econômicas, especialmente das elites financeiras. Mas isso não basta. Nem aqui nem em lugar algum isso bastou, especialmente numa sociedade complexa como a nossa, num país continental, numa federação desigual. As dificuldades para isso são muito grandes. Eu diria que é uma impossibilidade, até.

Para onde estamos andando? Para que essa guerra de posição cada vez mais se sofistique, para que a sociedade recupere os seus movimentos. Coisas novas estão ocorrendo. Por exemplo: a revitalização da Associação Brasileira de Imprensa - ABI; toda a experiência acumulada na luta contra o regime de 64 está vindo à superfície. A sociedade pode resistir pelo fortalecimento dela própria, das suas agências, da sociedade civil.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio, Em entrevista 13/1/2020

Merval Pereira - Rabo de baleia

- O Globo

Silenciosamente, a equipe econômica continuou trabalhando, preparando os documentos para entrar na OCDE

Assim como foi um golpe político negativo para o governo Bolsonaro o anúncio, no ano passado, de que os Estados Unidos estavam apoiando a entrada da Argentina na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em detrimento da promessa feita de apoio ao Brasil, hoje, com a mudança de planos de Trump, também o governo Bolsonaro tem seu momento de vitória política.

Importante notar que a política externa brasileira, desta vez, curvou-se aos interesses econômicos do país e não reagiu intempestivamente contra o anúncio dos Estados Unidos. O que parecia uma submissão, na verdade era informação. Silenciosamente, a equipe econômica continuou trabalhando, preparando os documentos necessários para a entrada na OCDE.

O reconhecimento da relevância regional do Brasil tem um significado político importante, e a estratégia dos Estados Unidos fica clara. Ao anunciar o apoio à Argentina, dava um voto de confiança ao governo Macri, na tentativa de reverter a eleição argentina, naquela altura já amplamente favorável ao peronista Alberto Fernandes.

Luiz Carlos Azedo - Entre dois polos

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A China continuará sendo o nosso principal parceiro comercial, mas não temos o mesmo poder de barganha dos EUA para defender nosso parque produtivo no novo cenário global”

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, assinaram, ontem, a primeira fase do acordo comercial entre os dois países, depois de uma guerra comercial que durou um ano e meio e abalou a economia mundial. O ponto central do acordo é uma promessa da China de comprar mais US$ 200 bilhões em produtos dos EUA ao longo de dois anos, para reduzir o deficit comercial bilateral com os norte-americanos, que chegou a US$ 420 bilhões em 2018. A China se compromete a comprar produtos manufaturados, agrícolas, energia e serviços dos EUA.

“Hoje (ontem), demos um passo crucial, que nunca tínhamos dado antes com a China”, disse Trump durante a cerimônia na Casa Branca. O pacto entre os dois países pode ter o papel de desanuviar não somente o ambiente econômico, mas também o ambiente político mundial, que vive uma escalada de tensões, a principal, agora, entre os Estados Unidos e o Irã, tendo por epicentro o controle do Iraque. A guerra comercial resultou no aumento das tarifas alfandegárias por ambos os lados, no valor de centenas de bilhões de dólares em mercadorias, o que afetou mercados financeiros, cadeias de fornecimento e o crescimento global.

Em números, a situação é a seguinte: os Estados Unidos vão manter tarifas de 25% sobre uma vasta gama de US$ 250 bilhões em bens e componentes industriais chineses usados pela manufatura norte-americana, até a segunda fase do acordo, mas a China deve comprar US$ 12,5 bilhões em produtos agrícolas dos EUA no primeiro ano e US$ 19,5 bilhões, no segundo ano; US$ 18,5 bilhões em produtos de energia no primeiro ano e US$ 33,9 bilhões, no segundo ano; US$ 32,9 bilhões em manufaturados dos EUA no primeiro ano e US$ 44,8 bilhões, no segundo ano; e US$ 12,8 bilhões em serviços dos EUA no primeiro ano e US$ 25,1 bilhões, no segundo ano.

O que vai acontecer depois, ninguém sabe ainda, mas as repercussões e projeções do que já foi acertado certamente serão discutidas na reunião de Davos, à qual o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que pretende comparecer. De certa forma, o acordo roubará a cena do Fórum Econômico Mundial, que completa 50 anos e cuja pauta está focada na questão ambiental. Muitos chefes de Estado estarão presentes, além de grandes executivos e personalidades. Qual será a repercussão do acordo entre os Estados Unidos e a China para o Brasil? De certa forma, o acordo favorece os norte-americanos em relação ao nosso agronegócio, seja pela demanda cativa, seja pela vantagem estratégica em termos logísticos.

Míriam Leitão - Valor das reservas, segundo Meirelles

- O Globo

Henrique Meirelles acha que o BC tem espaço para vender reservas, diz que São Paulo cresce o dobro da média nacional e gerou 40% das vagas

São Paulo está crescendo num ritmo que é o dobro da taxa brasileira e criou 40% dos empregos formais do ano passado, segundo o secretário de Fazenda do estado, Henrique Meirelles. Quando foi presidente do Banco Central no governo Lula, Meirelles iniciou a política de acumulação de reservas cambiais. O BC atual está vendendo reservas. Para Meirelles, isso é normal e não representa risco nem mesmo num contexto de volta do déficit em transações correntes. Sobre a reforma tributária, ele acha que o melhor caminho seria o do substitutivo apresentado pelos estados aos dois projetos no Congresso, mas lamenta a falta de definição do governo federal.

Meirelles disse que a projeção para o crescimento fechado do ano passado é de 2,6% no estado e em 2020 será entre 3% e 3,5%:

— Imagina 2019 se o Brasil tivesse crescido à taxa de São Paulo. Agora, tire São Paulo da taxa nacional e o país teria crescido só 0,3%, por aí.

Segundo ele, os setores de serviços, comércio e indústria estão crescendo forte, principalmente os mais intensivos em mão de obra como construção civil.

— Nos serviços, em 12 meses até novembro, o país teve 0,9% e São Paulo teve 3,2%. A indústria caiu 1,1% no país, enquanto em São Paulo cresceu 0,3% — disse.

Bernardo Mello Franco - Witzel é responsável pela crise da Cedae

- O Globo

Enquanto os cariocas recebem água suja, o governador Wilson Witzel passa férias em Orlando. Ele é responsável pela crise da Cedae, loteada para o Pastor Everaldo

Há cinco anos, o então secretário de Ambiente do Rio mergulhou na Baía de Guanabara diante das câmeras. André Corrêa queria provar que a água poluída não seria um risco para as Olimpíadas. Os atletas sobreviveram, mas tiveram que desviar do lixo durante as regatas.

Ontem o presidente da Cedae praticou outro ato de bravura: tomou um copo d’água diante de jornalistas. Hélio Cabral disse que em casa só bebe água da torneira. Se for verdade, ele deveria abrir as portas para os clientes da companhia que dirige.

Há duas semanas, moradores do Rio e da Baixada Fluminense recebem uma água turva, malcheirosa e com gosto de terra. A Cedae alega que não há risco à saúde, mas os casos de mal-estar se multiplicam. Na dúvida, a população tem corrido aos supermercados para comprar e estocar água mineral.

Diante da crise, o Palácio Guanabara adotou a tática do avestruz. Fã da Disney, o governador Wilson Witzel não quis interromper as férias em Orlando. Depois de 12 dias de silêncio, tuitou que os transtornos causados pela Cedae são “inadmissíveis”.

O governador afirmou ter ordenado uma “apuração rigorosa tanto da qualidade da água quanto dos processos de gestão da companhia”. Acrescentou que “o consumidor não pode ser prejudicado”.

Huck propõe renovação ‘do topo para a base’

Em artigo no site do Fórum Mundial de Davos, apresentador cita ‘desafios’ do País

- O Estado de S. Paulo

Potencial candidato à Presidência da República em 2022, o apresentador de TV e empresário Luciano Huck afirmou que o Brasil precisa “restaurar” e “renovar” suas lideranças políticas do “topo para a base”. “Lideranças e políticas públicas responsáveis e representativas são fundamentais para revitalizar o contrato social. Isso não vai acontecer espontaneamente. Requer um esforço consciente para investir em talentos e atraí-los”, diz Huck em artigo publicado ontem no site do Fórum Econômico Mundial.

O apresentador é ligado a movimentos de renovação política como Agora! e RenovaBR e é cotado como possível candidato de uma frente de centro na próxima eleição presidencial. Huck participará do fórum em Davos, na Suíça, que ocorrerá entre os dias 21 e 24 deste mês.

“Em 2017, entrei no Agora!, um dos vários movimentos cívicos dinâmicos que investem em uma nova geração de líderes comprometidos com um Brasil mais inclusivo e sustentável. E, em 2018, cofundei a RenovaBR, atraindo mais de 4.600 inscrições de pessoas que nunca haviam se envolvido em política para treinamento em governança e ética. Dos 120 candidatos aprovados, 17 foram eleitos naquele ano”, escreveu ele.

Embora nunca tenha se colocado publicamente como possível presidenciável em 2022, o nome de Huck tem surgido com frequência nas articulações em torno de uma candidatura de centro promovidas por nomes como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung. Recentemente, Huck também se encontrou com o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

Na disputa presidencial de 2018, Huck chegou a conversar com vários partidos, mas não entrou na disputa..

‘Desafios’. No texto publicado ontem, o apresentador lista três “desafios” do Brasil e do mundo para o futuro: as queimadas e o desmatamento na Amazônia, a redução da desigualdade e a renovação de líderes políticos. Para ele, o País terá um “papel de liderança” na próxima década, em razão de seus “imensos recursos naturais” e seu “estoque impressionante
de recursos humanos”.

“Mas (o Brasil) também é convulsionado pela alta desigualdade e pela pobreza crescente. Para complicar, estamos enfrentando uma crise de liderança política e esquivando de nossas responsabilidades internacionais”, disse o apresentador.

Huck também criticou a atual política ambiental do governo de Jair Bolsonaro.

“Apesar dos esforços das autoridades brasileiras para ocultar o problema, os dados de satélite do próprio Ministério da Ciência mostraram que as taxas de desmatamento atingiram os níveis mais altos em duas décadas”, escreveu. De acordo com ele, é necessário “novo e radical paradigma” para garantir a administração sustentável da biodiversidade do País. “Deve haver tolerância zero ao desmatamento e foco na melhoria da produtividade das áreas onde as florestas já foram cortadas. Aproximadamente 90% do desmatamento na Amazônia é ilegal e pelo menos dois terços dos 80 milhões de hectares de terras desmatadas são subutilizados, degradados e abandonados”, afirmou. “Tão importante quanto o agronegócio sustentável, são a expansão do ecoturismo, o investimento em pesquisas em biotecnologia e o desenvolvimento de produtos da floresta tropical comercializados de maneira justa.”

Em relação à desigualdade, o apresentador falou em colocar o tema no “topo” da agenda nacional em 2020. “O aprofundamento da desigualdade social e econômica está reconfigurando fundamentalmente as políticas doméstica e internacional”, disse. Considerou ainda que o Brasil adota “dinâmica” de outros governos que, segundo ele, se voltam ao “nacionalismo e protecionismo reacionários”.

Eugênio Bucci* - Um véu de religiosidade para o fascismo

- O Estado de S. Paulo

Na virada do ano o pretexto foi o Porta dos Fundos. E no mês que vem?

Agora o pretexto foi o especial do Porta dos Fundos, a produção humorística chamada A Primeira Tentação de Cristo (em cartaz no Netflix). De pronto as falanges do moralismo rabugento alegaram que o filme afronta as tradições cristãs e ato contínuo desferiram seus ataques. Uma vez mais a intolerância que vem sufocando a vida cultural brasileira mostrou sua face medonha. Sombras cobriram as festas de fim de ano.

O pesadelo começou na véspera de Natal, quando um grupo de vândalos jogou coquetéis Molotov na sede do Porta dos Fundos, no Rio de Janeiro, espalhando labaredas pelo estabelecimento. Em seguida, num vídeo sinistro que circulou nas redes sociais, uns tipos mascarados, falando em nome de um integralismo funesto, assumiram a autoria do atentado. Contra a comédia de ficção, o terrorismo real se impôs.

A polícia rapidamente passou a investigar o crime, mas não conteve a tensão. Não houve trégua natalina. No dia 7 de janeiro, um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou que a atração fosse retirada do cardápio do Netflix. Ou seja, depois da violência física, veio a castração simbólica: censura judicial. A medida só não fez mais estragos porque em 48 horas o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, restabeleceu a normalidade constitucional e derrubou a proibição infundada.

Vera Magalhães - Toffoli mantém juiz de garantias, mas limita atuação e adia entrada em vigor

- O Estado de S. Paulo

Presidente do STF negou pedidos de liminar para suspender o dispositivo, mas disciplinou sua adoção

Meio termo. Dias Toffoli negou os pedidos feitos por partidos como Podemos e PSL e entidades como a AMB para sustar, por inconstitucional, a criação da figura do juiz de garantias, que conduzirá os processos na fase de investigação. Como dissemos no nosso relatório semanal Fique de Olho, no BRPolítico, Toffoli não deixou a questão para o vice-presidente da Corte e relator das ações, Luiz Fux, que tem postura mais contrária ao dispositivo do juiz de garantias. Mas em sua pormenorizada decisão, o presidente do Supremo mitigou em vários pontos a lei aprovada pelo Congresso.

Depois e mais brando. Em primeiro lugar, Toffoli prorrogou em seis meses o prazo para que o Judiciário ponha em prática a divisão dos processos entre dos juízes. Trata-se de uma decisão perfeitamente razoável: era impraticável que uma medida que altera totalmente a rotina da Justiça passasse a vigorar na semana que vem. Além disso, ele excetuou casos que não terão a atuação de juiz de garantias (aqueles que hoje são decididos por tribunais do júri e os da Justiça Eleitoral) e sustou a determinação de que em comarcas com um juiz seja feito um rodízio com outras comarcas.

Consultas antes de decidir. Toffoli conversou com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre. Também ouviu o ministro Sérgio Moro (Justiça), numa aproximação surpreendente, já que o presidente está na ala de ministros do STF que têm sistematicamente questionado métodos e procedimentos da Lava Jato, operação que notabilizou Moro e da qual ele é um defensor ardoroso. Além do fim do rodízio, vieram do ministro o pedido de adiamento da vigência da lei e da suspensão de uma determinação de que juízes que tiverem acesso a uma prova ilegal sejam impedidos de julgar.

Ele gostou. O resultado foi que Moro elogiou a decisão de Toffoli nas redes sociais. Embora tenha reiterado que, na sua opinião, a simples adoção do juiz de garantias seja um erro, o ministro disse que a decisão do presidente do STF ajuda a corrigir falhas na lei aprovada por deputados e senadores (faltou ele dizer que ela foi sancionada desta maneira por seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, depois de consulta ao próprio Toffoli).

William Waack - OCDE e resultados

- O Estado de S.Paulo

O governo brasileiro comemora um gesto amistoso do governo americano

Dá para entender a empolgação do governo brasileiro com a renovada garantia verbal de Washington de apoiar o Brasil como primeiro da fila para ingresso na OCDE. Trata-se de comemorar algum carinho vindo de Trump, depois de vários tapas.

A OCDE congrega aproximadamente 80% do comércio e investimentos mundiais, e aí estão incluídos os 36 integrantes da organização e seus “key partners”, entre os quais figuram Brasil, China, Índia, Indonésia e África do Sul. Na América Latina, o México faz parte desde 1994, e o Chile, desde 2010. A Colômbia foi convidada oficialmente em 2018 e, desde 2015, a OCDE negocia a entrada da Costa Rica.

A mais recente adesão foi da pequena Lituânia, completando o “cerco” de países bálticos junto à Rússia, cujo acesso foi congelado em 2014 logo após a anexação da Crimeia. É óbvio que é um gesto político a aceitação de países na organização – cuja lista de membros iniciais em 1961 obedecia às principais alianças políticas e militares ocidentais da (mais as então “neutras” Áustria e Suíça).

Zeina Latif* - Os informais

- O Estado de S.Paulo

O emprego sem carteira é a porta de saída do desemprego para muitos

A informalidade no Brasil sempre foi muito elevada, fruto de um ambiente de negócios disfuncional. Depois de anos de aumento persistente, a informalidade no mercado de trabalho engatou uma trajetória de queda entre 2005 e meados de 2014, como resultado de ganhos de produtividade na economia e crescimento mais robusto.

Nos últimos anos, uma reversão de tendência. A informalidade atingiu 42% dos ocupados, somando os empregos sem carteira e empregadores/trabalhadores por conta própria sem CNPJ, ante 38% no pré-crise.

A elevação da informalidade é algo esperado na crise e no início da recuperação econômica. Afinal, incerteza elevada gera postura mais conservadora de empregadores e empreendedores. O que difere o momento atual é a duração do ciclo de alta. Já se vão 5 anos. Porém, isso não deveria ser surpresa, tendo em vista a própria natureza da crise econômica.

A recessão profunda e prolongada deixou sequelas. Primeiro, algo mais transitório: a frágil situação financeira de empresas e indivíduos limitou a capacidade de recuperação da economia, uma vez iniciado o ajuste da política econômica no governo anterior. Segundo, algo estrutural: o abalo na capacidade de crescimento do País, com a expressiva redução do investimento produtivo. Nesse quadro de fragilidade, é natural um aumento prolongado da informalidade.

Maria Hermínia Tavares* - Nasce uma estrela

- Folha de S. Paulo

Ministra Damares quer ser a mãe dos mais carentes entre os pobres e remediados

Damares Alves é uma das duas mulheres no primeiro escalão de um governo de homens brancos de meia idade. Ocupa a segunda posição entre os ministros mais bem avaliados de Jair Bolsonaro, depois de Sergio Moro —de longe o mais conhecido e popular.

Segundo pesquisa Datafolha de dezembro passado, dos 55% que disseram saber de quem se tratava, 43% consideravam a ministra ótima ou boa, o dobro daqueles que lhe atribuíram conceito ruim ou péssimo. Entre os seus admiradores não há diferença entre sexos.

Ela é bem-vista igualmente por pessoas de diferentes faixas de idade; apenas junto aos mais jovens seu prestígio é menor. Situa-se acima da média entre os entrevistados com educação fundamental e média. Cai, porém, na parcela de nível universitário.

À exceção dos mais ricos, que recebem de dez salários mínimos para cima, a porcentagem dos que lhe dão nota ótima ou boa é constante. Não por acaso, talvez, são do Sul os brasileiros que a aprovam com mais entusiasmo, e do Nordeste os mais reticentes.

Fernando Schüler* - Apesar dos alarmistas, um país normal

- Folha de S. Paulo

Boa parte das pessoas julga a qualidade da democracia a partir de seu humor político

As teorias sobre o “risco democrático” inundaram os jornais brasileiros desde a eleição de Bolsonaro. Perdi a conta de quantas vezes me perguntaram, em debates ou entrevistas, sobre o “grau de risco” em que se encontravam nossas instituições.

Uma variação desse discurso é a ideia de que vivemos uma fase de “anormalidade”. Em certos momentos, eram as derrotas do governo no Congresso; em outros, algum bate-boca na internet. Visto com a pátina do tempo, tudo isso parece incrivelmente tedioso. Difícil situar o Brasil em um ranking imaginário de normalidade democrática. É provável que nos situássemos bem à frente do Chile ou da Bolívia, e seguramente atrás do Uruguai. Confesso não ter o instrumento que mede essas coisas.

Boa parte das pessoas julga a qualidade da democracia simplesmente a partir de seu humor político. É o que mostrou o The Democracy Project, apresentado em 2018 pelo Penn Biden Center, pela Freedom House e pelo George W. Bush Institute. Perguntados se consideravam haver um “perigo real dos Estados Unidos se tornar um país autoritário”, 57% dos simpatizantes democratas respondiam que sim. Pela mesma margem, os simpatizantes republicanos diziam que não.

É interessante perceber como o mesmo sentimento de “risco democrático”, na direção oposta, funcionou à época do governo Dilma, quando já se formava a onda conservadora que daria na vitória de Bolsonaro, em 2018. A ideia difusa de que “estivemos prestes a nos tornar uma Venezuela”.

Vinicius Torres Freire - O ano 2019 ainda não terminou bem

- Folha de S. Paulo

Economia fraquejou em novembro, mas crescimento medíocre de 2% ainda está à vista

O baticum do Carnaval já está na TV, tem bloco e até selvageria momesca nas ruas e em alguns palácios, mas os principais números da economia em novembro de 2019 acabaram de sair apenas nesta semana. Deram uma fraquejada.

Pelo menos nesta quarta-feira (15), o povo dos mercados financeiros recolheu o bumbo que vinha batendo para a recuperação da economia. A Bolsa caiu 1%, o dólar foi a R$ 4,18, os muxoxos habituais quando entra um cisco de realismo no olho do pessoal das bases da praça financeira.

Não aconteceu nada grave. O crescimentozinho do Pibinho continua, mas desacelerou um pouco no fim do ano. Além do mais, dados de um mês apenas não dizem lá grande coisa. Podem ser apenas ruído.

Mesmo com a fraquejada, se a economia continuar no ritmo em que vem desde o segundo trimestre de 2019, ao fim de 2020 o PIB (Produto Interno Bruto) terá crescido 2,2%. Ou seja, a luta e a mediocridade continuam.

O cisco no olho mais recente foi o desempenho sem graça do comércio em novembro. O problema principal foi na venda de carros, que desacelera desde a metade de 2019.

Bruno Boghossian – Vícios privados, lugares públicos

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro foge de explicações e dá guarida a episódio típico de conflito de interesses

Alguém deve ter entendido mal quando os liberais de conveniência da equipe de Jair Bolsonaro passaram a incentivar parcerias entre empresas e o poder público. Dentro do Palácio do Planalto, vícios privados já fazem parte da rotina.

Os repórteres Fábio Fabrini e Julio Wiziack revelaram que o chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência tem uma empresa que recebe dinheiro de emissoras e agências de publicidade que faturam milhões com a pasta comandada por ele.

Em outras palavras: quando assumiu o cargo, em abril, Fabio Wajngarten passou a ser o cara que assina contratos que rendem fortunas para seus próprios clientes. Ele se recusou a fazer o óbvio e romper relações comerciais entre sua empresa e os fregueses interessados na dinheirama que passou a controlar.

Cláudio Gonçalves Couto* - As instituições estão funcionando?

- Valor Econômico

Corrosão democrática se dá não só entre os três poderes; importam fronteiras entre religião e Estado, civis e militares

Já há muitos anos que se debate no Brasil sobre a qualidade do funcionamento de nossas instituições: se funcionam bem, se funcionam mal, ou se simplesmente funcionam. Por óbvio que pareça, nunca é demais lembrar que “funcionar” significa cumprir alguma função. Portanto, a dúvida sobre a operação das instituições diz respeito a quão capazes são elas de resolver os problemas para os quais foram criadas.

A renitente insatisfação, expressa nos infindáveis clamores por alguma reforma política, provém de uma série de fatores: a percepção negativa de nossa estrutura institucional e de seus atores pela população, os seguidos escândalos de corrupção, o custo proibitivo (ou mesmo obsceno) de campanhas eleitorais, a baixa representatividade de um sistema em que eleitores sequer se lembram daqueles nos quais votaram, os muitos abusos cometidos por diferentes agentes do Estado, a ineficiência e a ineficácia do setor público, os privilégios de corporações estatais, a politização da Justiça, a insegurança jurídica Enfim, a lista é longa.

Se tivermos como métrica o bom funcionamento absoluto, nunca estaremos satisfeitos - nem aqui, nem alhures. Não à toa, em trabalho já antigo, o filósofo político e jurista, Norberto Bobbio, dizia que a democracia tinha diversas promessas não cumpridas - e segue tendo. Mas podemos nos perguntar se, mesmo não funcionando de forma ideal, as instituições democráticas dão conta minimamente dos problemas que devem resolver ou evitar - como a própria destruição da democracia.

A pergunta segue pertinente no Brasil atual diante dos temores do autoritarismo bolsonarista, por um lado, e da crença de que as estruturas organizacionais do Estado brasileiro, bem como os atores políticos, dão conta de conter os ímpetos mais perigosos do atual governo. Numa leitura mais otimista, como a de meu colega da FGV Ebape, Carlos Pereira, a democracia brasileira não ruiu e provavelmente não ruirá, pois atores judiciais e políticos têm operado eficazmente para conter ou mesmo reverter excessos do governo, corrigindo seus rumos. Congresso e Judiciário têm tomado decisões concretas nessa direção, impondo derrotas ao Executivo, moderando políticas e resguardando direitos.

Mario Mesquita* - A recuperação é sustentável?

- Valor Econômico

O crescimento seguirá sendo liderado pela demanda doméstica, consumo e investimento

A economia brasileira terminou 2019 em um ritmo mais robusto, o PIB do quarto trimestre deve ter apresentado alta de aproximadamente 0,5% ante o trimestre anterior, com ajuste sazonal. Esse crescimento deve ter sido exacerbado pelos efeitos do desembolso dos recursos do FGTS, e pode apresentar certa acomodação no primeiro trimestre de 2020. Contando com tal acomodação, os economistas do Itaú projetam crescimento de 2,2% no ano. A economia deve reacelerar ao longo de 2020, terminando com um ritmo próximo a 3% ao ano.

Esse crescimento seguirá sendo liderado pela demanda doméstica, consumo e investimento, visto que o crescimento dos gastos públicos deve continuar contido e que a economia global não deve acelerar muito. Especificamente, projetamos que o consumo das famílias cresça 2,5%, enquanto o investimento deve apresentar alta de 4,0%. Para tanto, será preciso que continuemos observando crescimento do crédito para o setor privado a um ritmo de 10% ao ano para o consumo e 17% para o investimento. Note-se que não se tratam de projeções muito agressivas, visto que, no momento, estimamos que o crédito ao consumo já esteja crescendo a uma taxa próxima a 10% ao ano, enquanto o crédito privado ao investimento (empréstimos imobiliários residenciais, crédito para pessoas jurídicas com prazo superior a um ano e emissão de debêntures de infraestrutura) se expande a um ritmo de 14% ao ano - esse último conceito inclui operações de mercado de capitais, então trata-se de um indicador de condições de financiamento, o que vai além do crédito bancário propriamente dito.

A questão é saber se há incentivos para a expansão do crédito, ou obstáculos para a sua continuidade. Do lado dos incentivos, o principal determinante é a taxa de juros. Com o avanço da flexibilização monetária e das reformas fiscais, as taxas de juros tendem a permanecer em patamares reduzidos. Com as expectativas de inflação 12 meses à frente estáveis, um pouco abaixo de 4% ao ano, as taxas de juros reais de curto prazo estão um pouco abaixo de 1% ao ano, e um pouco acima desse patamar se considerarmos as taxas de dois anos (implícitas em contratos de derivativos de taxas de juros). Muito importante, as taxas de juros longas também caíram: as taxas de juros nos títulos públicos indexados vincendos em 2050 caíram de 7,4% para 3,5% desde janeiro de 2016.

Ribamar Oliveira - Situação inusitada na área fiscal em 2020

- Valor Econômico

Há um risco concreto neste ano de piora do déficit primário do governo central e, ao mesmo tempo, de melhora do déficit nominal

Existe um risco concreto de uma piora do déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano e, ao mesmo tempo, de uma melhora do déficit nominal, que considera a despesa com o pagamento dos juros da dívida pública.
Esta situação inusitada poderá acontecer, em parte, porque o resultado primário em 2019 ficou em torno de R$ 70 bilhões, muito abaixo da meta, segundo estimativa do secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues. Os dados fiscais do ano passado serão divulgados no fim deste mês.

No ano passado, a meta de déficit primário do governo central era de R$ 139 bilhões, mas o ingresso nos cofres públicos de um volume recorde de receitas atípicas, não recorrentes, principalmente de leilões do petróleo, reduziu substancialmente o “buraco” nas contas.

Outro fator que contribuiu para a substancial melhora foi o chamado “empoçamento” de recursos, quando o Tesouro libera o dinheiros e o órgão público não consegue gastar. O “empoçamento” foi turbinado pelo fato de que o governo só acabou com o contingenciamento das dotações orçamentárias nos últimos meses de 2019, deixando pouco tempo para o dinheiro ser gasto.

Para este ano, a meta de déficit primário do governo central é de R$ 124,1 bilhões, mas o resultado efetivo, certamente, será menor do que este valor. Atualmente, as metas fiscais estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) não têm correspondência com a realidade. Elas são estabelecidas para que o governo não corra risco de não cumpri-las. Esta prática foi estabelecida depois da criação do teto de gastos da União.

O tamanho do déficit primário deste ano dependerá da arrecadação tributária e das receitas atípicas que serão obtidas. A tributária está relacionada ao crescimento da economia, à inflação, ao crescimento da massa salarial e ao volume das importações, entre outros parâmetros econômicos.

Juan Arias - O silêncio que nos cura

- Jornal El País

O silêncio está se revelando um antídoto fundamental de prevenção em distúrbios mentais

Neurocientistas, estudiosos dos mecanismos cerebrais, estão descobrindo a dimensão terapêutica do silêncio. Dizem que, em contraposição ao ruído, o silêncio está se revelando um antídoto fundamental de prevenção, por exemplo, em distúrbios mentais como a depressão ou na doença de Alzheimer. E no bem-estar geral do organismo, a começar com um sono melhor e mais profundo.

E esses mesmos especialistas na dinâmica do cérebro e da memória alertam, por sua vez, para a falta de espaços de silêncio em nossa civilização do ruído, à qual se acrescentou o estrondo das redes sociais. O silêncio hoje se esconde, envergonhado, nos nichos dos que estão descobrindo suas vantagens para o corpo e para a alma.

Se a busca do silêncio foi um dia objetivo dos mosteiros, onde, aliás, os monges que tinham escolhido o silêncio viviam até 20 anos mais do que as pessoas comuns, hoje começa a ser uma busca das pessoas mais aprisionadas pelo ruído físico ou mental.

Se um dia o silêncio foi um luxo de poetas e místicos, hoje sua prática está se disseminando e é recomendada pelos médicos, na forma de meditação, exercícios de ioga ou fuga do barulho das grandes cidades para buscar, na nostalgia da cidadezinha perdida da infância, o silêncio da natureza.

O que a mídia pensa – Editoriais

Crise no INSS reflete letargia da máquina pública – Editorial | O Globo

A grande falha foi não se ter um plano para atender o público, e ainda havendo redução de pessoal

Era aparente a calmaria no início do ano para o governo. Um gigantesco engarrafamento de quase 2 milhões de pedidos de benefícios crescia nos guichês virtuais do INSS e iria abrir a agenda de problemas para o Planalto resolver em 2020. Anteontem, anunciou-se a convocação remunerada de 7 mil militares da reserva para reforçar os quadros de funcionários do Instituto, a fim de apressar o atendimento aos segurados.

Uma tarefa grandiosa, pois, como revelou terça-feira o secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, a cada mês 990 mil novos pedidos de aposentadorias e de outros benefícios chegam ao INSS.

Havia pelo menos dois fortes motivos para o crescimento da pressão sobre os balcões do INSS. Um atua de forma permanente. Trata-se do envelhecimento crescente da população, que aumenta vegetativamente o número de aspirantes à aposentadoria. Outro, a perspectiva concreta de uma reforma na Previdência — tentada em 2016 no governo Michel Temer e anunciada por Bolsonaro. Começou cedo, portanto, a corrida à aposentadoria, para se escapar do risco de qualquer nova regra restritiva.

Música | Casuarina - Senhora Liberdade com. Wilson Moreira)

Poesia | Pablo Neruda - A Dança/ Soneto XVII

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.