segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Marcus André Melo* - Por que as democracias sobrevivem?

Folha de S. Paulo

Novos estudos explicam porque as previsões sobre a morte da democracia falharam

O título desta coluna não estará na capa de algum best-seller. Sim, a discussão em torno de como morrem as democracias deu lugar a um grupo cada vez maior de estudos qualitativos e quantitativos sobre por que as previsões sobre o colapso das democracias falharam.

Estes estudos apontam uma debilidade crítica das análises já apontada aqui na coluna há pelo menos quatro anos em relação ao best-seller de Levitsky e Ziblatt: há viés de seleção na variável dependente (no caso, a morte da democracia). A amostra teria que incluir os casos de sobrevivência e morte da democracia.

Generalizações a partir de estudos de caso de Orban, Chávez, Erdogan, etc —frequentemente combinadas com referências a Hitler— têm pés de barro. Além do mais, mudanças marginais na Índia ou EUA não podem ser reportadas ponderadas pela população, como se refletissem tendências globais.

Martin Wolf - A democracia iliberal chega a Israel

Financial Times / Valor Econômico

Opositores dizem que reformas vão despedaçar proteções contra arbitrariedades do governo

A política israelense está em crise. Um grande número de pessoas tem participado de manifestações nas ruas contra as “reformas judiciais” da coalizão de direita, intensamente criticadas. O presidente de Israel, Isaac Herzog, até chegou a declarar que “não estamos mais em um debate político, mas à beira do colapso constitucional e social”. O programa deste governo é de óbvia importância para o futuro do país. Mas também tem um significado mais amplo. Isso se deve em parte ao papel de Israel na região. E ainda ao fato de que o que acontece levanta questões sobre como uma democracia pode se transformar em uma autocracia por meio do domínio de uma maioria que não está submetida a nenhum controle.

Larry Diamond, da Universidade Stanford, argumenta que a democracia liberal tem quatro elementos necessários individualmente e suficientes coletivamente: eleições livres e justas; participação ativa dos cidadãos na vida cívica; proteção dos direitos civis e humanos de todos os cidadãos; e um Estado de direito que rege e protege todos os cidadãos, até os mais poderosos. Aqueles que vencem eleições não têm o direito de pôr em perigo nenhum desses elementos essenciais da democracia liberal. Se eles procuram criar tal Estado, estão subvertendo a democracia. A democracia, então, é um sistema de governo da maioria, limitado por controles e equilíbrios institucionais. Dessas restrições, nenhuma é mais importante do que o Estado de direito.

Angela Alonso* - Depois do temporal

Folha de S. Paulo

O senso de responsabilidade uniu as autoridades competentes, sem picuinha partidária

Neste Carnaval, o desfile teve enredo de Gabriel García Márquez. Em "Crônica de uma Morte Anunciada", um cabra marcado para morrer vai trombando com conhecedores do risco que, distraídos com uma festa, não se mexem. Depois lamentam a efetivação do prenunciado.

Aqui também a simultaneidade de morte e festa tomou o noticiário, em atenção intermitente entre euforia e desespero. Depois de dois séculos de pandemia e quatro milhões de anos de desgoverno Bolsonaro, os brasileiros mereciam celebrar, vacinados e poupados de contendas sobre "golden shower". Mas a hesitação entre alegria e luto diz muito sobre o Brasil.

Uma abordagem dos eventos ganhou ares literários, enquadrado no gênero "tragédia". O termo dominou postagens e notícias, disseminando junto seu sentido de destino inelutável. Ninguém poderia deter forças sobre-humanas, uma revolta da natureza.

Ana Cristina Rosa - Onde dormem as pessoas de cor?

Folha de S. Paulo

Embora 'gigante pela própria natureza', o Brasil não encontrou espaço para abrigar negros

As imagens do mar de lama que deixou um rastro de destruição e mortes no litoral norte de SP em razão da chuvarada me fizeram lembrar de quando o filho de uma conhecida, aos sete anos, disparou a pergunta: onde dormem as "pessoas de cor"?

Indagação perspicaz para uma criança nascida e criada em região nobre e acostumada a frequentar o clube social do bairro, bons restaurantes e escola particular. Por desfrutar do melhor da infraestrutura da cidade –oportunidade que, em geral, é negada aos mais pobres–, estava desacostumada ao convívio com pretos e pardos, já que a pobreza tem cor no país.

Embora "gigante pela própria natureza", o Brasil não encontrou espaço para abrigar os negros. No quesito moradia, o resultado é evidente na ocupação desordenada e irregular de locais precários, muitos deles áreas de risco.

Bruno Carazza* - Salles na Comissão de Meio Ambiente?

Valor Econômico

Arthur Lira tem todas as armas para chantagear Lula

A possibilidade de Ricardo Salles (PL-SP) ser indicado para a presidência da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara assombrou petistas e ambientalistas nas últimas semanas.

O risco de o ex-ministro bolsonarista comandar o órgão que analisa todos os projetos que versam sobre direito ambiental e recursos naturais aparentemente foi afastado na última reunião de líderes dos partidos, mas o martelo só deverá ser batido na terça-feira (28).

O imbróglio envolvendo Salles e a CMADS demonstra a importância que as comissões assumiram nos trabalhos legislativos, mas também a habilidade de Arthur Lira (PP-AL) de criar dificuldades para, assim, vender facilidades ao governo Lula.

Para quem não está familiarizado com o funcionamento do Congresso Nacional, as comissões permanentes são órgãos constituídos para analisar propostas legislativas de acordo com o seu tema. São 14 comissões no Senado e, no dia 08/02, Lira quitou uma das suas promessas de campanha e ampliou o número na Câmara de 25 para 30 colegiados.

Alex Ribeiro - Cenário do BC prevê pouso suave do crédito

Valor Econômico

Desaceleração faz parte da transmissão da política monetária

Nas últimas semanas, cresceram os alertas da equipe econômica do governo Lula e de analistas do setor privado sobre um eventual aperto no mercado de crédito, devido à combinação dos juros altos com o caso da Americanas. Isso preocupa o Banco Central?

O Banco Central, pelo seu mandato, deve sempre se preocupar com o assunto, e nesta semana certamente terá um olhar mais atento à saúde do mercado de crédito na reunião do seu Comitê de Estabilidade Financeira (Comef). Mas, pelos sinais emitidos pelos dirigentes do BC, não há nada de tão preocupante acontecendo.

Denis Lerrer Rosenfield* - Os militares e a Constituição

O Estado de S. Paulo

Narrativas procurando responsabilizar os militares por delírios bolsonaristas não resistem aos fatos. Se fossem verdadeiras, o golpe teria se consumado

Fatos são incontornáveis, apesar de diferentes narrativas procurarem contorná-los, deformá-los ou, mesmo, os falsificarem. Resistem, por isso mesmo, a abordagens ideológicas que obedecem a propósitos meramente políticos, cujos objetivos consistem em impor uma mera versão carente de verdade.

Se não houve golpe no Brasil, é porque os militares não quiseram embarcar numa aventura inconstitucional. Golpes são atos de violência que requerem o uso da força, sem a qual suas chances de sucesso, se existentes, são mínimas. Chávez, na Venezuela, só consumou sua dominação despótica após ter cooptado as Forças Armadas, corrompendo-as. Por via de consequência, se o Brasil não sucumbiu à tentação autoritária de Bolsonaro e seus êmulos, isso se deve a que os militares optaram por seguir a Constituição. Divergências internas entre militares golpistas e democráticos foram resolvidas com a vitória destes últimos e do Brasil.

Flávio Tavares* - Quando o passado chega ao presente

O Estado de S. Paulo

Nunca é demais relembrar o golpe militar de 1964, apontando diferenças e semelhanças em relação ao 8 de janeiro de 2023

Passado mais de um mês dos atos de terror vandálico de 8 de janeiro em Brasília, é necessário voltar àqueles acontecimentos para que a memória histórica não se apague. Somos um país desmemoriado e, por isso, volto às profundezas dos atos que buscavam criar o caos para propiciar uma “intervenção militar”, como os baderneiros apelidaram o golpe de Estado.

Assim, nunca é demais relembrar o golpe militar de 1964, que instituiu uma ditadura que durou 21 anos no Brasil, apontando diferenças e semelhanças.

Comecemos pelas diferenças. Em 1964, o golpe foi produto da “guerra fria”, instigado pelo governo dos Estados Unidos, como se comprova com a documentação que apresento em meu livro 1964 – O Golpe. Agora, o governo Biden foi o primeiro a pronunciar-se contra as intenções do vandalismo de 8 de janeiro.

Felipe Moura Brasil - Contos antipopulistas

O Estado de S. Paulo.

A literatura tradicional ainda é a melhor vacina contra populismos de esquerda e direita

Cinderella (de 2015) é uma jovem órfã que se apaixona pelo príncipe Kit em encontro fortuito na floresta. Aladdin (de 2019) é um jovem órfão que se apaixona pela princesa Jasmine em encontro fortuito na rua.

Com ajuda de uma fada madrinha que a transforma em princesa a bordo de uma carruagem, Cinderella supera os obstáculos impostos por sua malvada madrasta, Lady Tremaine, contorna a barreira social e comparece ao baile onde o príncipe Kit também se mostra apaixonado por ela.

Miguel de Almeida - É proibido proibir

O Globo

Em destaque, logo na primeira gôndola da livraria nova-iorquina Strand brilham exemplares de “Victory City”, de Salman Rushdie. É o décimo sexto livro do autor indiano depois que sua morte foi ordenada por Khomeini. A fatwa veio em represália ao “Versos satânicos”, onde o aiatolá enxergou blasfêmias a Maomé. Em troca de seu assassinato, o líder iraniano oferecia alguns milhares de dólares. Literalmente, um escritor com cabeça a prêmio, refém da intolerância religiosa.

A fatwa foi emitida há mais de 30 anos. Em agosto passado, o ódio longo de Khomeini, morto há décadas, alcançou Rushdie quando se preparava para falar sobre cultura contemporânea numa cidadezinha próxima a Nova York. Um fanático subiu ao palco e o atacou, desferindo quase duas dezenas de facadas. Na recente New Yorker, uma foto de página inteira em branco e preto expõe as cicatrizes deixadas pelo atentado no rosto de Rushdie, assim como a perda do olho direito e do movimento do braço esquerdo. “Victory City”, delicada fábula, conta a história de uma garota e de uma cidade onde as mulheres buscam resistir ao patriarcalismo e à intolerância religiosa.

Fernando Gabeira - É pau, é pedra, é o fim do caminho

O Globo

Uma das constatações mais duras no avanço das mudanças climáticas é que os pobres são realmente os mais atingidos

Quando nasci, em fevereiro, choveu muito. As pessoas tinham de se mover em canoas, contavam meus pais. Eu me acostumei com a ideia dos temporais de verão; às vezes, brincava na enxurrada sob protestos maternos.

As chuvas costumam ir além de fevereiro, como mostra a canção de Tom Jobim “Águas de março”, uma das mais belas de nossa música popular.

Como adulto, as chuvas tornaram-se parte do meu trabalho de jornalista ou mesmo de deputado. Sempre estive próximo. Da catástrofe na Serra Fluminense às cheias de Trizidela do Vale, no interior do Maranhão.

Um pouco descrente de governos, pensei em fortalecer as próprias comunidades. A ideia era preparar um manual para as grandes chuvas, como os caribenhos e americanos fazem com os ciclones. Coisas simples, como ter a lista de todos com dificuldade de locomoção, para ser retirados com prioridade.

Oposição se organiza com projetos contra Lula no Congresso e mira CPI

Propostas de decretos legislativos para sustar medidas da gestão do presidente e assinaturas para comissão de inquérito parlamentar sobre manifestações golpistas viram instrumentos de pressão em momento de formação da base

Por Marlen Couto, Jeniffer Gularte, Fernanda Trisotto e Alice Cravo / O Globo

RIO E BRASÍLIA - Enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda costura uma base estável no Congresso, a oposição tem lançado mão de diferentes frentes com o objetivo de pressionar a atual gestão na Câmara e no Senado. O movimento mais recente é a coleta de assinaturas para a CPI dos Atos Golpistas — na sexta-feira, o deputado federal bolsonarista André Fernandes (PL-CE) anunciou ter atingido o apoio necessário para a abertura dos trabalhos. O Palácio do Planalto ainda vê com ceticismo a possibilidade de o colegiado sair do papel, mas há deputados do PT defendendo abertamente a entrada dos parlamentares nas apurações, posição antagônica à de Lula.

Há também na lista de iniciativas da oposição projetos para reverter as regras mais rígidas para o registro de armas de fogo e um texto que busca brecar a indicação da ex-presidente Dilma Roussef para o Banco dos Brics, intenção já manifestada por Lula.

Erros de Bolsonaro animam ‘Terceira Via’

Lideranças de partidos apostam no fim da polarização em 2026

Por Ricardo Mendonça / Valor Econômico

SÃO PAULO - Com a derrota eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022, seu refúgio nos Estados Unidos e a omissão diante do golpismo do 8 de janeiro, representantes da chamada terceira via começam a enxergar uma janela de oportunidade para recuperar o eleitorado perdido.

O que tem sido interpretado como uma sequência de erros de Bolsonaro acende certa esperança em lideranças tucanas. “Se Bolsonaro tivesse reconhecido a derrota e ido para a oposição para liderar a direita e organizar uma volta em 2026, a situação estaria bem complicada para a terceira via”, avalia o ex-deputado tucano Marcus Pestana, que disputou e perdeu a eleição para o governo de Minas Gerais em 2022. “A sorte é que ele errou muito. Renunciou à liderança, deixou um vácuo enorme e, portanto, abriu espaço para a terceira via”, completa.

Mércio Pereira Gomes* - Mala Suerte a los indígenas: O Dilema entre Lula e Bolsonaro, Esquerda e Direita no Brasil (4)

Os povos indígenas, incluindo os bravos Yanomami, estão definitivamente avassalados perante o Estado brasileiro, a sociedade brasileira, a civilização ocidental, enfim a história da humanidade tal como é controlada em suas percepções e narrativas pelos poderes centrais do mundo. Não obstante tal constatação, não parece irreal reconhecer que há uma predisposição na cultura e na sociedade brasileiras para considerar o índio como parte da nação, uma parte importante, como já dissemos, do próprio âmago da nossa identidade. Os sinais para isso podem ser constatados facilmente, e o principal é o legado de reconhecimento das terras indígenas.

Raramente se vê tais sentimentos e atitudes em outras partes do mundo em relação a minorias anteriormente desprezadas. As encenações façanheiras e politiqueiras que se fazem, cada vez que algo de ruim acontece com algum povo indígena, apontam para algo convulsionado e indefinido, um misto de hipocrisia e malandragem acoplados a uma genuína curiosidade e apreensão que atingem a quase todo mundo. É dentro desta nação, afinal, com uma extensa história de desigualdades e injustiças perpetradas por sua elite e classes médias, que as vertentes culturais e políticas se engalfinham entre si, às vezes desesperada e desavergonhadamente, para conquistar o poder e predominar sobre o seu destino.

Que as opiniões sobre o tema indígena divirjam, no dia a dia, entre pessoas de procedência cultural, social e política diferentes, e mesmo no interior das classes sociais, estilos de vida, urbanidade e rusticidade social, contando profissionais liberais e militares, é razoavelmente previsível em uma tal sociedade multifacetada e conflituosa como a nossa, tal como estamos vivenciando neste exato momento em fevereiro de 2023. Previsível, mas não aceitável. Tempos atrás, dir-se-ia, nenhuma vertente política parecia ter qualquer interesse em reconhecer os povos indígenas por suas próprias virtudes – culturais, experimentais, pedagógicas, sociais e psicológicas -, muito menos conceder-lhe um espaço na arena social do país e lutar ao seu lado por direitos aos quais eles fazem jus. A não ser de um modo condescendente ou do alto de uma pretensa superioridade moral.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula repete erros na política para semicondutores

O Globo

Em vez de dar subsídios e invocar fetiche nacionalista, governo deveria integrar país às cadeias globais

Não é a primeira vez que o Brasil lança uma política para atrair indústrias, tampouco a primeira em que Luiz Inácio Lula da Silva assina na Presidência um plano para incentivar fabricantes de semicondutores. A julgar pela experiência anterior, há motivo para ceticismo.

É verdade que a pandemia e a guerra na Ucrânia criaram dificuldades nas cadeias globais de suprimento de componentes eletrônicos, levando vários países a investir na produção interna de semicondutores para reduzir a dependência externa. Só no Brasil, a falta de chips impediu a fabricação de 370 mil veículos em 2021, 250 mil no ano passado, e mais 113 mil deixarão de ser entregues às revendedoras neste ano.

Mas hoje há até excesso na oferta de chips. Sob essa categoria genérica, são classificados itens de várias naturezas. Nem todo “chip” representa o avanço tecnológico que fascina os mais afoitos. A fatia mais relevante e lucrativa do mercado global é hoje dominada por Taiwan, Coreia do Sul e Japão. Estados Unidos e Europa enfrentam dificuldades para desafiá-los. O Brasil perdeu a oportunidade de desenvolver a produção local nos anos 1990, quando o ambiente hostil levou a Intel a preferir instalar uma fábrica na Costa Rica.

Poesia | Fernando Pessoa - Para além da curva da estrada

 

Música | Roberta Sá - Meu novo ilê - part Moreno Veloso