domingo, 21 de agosto de 2022

Opinião do dia – Karl Marx (Religião)

“O homem que só encontrou o reflexo de si mesmo na realidade fantástica do céu, onde buscava um super-homem, já não se sentirá inclinado a encontrar somente a aparência de si próprio, o não-homem, já que aquilo que busca e deve necessariamente buscar é a sua verdadeira realidade.

A religião não faz o homem, mas, ao contrário, o homem faz a religião: este é o fundamento da crítica irreligiosa. A religião é a autoconsciência e o autosentimento do homem que ainda não se encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta sociedade, engendram a religião, criam uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista, seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de consolo e de justificação. É a realização fantástica da essência humana por que a essência humana carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo que tem na religião seu aroma espiritual.

A miséria religiosa é, de um lado, a expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o ópio do povo.

A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam os grilhões, não para que o homem o suporte sem fantasia ou consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da religião liberta o homem da ilusão, de modo que este pense, atue e configure a sua realidade como um homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo e, assim, em volta de seu verdadeiro sol. A religião é apenas um sol ilusório que gira em torno do homem enquanto ele não circula em torno de si mesmo.”

*Karl Marx (1818-1883), “Critica da filosofia do direito de Hegel – Introdução”. (1843) p. 145. Boitempo Editorial, 2005.

Luiz Sérgio Henriques* - Tempo de virtudes cívicas

O Estado de S. Paulo

O embate mais árduo virá depois da eleição, quando se tratar de reconstruir as instituições e resgatar as promessas da civilização brasileira.

Quando a História acelera e a política toma rumos imprevisíveis, é comum que se sucedam os instantes que, segundo o espanhol Javier Cercas, merecem os cuidados de uma aula clássica de anatomia. No seu país, com as feridas ainda mal curadas décadas depois do flagelo da guerra civil, a irrupção de um vulgar militar golpista no Parlamento, no inverno de 1981, pôs em questão a transição pós-franquista, intimidando os deputados e colocando a Espanha mais uma vez na encruzilhada. De pé, inscrevendo corajosamente seus nomes na “religião civil” que nem a mais secular das democracias dispensa, só o primeiro-ministro Adolfo Suárez, o vice, general Gutiérrez Mellado, e o eurocomunista Santiago Carrillo. A democracia seguiria adiante, como sabemos.

Poucos anos antes, do lado de cá do Atlântico, outra transição também inspirava gestos de alto valor cívico, como a cerimônia ecumênica por Vladimir Herzog ou, dois anos mais tarde, a carta lida por Goffredo Telles nas arcadas da Faculdade de Direito da USP. Ao mesmo tempo, assimilávamos um vocabulário inédito, no qual se destacava um conceito-chave da teoria moderna, o de “sociedade civil”. Tal conceito podia ser declinado de variadas formas, mas o certo é que ele afastava a ideia da política seja como expressão passiva da economia, seja como mero disfarce da força bruta. Estávamos literalmente obrigados a ir além dos modos e costumes do autoritarismo.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Virtude e risco da ambiguidade em política

O tema da ambiguidade política – ou o da ambiguidade em política - é nosso antigo conhecido. No dizer de Werneck Vianna [“Caminhos e descaminhos da revolução passiva à brasileira” - ensaio encontrado em: Revista Dados vol. 39 no. 3 Rio, 1996 e na coletânea L.W. Vianna: “A Revolução passiva, iberismo e americanismo no Brasil” - Rio: Revan,1997), o Brasil é “o lugar por excelência da revolução passiva”.

É intuitivo supor que ambiguidades políticas de variadas dimensões respondem pela atribuição ao nosso país da condição que a frase de Werneck comunica. Para lembrar algumas em que esbarramos, ao visitarmos nossa história política, eis a ambiguidade entre liberalismo e escravidão, entre monarquia e república, ordem e progresso, autoritarismo e modernização, populismo e democracia.

Essa última ambiguidade, inaugurada no final da Era Vargas e difundida durante a democracia de 46 a 64, encontra reedição dramática, nos dias atuais, na campanha eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva e negação enfática na de Jair Bolsonaro. Populismo e democracia formam, nesse segundo caso, uma contradição em termos, como ocorreu nos tempos do general Médici (1969-1973), o tempo, por excelência, da disseminação, sem peias, de censura e tortura, durante o regime autoritário. Com o tempo da danação superado por volta de 1977 (salve as arcadas que emolduraram o largo caminho!) e o regime derrotado, em 1985, pelo êxito da transição democrática, fundou-se, então, o regime e a sociedade da Carta de 88, hoje sitiada e abalada por fricções e fantasmas.

Merval Pereira - O diabo nos detalhes

O Globo

Cientista político comenta em livro que o segundo turno sempre confirma o primeiro turno

Se pegarmos alguns detalhes da mais recente pesquisa Datafolha, veremos que a sensação de otimismo com a economia aumentou sensivelmente entre a população, e que a rejeição ao presidente Bolsonaro, embora muito alta, caiu de 60% para 51%. Como consequência, a diferença dele para o ex-presidente Lula também foi reduzida sensivelmente nos últimos meses. Não há indicação de que essa redução esteja sendo conseguida com a rapidez necessária para que Bolsonaro possa ultrapassar Lula ainda no primeiro turno, nem de que isso acontecerá. Mas há indícios de que a eleição não terminará no primeiro turno.

O presidente entra na campanha oficial de radio e televisão, na qual tem que aumentar a rejeição de Lula enquanto tenta reduzir a sua própria, com disposição para desconstruir a imagem do ex-presidente, trazendo ao tempo presente os escândalos de corrupção que abalaram a imagem do PT e do próprio Lula. O ex-presidente fará o mesmo, pois manter a rejeição a Bolsonaro em mais de 50% o inviabiliza como candidato competitivo.

Míriam Leitão - O candidato que queimou a largada

O Globo

Bolsonaro foi vítima de si mesmo no início desastroso de sua campanha. Lula explora lembrança de seu governo para manter vantagem sólida

A semana foi desastrosa para o presidente Bolsonaro. Era a primeira da campanha oficial, e ele ficou em isolamento institucional em frente do país, comportou-se como um assaltante de celular, e as pesquisas eleitorais não trouxeram as boas notícias que ele esperava. Por outro lado, o ex-presidente Lula tem usado a sua poupança, ou seja, as lembranças dos “tempos do Lula”, para se manter assim tão firme no coração dos mais pobres. Mas ele precisa ter programas que sejam novos porque, se vencer, o país que herdará será bem diferente do de 20 anos atrás.

A pobreza aumentou e exigirá um programa social mais robusto, com engenharia social sofisticada e eficiente. Não bastará restaurar o nome Bolsa Família. A herança de bombas fiscais é perigosa. Um exemplo é o preço da gasolina. Imagine o primeiro dia de governo. De cara, o eleito teria que repor o PIS-Cofins e a Cide sobre os combustíveis e isso elevaria os preços. Se mantiver a isenção, quanto perderão os cofres públicos? Fiz essa pergunta a David Zylbersztajn e, junto com a equipe do Instituto de Energia da PUC, chegou-se à seguinte conclusão: levando-se em conta o consumo de 2021, de 118 bilhões de litros de diesel, gasolina e etanol, a perda seria de R$ 70 bilhões por ano. Lula vai escolher torrar R$ 70 bi subsidiando em grande parte a classe média ou focar nos mais pobres? As opções serão difíceis em 2023.

Bernardo Mello Franco – Foi dada a largada

O Globo

Na largada da corrida presidencial, candidatos reivindicam apoio de Deus e tentam ligar adversários ao demônio

E a campanha enfim começou. A oficial, é claro. Já faz tempo que os presidenciáveis estão na rua. Faltava o carimbo da Justiça Eleitoral.

Jair Bolsonaro prometeu acabar com a reeleição, mas só pensa nela desde o dia da posse. Lula entrou na disputa assim que saiu da cadeia. Ciro Gomes é candidato profissional. Poderia ter carteira assinada pelo TSE.

A lista de concorrentes traz poucas caras novas. Nenhuma delas parece ser muito viável. Simone Tebet só empolga uma franja da elite. Soraya Thronicke não empolga ninguém. As últimas pesquisas situaram a “terceira via” onde ela sempre esteve: no mundo da ficção eleitoral.

Na corrida dos nanicos, André Janones desistiu antes da largada. Mal aprendeu a fazer o “L” e quer ensinar Lula a fazer campanha. Seu sonho é virar o Duda Mendonça da era digital. No pior cenário, vai aumentar a própria claque no Facebook.

Pablo Marçal começou perdido na trilha. Agora perdeu o partido de aluguel. Não perderá dinheiro se insistir no ofício de coach. É uma das raras atividades que crescem no país, como as de pastor e agiota.

Luiz Carlos Azedo - O coração de D. Pedro I simboliza a necropolítica no Bicentenário

Correio Braziliense / Estado de Minas

Amanhã, chega ao Brasil o coração de D. Pedro I, que será exposto no Palácio do Itamaraty, em Brasília, como ponto alto das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência

Ganha um pastel de Belém quem souber onde fica a Rua D. Pedro I no Rio de Janeiro, a cidade que acolheu o jovem príncipe no exílio, em 1808, e o transformou no primeiro imperador do Brasil, às vésperas de completar 24 anos, em 7 de setembro de 1822. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon era herdeiro da casa real portuguesa, filho de D. João VI, regente de Portugal, e da princesa espanhola Carlota Joaquina, que viriam a se tornar rei e rainha de Portugal em 1816, com a morte da rainha Maria I.

O seu protagonismo político na formação do Brasil como nação não pode ser ignorado nas comemorações do Bicentenário da Independência. Com esse objetivo, amanhã, chega ao Brasil o coração de D. Pedro I, que será exposto no Palácio do Itamaraty, em Brasília, como ponto alto das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência. A data magna também servirá para a realização de grandes manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e seu projeto de reeleição; a unidade nacional e a coesão social de nosso país estão fora de questão. Essa forma de comemoração merece uma reflexão crítica, porque simboliza o sequestro da identidade nacional e do nosso futuro pelo presidente Jair Bolsonaro com propósitos eleitorais e regressistas.

Janio de Freitas - De demônios e de almas

Folha de S. Paulo

Cobrança de comprovante e o suborno do eleitor são a mesma fraude

O grupo de empresários adeptos do golpe proporciona, à revelia, o elemento decisivo para explicar a campanha contra as urnas e, com isso, comprovar o objetivo de fraude eleitoral de Bolsonaro. Os empresários pró-ditadura tornaram ainda maior a gravidade das ações do próprio ocupante da Presidência, e de seus apoios civis e militares, para desmoralizar a Justiça Eleitoral e as eleições no Brasil.

Um dos temas dos empresários golpistas, revelado pelo repórter Guilherme Amado no site Metrópoles, é a remuneração de trabalhadores que aceitassem dar seu voto a Bolsonaro. Pagamento em dinheiro.

Esse foi o motivo de Bolsonaro lançar sua campanha antiurna alegando a necessidade de recibo do voto, emitido pela máquina, contra fraudes. Derrubada a tolice, a exigência ainda hoje é de qualquer comprovação do voto.

Muniz Sodré* - Entre baderna e arruaça

Folha de S. Paulo

Ungido 'mito', um imponderado quer reinar, o que é incompatível com a República. Então chora

Golpe de Estado anunciado é coisa do arco-da-velha. Sob risco de os figurantes terminarem na cadeia, a ausência de segredo sempre aconteceu em países politicamente instáveis e com infausta tradição de golpes, como a Bolívia: nada menos que 36 desde a Independência.

A derrubada de governantes dispensava boca de siri, era virtual flagrante delito. Mariano Melgarejo foi o presidente de maior duração no cargo (1864-1871), mas reza a lenda que dificilmente saía do palácio: os adversários moravam perto, à espera de uma chance para entrar e tomar o poder.

Mantidas as diferenças, porém, é espantoso que um país com a importância econômica e a grandeza territorial do Brasil tenha de mobilizar-se, em pleno terceiro milênio, contra um golpe anunciado. É o que tem feito a sociedade civil. A cerimônia de posse na presidência do TSE não foi um ato burocrático, como de praxe, mas um forte recado cívico. As cartas e os manifestos em defesa do Estado de Direito rompem, como uma vibrante celebração da democracia, a marcha batida de uma cena golpista que não tem tido sequer pudor cívico em se anunciar.

Hélio Schwartsman - Está tudo dominado

Folha de S. Paulo

Filósofo diz que elites se apropriaram de luta contra o racismo

"Elite Capture", do filósofo nigeriano-americano Olúfémi O. Táíwò, é um livro interessante. O texto é daqueles bem militantes, contrastando um pouco por minha preferência por obras mais analíticas. Mas Táíwò, que é professor na Universidade Georgetown, levanta problemas relevantes, que frequentemente passam despercebidos.

Para Táíwò, está tudo dominado. Para início de conversa, as estruturas sociais são desenhadas para sempre favorecer as elites. É o que ele chama de capitalismo racial. Mas, como se isso não bastasse, vemos agora essas mesmas elites se apropriando da política de identidade, originalmente um movimento de resistência, para fazer avançar seus interesses, num fenômeno que o autor batizou de política de deferência.

Bruno Boghossian - Os limites reconversão

Folha de S. Paulo

Cerca de 20% dos bolsonaristas da última eleição preferem até Lula no 2º turno de 2022

Os eleitores que votaram em Jair Bolsonaro na última eleição representam hoje a principal chance que o presidente tem de se manter vivo na disputa deste ano. Depois de perder quase metade desse apoio ao longo do governo, o capitão voltou a avançar sobre o grupo. Os números do Datafolha indicam, no entanto, que a recuperação tem um limite que pode inviabilizar a reeleição.

Na virada do ano, Bolsonaro tinha cerca de 50% dos votos dos brasileiros que estiveram com ele em 2018. O presidente teve uma primeira onda de crescimento em maio, quando Sergio Moro saiu da corrida. Agora, 63% desses eleitores estão dispostos a repetir a dose no primeiro turno.

Elio Gaspari - O preço dos agrotrogloditas

O Globo

Em novembro, reúne-se no Egito a conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a COP-27. Com um governo influenciado pelos agrotrogloditas que desmatam o país e hostilizam as causas ambientais, o Brasil tornou-se saco de pancadas do mundo. Um pária orgulhoso, nas palavras do ex-chanceler Ernesto Araújo. Talvez convenha alertar a inerte burocracia federal que arma-se um bote ambiental contra o agronegócio brasileiro na COP-27.

Na COP-26, realizada em Glasgow no início do ano, o governo americano pediu sugestões para a redução do aquecimento global. Chegou ao Fórum de Commodities Agrícolas, que congrega os grandes compradores e vendedores mundiais de grãos, uma sugestão da Tropical Forest Alliance. A ideia é levar à COP-27 uma proposta antecipando de 2030 para 2025 a meta de desmatamento zero no cerrado. A partir de janeiro de 2026, as grandes empresas e companhias de comércio exterior não comprariam mais grãos (leia-se soja) vindos de áreas ambientalmente críticas. Isso tudo sem que o governo e os empresários brasileiros tenham sido ouvidos nem cheirados.

Pelo regime de hoje, um empresário é obrigado a preservar 35% de sua área. Com a antecipação, ferra-se quem comprou terra ou começou seu negócio no cerrado programando-se para cumprir as regras em 2030. Com um governo que tolera o desmatamento ilegal, vai-se avançar sobre o desmatamento legal.

Se Bolsonaro e os agrotrogloditas continuarem tratando o meio ambiente como um problema exclusivamente doméstico, a proposta de antecipação irá em frente.

Dorrit Harazim - Visão de futuro

O Globo

O Brasil de 2022 tem um presidente em estado de combustão pré-eleitoral. Entende-se, foi uma semana tensa, iniciada com um evento de inglória pública

Anos 1960 — sim, aqueles da geração rebelde idealizados até hoje. Nos Estados Unidos, o repórter Hunter S. Thompson estava a caminho de se tornar ícone da contracultura por atropelar os cânones do jornalismo e inventar a forma imersiva de fazer “jornalismo gonzo”. Interessado em compreender um grupo que parecia encarnar os aspectos mais violentos e vingativos da natureza humana — a gangue de motoqueiros Hell’s Angels —, ele aceitou proposta da revista The Nation e mergulhou por um ano naquele universo. A fluvial reportagem que resultou desse visceral convívio serviu de base para sua retumbante estreia como escritor. “Hell’s Angels — Medo e delírio sobre duas rodas”, publicado em 1966, é cultuado até hoje.

A vivência como drogado terminal abraçada por Thompson desde jovem até seu suicídio com arma de fogo, aos 67 anos, não o impediu de estudar com agudeza o caráter violento do ser humano. Considerava o recurso à vingança, à violência e ao ilícito pouco eficazes no dissenso político. Seriam produtos de mentes ignorantes, indicativos de moral fraquejante. Viu na gangue dos Hell’s Angels um microcosmo grotesco da violência sem propósito que hiberna nas sociedades.

Cacá Diegues - Agora é pra valer

O Globo

Neste 50° Festival de Gramado, foi uma luz para mim a descoberta de um novo cinema brasileiro

A partir de terça-feira, começou de fato a campanha eleitoral. Agora, sim, vale tudo. Ou quase tudo. Os candidatos até que têm se comportado com decência, como aliás se comportaram até agora. Talvez porque ainda estejam naquela fase de não saber direito o que podem e o que não podem fazer, dizer ou produzir como novidade qualquer para dar uma animada na campanha. Podemos dizer que, quem sabe, o Brasil está voltando a ser o Brasil, um país meio sem regras, tentando inventar um jeito de se comportar.

O que durante muito tempo foi cantado como se fosse uma característica libertária da cultura brasileira, na verdade sempre foi uma deficiência de conhecimentos que nos impedia de saber o que está certo ou errado numa determinada circunstância. O libertário ou suposto anarquismo poético não passava de ignorância, em vez de um rompimento lírico com o lugar comum.

Eliane Cantanhêde - O poder da miséria na eleição

O Estado de S. Paulo

Quem é melhor para os pobres? Isso reflete nos recortes de renda, escolaridade, raça, região e idade

Num país imenso, complexo e profundamente desigual como o Brasil, um dos dados mais importantes das pesquisas é sobre como eleitores e eleitoras olham para os candidatos e percebem a vontade e a capacidade para combater a miséria, que é cruel com os pobres, perigosa para os ricos e imobiliza o desenvolvimento.

No último Datafolha, 54% dos entrevistados apontaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e só 27%, o presidente Jair Bolsonaro (PL) como o mais preparado para combater a pobreza. Ou seja: o dobro deles vê Lula mais capaz de olhar para os pobres e melhorar a vida deles. A percepção é que, entre acertos e (muitos) erros, os dois governos Lula focaram a inclusão, contra a miséria e a desigualdade.

Celso Lafer* - Eleições, política externa, cenário internacional

O Estado de S. Paulo

A palavra do presidente da República compromete e não garante a qualidade da presença do Brasil no mundo.

As próximas eleições vão escolher a quem caberá o exercício da Presidência da República. Serão múltiplos os desdobramentos desta escolha. Um deles é a condução da política externa, atribuição constitucional do presidente. A ele cabe, na moldura do Estado de Direito de nossa Constituição, com a colaboração e apoio em especial do ministro das Relações Exteriores e dos qualificados quadros do Itamaraty, dar o sentido de direção da inserção internacional do Brasil.

Cabe reiterar que é o presidente, por sua ação ou eventual desinteresse, que configura os contornos da presença do Brasil na vida internacional. Ele indica rumos e organiza expectativas. Isso requer, para ser efetivo, a capacidade de orientar-se na variedade das conjunturas do mundo. O interconectado mundo da era digital, heterogêneo e interdependente, permeado no momento atual por tensões políticas provenientes da dinâmica das tensões de hegemonia e equilíbrio que incidem nos campos econômico, da segurança e dos valores. É o que torna desafiante identificar interesses comuns e compartilháveis, lidar com as desigualdades do poder e mediar a diversidade e o conflito dos valores.

Cristovam Buarque* - Ditadura da Emergência

Blog do Noblat / Metrópoles

Nos últimos dias, os principais candidatos à Presidente da República têm disputado quem oferece mais dinheiro ao eleitor

Houve tempo em que os candidatos ofereciam dinheiro pessoal, diretamente ao eleitor, em troca de voto. A democracia evoluiu: nestas eleições, os candidatos oferecem aumentar o valor de bolsas, rendas e auxílios, pagos com dinheiro público, diretamente na conta bancária do eleitor. A democracia ficou moderna, mas sem oferecer a possibilidade de um país com eleitores livres das restrições da pobreza.

Nos últimos dias, os principais candidatos à Presidente da República têm disputado quem oferece maior valor e maior duração para o Auxílio Brasil, Bolsa Família ou Programa de Garantia de Renda Mínima. Sem estratégia com prazo determinado para que a evolução econômica e social torne os auxílios obsoletos e desnecessários. Um dos candidatos propõe incluir na Constituição o auxílio de R$1.000,00 por mês, por família. A qualquer momento, outro candidato vai propor R$1.200,00 e considerar cláusula pétrea. Assumindo que o Brasil condena parte de sua população a ser dependente de ajuda para sempre, escravos de transferência de renda, sobrevivendo na pobreza, tendo o que comer e mais nada.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Diversidade de candidaturas faz bem à democracia

O Globo

Eleições terão recorde de candidatas e, pela primeira vez, mais candidatos negros que brancos

As eleições de outubro terão um número recorde de candidaturas de negros, mulheres e indígenas. O aumento da diversidade na política fortalece a democracia representativa brasileira. É um fato auspicioso para um país cuja tradição sempre foi reservar o poder de decisões para uma elite em sua quase totalidade branca e masculina.

Do total de 27.667 candidaturas registradas, 49,6% são de negros e 48,8% de brancos — é a primeira eleição em que os negros superam os brancos e chegam a um percentual quase compatível com sua representatividade na população. No caso das mulheres, as 9.415 candidatas ainda representam apenas 34% do total, mas já há mais de duas centenas de candidatas do que em 2018.

A ampliação da participação feminina resulta em parte das novas regras determinando que 30% das vagas para disputar cargos no Legislativo e dos recursos do fundo eleitoral sejam destinados a mulheres. Para cumpri-las, já houve casos de partidos apresentarem candidatas laranjas apenas para satisfazer à cota. É uma manobra que precisa ser punida de forma exemplar. Em que pesem os desvios, é bem-vindo o aumento do protagonismo da mulher na política, ainda mais diante do histórico gradual e conturbado de conquista de direitos cívicos e políticos.

As brasileiras passaram a ter o direito de votar apenas em 1932, 43 anos depois da proclamação da República. Ainda assim, o voto era facultativo. Puderam participar da Assembleia Constituinte de 1933, que redigiu a Carta de 1934, incluindo o voto feminino. Mas apenas em 1965 ele seria equiparado ao dos homens, tornando-se obrigatório.

Poesia | Fernando Pessoa - Adiamento

 

Música | Roberta Sá - Luz da minha vida