domingo, 23 de outubro de 2022

Míriam Leitão - Por que Bolsonaro foge da economia

O Globo

Bolsonaro foge de debate sério sobre economia repetindo respostas inventadas que decorou. Não saberia explicar a frase de que não há fome no país

O ideal neste tempo final de campanha é que o país consiga se dedicar a temas que realmente importam, como a economia, o emprego, a luta contra a fome, o resgate da educação. Ontem, a coligação de Lula ganhou o direito de resposta concedido pelo plenário do TSE e tem pela frente essa vantagem nestes momentos decisivos. Estamos a uma semana do fim da mais violenta campanha eleitoral da história da democracia. O PT, na visão de muita gente do partido, foi para o campo que Bolsonaro quis, o de discutir falsos problemas e entrar na guerra de ataques sem fim e sem propósito.

— Mordemos a isca. Temos que sair disso. O tema é o emprego, a fome, o desenvolvimento, a educação. Assuntos que sempre foram nossos. Respeitamos as igrejas pentecostais, todas as igrejas, mas o que as pessoas querem saber é como o Brasil conseguirá acabar com a fome. Temos que recolocar a nossa agenda — reclamou um dos líderes políticos do PT incomodado com o espaço dado na campanha para rebater as acusações de banheiro unissex, aborto, fechamento de igrejas e outras mentiras de Bolsonaro.

Dorrit Harazin - Terceiro turno?

O Globo

Chegou nossa vez de garantir que o eleito pelos brasileiros no dia 30 tenha a segurança de ser empossado

Faltando a eternidade de sete dias até o Brasil cravar nas urnas que tipo de nação gostaria de chamar de sua, estamos em pico de ansiedade. Tateando. À falta de qualquer certeza, tornamo-nos sommeliers de pesquisas à procura de apaziguamento em seus muitos microdados. Se ficarmos só no geralzão das declarações de intenção de voto coletadas pelos institutos ao longo da semana, o ex-presidente Lula mantém a liderança. O candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, contudo, embicava para um empate técnico dentro da margem de erro estatístico. Placar do agregador de pesquisas divulgado pelo site Jota Info: Lula 47% , Bolsonaro 43%, 4% de indecisos.

É nessa estreiteza que mora o perigo.

Estivesse o Brasil respirando uma democracia a plenos pulmões, a vitória de qualquer candidato por uma diferença de alguns milhões de votos, ou menos, deveria significar contenda encerrada e sacramentada no mesmo dia. Restaria ao perdedor lamber suas feridas cívicas. Só que o clima eleitoral no Brasil de 2022 pode ser chamado de tudo, menos de lisamente democrático ou respeitoso do voto popular.

Merval Pereira - Um país dilacerado

O Globo

Agressividade e mentiras da campanha eleitoral refletem degradação do país

O país não está apenas dividido, mas dilacerado por suas contradições e seus erros históricos como a desigualdade. Uma campanha presidencial dominada por mentiras, meias-verdades, promessas descabidas e inexequíveis, além de uma agressividade acima de todos os limites civilizados, é o reflexo de um país que está à deriva, e assim permanecerá, seja qual for o resultado da eleição do próximo domingo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apesar dos esforços, tem fracassado no controle da campanha

Um candidato promete picanha e cerveja para todos, outro garante que dará aumento acima da inflação para todos, quando não o fez nos quatro anos em que governou. A defesa da democracia, imprescindível diante das ameaças recentes, tem sido feita também através de desmandos e ilegalidades do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), paradoxo que revela uma situação limite que precisa ser superada pelas instituições democráticas que, definitivamente, não estão funcionando.

Bernardo Mello Franco - O alerta do cardeal

O Globo

Insultado por extremistas, dom Odilo lembra a ascensão de regimes totalitários na Europa: "Conheço bastante a História"

Bibo Nunes é um bolsonarista raiz. Despreza a ciência, dissemina notícias falsas, aposta no discurso de ódio para se promover. O deputado do PL gaúcho topa tudo por uma polêmica. Já foi capaz de interromper uma homenagem a Marielle Franco, vereadora assassinada a tiros, para bater boca com parlamentares de esquerda.

A exemplo do capitão, Bibo vê na atividade política um atalho para se dar bem. Já torrou verba de gabinete para comer churrasco e espalhar outdoors com a própria foto. “Deputado não é para fazer economia. Se é para fazer economia, eu fico dormindo em casa”, justificou, numa entrevista à Zero Hora.

Em outro episódio, ele usou dinheiro público para alugar carros de luxo. “Sempre andei de Mercedes e BMW. Não vou abaixar meu estilo de vida só porque sou deputado”, esnobou.

Há poucos dias, Bibo superou seus próprios padrões de indignidade. Declarou que estudantes da Universidade Federal de Santa Maria mereciam ser queimados vivos. O bolsonarista se irritou com um protesto contra os cortes na educação superior. “É isso o que esses estudantes alienados, filhos de papai, merecem”, vociferou.

Luiz Carlos Azedo - O mundo que Michelle e Damares oferecem às mulheres

Correio Braziliense

Mesmo que não estejam de acordo com o comportamento da nova geração, a maioria não deseja que haja uma regressão aos costumes de sua adolescência, quando a virgindade era um tabu

Depois de algumas tentativas frustradas, consegui comprar na Livraria da Travessa, em Brasília, o livro Os Anos (Fósforo), premiadíssimo, da escritora francesa Annie Ernaux, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura deste ano. É uma mistura de crônicas do cotidiano e filosofia, numa “autobiografia impessoal” que reconstitui a evolução dos costumes da sociedade francesa, num período de 60 anos, que vai do imediato pós-guerra ao atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001.

Talvez a leitura nos ajude a entender um pouco melhor porque a maioria das mulheres não vota no presidente Jair Bolsonaro (PL), embora ele tenha duas cabos eleitorais poderosas — a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a recém-eleita senadora pelo Distrito Federal Damares Alves (Republicanos), ambas evangélicas.

Vinicius Torres Freire - O leite sujo e derramado na eleição

Folha de S. Paulo

Compra de votos custa mais do que gasto eleitoreiro; Justiça não se preparou para fakes

Está uma corrida maluca para se fazer a conta de quanto o governo Jair Bolsonaro (PL) gastou a fim de adquirir votos. Está um "barata voa" no TSE, afogado pela torrente de "fake news" e outras imundícies. É leite derramado, eram bolas cantadas.

Além disso, essas contas de gasto eleitoreiro são meio ingênuas e deixam transparecer uma ideia equivocada dos efeitos de políticas de governo. O TSE, por sua vez, quis conter a onda de sujeira com um balde e tomou um caldo, "hecatombado pela vaga da ressaca", para citar Mario Faustino (poeta, 1930-1962).

Bruno Boghossian - Cortando caminho

Folha de S. Paulo

Campanha quebra barreira da economia entre fiéis de baixa renda e investe em temas morais

A campanha de Jair Bolsonaro quebrou uma barreira e conseguiu abrir uma vantagem considerável sobre Lula entre os evangélicos mais pobres. Em meados do primeiro turno, o presidente era o favorito dos fiéis de renda média e alta, mas enfrentava uma disputa parelha na base da pirâmide. Agora, ele supera o petista por 27 pontos entre os eleitores desse grupo religioso que recebem até dois salários mínimos por mês.

Bolsonaro tem 61% das intenções de voto entre os evangélicos de baixa renda, contra 34% de Lula. As variações detectadas pelo Datafolha sugerem que o presidente vem ganhando musculatura nessa faixa, tendo ampliado em nove pontos a diferença sobre o petista na última semana.

Hélio Schwartsman - Como o mundo enriqueceu

Folha de S. Paulo

Dois séculos atrás, 94% dos terráqueos viviam com menos de US$ 2 por dia

Você, leitor, trocaria de lugar com um nobre inglês do ano 1200? É verdade que, se o fizesse, teria vários servos à sua disposição e teria acesso aos benefícios políticos de ser um membro do estamento superior. Mas teria de viver num castelo muito pouco confortável, veria vários de seus filhos morrerem na infância e teria uma grande chance de sucumbir por doenças hoje facilmente tratáveis. A diarreia matou dois reis ingleses; a varíola, outros dois. E o mundo era bem mais pobre também.

Dois séculos atrás, 94% dos terráqueos viviam com menos de US$ 2 por dia (dólares de 2016). Em 2015, menos de 10% da população mundial vivia com menos de US$ 1,90 por dia. Dez por cento de 8 bilhões é muita gente, e US$ 1,90 por dia está longe de ser o resgate de um rei, mas parece inegável que houve progresso.

Janio de Freitas - Os cofres públicos de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Uso do dinheiro público para seduzir eleitorado tipifica crime

É o cúmulo do atraso em uma sociedade que o futuro de um país com 156 milhões de eleitores, ou o futuro da mais influente potência mundial, seja subordinado à difusão de informações falsas. Cá e lá, essa nova arma antidemocracia encontrou adeptos e condições favoráveis como em nenhum outro país. Cá e lá, a direita mais desvairada domina, em número e falta de escrúpulos, o uso proveitoso dessa nova criminalidade que se sobrepõe até ao Estado perplexo e impotente.

Por aqui, não basta. A imoralidade predominante no poder de governo está em nível equivalente às republiquetas e tiranias mais indecentes, do passado e do presente. O uso do dinheiro público por Bolsonaro e Paulo Guedes, para seduzir segmentos do eleitorado, tipifica crime múltiplo. A começar por transgredir a proibição legal de medidas, no período eleitoral, favorecedoras do eleitorado a seduzir.

Muniz Sodré* - Hooligans na basílica

Folha de S. Paulo

Agrupados, são facções de palavrório e vandalismo, como vivandeiras de quartel

Uma imagem-choque do grotesco: bêbado, trajando verde e amarelo, homem de meia-idade com a foto do presidente numa caneca de chope provoca o entorno aos gritos de que aquele ali era "deus, sim". Ao fundo, uma matrona embriagada saltitava.

A cena poderia constar da micareta sob a sacada da embaixada brasileira no funeral da rainha. Só que ocorreu na basílica de Nossa Senhora Aparecida, no feriado nacional da padroeira, em meio às vaias contra a homilia do arcebispo e às agressões a jornalistas. Apesar das cores nacionais, a baderna violenta carrega um nome de origem inglesa: hooliganismo.

Entrevista | Professor Marco Nobre: ‘É preciso reconstruir a direita democrática’

Por Marcelo Godoy / O Estado de S. Paulo

Filósofo, cientista político e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcos Nobre identifica uma singularidade na situação política atual do País: não estamos diante de uma polarização, mas de uma divisão. Ele explica. Polarização é que o existe quando forças opostas disputam o poder aceitando as regras do jogo democrático. A divisão ocorre quando essas regras parecem não mais serem suficientes para resolver as disputas e os conflitos que aparecem na democracia. As sociedades se aproximam então de soluções catastróficas, como a guerra civil, ou rumam para a construção de um novo pacto, que isole o extremismo que procura corroer a democracia para impor sua vontade à outra parte da nação. Nobre, que é presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e autor entre outros do livro Limites da Democracia, pensa que, no Brasil, esse impasse pode ser superado se o novo governo mudar a forma de construção de maioria no Congresso, não mais buscando formar uma supercoalizão, modelo que ele chama de peemedebização, que vigorou no País entre 1994 e 2013. Isso permitiria o surgimento de espaço para uma oposição democrática. “É preciso reconstruir a direita democrática e, sobretudo, que ela consiga a hegemonia do campo da direita.”

Eis aqui a íntegra de sua entrevista ao Estadão:

Eliane Cantanhêde – Divisor de águas

O Estado de S. Paulo

A pergunta de 2022 é: que país, que futuro e que mundo nós queremos?

É tenso, cansativo, às vezes irritante e até aterrorizante, mas é também um desafio fascinante acompanhar de perto as eleições de 2022, num grande momento histórico, um verdadeiro divisor de águas. Não se trata só de eleger o futuro presidente, o PT ou o PL, mas de definir o destino do País pelas próximas décadas, num mundo açoitado por ventos, chuvas e trovoadas.

Vivemos ditadura, Diretas Já, morte de Tancredo, Constituinte, ascensão, queda e retorno de Collor, transição segura de Itamar, estabilidade estruturante de Fernando Henrique, inclusão social e petrolão de Lula, desgoverno Dilma, instabilidade com Temer e concentração de poder e de absurdos de Bolsonaro. Em 2022, é diferente: um confronto de visões de mundo, de civilização.

Rolf Kuntz* - A política das trevas

O Estado de S. Paulo

Dois séculos depois da Independência, brasileiros vivem uma guerra santa incompatível com aCarta outorgada em 1824 por d. Pedro I.

De volta às trevas, o Brasil vai às urnas no meio de uma guerra santa, com a disputa contaminada por um discurso religioso prenhe de ódio e de preconceito. Mais de um século depois de proclamada a República, seguidores do presidente convertem o púlpito em palanque, renegando a noção de Estado laico. A separação entre religião, política e função pública foi muito bem estabelecida, no entanto, já na Constituição de 1891, a primeira do período republicano. Naquela Carta, a laicidade estatal é evidenciada na garantia da liberdade religiosa, na proibição de aliança entre igrejas e governos, no reconhecimento exclusivo do casamento civil, no caráter secular dos cemitérios e numa regra fundamental da educação. “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”, determinou o parágrafo 6.º do artigo 72.

Cacá Diegues - Tomara que não

O Globo

Nunca havia acontecido nada parecido antes no Brasil: a cultura virou um item que só interessa ao mercado

Semana passada, contei aqui uma história, de hábito contada pelo grande cineasta Nelson Pereira dos Santos, uma história que terminava sempre com um desfile de boas notícias sobre eleições que estivéssemos vivendo naquele momento, como estas que vivemos hoje. Nelson faleceu em abril de 2018, para desgraça de nossa cultura e do cinema em geral, deixando entre os que ficaram o exemplo de um enorme cineasta, inigualável intelectual e um crítico bem-humoradíssimo da criação feita entre nós e que valia a pena existir.

Nas histórias (ou estórias) dele havia sempre heróis clássicos, desses que a gente vivia citando, mesmo sem saber exatamente de onde eram, o que haviam dito das mulheres, dos amigos e da vida, em que esquina e para que turma jogavam depois a conversa fora. Ninguém ousava fazer tais perguntas a Nelson, mas era isso o que a gente comentava no meio dos sussurros comprovados.

Cristovam Buarque* - Não assustemos ao mundo

Blog do Noblat / Metrópoles

Um candidato a favor da ditadura, da tortura, praticante da corrupção, da manipulação de mentiras, desprezo aos pobres e doentes

O Brasil assusta ao mundo que não entende as razões para um dos maiores exportadores de alimentos ter uma imensa população de famintos. Agora, assusta com o fato de que uma das democracias com maior número de eleitores chega na véspera das eleições para Presidência da República com um candidato a favor da ditadura, da tortura, praticante da corrupção, da manipulação de mentiras, desprezo aos pobres e doentes, perseguidor de meninas que ele considera prostitutas pelo simples fato de serem imigrantes venezuelanas, e no lugar de tomar medidas para protegê-las, tenta tirar proveito da tragédia.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Ameaça autocrática

Folha de S. Paulo

Concentrar poder é o verdadeiro programa de governo de Jair Bolsonaro

Nunca foi tão avassaladora a maioria de brasileiros que consideram a democracia a melhor forma de governo, de 79% segundo o Datafolha. Nunca na Nova República um presidente ameaçou a estabilidade constitucional como o atual mandatário.

Jair Bolsonaro (PL) valeu-se do cargo para constranger e ameaçar Poderes independentes, insultar autoridades e propagar uma farsa contra o sistema eleitoral diante de brasileiros e estrangeiros.

Promoveu tratamentos ineficazes de uma doença letal, retardou a aquisição de vacinas, debochou de famílias enlutadas, protegeu os filhos de investigações e atiçou militares contra o poder civil.

Conclamou arruaceiros a cercarem as seções de votação no próximo domingo (30).

A agenda que deveria ser a do futuro —educação, saúde, infraestrutura, inovação, redução da pobreza e das desigualdades— ocupou-se de temas que já deveriam estar superados. A sociedade e as instituições tiveram de gastar energia preciosa para proteger regras básicas da convivência democrática.

Agora, como nos outros oito pleitos presidenciais realizados desde 1989, os votos serão dados livremente, a apuração revelará a vontade majoritária, e o eleito tomará posse e governará com as prerrogativas e as obrigações de chefe de Estado.

Esperar que o próprio candidato à recondução tenha compreendido e acatado os limites do mandato seria pouco realista diante do que se vê desde 2019.

É melhor trabalhar com a hipótese corroborada pela experiência —tornar-se autocrata é o verdadeiro programa de governo de Jair Bolsonaro para um eventual segundo mandato.

Poesia | Bertold Brecht - Se os tubarões fossem homens

 

Música | Caetano Veloso, Gilberto Gil - Desde que o samba é samba