domingo, 31 de março de 2013

OPINIÃO DO DIA – Eduardo Campos: parte da esquerda

"Isso não quer dizer que não tenhamos críticas, mas não estávamos certos lá atrás quando dissemos que o Plano Real era um fiasco. A esquerda brasileira errou e é preciso ter humildade paro reconhecer."

Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, afirmou em fevereiro, em viagem ao agreste de Pernambuco. O Estado de S. Paulo, 31/3/2013

Manchetes de alguns dos principais jornais do País

O GLOBO
Cartórios privados omitem faturamento bilionário
O cobertor curto da fiscalização
Risco ambiental no Paraíba do Sul
Burocracia e custo em casa

FOLHA DE S. PAULO
Raio pode, sim, causar apagão, diz operador
Paulista se muda para o Irã para educar a filha
Grávidas de SP recorrem a 'jeitinho' para parto normal
Gastos com discursos de Dilma na TV crescem 37%

O ESTADO DE S. PAULO
Estados empregam 105 mil funcionários sem concurso
Receita para crescer: investir e barrar inflação
Coreia do Norte sobe tom de ameaça

ESTADO DE MINAS
Punição acelerada para ultrapassagem proibida
IPI de carros é mantido em 2%
Dengue: O mosquito que desafia a ciência
A nova relação com as domésticas

O TEMPO (MG)
Sada Cruzeiro está na decisão
Os 49 anos de um hiato na história do Brasil
Jornalistas resistiram ao golpe de 1964
Empregadas apostam que a relação com patrões não muda

CORREIO BRAZILIENSE
O que mudará com a PEC das domésticas
IPI de carros fica congeleado até dezembro
Maioria deixa IR para última hora

GAZETA DO POVO (PR)
Onde está o melhor ensino público do Paraná
Para crescer, país precisa voltar a investir na indústria
Governos têm, juntos, 105 mil cargos sem concurso
Herdeiro político de Chávez se destaca pelo dom de falar absurdos

ZERO HORA (RS)
Vícios antigos põem reforma em risco

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
BR-232 aquece a economia
O aborto está de volta à pauta do Congresso

O que pensa a mídia - editoriais de algus dos principais jornais do País

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Por Dilma, PT deve ceder nos estados

Prioridade é reeleger a presidente e ampliar bancada, apoiando candidatos aliados em palanques regionais

Fernanda Krakovics

BRASÍLIA - Além da reeleição da presidente Dilma Rousseff, que, obviamente, é prioridade máxima, a meta do PT para as eleições do ano que vem é eleger mais de cem deputados federais - hoje são 88 - e aumentar a bancada de senadores de 12 para 20. Quanto aos governos estaduais, a orientação é abrir mão de candidatura própria para apoiar aliados, onde o partido não tiver nomes fortes, em troca de apoio na eleição presidencial.

Como disse o ex-presidente Lula em entrevista ao jornal "Valor Econômico", publicada quarta-feira, "a prioridade em todos os estados é reeleger Dilma". Ou seja, o partido dará continuidade à estratégia adotada desde 2006, na campanha da reeleição de Lula no rastro do escândalo do mensalão: priorizar a disputa presidencial e deixar as eleições estaduais em segundo plano. Isso deve acontecer, por exemplo, no Ceará, onde o PT pretende apoiar o senador Eunício Oliveira (PMDB) para governador; e no Amazonas, o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB).

Mas para não ficar totalmente dependente dos mesmos aliados no plano nacional, no Congresso, o PT investirá na campanha de deputados e senadores, para dar uma sustentação mais folgada a um eventual segundo mandato de Dilma. Para diminuir essa dependência dos aliados, o objetivo é manter-se como a maior bancada na Câmara e tornar-se a maior no Senado. Se for bem-sucedido, o PT poderia, então, ter a presidência das duas Casas a partir de 2015.

Além de passar em revista os cenários estaduais, em reunião na última segunda-feira, o presidente do PT, Rui Falcão, e os presidentes regionais do partido discutiram a conjuntura nacional. Apesar de estarem preocupados com a movimentação do candidato virtual do PSB, governador Eduardo Campos (PE), e com a simpatia do empresariado por ele, a avaliação no PT é que ele não deverá ter palanques fortes nos principais colégios eleitorais: São Paulo, Belo Horizonte e Rio.

Quanto ao senador Aécio Neves (PSDB-MG), os petistas apostam que, considerando o cenário atual, ele não conseguirá unir seu partido, o que, na avaliação deles, prejudicará sua campanha. E se deleitam com as "cotoveladas" trocadas entre o mineiro e o ex-governador de São Paulo José Serra.

Já a análise feita sobre a ex-senadora Marina Silva é que seu projeto de criar um novo partido, o Rede, está pouco consolidado. Na avaliação dos petistas, sua organização é "muito frágil". Eles atribuem o segundo lugar de Marina nas pesquisas ao recall das eleições de 2010, quando ela teve cerca de 20 milhões de votos para presidente. A ex-senadora aparece com 16% em pesquisa Datafolha divulgada no último dia 23.

Nos estados, há preocupação no PT com governos comandados atualmente pelo partido. É o caso, por exemplo, do Rio Grande do Sul, onde o governador Tarso Genro (PT) disputará a reeleição. Sua administração tem sido mal avaliada devido a problemas nas finanças do estado, de segurança pública e desgaste com os professores, que não estão recebendo o piso nacional do magistério.

Também há desgaste nas administrações petistas de Jaques Wagner, na Bahia, que não pode mais disputar a reeleição, e Agnelo Queiroz, que está no primeiro mandato no governo do Distrito Federal, e tem uma reeleição difícil. Nesses lugares, a preocupação maior é montar um palanque para Dilma, mesmo que não haja chance real de vitória local para o partido.

Fonte: O Globo

Rio será exceção por causa de Lindbergh

Candidatura de Eduardo Campos atrapalha estratégia no Nordeste

Uma exceção na política de agradar os aliados, priorizando a reeleição de Dilma, deverá ser o Rio. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) será candidato a governador, contrariando o PMDB, que lançará o vice-governador Luiz Fernando Pezão. Dirigentes nacionais do PT afirmam que não têm como impedir a candidatura de Lindbergh, já que o PT do Rio abriu mão de concorrer, para apoiar o PMDB, nas duas últimas eleições para governador. E que, como o petista aparece na frente de Pezão nas pesquisas, não há argumento para implodir sua candidatura. O esforço será para que a disputa não deixe sequelas.

No caso de São Paulo, o ex-presidente Lula defende que o PT abra mão da cabeça de chapa para apoiar um eventual nome de outro partido, como o PMDB, que agregue mais apoios do que um petista. Mas essa saída encontra forte resistência no PT. E o PMDB ainda não tem esse candidato forte.

Em Minas, o PT lançará para o governo o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento). Com a candidatura de Aécio à Presidência da República, o PT está otimista quanto às chances de vitória, já que o PSDB não tem um nome forte para a disputa. O governador Antonio Anastasia (PSDB) já foi reeleito e não pode disputar de novo.

A provável candidatura presidencial de Eduardo Campos deve bagunçar um pouco a formação dos palanques de Dilma em alguns estados. Em Pernambuco, onde PT e PSB eram aliados até as eleições municipais do ano passado, os petistas lançarão um nome só para garantir um palanque para ela.

A engenharia mais difícil será no Ceará, onde PT, PMDB e PSB discutem a formação de uma chapa, com Eunício Oliveira na cabeça. O problema é que os irmãos Gomes - governador Cid e o ex-ministro Ciro, ambos do PSB - já declararam que apoiam a reeleição de Dilma, a despeito das pretensões eleitorais de Eduardo Campos.

Fonte: O Globo

Preço da fidelidade aumenta com Dilma

Custo para manter a base aliada no Congresso é 160% maior na atual gestão do que no mandato de Fernando Henrique Cardoso

Paulo de Tarso Lyra, Leandro Kleber

Ao retomar amanhã com o PR as negociações para escolher o novo ministro dos Transportes na vaga de Paulo Sérgio Passos, a presidente Dilma Rousseff mantém uma negociação que explodiu ao longo do governo do PT e tem se tornado mais cara com o passar do tempo. Como os presidentes eleitos não conseguem maioria com os próprios partidos aos quais são filiados no parlamento, são obrigados a lotear cargos na Esplanada entre os pseudoaliados, em uma matemática exponencial de 1999 para cá: no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o custo de cada voto governista no Congresso ficou em R$ 718 milhões, em valores atualizados. Em 2013, a mesma equação custará R$ 1,87 bilhão aos cofres públicos para cada sim ao Planalto registrado nos painéis de votação do Congresso. O Correio levou em conta para chegar a esse cálculo o custeio mais os investimentos dos ministérios desde 1999 e dividiu o valor entre o total de integrantes da base de apoio dos respectivos governos ao longo desses anos.

A conclusão é preocupante. A presidente Dilma Rousseff tem de pagar quase R$ 1 bilhão a mais que o tucano Fernando Henrique Cardoso para obter o mesmo grau de fidelidade de deputados e senadores. Alguns elementos são levados em consideração nesse cálculo. Quando FHC foi reeleito em 1999, a Esplanada tinha 23 ministérios. Fortalecido por uma vitória em primeiro turno contra Luiz Inácio Lula da Silva, no ano anterior, Fernando Henrique — que ainda colhia os louros da confiança do eleitorado e dos políticos pela implantação do Plano Real quatro ano antes — tinha uma base de apoio congressual de 482 deputados e senadores que lhe davam maioria folgada na tramitação de projetos de interesse do Planalto.

“O governo Fernando Henrique tinha um discurso de estado enxuto”, lembrou o cientista político Rui Tavares Maluf, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Quando o PT chegou ao governo, iniciou um projeto de recuperação da máquina pública, com uma maior diversidade de programas e uma política de reajuste salarial das categorias, o que impacta nesse custeio”, disse Rui.

O discurso dos tucanos de que o governo Dilma Rousseff atropela o Congresso com uma ampla base fisiológica e diversificada cai por terra ao se analisar os números de cadeiras que o PSDB e seus aliados tinham no segundo mandato de FHC. Entre 1999 e 2002, quase 82% dos parlamentares eram voto garantido para as propostas de interesse do Palácio do Planalto chefiado pelo tucano.

Alianças

Dilma, que tem uma base parlamentar maior do que a de Lula no auge da polaridade, é apoiada por 77% dos congressistas. Já Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder em 2003, cercado de desconfianças e com uma base formada, principalmente, por partidos de esquerda e o então PL, que indicou José Alencar como vice-presidente. No decorrer do mandato, legendas que gravitavam ao redor dos tucanos aderiram ao governo, como o PTB e o PP. Mesmo assim, nos dois primeiros anos de mandato, com uma base que oscilava em torno de 320 votos favoráveis na Câmara e no Senado, o governo precisava do apoio da oposição para aprovar emendas constitucionais como a que alterou as regras de cobrança de aposentados e pensionistas, que tramitou em 2003 e 2004.

O PT tinha uma base à espera da vitória e, por isso, aumentou de 8 mil para 22 mil o número de cargos comissionados. Também pulou de 23 para 34 a quantidade de ministérios. Ao longo do primeiro mandato, Lula ainda deu status de ministro para o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Faltava o PMDB nessa equação e o partido, que dava votos difusos a favor do Planalto, aderiu oficialmente ao governo em 2007 — segundo mandato de Lula — após o Planalto avaliar que precisava de uma maioria política mais consistente para não passar mais riscos como os que enfrentou por conta do escândalo do mensalão. A base de apoio do PT subiu para cerca de 400 parlamentares, e, para reequacionar os espaços após a chegada dos novos parceiros, mais duas pastas foram criadas: a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e a Secretaria de Portos, ambas com status de ministério.

Para o presidente do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, a análise dos números deve ser feita levando-se em conta o aumento da receita do governo ao longo dos últimos anos, principalmente com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “Com mais recurso em caixa, o Executivo tem melhores condições de distribuir tarefas e cargos para tornar o país mais eficiente”, declarou.

Apoio oneroso

Confira o custo do voto para o governo no Congresso nos últimos quatro mandatos presidenciais

Primeiro mandato de Dilma

A primeira mulher eleita presidente da República tem uma base de apoio maior do que a de seu mentor político. Ao todo, 456 deputados e senadores são filiados a partidos aliados. Dilma criou a Micro e Pequena Empresa e a Secretaria Nacional de Aviação Civil. O custeio também pula para R$ 854 bilhões. Como a base de Dilma é maior, os recursos são mais diluídos. Por isso, o custo individual do apoio parlamentar é de R$1,87 bilhão.

Primeiro mandato de Lula

O PT chega ao poder em 2003, em um primeiro momento ainda contando basicamente com o apoio dos partidos históricos da esquerda mais o PL do então vice-presidente, José Alencar, falecido em 2011. Ao longo do primeiro mandato, outros partidos que estavam na órbita do tucanato, como o PP e o PTB, se uniram ao governo. O PMDB só viria oficialmente no segundo mandato. Lula iniciou seu mandato com uma base de apoio de 321 deputados e senadores. O PT aumentou a Esplanada, desmembrando pastas como Turismo e Esporte e criando ministérios, como o Desenvolvimento Social. O número de pastas subiu para 34. O custo total desta máquina também pulou para R$ 574,6 bilhões. Em 2004, o presidente do Banco Central torna-se ministro, ampliando para 35 o total de cargos no primeiro escalão do governo federal. Pelo mesmo cálculo simples, o custo de cada voto aliado no parlamento era de R$ 1,79 bilhão.

Segundo mandato de Lula

Com a adesão do PMDB à coalizão governista, articulada por Lula e pelo ministro da coordenação política, Tarso Genro, a base de apoio ao Planalto consolidou-se em 400 parlamentares. Lula também criou dois ministérios: Portos e a Secretaria de Assuntos Estratégicos. O custo da máquina aumentou, passando para R$ 791,6 bilhões. Mais dinheiro, mais cara fica a base. A relação passa para R$ 1,98 bilhão por voto parlamentar.

Segundo mandato de FHC

Reeleito em primeiro turno em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou o segundo mandato com uma base de apoio maciça no Congresso. Dos 594 parlamentares, 482 votavam com o governo, um número que o PT jamais atingiu nestes 10 anos no governo. Adotando a política de um Estado enxuto, o governo do PSDB tinha apenas 23 ministérios, que gastavam no total R$ 346,4 bilhões, somando-se o custeio da máquina e os investimentos previstos para cada uma das pastas. Com essa relação gastos/votos no Congresso, o apoio de cada parlamentar ao governo custava aos cofres públicos R$ 719 milhões.

Fonte: Correio Braziliense

Campos e tucanos fazem aproximação estratégica

Julia Duailibi

O projeto presidencial do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), passou a ser do interesse de outros três protagonistas políticos, todos eles tucanos. O senador Aécio Neves (MG), o governador Geraldo Alckmin (SP) e o ex-governador José Serra (SP) se beneficiam das articulações do pemambucano para disputar a Presidência da República em 2014.

O PSDB vê como positiva a candidatura de Campos, que conta com o entusiasmo até do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje o principal articulador político da campanha de Aécio à Presidência.

A direção do partido avalia que a entrada do governador de Pernambuco na disputa pode ser determinante para forçar o 2° turno entre Aécio e a candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT). Segundo pesquisa Ibope, divulgada pelo Estado no fim de semana passado, quando Campos não está na disputa, Dilma se fortalece e tende a receber a maior parte dos votos que antes estavam com o governador.

Para os tucanos que patrocinam a candidatura de Aécio, o potencial de estrago de Campos num voo solo é menor do que aliado ao projeto governista. Isso porque, avaliam, o político do PSB não tem estrutura para manter uma candidatura competitiva.

O governador de Pernambuco, porém, está trabalhando para criar essa estrutura. Desde o ano passado, ele adotou um discurso para o empresariado do eixo Rio-São Paulo, onde estão os potenciais financiadores de campanha. Teve encontros com executivos de grandes empresas e integrantes do mercado financeiro. Também ampliou os contatos políticos de olho na montagem de palanques nos Estados.

A direção do PSDB sabe que esse é um movimento perigoso, já que a campanha de Campos pode empolgar - e ele tirar votos do PSDB. Em 2006, ele se lançou candidato em Pernambuco e conseguiu se eleger num cenário em que havia disputa entre o partido oposicionista no Estado, o PT, e o governista, o PFL.

Alckmin também tem interesse na aproximação com o PSB. O governador mantém boa relação com o colega pernambucano e, no ano passado, ajudou a eleger o principal prefeito paulista do partido de Campos, Jonas Donizette, em Campinas. O PSB compõe a base governista de Alckmin. Tem sob seu comando a Secretaria de Turismo do Estado.

Agora, o governador tucano quer garantir o apoio do PSB para a sua reeleição no ano que vem. Conversou recentemente com os líderes do partido em São Paulo, dos quais ouviu que o apoio é possível, mas depende de palanque para Campos em São Paulo. O PSB nacional precisa de entrada entre os paulistas, ao mesmo tempo em que Alckmin quer evitar que o aliado lance um candidato próprio. Os tucanos não descartam conceder apoio branco a Campos, com o governo paulista dando uma mãozinha para ele no Estado.

Além de Aécio e Alckmin, Serra ensaia aproximação estratégica com Campos. Há cerca de dez dias o ex-governador reuniu-se com o pernambucano e depois o elogiou, dizendo que a sua candidatura era "boa" para o País.

No momento em que há uma disputa por espaço na direção do PSDB com o grupo de Aécio, o encontro foi interpretado internamente como um recado, já que Serra poderia migrar para o PPS, onde apoiaria a campanha de Campos. O encontro vazou para a imprensa dias antes de o PSDB paulista receber Aécio como presidenciável do partido e aumentou a preocupação interna sobre a saída de Serra da sigla.

Interesse. Para o governador de Pernambuco a aproximação com os tucanos também é positiva. Se resolver ser candidato, Campos não quer ser um nome antigoverno. Mas, pelo menos agora, o flerte com o partido da oposição cumpre o seu papel. Ameaça o PT e aumenta o seu passe, numa eventual negociação com o Planalto para retirar a sua candidatura em 2014. Também dá a ele musculatura política no Sudeste, berço eleitoral do PSDB, caso entre na corrida.

Nos últimos meses, o governador se encontrou com economistas ligados aos tucanos. Recebeu no Palácio do Campo das Princesas representantes da Casa das Garças, centro de estudos em política econômica formado por economistas da era FHC.

Também ponderou o discurso sobre o PSDB e tem destacado a contribuição do governo FHC. "Isso não quer dizer que não tenhamos críticas, mas não estávamos certos lá atrás quando dissemos que o Plano Real era um fiasco" afirmou em fevereiro, em viagem ao agreste de Pernambuco. "A esquerda brasileira errou e é preciso ter humildade paro reconhecer."

O projeto que agrada aos tucanos não é bem recebido pelo PT. Dilma mandou um recado para Campos, em visita a seu Estado na segunda-feira, quando cobrou "comprometimento" dos aliados. Paralelamente ao discurso da presidente, o governo divulgou números sobre o investimento federal em Pernambuco. Quer dividir a paternidade dos avanços do Estado, que cresce acima da economia do País. Ainda mais num cenário em que o aliado flerta como o inimigo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Aécio ataca Dilma em procissão da Sexta-Feira Santa em São João Del Rey

Paulo Peixoto

BELO HORIZONTE - Virtual candidato tucano a presidente, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) voltou a atacar a presidente Dilma Rousseff na noite desta sexta-feira (29), ao dizer que o governo promove mais um "trem da alegria" em busca de apoio político e faz reforma ministerial para garantir mais tempo na propaganda eleitoral.

Os ataques de Aécio à presidente ocorreram em São João Del Rey, onde ele participou da Procissão do Enterro, celebração da Sexta-Feira da Paixão, uma tradição na família Neves iniciada pelo seu avô Tancredo.

Para o tucano, o governo Dilma "se entregou à lógica da reeleição" e, nessa linha, a reforma de ministérios "serve para aumentar os custos e garantir alguns segundos a mais de propaganda eleitoral para a atual presidente".

Aécio voltou a repetir que o governo "privilegia a propaganda oficial" e que "optou pelo marketing", ao invés de enfrentar os problemas do país, como na segurança e na educação.

Ele disse que tramita no Congresso "mais um trem da alegria, mais 3.000 cargos", que, conforme disse, serão nomeados para "garantir mais apoios nessa paquidérmica base de sustentação do governo, apenas para garantir apoio para a presidente".

Aécio disse concordar com o ex-governador Alberto Goldman (PSDB-SP) --aliado do também ex-governador paulista José Serra, desafeto do mineiro no partido- que a candidatura presidencial só deve ser definida em 2014.

"Não está na hora de o PSDB ter candidato a presidente", disse Aécio, que alega que o momento é de cuidar das questões internas do partido, ouvir as pessoas e "construir um projeto", afirmou.

Ele acrescentou: "Quem está em campanha e utilizando de forma imprópria e abusiva os instrumentos de governo é a presidente da República".

Sobre o apoio de Serra, Aécio disse ter ainda "muito tempo pela frente" e que respeitas as "posições, a inteligência e o tempo de cada um".

"Eu estou sereno. O importante nesse momento é a unidade do partido", disse ele, que participou durante três horas e meia da Procissão do Enterro, que se estendeu até o começo da madrugada deste Sábado de Aleluia.

Aécio disse que o PSDB "só vai disputar [a Presidência] com reais possibilidades de vitória no momento em que estiver unido". Segundo ele, essa unidade se conquistará com o "espírito público" dos tucanos, entre eles José Serra, que o mineiro citou nominalmente.

"Eu tenho muita confiança, independentemente de quem venha a ser o candidato do partido, que, na hora certa, o PSDB vai estar unido, vai agregar outras forças em torno desse projeto e nós vamos disputar com muitas possibilidades a Presidência-apesar da grande propaganda oficial", disse.

Fonte: Folha de S. Paulo

Rumo a 2014 - Eduardo, Aldo e as tabelinhas políticas

Ministro e governador têm afinidade política e atuaram juntos no governo petista do ex-presidente Lula

Débora Duque

Na mesma semana em que a presidente Dilma Rousseff (PT) esteve em Pernambuco e não foi recepcionada por nenhum representante do PCdoB no Estado, o governador Eduardo Campos (PSB) recebeu a visita do ministro dos Esportes, Aldo Rebelo (PCdoB), uma das principais lideranças nacionais do partido. O ministro veio ao Recife, na terça-feira (26), para participar de uma reunião sobre a Copa das Confederações. Enquanto no dia anterior a presidente não mediu esforços para mostrar o carimbo do governo federal nas principais obras em execução no Estado e cobrar o "comprometimento" dos aliados, Aldo "mimou" Eduardo.

Além de elogiar o andamento das obras na Arena da Copa, o comunista disse que Pernambuco tem condições de tornar a Copa do Mundo um acontecimento de "referência" para o Brasil. Sua relação política com o governador-presidenciável, no entanto, é antiga. Ambos atuaram juntos como parlamentares na CPI que investigou a relação entre a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Nike, entre 2000 e 2001. Os dois também integraram, simultaneamente, a equipe ministerial no primeiro mandato do ex-presidente Lula (PT). Aldo comandou a secretaria de Coordenação Política - que, na época, tinha status de ministério - enquanto Eduardo estava à frente da pasta de Ciência e Tecnologia.

Por pressão do PT, os dois foram "convidados" a deixar a equipe do governo, em julho de 2005, e voltar a exercer seus respectivos mandatos como deputados federal. Na Câmara, receberam a missão de defender os interesses do governo Lula em meio ao desgaste ocasionado pelas denúncias sobre o "mensalão". O socialista ainda foi um dos principais articuladores da eleição de Aldo à presidência da Câmara, cargo em que ocupou entre 2005 e 2007.

Seis anos depois, os dois vieram a se estranhar. O motivo foi a disputa para a vaga de ministro do Tribunal de Contas da União (TCE). A indicação para o cargo cabia à Câmara Federal. Diante das negativas de Aldo para entrar na disputa, o governador enxergou, ali, uma oportunidade para lançar a candidatura de sua mãe, Ana Arraes (PSB), na época, deputada federal.

O desgaste se aprofundou quando Aldo resolveu ingressar na corrida pela vaga do TCU e terminou sendo derrotado pela mãe de Eduardo, que atraiu o apoio de membros da base do governo e da oposição, além de ter contado com um cabo eleitoral de peso, exatamente o ex-presidente Lula. Passado o incômodo, Aldo é tido, hoje, entre alguns comunistas do Estado, como um potencial interlocutor para levar o PCdoB ao "barco" socialista na eleição presidencial do próximo ano. Mas, contra essa aposta, pesa o fato de ele estar no comando das pasta de Esportes, que terá uma função estratégica em 2014, ano da Copa.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

A garantia argentina de Eduardo Campos

Karla Correia

Especialista em tomar a temperatura do eleitorado para medir a aceitação de um candidato e a eficácia de suas estratégias, o argentino Diego Brandy é apontado como um dos “escudeiros” do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, em sua estratégia para viabilizar a candidatura à Presidência da República em 2014. Ainda fariam parte do seleto grupo o secretário da Casa Civil, Tadeu Alencar, e o presidente estadual do PSB, Sileno Guedes.

Baseado no Recife, o instituto de pesquisas comandado por Brandy, o Cipec, tem o PSB de Campos entre os principais clientes e é o motivo para o argentino levar a vida em uma espécie de ponte aérea entre a capital pernambucana e Buenos Aires, onde moram sua mulher e suas quatro filhas. Desde 1998, sua vida profissional o aproximou dos brasileiros. Naquele ano, Brandy foi o responsável pelas pesquisas eleitorais para campanhas conduzidas pela agência DM, do publicitário Duda Mendonça, na província argentina de Córdoba.

Em 1999, o marqueteiro João Santana, então sócio de Duda, o convidou para participar da campanha de Eduardo Duhalde a presidente da Argentina. A ponte com o mercado brasileiro foi consolidada quando o publicitário Edson Barbosa, da Agência Link, o chamou para trabalhar como analista de pesquisas da campanha de Juraci Magalhães a prefeito de Fortaleza, em 2000. Daí para o argentino montar seu negócio no Brasil foi um pulo. De início, instalou-se na Bahia, onde prestou serviços para o hoje governador do Estado, Jaques Wagner.

A amizade com Eduardo Campos começou em 2005, quando o governador era ministro de Ciência e Tecnologia do governo Lula. Campos precisava, então, avaliar a viabilidade de sua candidatura ao governo do Estado em 2006 e Brandy foi o homem que lhe foi indicado para a tarefa. O pernambucano venceu a eleição contra o então governador, Mendonça Filho (PFL), no segundo turno, com 65,36% dos votos válidos.

Foi o suficiente para Brandy trocar Salvador por Recife, em 2007. Desde então, o argentino acompanha de perto as avaliações de gestão do governador, responsáveis por sua popularidade entre o eleitorado pernambucano, e ajuda a manter bem polida a imagem de Campos como gestor eficiente.

Lupa em Dilma

Em Pernambuco, se diz, hoje, que Eduardo Campos não dá um passo sem consultar o argentino, que mantém uma lupa apontada para as pesquisas de opinião sobre o governo da presidente Dilma Rousseff, sobretudo para as áreas de pior avaliação de sua gestão — alvo de críticas milimetricamente estudadas no discurso de Campos. A negociação do governador com Duda Mendonça e com a agência Blackninja, do sociólogo Antônio Lavareda, com vistas a 2014, por exemplo, passou pelo aval de Brandy.

A proximidade com o governador, hoje uma amizade pessoal, é mantida nos bastidores. Segundo um colega de trabalho, Brandy é avesso a badalações, mantém restrito o contato com a imprensa e evita aparecer ao lado de Campos em eventos públicos. “É um homem tímido, de fala tranquila e gestos contidos”, diz o colega do marqueteiro.

Uma exceção aconteceu na festa de comemoração pela eleição do candidato do PSB à prefeitura de Recife em 2012, Geraldo Júlio, que teve Brandy como responsável pelo marketing de sua campanha. Desde os santinhos distribuídos nas ruas da capital pernambucana até os trackings diários para determinar o posicionamento de Júlio, que teve sua candidatura praticamente inventada por Campos, tudo passou pelas mãos do argentino.

A vitória de Geraldo Júlio foi considerada o primeiro ponto de Eduardo Campos em um embate político contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que impôs no PT a candidatura do senador Humberto Costa para a prefeitura de Recife e saiu derrotado da disputa. Outra de suas raras aparições ao lado de Campos se deu em seu aniversário de 50 anos, em 2012. A equipe do governo pernambucano compareceu em peso à festa em homenagem a Brandy. Geraldo Júlio lhe deu de presente uma camisa 10 da Seleção Brasileira de futebol.

Fonte: Correio Braziliense

Reforma política quer acabar com eleições a cada dois anos

Cientistas políticos criticam proposta, já que discussão sobre temas de relevância local perderiam importância no meio do debate nacional

Chico Marés

A unificação das datas eleitorais é um dos temas com mais chances de aprovação na reforma política em discussão no Congresso Nacional, de acordo com deputados consultados pela reportagem. Em vez de eleições a cada dois anos, a proposta que deve ser votada na Câmara coloca todas as eleições na mesma data – ou seja, a cada quatro anos todos os cidadãos elegeriam prefeitos, governadores, presidente, deputados, senadores e vereadores de uma vez só. Para que isso seja possível, os mandatos de prefeitos e vereadores eleitos em 2016 seriam prorrogados por mais dois anos.

Quem defende a ideia justifica o custo financeiro das eleições e o fim dos “apagões” nos parlamentos em anos eleitorais. Entretanto, a proposta pode ser prejudicial para o debate municipal e ainda prevê uma prorrogação de mandato para prefeitos.

O cientista político da UFPR Ricardo Oliveira avalia a proposta como “a pior medida possível” da reforma. O principal problema seria colocar sob uma mesma discussão temas de relevância local e nacional. “Essa alternância funciona bem desde os anos 80. Com esse modelo, o debate nacional tende a ocultar o debate municipal”, avalia. O risco é que temas importantes como o transporte público, a educação e a saúde no nível municipal e o planejamento urbano se tornem menos influentes na eleição de um prefeito do que as grandes discussões nacionais.

Oliveira aponta o risco de uma prorrogação de mandato. Para unir as datas, seria necessário prorrogar os mandatos municipais. “Prorrogar mandato é golpe”, resume. Ele acredita que é positivo ter eleições a cada dois anos. “Quanto maior a presença do debate político, melhor.”

Assim como Oliveira, o cientista político Adriano Codato, também da UFPR, avalia como negativa essa mudança. Ele acredita que os motivos alegados, como a redução do número de anos eleitorais, não justificam as perdas decorrentes dessa mudança. “Não há motivo para mudar. A cada quatro anos se discute o Brasil e a cada quatro anos se discutem os problemas municipais.”

Já, para a deputada federal Rosane Ferreira (PV), uma das representantes paranaenses na comissão de Reforma Política da Câmara, a medida deve ser positiva. Ela acredita que isso impedirá as paralisações do Congresso que ocorrem a cada dois anos e deve mudar o comportamento de muitos. “Hoje é um horror. Tem pessoas que se elegem deputadas e passam os dois primeiros anos apenas investindo em um município, em função da campanha municipal. Não é para isso que serve um deputado federal”, afirma.

De acordo com ela, as relações entre a União e os municípios devem melhorar. “Neste ano, a maioria dos prefeitos ainda está engatinhando, enquanto o governo federal e os deputados já estão trabalhando há três. Em dois anos, o contrário ocorre. Isso atrapalha muito as relações institucionais”, afirma.

Legislativos param em anos eleitorais

Escolher os parlamentares municipais, estaduais e federais, assim como todos os chefes do Executivo de uma só vez pode não ser a melhor solução para o problema, mas a paralisação dos legislativos estaduais e federais é uma situação constante durante as eleições municipais. Em 2012, não foi diferente. Tanto o Congresso quanto a Assembleia Legislativa do Paraná cancelaram sessões e tiveram um ritmo lento no período. Além disso, vários deputados federais e estaduais se candidataram a prefeitos em seus municípios de origem.

Em 2012, os parlamentares estaduais tiveram quase um mês de recesso durante o período eleitoral. Um primeiro recesso branco, de 11 dias, foi dado para a instalação de um novo equipamento de votação na Casa – a licitação foi cancelada, a instalação não ocorreu, mas as folgas foram mantidas. Depois, houve um recesso oficial de 18 dias para que os deputados pudessem se dedicar às campanhas.

Na Câmara Federal, os deputados alternaram semanas com sessão e semanas sem. Mas a medida pouco adiantou. A maioria das sessões ordinárias estava vazia e nenhum projeto de maior relevância foi para a pauta. Como resultado, várias discussões importantes se acumularam no fim do ano, trazendo prejuízos para as votações do orçamento federal e do Fundo de Participação dos Estados, que acabaram ficando para 2013.

Prós e contras

Veja as vantagens e as desvantagens da unificação das datas das eleições:

Prós
Reduz o número de anos eleitorais, evitando paralisações no Congresso e no próprio governo.

Evita a saída de congressistas para campanhas eleitorais durante o mandato.

Facilita a negociação e a manutenção de parcerias entre municípios e outras esferas de poder.

Contras
Disputa nacional tende a ofuscar as eleições municipais, dificultando o debate de temas de relevância local durante o pleito.

Estende o mandato de prefeitos e vereadores eleitos em 2016.

Reduz o número de eleições, reduzindo também o debate eleitoral na sociedade e a participação da população em processos eletivos.

Fonte: Gazeta do Povo (PR)

'Americanalhamo-nos', sem dúvida - Luiz Sérgio Henriques

Jogos de palavras costumam ser muito interessantes e reveladores, lançando luz inesperada sobre valores mais profundos, sistemas de crenças e ideias de quem os faz. Há muito se diz, por exemplo, que a vida brasileira, especialmente a política, se teria "americanalhado", entendendo-se por isso um indesejável processo - indesejável por todos os títulos - de cópia servil de modos de vida e consumo provenientes do grande e ambíguo país do Norte, a mais antiga e, sob certos aspectos, desgastada e até corroída experiência republicana ainda em vigor no mundo.

Desgastada e corroída, inclusive e sobretudo, pelo poder do dinheiro e, no entanto, dotada de irresistível expansividade por todo o século 20, como pelo menos um marxista clássico soube perceber in fieri, contrapondo a nascente racionalização americanista e fordista da produção e da sociedade ao acúmulo irracional de sedimentações do passado na velha Europa. Uma expansão que teria, por certo, dimensão imperial e intervencionista, em particular na América Latina, mas também se corporificaria na aliança antifascista com a antiga União Soviética (URSS), contribuindo para nos livrar do mal absoluto, em estado puro e sem nenhuma razão histórica.

Com tudo isso, alheia à ambiguidade do excepcional fenômeno americano e apegada a um velho repertório que insiste em não passar, uma certa esquerda latino-americana ainda combate "o diabo" e seus vapores sulfurosos, é verdade que teatralmente e, no fundo, sem induzir, ainda que moderada e gradualmente, mudanças estruturais na situação de dependência. A "americanalhação" - aceitemos o termo - difunde-se onde menos se esperaria, até mesmo em realidades menos conflituosas, e determina comportamentos aparentemente ilógicos, como no caso de presidente e ex-presidente que se transforma em vendedor internacional das grandes empresas do próprio país, num movimento que, se não é rigorosamente ilegal nem destituído de rationale estratégica, se choca, evidentemente, com a retórica eleitoralmente rendosa que demoniza as "elites" e o "capital".

"Americanalhamo-nos" também no plano interno. É possível que, carente de reflexão madura sobre os requisitos do moderno Estado Democrático de Direito, e ainda consumida pelo mal posto dilema de estar no governo e não ser poder - não ser todo o poder -, uma parte da nossa esquerda tenha considerado natural tentar apagar a fronteira entre partido, governo e Estado, dando seguidas mostras de apetite de ocupação e repartição selvagem do poder e de seus aparelhos, sob pretexto de fortalecer um Estado debilitado pela anterior época neoliberal.

Dispensamo-nos de discutir se tivemos nos anos 1990 - nos governos Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso - versões tropicais do fundamentalismo mercantil de Ronald Reagan ou Margaret Thatcher. Sumariamente, poder-se-ia dizer que não as tivemos, com a possível exceção de áreas mais doutrinárias do governo Collor. De todo modo, o fato é que a prática disseminada de ocupação e loteamento não só enfraquece o poder regulatório forte do Estado - num momento em que as autoridades da República convocam, em uníssono, o "espírito animal" dos investidores privados -, como também é sinal preocupante de americanização, no sentido pejorativo do termo.

Poderíamos sonhar em ver germinar por aqui, quem sabe, o exemplo de ex-presidentes como Jimmy Carter e Bill Clinton, ambos, e muito especialmente o último, com influência e visibilidade na política interna e na vida doméstica do Partido Democrata, mas sem projetarem a sombra de mando sobre os assuntos da República ou de titular das decisões em última instância. Nisso, contudo, não nos americanizamos; ao contrário, com sacudida pitada de malemolência made in Brazil, inventamos um ingrediente: em caso de quiproquó eleitoral, lá estará o "Pelé no banco de reservas".

Em momentos críticos do século 20, os Estados Unidos souberam se reinventar e, assim, ditar boa parte dos rumos do mundo, para o bem e para o mal, como qualquer concepção realista das relações interestatais pode compreender (e sob muitos aspectos, criticar). Nos anos 1930, em meio às soluções extremadas que se delineavam como vencedoras, o reformismo rooseveltiano indicou novos papéis para o Estado, bem como um compromisso progressista entre a instância pública, o mercado e a sociedade civil. Um exemplo alto, que, sucessivamente, ao demonstrar limites, seria ampliado ou corrigido pela Grande Sociedade de Lyndon Johnson (ele mesmo, o da agressão ao Vietnã e outros episódios equívocos da guerra fria) e agora retomado por Barack Obama, ao expandir a cobertura de saúde e ao enfrentar, por meio de nova regulação, as finanças descontroladas que estão na origem da grande crise em que nos vemos mergulhados.

Entre nós, no entanto, esse horizonte de longo prazo parece dissipar-se, em meio a um espírito autocongratulatório que exalta a inclusão social - absolutamente necessária, diga-se de passagem - em contexto de baixas taxas de desenvolvimento e, pior, sinais de enfraquecimento da estrutura produtiva, submetida a pressões que parecem pôr em questão a acidentada construção da nossa modernidade urbano-industrial e que, paradoxalmente, não mais provêm dos velhos núcleos do imperialismo. Logo, se isso for verdade, a retórica anti-ianque seria mais adequada a batalhas de guerras passadas, não exatamente às que temos pela frente.

Acima de tudo, não há de ser com Estado centralizador e concentrador (de poder e tributos) e, incidentalmente, com mandatário que se coloca voluntariamente como lame duck - o desajeitado "pato manco" do fim de mandato dos presidentes americanos - que haveremos de defender e reconstruir um moderno tecido produtivo, a rede de bem-estar que a ele corresponde e a vida associativa livre e plural de que formos capazes.

Luiz Sérgio Henriques, tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Gentil patrocínio - Dora Kramer

Não é ato oficial nem explícito: informal e discretamente o PSDB está ajudando Marina Silva a coletar assinaturas para a criação de seu novo partido.

Migrantes do tucanato para a Rede dos sonháticos comentaram com antigos companheiros de partido que está havendo dificuldade na coleta dos apoios exigidos pela Justiça Eleitoral para conceder registro à legenda que precisa estar legalizada até inicio de outubro.

Em vários Estados a estrutura do PSDB se movimenta para arregimentar signatários e também para conferir as assinaturas. Em Minas Gerais, por exemplo, há prefeitos encarregados de contribuir cada um com dois mil nomes devidamente checados.

Solidariedade? Pragmatismo: se Marina conseguir criar a tempo a sua Rede, muito provavelmente concorrerá à Presidência em 2014. Para a oposição é um bom negócio, pois quanto mais numerosos forem os concorrentes, maior a divisão de votos. Consequentemente, aumenta a chance de haver 2° turno.

O raciocínio parte do princípio que hoje quem tem votos é a presidente Dilma Rousseff. A oposição pode até vir a ficar bem, mas por enquanto sabe que está mal na foto. Precisa recorrer a todos os recursos a fim de tentar equilibrar ò jogo, já que a situação tem a popularidade da presidente, a exposição inerente ao cargo e todos os meios à disposição.

Uma das maneiras é incentivar a concorrência que possa subtrair votos de onde eles estão mais concentrados: no governo. Marina pode até não repetir o desempenho de 2010, quando atraiu 20 milhões de eleitores. Mas, se entrar na disputa, fica com parte do eleitorado de esquerda, jovens e decepcionados com a política em gerai.

Claro que o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), também entra nessa conta. Por enquanto os tucanos estão achando ótima a movimentação dele e não o veem como uma ameaça ao senador e provável candidato do PSDB, Aécio Neves.

Ao contrário. Na avaliação deles Campos ajuda a difundir críticas ao governo e a atrair eleitores no Nordeste. Aqui de novo o mesmo raciocínio: quem tem votos da região é Dilma, não o PSDB. Portanto, ela teria a perder.

Além da questão regional, na visão dos tucanos o governador de Pernambuco também atrairia parcela do eleitorado governista que já estaria cansado do PT, crítico à maneira de Dilma governar e em busca de uma "novidade". Isso sem falar no potencial de desagregação da base aliada ao governo que o PSDB enxerga na presença de Eduardo Campos em cena como provável candidato.

Muito bem, vamos que saia tudo conforme o desenho desse figurino, que haja 2º turno, que o candidato tucano passe para a etapa final. O que garante que os outros concorrentes não ficarão neutros ou com Dilma?

Pois é, por ora só a esperança de que as premissas estejam certas e q vento sopre a favor.

Surdina. O encontro de José Serra com Eduardo Campos na sexta-feira, 15 de março, não causou desconforto no PSDB pelo fato de ter acontecido.

O aborrecimento foi porque Serra não avisou nem contou depois a ninguém. Nem ao governador Geraldo Alckmin com quem esteve no dia seguinte.

Síntese. Falando sobre o rearranjo de ministérios, o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) resumiu: numa frase ao que ficou reduzido o presidencialismo de coalizão, tema de tantas teses: "A presidente não precisa do tempo do PR, mas também não quer que nosso tempo vá para outros candidatos".

Rudimentar assim. A Presidência entrega pastas a partidos e estes em troca oficializam coligação para aumentar o tempo no horário eleitoral e reduzir o dos adversários.

Fonte: O Estado de S. Paulo

De Obama a Aécio - Eliane Cantanhêde

A partir da Páscoa, tende a acontecer uma reviravolta, ao menos uma inversão, nas expectativas das candidaturas de oposição.

Até aqui, Eduardo Campos (PSB), capaz de minar a reeleição de Dilma "por dentro" e saudado como "o novo", ocupa espaços na mídia, angaria simpatias na base de Dilma e nos aliados do PSDB. Agora, começa a sentir o gosto, nem sempre doce, do excesso de exposição.

O PT já martela que ele é "traidor", por ser da base e lançar-se contra Dilma. Uma coluna daqui questiona a legitimidade de colocar-se na oposição. Outra dali cutuca seu estilo, não tão moderninho assim, em Pernambuco. Mais virá.

De outro lado, Aécio Neves parecia imobilizado na teia de egos e disputas do seu partido, excessivamente voltado para dentro e para debates que não fazem nem cosquinha no eleitorado. O PSDB fala para seu próprio eleitor, não para o eleitorado que pode ganhar a mais. Isso também começa a mudar.

Quando os tucanos se reúnem nos plenários solenes e sob o ar condicionado do Congresso para discutir o desmanche da Petrobras, isso me faz lembrar a frase lapidar do mestre Elio Gaspari: "O tucanato continua encantado pela crença segundo a qual, se uma pessoa ficar com duas vezes mais raiva do PT, terá direito a dois votos na eleição".

Com a população embalada por um "estado de felicidade", com emprego, renda, bolsas e cotas, o eleitorado está tão fascinado por Dilma quanto esteve por Lula. Mas, se o PT teve cerca de 43% dos votos totais em 2002, 2006 e 2010, 57% não cairão por gravidade no colo de Dilma e oferecem-se à conquista.

É para fazer a ponte com eles que o PSDB está trazendo dos Estados Unidos o estrategista David Axelrod, arquiteto da campanha do democrata Barack Obama.

Dilma é hoje uma candidata pronta, e Marina só precisa de ajustes. Os novatos Aécio e Campos têm de ser "construídos". Senão, a casa cai.

Fonte: Folha de S. Paulo

Os 49 anos de um hiato na história do Brasil

Em 31 de março de 1964, o alto escalão das forças armadas tomava para si a prerrogativa de comandar os rumos do país: o início da mais longa ditadura

Rodrigo Freitas

Há 49 anos, o Brasil passava de uma República de chefes de Estado populistas, mas eleitos, para a mão de ferro de um regime militar que perdurou por 21 anos. Em 31 de março de 1964, com o apoio de setores conservadores da sociedade, militares de alto escalão tomaram para si as rédeas da nação e derrubaram o então presidente João Goulart.

Sob o pretexto de frear a "ameaça comunista", o governo militar comandou o país, calando as vozes dissonantes do regime e censurando a imprensa. Hoje, com a abertura dos arquivos de órgãos como o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), é possível entender a dinâmica de monitoramento e repressão daquele período.

Todo movimento considerado subversivo era registrado. Autoridades, jornalistas, advogados, médicos, operários e sindicalistas tiveram direitos políticos cassados. Em Minas, em 7 de junho de 1964, em um dos documentos aos quais a reportagem teve acesso, a Comissão Mista de Investigações sugere a cassação do senador Camilo Nogueira da Gama e do então prefeito de Belo Horizonte, Jorge Carone Filho. Outros prefeitos, deputados, suplentes e profissionais de todas as áreas também apareceram nas listas, por representarem "uma ameaça ao regime".

Durante a primeira metade da década de 1970, o Brasil crescia a taxas superiores a 10% ao ano. A prosperidade era um dos sustentáculos do regime. Porém, ela não se sustentou, e a inflação em espiral ao longo de anos corroeu o poder de compra. A derrocada da economia e a crescente indisposição contra a violação dos direitos individuais forçou a abertura ainda nos anos 70. Em 1985, a ditadura acabou.

Governo se fez à base de vários atos institucionais

Com a ideia de centralizar ainda mais o poder, o governo militar se manteve, principalmente, a partir dos Atos Institucionais (AI), decretos que aumentavam os poderes do presidente e limitavam os demais. O ato considerado mais duro foi o quinto (AI-5), editado em dezembro de 1968. Naquele ano, greves operárias e grandes manifestações populares desafiaram a ditadura.

Com o AI-5, o então presidente Costa e Silva reduziu a zero as mobilizações políticas consideradas subversivas. "O novo decreto permitia ao presidente estabelecer o recesso indeterminado do Congresso Nacional e de qualquer outro órgão legislativo em esfera estadual e municipal, cassar mandatos e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por dez anos", analisa o historiador Rainer Souza, em pesquisa acadêmica. Os habeas corpus perderam a aplicação legal e, com isso, a tortura se instaurou quase oficialmente.

Em Minas, segundo documentos do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), ao menos 80 pessoas tiveram seus direitos políticos cassados em consequência dos AIs. Alguns personagens dessa história optaram por viver na clandestinidade.


Fonte: O Tempo (MG)

Em busca da verdade - Merval Pereira

A Comissão da Verdade passa por um processo interno de debate para definir qual seu verdadeiro objetivo: se promover uma catarse nacional para superar os traumas causados pela ditadura militar, como querem alguns de seus membros, ou preparar um relatório que deixe registrado para a História o que foram os tempos da ditadura, além de documentos que possam ser consultados na internet pelos interessados. Além da discordância de fundo entre seus membros, há discordância também sobre os procedimentos a serem adotados.

Uma parte do grupo de sete membros que compõem a Comissão considera que um de seus objetivos é levar à opinião pública o maior número possível de informações sobre as atrocidades cometidas pela repressão militar durante a ditadura - de preferência da boca de parentes de vítimas e pessoas que estiveram envolvidas na luta armada, de modo que esses depoimentos sirvam para promover uma verdadeira catarse nacional, a melhor maneira de superar os traumas que ainda permanecem latentes na cidadania.

Sem esse tratamento de choque, seria impossível avançar no nosso processo democrático, sustentam os que defendem a tese. Outros consideram que a superação já foi alcançada pela negociação política feita na transição da ditadura para a democracia, culminando com a Lei da Anistia e a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República. O trabalho da Comissão da Verdade, nessa visão, seria o de contar a História daquele período para que ela não se repita.

A maneira de chegar aos objetivos de cada grupo também difere. Se ainda é majoritário o grupo que prefere uma ação mais discreta, que culminaria num relatório e na possibilidade de consulta de documentos pela internet, ganha força na comissão a tendência de incluir nomes nesse relatório final, o que também causa controvérsias. Há membros do grupo que consideram uma radicalização dispensável a inclusão de nomes. Alegam que, das 40 comissões já feitas no mundo sobre o assunto, nenhuma fez relatórios dando nomes aos torturadores ou aos que participaram direta ou indiretamente das ações criminosas da repressão militar.

No Chile, que fez duas comissões, a última elaborou uma lista de nomes que foi enterrada em uma caixa para ser aberta dentro de 50 anos. Há muitas dúvidas, por exemplo, sobre a participação de empresários ou médicos no financiamento e auxílio às torturas. Enquanto a ação de alguns pode ser comprovada através de testemunhas, outros poderiam ser acusados sem que tivessem tido condições de recusar a participação.

Há depoimentos de empresários que alegam terem sido forçados a colaborar financeiramente através de ameaças e chantagens. Há também diversos laudos assinados por legistas que, analisados por uma equipe de especialistas, foram considerados falsos ou com erros primários. A intenção dos médicos que assim agiram teria sido denunciar a farsa que estava sendo montada pelos militares.

Outra questão debatida com muita intensidade dentro da comissão é a sua limitação diante da lei aprovada pelo Congresso. Grupos de pressão querem que ela abra processos contra os acusados de participação no esquema de torturas. Por outro lado, grupos de militares enviaram à comissão relatos de ações terroristas contra alvos militares, exigindo que também essas sejam alvo da Comissão.

Como a lei brasileira que criou a Comissão da Verdade não permite nem uma coisa nem outra, as pressões vêm de vários lados e expõem as diferenças de pensamento de seus membros. Essa visão diversificada, que deveria ser benéfica para o resultado final do trabalho, acaba impedindo que ele se desenvolva sem interferências ideológicas.

Pessoalmente, considero estranha essa tentativa de se armar uma encenação teatral para envolver a opinião pública emocionalmente. Mais eficaz para o interesse do país será produzir um relatório minucioso, denunciando como funcionava a máquina de repressão militar, definindo a responsabilidade de cada um e dando os seus nomes quando for possível a identificação acima de quaisquer dúvidas. Os eventuais processos civis têm que ficar por conta dos familiares das vítimas.

Fonte: O Globo

Passado e verdade - Tereza Cruvinel

Dilma preencheu um vazio ao criar a Comissão da Verdade, mas os resultados tímidos até agora obtidos têm a ver com as escolhas que ela fez. Especialmente com a composição e com a falta de hierarquia no colegiado

No tempo da ditadura, em dias como o de hoje, os comandos militares festejavam o aniversário do golpe que chamavam de Revolução Redentora de 1964 e emitiam uma Ordem do Dia. Os que estavam do outro lado faziam verdadeira exegese do texto, como quem busca no oráculo resposta para a angústia crucial: os sinais são de retrocesso e endurecimento ou de alguma luz no túnel escuro? Mesmo na democracia a Ordem do Dia continuou sendo emitida para saudar, em linguagem enviesada e cada vez mais tímida, o aniversário do golpe. Pela primeira vez este ano, por ordem da presidente e do ministro da Defesa, não foi divulgada. Os clubes militares, entretanto, divulgaram nota assinada por seus dirigentes da reserva, atacando os dirigentes da Comissão da Verdade, que chamaram de “totalitários”. Sabe-se, por outro lado, que a presidente Dilma está insatisfeita com os resultados tímidos dos trabalhos silenciosos da comissão.

A nota dos clubes militares é afronta a uma comissão criada por lei para inventariar os crimes e as violações ocorridas durante a ditadura, embora não tenha qualquer poder jurídico para denunciar ou punir. “Não venham, agora, os democratas arrivistas, arautos da mentira, pretender dar lições de democracia. Disfarçados de democratas, continuam a ser os totalitários de sempre”, diz a nota. Mas seus signatários são da reserva e os clubes são instituições privadas, não havendo o que a presidente possa fazer. A democracia garante a liberdade de expressão até mesmo aos que a violaram.

Já em relação à Comissão da Verdade, Dilma tem razão, mas tem responsabilidade pelo que está ocorrendo. Ao instituir a Comissão, no ano passado, ela supriu um vazio incompreensível. A ditadura no Brasil não foi um fato isolado na América Latina. No mundo em duas cores da Guerra Fria, em quase todo o subcontinente a ordem constitucional foi rompida e deu lugar a regimes militares autoritários, que suprimiram as garantias e liberdades, perseguiram, prenderam, mataram e desapareceram com os que resistiram. Passadas duas décadas das transições, que foram quase simultâneas, só o Brasil não havia instituído uma Comissão da Verdade, ao contrário do que já ocorrera na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai, Peru, El Salvador e tantos outros. Foi o que disse o próprio representante da ONU, na solenidade de instalação da Comissão, no ano passado, para a qual Dilma teve a delicadeza republicana de chamar todos os ex-presidentes do Brasil democrático.

A sua queixa agora é a mesma das famílias das vítimas e das entidades que lutaram pela verdade e por seu reconhecimento, como já registrado por esta coluna. Ela gostaria que a Comissão estivesse contribuindo de forma mais efetiva para o envolvimento da sociedade com este resgate da História. Que os depoimentos fossem abertos, que houvesse mais sessões públicas sobre os episódios que estão na agenda, que mais documentos estivessem sendo disponibilizados, e não apenas os textos de um integrante, o procurador Claudio Fonteles, aparentemente o mais ativo deles. A partir de amanhã, os documentos do DOPS paulista estarão disponíveis na Internet, mas esta iniciativa é externa à Comissão. Muitos outros arquivos poderiam estar abertos e acessíveis. Uma comissão como esta deveria dar pelo menos um “briefing” semanal sobre seus trabalhos, mas os jornalistas precisam garimpar informações com dificuldade. Sabe-se que Fonteles foi voto vencido na decisão entre divulgar as conclusões e descobertas durante os trabalhos ou apenas ao final dos trabalhos, em maio do ano que vem. Assim, o relatório final produzirá um livro denso, que alguns vão ler. A verdade terá chegado aos que a conheciam parcialmente, deixando de alcançar os que nunca souberam de fato o que foi a ditadura, para que valorizem a democracia.

Mas esta atuação morna da Comissão, que parece agir com os cuidados exigidos no passado que ela investiga, tem a ver com escolhas que a presidente fez ao instituí-la. Os integrantes se queixam da ausência crescente do advogado José Paulo Cavalcante e do ministro Gilson Dipp, do STJ, que enfrenta problemas de saúde. Se têm limitações de qualquer ordem, devem ser substituídos. Mas a composição, em si, nunca convenceu. Buscando pluralidade e imparcialidade, Dilma deixou de incluir representantes das famílias e das entidades que lutam pela verdade, dos advogados que tiveram coragem de defender as vítimas e dos outros poderes, que poderiam estar dando sua contribuição. Falta a representação da Igreja Católica e de outras que ficaram ao lado da luz. Ademais, um colegiado sem hierarquia não pode funcionar bem. Todas as comissões do continente tiveram presidente e relator. A da Argentina, que foi talvez a mais produtiva de todas, teve na presidência a força e o destemor do escritor Ernesto Sábato. A nossa funciona em sistema de rodízio. Todos são iguais e se revezam na coordenação a cada seis meses. Assim, continuaremos mesmo a ouvir as vozes tenebrosas do passado, que só se calarão quando toda a sociedade souber o que fizeram, como fizeram, por que fizeram. E souber, inclusive, que apesar do que fizeram não pagarão por isso, pois este foi o preço da transição.

Feliz Páscoa

Páscoa, Pessach, Passagem. Bento XVI se foi no carnaval. O papa Francisco revelou-se inteiro na semana santa, oferecendo ao mundo exemplos de fé e de humildade. Feliz Páscoa a todos.

Fonte: Correio Braziliense

Visita inevitável - Míriam Leitão

Eu era menina ainda, mas já gostava de notícia. Grudei no rádio e fiquei ouvindo as informações da movimentação das tropas do general Olímpio Mourão Filho. O que eu não podia imaginar, por ser tão criança, é que aquele 31 de março era o começo de um tempo terrível que tiraria vidas da minha geração, produziria dor e obscurantismo, e que 49 anos depois ainda seria difícil revisitar.

Um professor americano me perguntou outro dia porque só agora o Brasil faz a sua Comissão da Verdade, já que a ditadura acabou em 1985. Eu respondi que o Brasil tem problemas de encarar seu passado, é meio atávico esse defeito. E que, de vez em quando, pintamos o cenário com outras cores para aceitar nossos erros, e daí decorrem teses como as da " mild slavery " (escravidão suave). Mas que, felizmente, estamos mexendo no que ficou congelado por um tempo excessivamente longo.

Na mesma semana me ligou Rosa Cardoso, que integra a Comissão da Verdade. E o que ela tinha a contar era muito. Naquele fim de semana (o último) haveria o encontro da Panair para ouvir, pela primeira vez em quase 50 anos, o que houve com a empresa que por perseguição política teve todas as rotas canceladas pelo governo e foi à falência. Ainda assim, os funcionários se reúnem frequentemente, vão com seus crachás para se reconhecerem tanto tempo depois. A empresa pagou todas as dívidas trabalhistas.

A Comissão da Verdade de São Paulo se preparava para ouvir - ouviu na semana passada - o depoimento de Inês Etienne dentro do capítulo de ditadura e gênero. Inês, que sobreviveu à Casa da Morte, tinha sido chamada, junto com outras pessoas, para falar das sevícias sexuais que atingiram tantas prisioneiras.

O corpo de João Goulart será exumado. Os especialistas ouvidos disseram que, talvez, os exames não sejam conclusivos, porque ele pode ter sido morto por um remédio que afeta o coração e que, tanto tempo depois, pode não ter deixado vestígios. A suspeita permanece.

Não há um único torturador que tenha passado um único dia na prisão pelo crime cometido, de tortura, morte e desaparecimento, como o do deputado Rubens Paiva, do estudante Alexandre Vanucchi, do líder Honestino Guimarães, do jovem Stuart Angel, do jornalista Vladimir Herzog, do operário Manoel Fiel Filho. São tantos. É difícil nomeá-los. Esquecê-los, impossível.

Ainda assim, os militares aposentados se reuniram nos seus clubes e acusaram quem hoje busca informações de ser "totalitário". Repetem a tese de ter havido dois lados. Pois é. Um lado era a juventude encurralada. O outro, o Estado com o poder exercido de forma ilegítima pelos militares, usando a sua força contra quem ousou discordar.

A Comissão da Verdade se descentralizou, outras vão se formando para investigar os vários eventos desse tempo que prometeu ser breve e se prolongou por 21 anos. O que fazer com as instalações onde pessoas sofreram e heróis perderam a vida? O antigo Dops do Rio é hoje o Museu da Polícia. Cheio de armas dos vários tempos. Impossível conviver com um memorial de presos políticos que deveria ter. O antigo DOI-Codi funcionava no quartel da Polícia do Exército na Barão de Mesquita, na Tijuca. Lá morreu Rubens Paiva, lá inúmeras pessoas foram torturadas, como Arthur Poerner, que narrou o que viveu num livro com o sugestivo nome de "Nas profundezas do inferno". Angel foi morto na Base Aérea do Galeão. A tortura foi disseminada, foram muitos os locais de sofrimento.

O passado deve passar. Eu, hoje, avó de meus netos, sei quanto tempo me distancia da menina grudada ao rádio em Caratinga naquele 31 de março. Mas minha convicção profunda é que, antes, é preciso cumprir o ritual da dolorosa visita ao passado.

Fonte: O Globo

Na trilha do Golpe ganha nova edição

Resultado de uma série de reportagens produzida por jornalistas do JC entre outubro de 2003 e março de 2004, o livro, uma parceria com a Fundaj, volta às livrarias

Carolina Albuquerque

Hoje, quando o Brasil relembra 49 anos de um dos momentos mais sombrios da história recente, o golpe militar de 1964, chega às bancas uma edição revisada do livro Na Trilha do Golpe, resultado de uma série de reportagem produzida por jornalistas do JC entre outubro de 2003 e março de 2004, numa parceria com a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Lançada há nove anos, a publicação traz reflexões sobre as origens e as circunstâncias que culminaram com o Regime Militar (1964-1985). Com edição original esgotada nas livrarias, a Fundaj disponibiliza para venda 500 novos exemplares.

Sob a orientação do cientista político da Fundaj Túlio Velho Barreto e do diretor-adjunto de Redação do JC, Laurindo Ferreira, uma equipe de dez repórteres foram escalados para se debruçarem sobre a literatura e documentos históricos referentes à década que antecedeu o dia 31 de março de 1964. O trabalho resultou em 22 reportagens, oito entrevistas, nove depoimentos, além de uma compilação de documentos consultados daquela época. De acordo com Túlio, alguns personagens falaram pela primeira vez à reportagem, como Alexina Crêspo, a primeira esposa do líder das Ligas Camponesas Francisco Julião. Além, claro, de figuras políticas que viveram diretamente aqueles momentos, como o ex-governador Miguel Arraes, deposto pelo regime, e o ministro de estado do regime militar Jarbas Passarinho.

O livro de 293 páginas se organiza a partir de quatro temas principais: Política, Economia, Cultura e Cotidiano e Movimentos Sociais. Através da linguagem objetiva e descritiva, as reportagens são fruto da interação de ambientes distintos: a redação e a academia. Responsável pela direção editorial da série e do livro, o jornalista Laurindo Ferreira destaca que a conexão desses dois "mundos" rendeu reflexões diferenciadas. "A gente trouxe para o projeto também vários cientistas sociais. Foi uma experiência interessante porque foi uma fusão das questões acadêmicas com o texto jornalístico. O livro traz bem essa perspectiva, um produto de fusão e entendimento da pesquisa, da ciência, com o jornalismo. Esse foi um ganho legal para a redação", explicou.

À época, o ex-ministro da Justiça Fernando Lyra, falecido recentemente, assumia a direção da Fundaj. "Ele recebeu o projeto jornalístico com muito entusiasmo. Naquele momento, posso dizer, a Fundaj se aliou ao processo de revisão da historiografia do que significou o golpe militar. Apesar de passados 40 anos, havia ainda publicações em que se referiam como ‘revolução’ militar em vez de golpe. O livro contribui para questionar isso", disse Barreto.

A limpo

Na sequência do trabalho de reportagem aconteceu um grande seminário sobre o tema, naquele abril de 2004. Também como resultado dos dias intensos de debate, publicou-se o livro 1964: O Golpe passado a limpo. É uma compilação de artigos acadêmicos e dos debates travados. Organizado por Túlio Velho Barreto e Rita de Cássia de Araújo, o livro já está à venda.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Tentativa de compreensão - Ferreira Gullar

Esse revolucionarismo retardado, na maioria dos países, foi uma fantasia passageira

Talvez que, para melhor entender o atual neopopulismo que chegou ao governo de alguns países latino-americanos, convenha lembrar o que ocorreu antes, logo após a Revolução Cubana, de 1959.

A tomada do poder pelos guerrilheiros de Fidel Castro levou alguns setores da esquerda latino-americana a embarcar na aventura da luta armada, de desastrosas consequências. Os Estados Unidos, que haviam aprendido a lição cubana, trataram de induzir os militares da região a substituir governos eleitos por ditaduras militares.

Nesse quadro, a exceção foi a chegada ao poder, pelo voto, de um partido de esquerda, elegendo Salvador Allende, no Chile, com o apoio da Democracia Cristã, que dele se afastou quando o viu refém da extrema esquerda.

O resultado disso foi o que se conhece: Allende foi deposto e morto, dando lugar à ditadura de Augusto Pinochet. Todos os movimentos guerrilheiros foram sistematicamente dizimados nos diversos países onde surgiram, e com eles a esquerda moderada.

As ditaduras militares, durante décadas, lançando mão da tortura e eliminação física dos adversários, tornaram inviável a vida democrática nesses países. Mas se desgastaram e tiveram que, finalmente, devolver o poder aos civis.

Em cada país isso ocorreu em momentos diversos e com características próprias. No Brasil, por exemplo, essa passagem se fez mediante um acordo que resultou em anistia geral e irrestrita, o que, sem dúvida, facilitou a reimplantação do regime democrático.

Não obstante, aqui como noutros países, esse retorno à democracia não significou o abandono, por todos, dos propósitos revolucionários.

Em alguns deles, os antigos guerrilheiros se reorganizaram em partidos que, implícita ou explicitamente, ainda que disputando eleições, visavam a implantação do regime socialista a que, antes, tentaram alcançar pelas armas.

Esse é um fenômeno curioso, especialmente porque se manteve mesmo após a derrocada do sistema socialista mundial e quando, com o fim da União Soviética, o regime cubano entrou em visível decadência e passou a fazer concessões ao capital norte-americano, que, então, voltou a explorar a hotelaria e o turismo, o que, para os revolucionários de 59, havia transformado Cuba num prostíbulo.

Mas esse revolucionarismo retardado, na maioria dos países, foi uma fantasia passageira, uma vez que, na disputa eleitoral, ficou provado que a maioria da opinião pública rejeitava as palavras de ordem radicais.

No Brasil, após várias derrotas, Lula exigiu que o PT abrisse mão do radicalismo, ou ele não se candidataria mais. Sem outra alternativa, o partido o atendeu e publicou uma Carta ao Povo Brasileiro, em que abria mão do revolucionarismo de palavra e, graças a isso, conseguiu ganhar as eleições de 2002.

Mas não parou aí, pois, para governar, Lula teve que aliar-se até com os evangélicos, numa total negação de seus princípios ideológicos. Claro que, para aparentar fidelidade a suas origens e satisfazer discordâncias internas, estatizou tudo o que pode, enquanto usava o dinheiro público, por meio do BNDES, para financiar grandes empresas privadas.

Esse é o dilema dos neopopulistas latino-americanos: usam discurso de esquerda e governam fazendo acordos e concessões que sempre condenaram. No discurso de Hugo Chávez, por exemplo, os Estados Unidos apareciam como o capeta, mas é para eles que a Venezuela vende quase todo o seu petróleo.

Sei que é impossível fazer política sem fazer concessões. Não é isso que critico, portanto. O que pretendo mostrar é como a esquerda, que se dizia radicalmente comprometida com os princípios anticapitalistas, ao perceber a inviabilidade de seu projeto ideológico, converteu-se, na prática, em seu contrário, mantendo, não obstante, o mesmo discurso de antes.

O mais patético exemplo disso é mesmo o chavismo, que, agora sem o Chávez, deve tomar um rumo imprevisível.

É certo, também, que o neopopulismo, valendo-se do assistencialismo e do discurso esquerdista, inviabilizou a esquerda moderada, que ficou sem discurso. O Brasil é exemplo disso. Lula se apropriou dos programas sociais e econômicos do governo anterior, contra os quais lutara ferozmente, e ainda os qualificou de herança maldita.

Fonte: Ilustrada / Folha de S. Paulo

Itália: Giorgio Napolitano pede fim de impasse político

O presidente italiano, Giorgio Napolitano, pediu neste sábado que "dois grupos restritos" apresentem um programa de governo, em um esforço para acabar com o impasse político, mas ressaltou que o primeiro-ministro, Mario Monti, permanecerá no cargo.

"Eu estou me preparando para pedir a dois grupos de diferentes personalidades" para apresentarem propostas de reforma, afirmou Napolitano, sem entrar em detalhes, após as negociações do partido sobre a formação de um novo governo não terem conseguido encerrar o impasse.

Presidente italiano diz que continuará no cargo até fim do mandato

O presidente italiano, Giorgio Napolitano, disse neste sábado que vai continuar no cargo até o término de seu mandato em 15 de maio, descartando a renúncia imediata que permitiria nova eleição o mais rapidamente possível.

Napolitano disse aos jornalistas que o fracasso dos partidos políticos para chegar a um acordo para formar um governo após uma eleição inconclusiva, no mês passado, mostrou que suas opções eram limitadas.

Mas ele acrescentou: "Até o último dia, pelo menos, eu posso ajudar a criar as condições mais favoráveis ??para o propósito de destravar uma situação política que terminou com posições irreconciliáveis".

A afirmação foi feita após um jornal italiano reportar que Napolitano estava considerando a renúncia.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Autoridades russas não podem regredir na democracia, diz Gorbachev

Maya Dyakina / Reuters

O último líder soviético Mikhail Gorbachev disse neste sábado que a Rússia vai enfrentar protestos a menos que a sociedade se torne mais democrática, apesar do sucesso do presidente Vladimir Putin em reprimir os dissidentes.

Gorbachev, cujas reformas perestroika (reestruturação) e glasnot (abertura) nos anos 1980 falharam em reverter o colapso da União Soviética, tem simpatizado com os protestos, sobretudo das classes médias urbanas em ascensão, contra as alegações de fraude na contagem eleitoral e a corrupção política.

"As autoridades conseguiram reprimir os protestos por um tempo, mas os problemas não desapareceram. Se tudo permanecer como antes, os protestos vão se intensificar", disse Gorbachev em uma aula, conforme citação feita pela agência de notícias RIA.

"Isso quer dizer que encaramos uma nova tentativa pela sociedade russa de mover para uma real democracia que será historicamente significativa ."

O alerta de Gorbachev, ativo na vida pública aos 82 anos e coeditor do jornal independente Novaya Gazeta, veio no momento em que Putin, que há um ano ganhou um terceiro mandato presidencial, busca consolidar seu poder.

Em vez de se engajar em diálogos com oponentes, Putin tem procurado marginalizá-los, enquanto sobe o tom da retórica na política internacional para criar a atmosfera de uma nação sob ataque.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Para economistas, governo precisa subir juros e estimular investimento privado

Raquel Landim

Os críticos dizem que com sorte, seis economistas reunidos chegam a sete soluções para o mesmo problema. A resposta para o dilema do baixo crescimento e da inflação alta no Brasil, porém, aponta quase um só caminho. Seis dos principais economistas brasileiros de correntes de pensamento diferentes, convidados pelo "Estado" a refletir sobre o assunto, chegaram ao mesmo diagnóstico.

Da Casa das Garças, reduto tucano, à Unicamp, de onde saíram os principais condutores da política econômica do governo, incluindo a presidente Dilma, a resposta é quase unânime. Para reanimar o crescimento, o governo precisa estimular o setor privado a investir, e, para domar a inflação, é preciso subir os juros e cortar gastos do setor público.

É claro que há divergência sobre como fazer isso. Mas, surpreendentemente, apenas Luiz Carlos Bresser-Pereira - professor emérito da Fundação Getúlio (FGV) e ministro nos governos Sarney e FHC - é contra a alta de juros.

Essa discussão ganhou ainda mais relevância na semana passada, depois da polêmica provocada por uma declaração da presidente Dilma. "Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico", disse, durante encontro dos Brics na África do Sul. "Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença, ele é complicado, você entende?"

O Brasil vive uma situação complexa e paradoxal. Nos últimos dois anos, o crescimento médio do PIB foi de apenas 1,8%.

Ao mesmo tempo, o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) bateu em 6% no acumulado em 12 meses até fevereiro, e só não ultrapassou o teto da mantêm praticamente o mesmo diagnóstico par ta de inflação (6,5%) por conta de manobras, como o corte do preço da energia e os pedidos aos prefeitos para não reajustar a passagem de ônibus.

Em 2012, a taxa de desemprego ficou em 4,6%, O País está em pleno emprego, o que significa demanda aquecida. A produção industrial, no entanto, caiu 2,7% no ano passado.

Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, fundador e diretor da Casa das Garças, não minimiza os desafios, mas diz que o governo tem hoje todos os instrumentos para lidar com a situação. "Só precisa decidir utilizá-los de maneira adequada", diz. Ele defende uma política "eficaz" de concessões de obras de infraestrutura,

A conclusão de Luiz Gonzaga Belluzzo, professor emérito da Unicamp, fundador da Facamp, e um dos conselheiros de Dilma, é parecida. "Se o governo quer apoiar o crescimento através do investimento, certamente não pode ser leniente com a inflação", diz. Belluzzo, no entanto, acredita que um aperto monetário leve será suficiente para recuperar a credibilidade do BC e conter as expectativas de inflação.

Gustavo Franco, ex-presidente do BC e hoje sócio da Rio Bravo Investimentos, afirma que o aumento dos juros é uma solução de "qualidade inferior" e que o grande problema da economia brasileira é a "gastança" do governo. "Já deveríamos ter aprendido a lição que é muito melhor combater a inflação atacando a sua causa, que é a política fiscal."

Para Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, o Brasil precisa de uma "inversão total" da política fiscal com contração dos gastos correntes, que permitiria, ao mesmo tempo, controlar a inflação no setor de serviços e manter juros baixos e câmbio depreciado para ajudar a indústria. Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC e sócio da A.C. Pastore Associados, diz que o pleno emprego é um sinal inequívoco de que não existe um problema de demanda. "O País não investe em infraestrutura e, por isso, não cresce. O governo fica tentando resolver injetando mais demanda na economia e deixando a inflação subir", resume.

Para Bresser-Pereira, os empresários não investem porque o câmbio continua apreciado, apesar da recente desvalorização promovida pelo governo Dilma. "O câmbio é o interruptor da economia, que liga ou desliga a demanda para as empresas."

Pelos sinais mais recentes, como os pacotes de concessão de obras de infraestrutura, parece que a equipe econômica de Dilma chegou à mesma conclusão que esses economistas. Mas ainda há muitas dúvidas sobre a convicção e a eficiência com que as autoridades estão implementando as medidas necessárias. Em i breve, o BC terá de decidir se sobe ou não os juros e com que intensidade. Será um bom teste.

'País precisa de política eficaz de concessões'

Edmar Bacha - Diretor da Casa das Garças

"Se a única coisa que você tem em mãos é a política monetária, obviamente esses dois objetivos (crescimento e inflação) são excludentes. Mas certamente temos outros recursos, como a política fiscal. Com dois instrumentos - os gastos do governo e a taxa de juros - é possível perseguir dois objetivos diferentes. Acho que dá para conciliar. Por exemplo: se o governo tiver uma política eficaz de concessões de infraestrutura, é possível aumentar os gastos com investimentos, e, ao mesmo tempo, reduzir gastos correntes e fazer um relativo aperto da política monetária. O governo determina os juros, controla o orçamento e pode ter uma política de concessões efetiva. Só precisa decidir utilizar esses instrumentos de maneira adequada. A política monetária ê eficaz para controlar a inflação, porque reduz a propensão das pessoas a comprar a crédito. Não há mistério nisso. Baixar o juro de curto prazo ajuda no capital de giro, mas não é suficiente para induzir um volume maior de investimentos. Os investimentos dependem de uma boa regulação, que garanta a perspectiva de lucro futuro dos empreendedores."

'A inflação pode comprometer o futuro do Brasil'

Yoshiaki Nakano - Professor da FGV

"O atual patamar de inflação é preocupante e, se persistir, comprometerá o futuro da economia. O quadro atual é complexo. Não se trata de simples excesso de demanda e pleno emprego gerando a inflação. O dinamismo da demanda se manteve enquanto a capacidade ociosa da indústria aumentou e os investimentos caíram. O câmbio apreciado por um longo período gerou forte expansão do setor de serviços e desindustrialização. O setor de serviços não sofre com as importações, pode elevar preços e aumentar salários muito acima do avanço da sua produtividade. Convivemos com uma inflação de demanda nos serviços e de custos na indústria. No curto prazo, o investimento não deverá reagir o suficiente para gerar um novo ciclo de crescimento, portanto, não resta senão a elevação dos juros para reduzir a inflação. Se o BC optar pela apreciação do câmbio, vai agravar o problema. Para controlar a inflação e retomar o crescimento, seria preciso controlar a demanda nos serviços e, ao mesmo tempo, reduzir juros e mudar o câmbio para estimular a indústria. Mas isso só seria possível com a inversão da política fiscal".

‘Juros vão subir, mas muito menos do que antigamente’

Luiz Gonzaga Belluzzo, Diretor da Faculdade de Campinas (Facamp)

"Posso começar com uma pergunta ao inverso: será que todo crescimento gera inflação?

Acho que não. Estamos num momento em que, na minha opinião, o BC vai ter de subir os juros, dado o grau de difusão da inflação. Pelas experiências passadas, temos o vírus da indexação. Com uma inflação alta e avançando, o grau de desconfiança é um problema para o investimento. Se o governo quer apoiar o crescimento via investimentos, certamente não pode ser leniente com a inflação. Mas do que estamos falando? De uma alta de 0,5 ponto na próxima reunião (do Copom) e 0,5 ponto na outra. Nada como os períodos em que o juro subia para 45%. O gasto de capital do governo tem de subir e fazer deslanchar os investimentos privados. Não dá para usar o câmbio para baixar a inflação. Isso ocorreu desde 1994 até recentemente, e afeta o investimento. Não tem regrinha, não tem modelinho. É tentativa e erro. Não estamos numa situação de explosão inflacionária com desvario de gastos.

Mas é claro que a política fiscal também pode ajudar, controlando o gasto corrente."

'O BC exagerou na redução da taxa Selic'

Affonso Celso Pastore, Sócio da A.C. Pastore & Associados

"No longo prazo, o crescimento aumenta em países com estabilidade de preço. No curto prazo, se a inflação está instalada e tem inércia grande, o único jeito de combatê-la é com política monetária e política fiscal. E isso, em geral, leva a uma desaceleração do crescimento. A questão é saber porque o Brasil não cresce. Com o País em pleno emprego, essa não é uma economia sem demanda. O Brasil não cresce porque o investimento é insuficiente. O governo precisa de um programa de investimento em infraestrutura, mas não tem dinheiro. É preciso que o setor privado invista. Só que o governo não quer privatização e arbitra uma taxa de retorno baixa. O País, então, não investe em infraestrutura e, por isso, não cresce. O governo fica tentando resolver o problema injetando mais demanda na economia e deixando a inflação subir. E isso cria dois defeitos: crescimento baixo e inflação alta. O BC exagerou quando baixou os juros, porque tentou usar a Selic para estimular o crescimento. A política fiscal brasileira deveria mudar integralmente. E preciso um superávit forte e privatizações para deixar o setor privado investir."

'O problema não está no BC, mas no Ministério da Fazenda'

Gustavo Franco, Sócio da Rio Bravo Investimentos

"É claro que dá para mexer em inflação e crescimento independentemente. Não há relação linear. Dizer que as políticas ortodoxas implicam em sacrifício é uma armadilha retórica.

Tudo depende do que seja determinante para o crescimento.

No governo Dilma, aumentaram os gastos públicos e o crescimento caiu. É evidente que houve uma deterioração da confiança empresarial em relação ao equilíbrio das contas públicas. A receita supostamente desenvolvimentista heterodoxa fracassou. Para voltar a crescer, o Brasil precisa retomar as reformas, ter políticas macro responsáveis e mais investimento privado. No Brasil, as pessoas relutam a acreditar em algo simples: o investimento é acumulação de capital. As políticas têm de ser amistosas ao capital. A inflação está mais camarada do que eu esperaria dada a deterioração das condições fiscais. O melhor instrumento para combater a inflação é a política fiscal. Sem uma política fiscal sadia, teremos uma solução inferior que é a alta dos juros. O problema não está no BC, mas no Ministério da Fazenda e na Presidência."

'Real apreciado impede o crescimento'

Luiz Carlos Bresser-Pereira, Professor da FGV

No curtíssimo prazo, não é possível reanimar o crescimento e controlar a inflação ao mesmo tempo. O Brasil cresce pouco porque o câmbio está sobrevalorizado. Se a moeda depreciar, o efeito inflacionário é pequeno, mas inevitável e prejudicaria a meta de inflação. Eu acho que o governo deveria corrigir a taxa de câmbio. O ideal seria o dólar a R$ 2,90, mas não há condições políticas, porque, além de compra de divisas e de controle da entrada de capitais, seria necessário um imposto sobre a exportação de commodities. Provavelmente o governo conseguiria levar o dólar para R$ 2,30, o que já seria alguma coisa. O câmbio é um interruptor de luz, que dá ou nega acesso à demanda. Estamos desconectando nossas empresas da demanda. Estou de acordo que é necessário destravar os investimentos, mas só é possível fazer isso criando oportunidades lucrativas para os empresários. Também é necessário uma política de concessões, mas não substitui um câmbio competitivo. Não vejo necessidade de subir os juros. Isso não interessa ao Brasil. O governo ainda tem outros mecanismos, como as medidas macroprudenciais.

Fonte: O Estado de S. Paulo