terça-feira, 17 de janeiro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Luiz Werneck Vianna: estado e empresa

Os indicadores da ressurgência da síndrome característica dos nossos ciclos anteriores de modernização não se fazem esconder, pois estão aí na forma de um capitalismo politicamente orientado, no retorno às políticas e ao feitio da nossa tradição de centralização administrativa — a Federação míngua a olhos vistos —, nas relações entre o Estado e as grandes empresas — agora, chamadas de empresas-líderes —, na fusão entre economia e política, e, principalmente, nas práticas de um decisionismo mal camuflado nas operações do nosso dito presidencialismo de coalizão, que, na verdade, garantem ao executivo, pelo uso indiscriminado de medidas provisórias, capacidade de intervir sobre a sociedade sem que haja prévia deliberação, sem que se aponte para onde se quer ir. A propósito: qual o nexo necessário entre uma política de alcance social, como a erradicação da miséria, por exemplo, com o projeto grão-burguês de expansão do capitalismo brasileiro na economia-mundo?

Recaímos, quase sem sentir, nas malhas da nossa história, e a ironia está em que isso nos ocorre no momento em que tudo indicava que estávamos prontos para nos liberar dela. É verdade que no papel, com a Carta de 88, demos um passo importante nessa direção, mas a dimensão sistêmica, como nós, sociólogos, designamos os processos de reprodução da vida material nas sociedades do moderno capitalismo, tem nos escapado das mãos e segue seu curso autopoieticamente.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo, professor-pesquisador da PUC-Rio. Modernização, questão agrária e República. Gramsci e o Brasil, janeiro,2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Dilma sanciona a lei que eleva gastos com Saúde
Troca de silicone será paga por quem tem plano
Dilma reúne ministros antes da reforma

FOLHA DE S. PAULO
Casos de invalidez por acidente de trânsito disparam
Agência rebaixa avaliação de fundo europeu de resgate
Conselheiros querem reduzir poder de Cezar Peluso no CNJ
Grupo reage a abordagem e ataca policiais na cracolândia

O ESTADO DE S. PAULO
Agência de risco rebaixa fundo de estabilidade da Europa
Economia brasileira voltou a crescer
Total cobrado por servidores do TJ de SP chega a R$ 3 bi
Decisão judicial faz MEC inscrever aluno no Sisu

VALOR ECONÔMICO
Tesouro Nacional já estuda novo aporte ao BNDES
Alumínio sob ameaça
Disparidades no mapa da banda larga
Argentina acusa Petrobras por cartel
Fundo Partidário cresce sem parar e vai a R$ 324 milhões

CORREIO BRAZILIENSE
O mundo em crise e o Brasil de férias
Aeroportos
Muita propaganda e pouca ação no combate ao crack

ESTADO DE MINAS
Estado aperta cerco a devedor
Sobreviventes de uma guerra brasileira
Argentino deve presidir a Usiminas

ZERO HORA (RS)
Piratini pedirá revisão das tarifas de pedágio

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Estaleiros em pé de guerra por encomenda

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Conciliação (ainda):: Merval Pereira

O debate sobre o alcance da Lei da Anistia, e o papel que a Comissão da Verdade pode ter no esclarecimento de fatos históricos, têm rendido diversas manifestações de leitores e merecem ser retomados com novas informações. O ex-prefeito do Rio Cesar Maia me enviou um e-mail lembrando um depoimento do polêmico juiz espanhol Baltazar Garzon ao escritor Manuel Rivas, em recente documentário selecionado para o Festival de Berlim de 2011.

Ele ficou famoso por atuar contra grandes nomes da política internacional, como os generais Pinochet, Galtieri e até Berlusconi, de quem pediu anulação da imunidade parlamentar.

Baltazar Garzon está hoje imobilizado com três ações por abuso de autoridade. Num dos trechos mais polêmicos do documentário, trata da prescrição ou anistia em fatos ou delitos políticos (mortes, torturas ou desaparecimentos). Diz Garzon: "A prescrição (ou anistia) não se aplica sobre os fatos, mas beneficia o autor dos fatos.

"Não são os fatos que estão prescritos (ou anistiados), mas os autores dos fatos. Sendo assim, há que investigar quem foram os autores e, uma vez identificados, aí então se aplica sobre esses autores identificados a prescrição (ou anistia)".

O ex-deputado Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos à época da ditadura, tem opinião semelhante.

Ele ressalta uma curiosidade histórica: tecnicamente, pelo texto apresentado pelo Ministério da Justiça, os torturadores não estavam anistiados. E recorda que, saindo de audiência com o ministro da Justiça Petrônio Portella, depois de receberem o texto que o governo enviaria ao Congresso, disse a Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, que temia pelo acordo, pois a "tigrada" (referência aos militares envolvidos na repressão política) iria ver que não estava anistiada.

Depois de ouvir explicações técnicas de Direito Penal sobre crimes conexos, Ulysses limitou-se a dizer: "Deixa pra lá"".

O Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei estaria coberta pelo propósito de anistiar os dois lados, o que historicamente se deu, sem enfrentar a matéria penal e pronto, diz Cerqueira: "A lei já produziu seus efeitos. Não proíbe os parentes da vítima de irem a juízo postular o que entenderem. É apurar a verdade, agora".

Recebi também de Terezinha Zerbini, a pioneira no movimento pela anistia com o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), depoimento que merece registro, pela sensatez:

"Mais de 30 anos passaram desde a Lei 6.683 de 1979, assinada pelo então presidente João Figueiredo, em seu programa de conduzir o Brasil rumo a uma abertura lenta, gradual e segura. Tão lenta e gradual que se temeu por retrocessos, até 1985, ano da posse de seu sucessor na Presidência, José Sarney, na qualidade de vice de Tancredo Neves.

"Portanto, a anistia de 1979 foi obtida dentro de uma conjuntura específica, fruto de intensa luta para redemocratização do país. Minha experiência - hoje, uma mulher de 84 anos - ensinou-me que, quando não se pode fazer o que se deve, deve fazer-se o que se pode.

"E a sabedoria prega que não apenas em nível pessoal, mas também no histórico, é difícil digerir o passado como uma totalidade.

"A insistência em se fixar em atos passados, distantes há mais de três décadas, poderia equivaler ao imobilismo, comparando essa mirada àquele olhar bíblico para trás, na fuga dos pecados de Sodoma e Gomorra e na transformação de seres vivos em estátuas de sal.

"As energias disponíveis precisam estar todas voltadas ao futuro e à solução dos impasses da realidade brasileira".

O sociólogo Luiz Werneck Vianna, cuja posição contrária à revisão da Lei da Anistia me parece bastante sensata, e gerou todo esse debate aqui na coluna, envia-me um comentário sobre o contraponto do deputado do PSOL do Rio Chico Alencar, que publiquei na certeza de que o debate democrático é o melhor caminho para o entendimento. Aí vai o depoimento de Werneck Vianna:

"Sem querer, entrei na berlinda. Faz parte. Poucas e ligeiras observações: depois de responder a muitos IPMs nos anos que se sucederam ao golpe militar de 1964, fui preso em 1971 e levado para o Cisa, nas dependências do Galeão, onde, poucos dias antes, foi morto sob tortura Stuart Angel, e, com isso, digo tudo.

"Lá, passei 15 dias sob interrogatório, e basta-me declarar que saí dele com a consciência limpa. Mais tarde, libertado, já morando em São Paulo e de volta à militância política no PCB, escapei, em 1975, por muito pouco, da Oban - estava dando aulas na Unicamp e eles me procuraram na minha residência paulista.

"Vivi cerca de um ano e meio na clandestinidade, homiziado na casa do dramaturgo Paulo Pontes, até que, com a vigorosa reação, liderada pelo Cardeal Arns, à morte sob tortura, nos cárceres da ditadura, de Vladimir Herzog, aos poucos retornei à "legalidade", como então se dizia.

"Sempre pertenci, com muita honra, à tribo dos que preconizavam que só o "povo organizado derruba a ditadura", contraposição aos que, desde 1968, sustentavam a tese oposta da luta militar.

"Mas isso são favas passadas. Ao assunto que interessa: sem querer discutir os méritos de historiador do deputado Chico Alencar nem suas qualidades de político, nossa transição, que o parlamentar desqualifica como negociada e "pelo alto", não teve como motor, como ele enuncia, a luta armada - extinta, no fundamental, nos idos de 1972 -, mas a luta de massas, exemplar no movimento multitudinário das Diretas Já, nas lutas operárias do ABC e no processo eleitoral, que, a partir da eleição de Quércia para o Senado, em 1974, tornou-se determinante para o futuro rumo dos acontecimentos em 1982, com as eleições de Brizola, Tancredo Neves, Franco Montoro e Pedro Simon para governadores em seus estados.

"O resultado dessas lutas está aí com a Carta de 1988, a mais avançada e democrática da nossa História, inclusive porque propiciaram a conquista da Presidência da República por parte de uma ex-liderança do movimento sindical e de um partido com extração na esquerda.

"Houve, e segue tendo seu curso no país, uma revolução democrática progressiva, que nos cabe aprofundar, decerto em meio ao contraditório.

"Contudo, não seremos capazes dessa tarefa permanente se não soubermos valorizar o que nos trouxe até aqui, mistificando o nosso passado recente".

FONTE: O GLOBO

De aço ou renda:: Dora Kramer

A falta de unidade no PSDB não é apenas de ação como maior partido de oposição e único concorrente em condições mais ou menos competitivas para enfrentar o PT e área de influência numa eleição.

A divergência é, sobretudo, de pensamento: dependendo da perspectiva do olhar, os tucanos usam punhos de aço ou de renda na análise sobre o que foi até agora o governo de Dilma Rousseff.

Tanto que o balanço sobre o primeiro ano tem duas versões. A original, encomendada pelo presidente do PSDB, Sérgio Guerra, ao ex-vice de José Serra no governo de São Paulo - depois governador durante a campanha - Alberto Goldman, chegou a ser divulgada, mas foi recolhida e substituída por um texto mais ameno assinado pela Executiva, mas não submetido ao exame do colegiado.

As diferenças começam pelos títulos. A versão mais dura chama-se Dilma Rousseff 2011, um governo medíocre. A mais branda ganhou o nome de 2011: um balanço crítico.

O primeiro documento tem oito páginas e o segundo duas a menos. Reduziu-se a introdução e boa parte dos textos em que o governo é analisado ponto a ponto, mostrando as discrepâncias entre o discurso oficial e a realidade da economia, saúde, educação, investimentos etc.

Mas é na apresentação que a diferença de concepção sobre o conceito da maneira de fazer oposição fica patente.

Vamos a alguns trechos do texto original.

"O primeiro ano caracterizou-se pelo desperdício do capital político obtido por ela com a vitória de 2010: foi amorfo e insípido. A presidente não parece alimentar ilusões sobre a dimensão de seu mandato. Não tem direção definida. Comporta-se como aquilo que é: uma atriz coadjuvante escalada, não para ofuscar, mas para refletir o brilho do ator principal e diretor do enredo.

"Dilma foi eleita presidente e se contenta com o papel de síndica do condomínio político constituído por Lula. Este não dá sinal de que pense em transferir o poder efetivo. Os condôminos, a começar pelas múltiplas facções do PT, não admitem abrir mão dos cargos e verbas federais cujo rateio é a razão de ser de sua participação no governo.

"Mais do que o desempenho de sua criatura e curadora (de Lula), é o sistema que deve ser avaliado. O balanço é negativo e preocupante para o País.

"Outros presidentes, no passado, recorreram ao loteamento político da máquina estatal. Nenhum na extensão nem com a desfaçatez de Lula. O efeito mais visível do fisiologismo turbinado por ele foi a sucessão de escândalos no primeiro ano de Dilma.

"O espetáculo de corrupção impune enoja a opinião pública, desmoraliza as instituições, paralisa a administração pública, desvia recursos necessários às demandas da sociedade e desafia as pretensas intenções moralizadoras da própria presidente que troca de ministros quando não pode mais segurá-los, mas não muda a regra do rateio dos ministérios."

Essa introdução foi substituída por outra em que não há referências críticas diretas a Dilma ou a Lula. Segue abaixo a escolhida pela direção do PSDB para divulgação.

"Em um contexto de fortes turbulências econômicas internacionais, se exige do Brasil, assim como do resto do mundo, a adoção de medidas de austeridades e eficiência.

"Não há austeridade nem eficiências possíveis quando pedaços do Estado são entregues a partidos e facções políticas para serem usados como agências arrecadadoras. As contas e indicadores de desempenho da máquina federal, registram o avanço dessa forma perversa de privatização do patrimônio público nesses nove anos.

"Ninguém entregou mais o Estado brasileiro ao apetite desmedido de sua base do que o atual governo.

"A perversão não se limita à máquina estatal. Escândalos recentes puseram em evidência o aparelhamento de entidades da sociedade civil como comitês eleitorais e canais de desvio público por grupos instalados nos ministérios."

A partir daí o textos seguem mais ou menos semelhantes, voltando a discrepar na frase final da introdução.

Na concepção original, o balanço "registra uma constrangedora sucessão de fracassos". Na versão amenizada, o primeiro ano foi marcado por "alguns sérios problemas em diversas áreas".

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Punição e prêmio:: Eliane Cantanhêde

A maior pena prevista na Lei Orgânica da Magistratura, de 1979, é a aposentadoria compulsória. Um juiz mal intencionado pode fazer o que bem entender, inclusive vender sentenças e, no máximo, irá para a casa, talvez constrangido, mas com contas bancárias gordas e garantidas para sempre.

Como bem disse à Folha o novo secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Flávio Caetano, isso precisa ser discutido. Por óbvio. "A aposentadoria não é tida juridicamente como punição. Pelo contrário, é um direito."

Na verdade, aposentadoria não é punição -nem jurídica nem real- nem aqui nem na China. E, no caso de juízes que cometam irregularidades, não é um direito, mas um prêmio, um privilégio, uma forma de amenizar o escândalo e todos lavarem as mãos.

Caetano lembrou que, no caso dos (demais) servidores públicos, quem deve paga com demissão. "Punição é demissão", disse. Ou, como já especificara a ministra Eliana Calmon: "Tem de mexer no bolso".

Avança assim a discussão sobre a falta de transparência do Judiciário, Poder que tem de estar acima de qualquer suspeita, pois analisa, julga e, eventualmente, condena tudo e todos, inclusive ministros, altos funcionários, deputados e senadores -ou seja, de certa forma, está acima do Legislativo e do Executivo.

Nesse contexto, é inviável manter abertas as "operações atípicas" de mais de R$ 800 milhões assombrando juízes e servidores do Judiciário. É preciso exorcizar: separar o legal do ilegal e, nesse caso, mostrar quem, como, onde e por quê.

Pelo país afora, juízes reclamam da "generalização que a imprensa está fazendo". Mas não é a imprensa. O que generaliza o que não é geral é a impunidade, o jeitinho da "aposentadoria", a cultura de deixar pra lá e o medo do julgamento da sociedade. A transparência não é contra, mas, sim, a favor dos juízes. Que não paguem os justos pelos pecadores.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Protagonistas fora de ordem:: Raymundo Costa

Apesar da reação epidérmica de grande parte do aparelho partidário e da militância ideológica, entrou definitivamente na pauta do PT a proposta de aliança eleitoral feita pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com o PSD indicando o nome do candidato a vice-prefeito na chapa a ser encabeçada pelo ministro Fernando Haddad (Educação).

Kassab já havia falado do assunto com um ou outro petista. A novidade foi tornar pública a oferta. Num primeiro momento, causou perplexidade. Depois o PT passou a desconfiar de uma manobra maquiavélica de Kassab a fim de aumentar seu próprio cacife nas negociações com o PSDB, que anda arredio à manutenção da parceria.

Agora já é possível afirmar: a coligação do PSD é hipótese seriamente analisada na cúpula do PT, ainda improvável mas possível, em especial se o partido chegar à conclusão de que pode vencer no primeiro turno, se disputar aliado a Kassab.

A política de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país e principal reduto do PSDB, transita por tempos estranhos.

É manifesta a distensão nas relações do governo tucano de Geraldo Alckmin com a presidente Dilma Rousseff. Prova disso são as "parcerias estratégicas" firmadas pelos dois governos para a execução de programas como o Minha Casa, Minha Vida.

O prefeito Gilberto Kassab, por seu turno, parece convencido de que o projeto de poder do PT ainda tem muito fôlego e que de nada adianta ficar malhando em ferro frio na oposição.

O PT agora se dedica a fazer contas. Por elas, Haddad entra na eleição com cerca de um terço dos votos paulistanos, que é historicamente o desempenho do partido. Mas entra com uma condição de crescimento que outros candidatos petistas não tiveram antes em São Paulo.

Além de ser um candidato mais digerível "à direita", Fernando Haddad conta com um fato novo: pelo menos por enquanto, as pesquisas indicam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será um grande eleitor em São Paulo, condição que ele nunca teve antes em relação aos principais líderes tucanos.

A decisão é de Lula. Havia ontem quem se lembrasse da reação de incredulidade do partido ao ser informado de que o candidato do ex-presidente a prefeito de São Paulo era o ministro da Educação, Fernando Haddad.

Nome de fora do aparelho petista, Haddad parecia inviável diante de nomes como os da ex-prefeita Marta Suplicy e dos deputados Jilmar Tatto e Carlos Zarattini - pré-candidatos que já gastaram muita sola de sapato na periferia da cidade nos debates e contatos com a militância.

Aos poucos o PT foi se acostumando com o nome do ministro da Educação - assim como se acostumou com a escolha de Dilma Rousseff ainda em 2009 -, e não restou outra opção a Marta, Tatto e Zarattini, a não ser desistir de disputar a indicação do partido. E não houve a menor comoção na militância petista: mesmo sem digerir a vontade de Lula, ela foi aceita e o PT seguiu em frente.

É difícil para os adversários da aliança evocar razões ideológicas - o candidato a vice-prefeito na chapa de Fernando Haddad seria o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Se ele serviu para o governo Lula durante oito anos consecutivos - recorde de permanência no cargo de um presidente do Banco Central (BC) -, por que não serviria como vice-prefeito de Haddad?

Há as razões relativas à campanha. Um exemplo: a mudança repentina de curso que o PT deverá proceder depois de oito anos de dura oposição ao prefeito e ao condomínio presidido pelo PSDB que ele representou até agora. Kassab soube fazer esse percurso com maestria - do PFL ao PSD, passando pelo DEM. Caberia ao marketing petista dar boa explicação aos eleitores.

Também é relativo o fato de Meirelles ser de Anápolis (GO) e só recentemente ter transferido seu domicílio eleitoral.

O ex-presidente do BC estudou e fez sua carreira profissional em São Paulo, antes de mudar-se para os Estados Unidos, em 1996, para assumir uma vice-presidência do BankBoston, no qual já trabalhava desde 1974. Em São Paulo. Mais precisamente na rua Líbero Badaró, onde ficava a sede do banco.

É desse período o envolvimento de Meirelles com a fundação de uma ONG denominada "Viva o Centro", voltada para a recuperação do centro histórico de São Paulo. Seria um exagero, portanto, a afirmação de que Meirelles nada tem a ver com a cidade.

Resta saber a vontade do próprio Meirelles. A trajetória político-partidária recente do ex-presidente do BC é de projetos não concluídos.

Depois que ele deixou de bater ponto no banco americano, ingressou na política como candidato a deputado federal mais votado de Goiás, nas eleições de 2002. Pelo PSDB. Não chegou a assumir o mandato, ao qual renunciou para assumir a presidência do Banco Central no governo Lula, e pediu desfiliação do PSDB.

Na sucessão de Lula, inscreveu-se no PMDB, diante da perspectiva de assumir a vaga de candidato a vice-presidente de Dilma Rousseff. Deu Temer. O PMDB de Goiás acenou para ele com a candidatura ao governo estadual. Meirelles se mostrou indeciso. Agora está no PSD e transferiu o título de eleitor para São Paulo. É o nome capaz de viabilizar a aliança do PT com o PSD, muito embora Kassab tenha dito a Lula que ele poderia escolher o nome que quisesse em sua base de apoio político.

Pode dar em nada, como toda conversa a oito meses da eleição. Mas a corrida eleitoral em São Paulo começa de maneira diferente, ao mostrar dois protagonistas fora do roteiro habitual de PT e PSDB.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O caos da esfera pública:: Jürgen Habermas

Quando o diretor do Instituto Karl Renner me comunicou a agradável notícia de que o júri pretendia conferir-me no corrente ano o Prêmio Bruno Kreisky [por avanços na área de direitos humanos; Kreisky (1911-90) foi ministro das Relações Exteriores da Áustria], não me senti apenas motivado a refletir sobre o aspecto estimulante da situação feliz de encontrar tanto reconhecimento imerecido, após décadas de conflitos e de uma imagem tendencialmente controvertida.

Após um estudo mais convencional de filosofia, ingressei em 1956 no meio pouco familiar do Instituto Frankfurtiano de Pesquisas Sociais, onde tive de me familiarizar durante os preparativos de uma pesquisa empírica também com a bibliografia (então ainda exclusivamente jurídica) sobre o Estado de Direito e a democracia.

Por um lado, os debates entre os grandes representantes da teoria do direito do Estado da República de Weimar me pareceram estimulantes, mas não consegui estabelecer uma relação mais apropriada entre os conceitos normativos da ciência jurídica e a teoria da sociedade — sob cujo influxo tentava compreender a realidade política da atualidade de então.

Estado de Direito

Foi a leitura de um livro que me abriu os olhos para o nexo entre economia política e direito. Publicado em 1929 sob o título áspero Os institutos jurídicos do direito privado e a sua função social, remontava a estudos realizados pelo jovem Karl Renner na virada do século, quando seu autor trabalhava como bibliotecário do Parlamento austríaco de então.

Foi assim que entrei em contato com os escritos dos marxistas austríacos, nos quais encontrei três idéias de cuja ausência me ressentia enquanto assistente de Theodor W. Adorno [1903-69] em Frankfurt: em primeiro lugar, a vinculação natural entre teoria e práxis política.

Em segundo lugar, a abertura nada tímida da teoria social marxista diante das descobertas da ciência acadêmica (uma atitude da qual Horkheimer e Adorno se tinham distanciado novamente desde a Dialética do esclarecimento).

E, em terceiro lugar — e sobretudo —, a identificação sem reservas com as conquistas do Estado democrático de Direito sem o abandono de objetivos radicalmente reformistas, voltados para horizontes muito além do status quo.

No meu caminho do marxismo de matriz hegeliana na direção de um pragmatismo kantiano, o livro de um outro austromarxista me deu um estímulo similarmente rico em conseqüências no final dos anos 60. Refiro-me à obra tardia de Max Adler [1873-1937], publicada em 1936 sob o título O enigma da sociedade.

Ao introduzir um “a priori social”, Adler não evoca apenas a constituição social da nossa consciência do ego e do nosso conhecimento do mundo; inversamente, a construção dos nexos da vida social também deve se assentar em atos do conhecimento.

A própria sociedade se baseia, então, na facticidade de pretensões de validade, que reivindicamos nas nossas exteriorizações comunicativas. Assim, Adler fundamenta, muito similarmente ao Husserl [1859-1938] tardio, uma referência à verdade de enunciados e correção de normas, imanente à sociedade.

Apesar de toda a sua insistência na cientificidade, Otto Bauer [1882-1938] e Rudolf Hilferding [1877-1941], Karl Renner e Max Adler se consideravam intelectuais de partido, que se submetiam à coação disciplinadora da tática e da organização, quando o momento assim o exigia. Mas, como democratas, faziam uma idéia inteiramente distinta do papel do partido do que o Lukács leninista em História e consciência de classe.

Seja como for, a figura do intelectual de partido pertence ao meio hoje já histórico dos partidos que perfilhavam uma visão de mundo esquerdista. Após 1945, esse tipo não pôde mais subsistir no Ocidente.

Os sem-partido

Diante desse fundo, o tipo do intelectual contemporâneo, sobre o qual pretendo falar, adquire contornos muito nítidos: os intelectuais que entraram em cena depois de 1945 — tais como Sartre, Adorno e Marcuse, Max Frisch e Heinrich Böll — tendem a se assemelhar aos modelos mais antigos dos escritores e professores universitários que tomam partido, mas não estão vinculados a nenhum partido.

Sem serem perguntados, isto é, sem mandato nem votação, eles se deixam provocar pela ocasião a fazer um uso público do seu saber profissional além dos limites da sua profissão. Sem a pretensão a um estatuto elitista, não podem invocar outra legitimação senão o papel do cidadão democrata.

Na Alemanha, as raízes dessa autocompreensão igualitária remontam à primeira geração depois de Goethe [1749-1832] e Hegel [1770-1831].

Os irrequietos literatos e livres-docentes do círculo da “Jovem Alemanha” e dos hegelianos de esquerda definiram o perfil do intelectual pairando livremente acima da sociedade — na qual intervinha espontaneamente, muitas vezes choroso, polemicamente excitado e imprevisível — assim como definiram os preconceitos arraigados contra ele.

Não por acaso, a geração de Ludwig Feuerbach, Heinrich Heine e Ludwig Boerne, Bruno Bauer, Max Stirner e Julius Froebel, Marx, Engels e Kierkegaard entrou em cena antes de 1848, quando o parlamentarismo e a imprensa de massa se formavam sob as asas protetoras do liberalismo incipiente.

Peixes fora d'água

É já nesse período de incubação, quando o vírus da Revolução Francesa se alastrou por toda a Europa, que se manifesta a constelação na qual o tipo do intelectual moderno encontrará o seu lugar. Ao influírem com argumentos retoricamente afiados na formação da opinião, os intelectuais dependem de uma esfera pública capaz de lhes servir de caixa de ressonância, alerta e informada.

Necessitam de um público de orientação mais ou menos liberal e precisam confiar num Estado de Direito minimamente encaminhado pelo simples fato de apelarem a valores universalistas em meio ao litígio sobre verdades sufocadas ou direitos negados.

Pertencem a um mundo no qual a política não se dissolve na atividade do Estado; seu mundo é uma cultura política da contradição, na qual as liberdades comunicativas dos cidadãos podem ser desencadeadas e mobilizadas.

É simples projetar o tipo ideal de intelectual que rastreia temas importantes, levanta teses fecundas e amplia o espectro dos argumentos pertinentes para melhorar o nível deplorável dos debates públicos.

Por outro lado, eu não deveria sonegar aqui a ocupação mais querida dos intelectuais: eles adoram sintonizar-se com as queixas rituais sobre o declínio “do” intelectual. Confesso não estar inteiramente livre dessa tendência.

Será que não sentimos falta das grandes entradas em cena e manifestos do Grupo 47, das intervenções de Alexander Mitscherlich ou Helmuth Gollwitzer, dos posicionamentos políticos de Michel Foucault, Jacques Derrida e Pierre Bourdieu, os textos de intervenção de Erich Fried ou Günter Grass? Será que a culpa realmente cabe a Grass, se as suas vozes hoje praticamente só encontram ouvidos moucos? Ou será que na nossa sociedade midiática não ocorre uma nova mudança estrutural da esfera pública, que faz mal à figura clássica do intelectual?

Por um lado, a reorientação da comunicação, da imprensa e do jornalismo escrito para a televisão e a internet conduziu a uma ampliação insuspeitada da esfera pública midiática e a uma condensação ímpar das redes de comunicação.

A esfera pública, na qual os intelectuais se moviam como os peixes na água, tornou-se mais includente, o intercâmbio é mais intenso do que em qualquer época anterior.

Maldição

Por outro lado, os intelectuais parecem morrer sufocados diante do transbordamento desse elemento vivificador, como se ele lhes fosse administrado em overdose. A bênção parece transformar-se em maldição. As razões para isso me parecem ser uma informalização da esfera pública e uma indiferenciação dos correspondentes papéis.

A utilização da internet simultaneamente ampliou e fragmentou os nexos de comunicação. Por isso a internet produz por um lado um efeito subversivo em regimes que dispensam um tratamento autoritário à esfera pública. Por outro lado, a interligação em redes horizontais e informalizadas de comunicação enfraquece ao mesmo tempo as conquistas das esferas públicas tradicionais, pois estas enfeixam no âmbito de comunidades políticas a atenção de um público anônimo e disperso para informações selecionadas, de modo que os cidadãos podem ao mesmo tempo se ocupar dos mesmos temas e contributos criticamente filtrados.

O preço do aumento positivo do igualitarismo, com o qual a internet nos brinda, é a descentralização dos acessos a contribuições não-redigidas. Nesse meio, as contribuições de intelectuais perdem a força necessária para formar um foco.

Não obstante, seria apressado afirmar que a revolução eletrônica destrói o palco para as aparições elitistas de intelectuais vaidosos, pois a televisão, essencialmente atuante no âmbito das esferas públicas estabelecidas nos Estados nacionais, apenas fez aumentar o espaço do palco da imprensa, das revistas e da literatura.

Ao mesmo tempo a televisão transformou o palco. Deve mostrar em imagens o que quer dizer, e acelerou o iconic turn, a virada da palavra para a imagem. Essa desvalorização relativa desloca também os pesos entre duas funções distintas da esfera pública.

Como a televisão é um meio que torna algo visível, confere celebridade no sentido de notoriedade aos que aparecem em público. Os atores sempre representam a si mesmos diante da câmera, independentemente da sua contribuição ao conteúdo do programa. Por isso o espectador se lembra em encontros fortuitos de ter visto o rosto do outro em algum momento passado.

Mesmo se o conteúdo remete a um evento discursivo, a televisão convida os participantes à representação de si mesmos, como podemos observar em muitos talk shows. O momento da auto-representação dos atores transforma inevitavelmente o público judicante — que, diante da tela, participa do debate sobre temas de interesse geral — também em um público assistente.

Celebridade e reputação

Não se diga que esse traço não cai como uma luva na vaidade patológica dos intelectuais; alguns se deixaram corromper pelo convite do meio à auto-representação, prejudicando assim a sua fama, pois o bom nome de um intelectual, se é que ele existe, não se baseia em primeiro lugar na celebridade ou notoriedade, mas em uma reputação, que o intelectual deve ter adquirido entre seus pares de profissão, seja como escritor ou como físico (de qualquer modo, em alguma especialidade), antes de poder fazer um uso público desse saber ou dessa reputação.

Ao intervir num debate com argumentos, ele precisa se dirigir a um público não de assistentes ou espectadores, mas de oradores e destinatários potenciais, capazes de discutir uns com os outros. Para expressar isso à maneira de um “idealtipo” — segundo o sentido de Max Weber —, importa aqui a troca de razões, e não o enfeixamento encenado de olhares.

Talvez isso explique porque as rodas de políticos, especialistas e jornalistas, que se formam em torno dessas moderadoras feéricas, não deixam nenhuma lacuna que deveria ser preenchida por um intelectual.

Não sentimos sua falta, pois todos os outros já há muito tempo cumprem melhor o seu papel. A mistura de discurso e auto-representação conduz à indiferenciação e assimilação de papéis, que o intelectual, hoje démodé, outrora se via obrigado a manter separados.

O intelectual não deveria usar a influência ganha com palavras como meio de conquista de poder. Não deveria, portanto, confundir “influência” com “poder”. Mas ainda hoje, nos talk shows, o que poderia distingui-lo dos políticos, que há muito tempo se servem do palco da televisão para uma concorrência intelectual em busca da ocupação de temas e conceitos influentes?

Faro vanguardista

O intelectual também não é requisitado como especialista.

Sem perder a consciência da sua falibilidade, ele deveria ter a coragem para posicionamentos normativos bem como a fantasia necessária para a formulação de perspectivas imaginativas. Mas o que poderia distingui-lo hoje ainda de especialistas, que há muito tempo aprenderam na discussão com especialistas de opinião contrária o que devem fazer para oferecer uma interpretação de seus dados que defina eficazmente a opinião dos ouvintes?

Por fim, o intelectual deveria se distinguir do jornalista inteligente menos pela forma da apresentação e mais pelo privilégio de ter de se ocupar apenas paraprofissionalmente dos assuntos da coletividade.

Ele só deveria intervir, mas intervir em tempo hábil — à semelhança de um sistema de alarme antecipado —, quando a vida cotidiana sai dos trilhos.

Com isso mencionamos a única capacidade que deveria distinguir o intelectual também no presente, a saber, o faro vanguardista para relevâncias. Ele deve poder interessar-se por desenvolvimentos críticos num momento no qual os outros ainda se detêm no business as usual.

Isso exige algumas virtudes inteiramente não-heróicas: uma sensibilidade desconfiada diante de lesões da infra-estrutura normativa da sociedade; a antecipação cautelosa de perigos que ameaçam a dotação mental da forma da vida política comum; o senso do que falta e “poderia ser diferente”; um pouco de imaginação para a projeção de alternativas; e um pouco de coragem para a polarização, a manifestação inconveniente, o panfleto.

Dizer isso é uma coisa, fazê-lo outra, e isso sempre foi assim. O intelectual deve poder se inquietar e deveria possuir a faculdade de juízo necessária para não reagir extremadamente.

Seus críticos — de Max Weber e Joseph Schumpeter a Arnold Gehlen e Helmut Schelsky — sempre lhe lançaram a acusação da “excitação estéril” e do “alarmismo”. Ele não deve se deixar intimidar por essa acusação. Mais influente como intelectual, Sartre errou nos seus juízos políticos com maior freqüência do que Raymond Aron.

Por outro lado, o faro para relevâncias também pode descarrilar terrivelmente.

O que mais me estimula hoje — o futuro da Europa — é visto por outros como uma questão abstrata e entediante. Por que deveríamos nos interessar por um tema tão pálido?

A minha resposta é simples: se não conseguirmos fazer da pergunta polarizadora pela finalidade, pelo “para quê” da unificação européia — o tema de um referendo em todos os Estados-membros da União Européia até as próximas eleições européias em 2009 —, o futuro da União Européia será decidido no sentido da ortodoxia neoliberal.

Se evitarmos esse tema delicado em nome de uma paz enganosa e continuarmos com essas medidas de expedientes, tomadas no costumeiro caminho das soluções de meio-termo, daremos livre curso à dinâmica dos mercados desenfreados e assistiremos ao desmonte do próprio poder de configuração política da União Européia, em benefício de uma difusamente ampliada zona européia de livre comércio.

No processo de unificação da Europa, estamos pela primeira vez diante do perigo de uma recaída aquém do patamar atingido da integração. O que me inquieta é a rigidez da paralisia após o fracasso dos dois referendos sobre a Constituição, na França e Holanda. Nessa situação, a ausência de decisão é uma decisão de grande alcance.

O impasse europeu

Três problemas que nos afligem diretamente enovelam-se no problema único da deficiente capacidade de ação da União Européia:

1. Alteradas no curso da globalização, as condições da economia mundial proíbem hoje ao Estado nacional servir-se dos recursos oriundos da arrecadação de tributos, sem as quais ele não pode mais atender, na escala necessária, as costumeiras exigências da política social e, mais genericamente, a demanda de bens coletivos e serviços públicos.

Outros desafios, como o desenvolvimento demográfico e uma imigração maior, agravam essa situação, que só admite uma saída pela via ofensiva: a recuperação da força de configuração política no plano supranacional. Sem alíquotas convergentes de tributos, sem uma harmonização das políticas econômicas e sociais no médio prazo, deixaremos o destino do modelo social europeu nas mãos de terceiros.

2. O retorno a uma política brutalmente hegemônica de busca do poder, o choque do Ocidente com o mundo islâmico, a decomposição de estruturas estatais em outras partes do planeta, as conseqüências de longo prazo da história colonial e as conseqüências políticas diretas de uma descolonização fracassada: tudo isso sinaliza uma situação mundial extremamente perigosa.

Somente uma União Européia que se habilita à ação no plano da política externa e assume um papel relevante em termos de política mundial, ao lado dos EUA, da China, da Índia e do Japão, poderia fomentar nas instituições existentes da economia mundial uma alternativa ao predominante Consenso de Washington e fazer avançar, sobretudo no interior da ONU, as reformas há muito tempo vencidas, entrementes bloqueadas pelos EUA, mas dependentes do seu apoio.

3. As causas da cisão do Ocidente, visível desde a Guerra do Iraque, também residem em um conflito de culturas que divide a própria nação norte-americana em dois campos de dimensões praticamente iguais. Na seqüência desse deslocamento mental, os critérios de aferição normativa da política governamental, até agora vigentes, se desconcertam por igual. Isso não pode deixar indiferentes os aliados mais estreitos dos EUA.

Justamente nas situações críticas em ações conjuntas, devemos nos libertar da dependência do parceiro mais forte.

Até agora os europeus se subordinaram às instruções e regras do alto comando norte-americano nas missões da Otan [aliança militar ocidental]. Agora devemos nos capacitar para manter, mesmo em ações conjuntas, a fidelidade às nossas próprias idéias sobre o direito internacional público, a proibição da tortura e o direito penal em conflitos bélicos.

Democracia

Por isso, penso que a Europa deve se mobilizar para uma reforma que não confira à União Européia apenas procedimentos decisórios efetivos, mas a dote de um ministro de Relações Exteriores, um presidente eleito pelo voto direto e uma base financeira própria. Tais exigências poderiam ser o objeto de um referendo, que poderia ser combinado com as próximas eleições para o Parlamento Europeu.

O anteprojeto seria considerado aceito caso obtivesse a “maioria dupla” dos Estados-membros e dos votos dos cidadãos. Ao mesmo tempo, o referendo vincularia apenas os Estados-membros em que a maioria dos cidadãos teria decidido em favor da reforma.

Com isso a Europa daria adeus ao modelo do comboio de navios no qual o mais lento define a velocidade. Mesmo em uma Europa de centro e periferia, os Estados-membros que por enquanto preferem ficar à margem naturalmente continuariam com a opção de associar-se ao centro quando bem quisessem.

Os políticos com o faro orientado para o futuro podem levar os intelectuais a reboque.

Tradução: Peter Naumann

FONTE: FOLHA DE S. PAULO,13/8/2006

Nara Leão canta Manhã de Carnaval

Terreno instável:: Míriam Leitão

Os dias difíceis da Europa vão continuar pelos próximos meses. A solução não está na linha do horizonte. O calendário está marcado com várias datas em vermelho em todo este primeiro semestre. Ontem, começaram os tremores secundários da redução da nota anunciada na sexta-feira: foi rebaixado o mecanismo criado para salvar a Europa.

O Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) foi concebido como um instrumento para financiar os países em dificuldade. Como ele depende de aval dos maiores países da Europa, ficou obviamente mais fraco depois do rebaixamento da França e da Itália. Normalmente, depois de revisões de ratings, os bancos, as empresas e unidades administrativas dos países atingidos também são rebaixados.

Ontem foi um dia relativamente calmo, em parte porque já era esperada a redução da nota da França, e em parte porque foi feriado nos Estados Unidos. Menos mal que o governo francês conseguiu vender papéis a juros até menores, mas os efeitos não se esgotam no primeiro dia, nem esse era o único evento que se espera para este começo de ano na Europa.

Como nos terremotos, em que não há um tremor só, a Europa continuará com terreno instável. A França desceu apenas um degrau de uma enorme escada em que estava no topo e continua muito bem posicionada. O problema é que a partir de agora as soluções encaminhadas pelos dois maiores países, França e Alemanha, ficam mais fracas. A decisão de rebaixar a nota de crédito do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira é uma demonstração disso, porque o mecanismo foi pensado exatamente para resgatar países endividados. Ter a nota máxima é o pressuposto básico do instrumento.

A ideia de que os tremores afetam só os países que têm a mesma moeda é equivocada. Os círculos que se espalham a partir de um abalo na Zona da Euro acabam atingindo a economia do mundo todo, a começar pela Inglaterra, que pensa ter se protegido. Ela tem a vantagem de ter sua própria libra. Mas cerca de 45% das exportações inglesas são para a Zona do Euro. Além disso, os bancos ingleses têm alta exposição a dívidas dos governos europeus. Qualquer problema maior afeta a economia britânica, que vai encolher 0,5% este ano e tem previsão de alta modesta de 0,5% no ano que vem.

Depois desta onda de rebaixamento, já esperada, outros eventos estão marcados no calendário. A eleição presidencial e o rebaixamento da França reduzem a capacidade de influência do país na solução dos problemas do euro. A Itália está totalmente neutralizada do papel que exerceu até meados do ano passado, de um dos líderes do bloco. Agora, o país é o maior problema. O governo italiano tem 130 bilhões para girar até março, mais de 400 bilhões até o fim do ano, e agora desceu dois degraus na escala da S&P.

Haverá em um dado momento um novo estresse bancário na Zona do Euro. Há novas exigências de capital que terão que ser cumpridas pelos bancos. Isso mostrará a dificuldade de cada um deles. As instituições terão que ir ao mercado se capitalizar ao mesmo tempo em que há maiores temores entre os bancos.

A Grécia terá que encontrar seu caminho. A consultoria inglesa Capital Economics disse, em relatório recente, que em seu cenário de referência a Grécia deixará a união monetária este ano. O país, até março, terá que fechar acordo com os credores. Desde o impasse da sexta-feira há muita apreensão sobre como serão retomadas as negociações entre os gregos e os bancos, sobre o tamanho das perdas que eles terão que aceitar. O melhor cenário é um calote negociado; o pior é um calote desordenado. Se sair do euro será, sem dúvida alguma, desordenado. E vários bancos de outros países da região são credores da Grécia e sofrerão com o baque. Como os próprios bancos já enfrentam suas dificuldades e seus governos não conseguem mais capitalizá-los, a moratória, ainda que muito esperada, pode produzir novos tremores. Atualmente, os maiores credores da Grécia são a França, que emprestou ao país US$55,7 bilhões; a Alemanha, com US$21,4 bilhões em créditos concedidos; A Inglaterra, com US$12,6 bilhões; e Portugal, US$10 bilhões.

Tudo é mais difícil administrar num ambiente de encolhimento econômico, e a região pode viver este ano o segundo mergulho. O primeiro foi quando estourou a crise em 2008. Veja no gráfico. Até a Alemanha, que teve um bom desempenho no ano passado, foi engasgando e está entrando em 2012 em compasso de espera. As previsões são de crescimento zero no começo do ano.

FONTE: O GLOBO

Desafio à Europa:: Celso Ming

Não se pode nem superestimar nem subestimar o rebaixamento em massa promovido pela agência de classificação de risco Standard & Poor"s (S&P).

Quem acompanhou ontem o comportamento do mercado financeiro pode ter ficado com a falsa impressão de que não houve nenhuma consequência importante. Na verdade, a turbulência dos mercados não se agravou porque, em parte, os cortes dos ratings haviam sido antecipados. E, também em parte, porque o Banco Central Europeu (BCE) voltou ao mercado e recomprou títulos públicos sujeitos a maior rejeição no momento, como os da França, da Itália e da Espanha.

Mas o impacto maior ainda está por vir. Pode ser um impulso mais forte em direção ao ajuste. Ontem, os dirigentes da Alemanha, da Itália e da Espanha fizeram apelos seguidos por aprofundamento das medidas de contenção dos rombos orçamentários. Se vão conseguir avançar ou não são outros quinhentos - o que importa mesmo é que esse rebaixamento tende a funcionar como pressão.

No entanto, quem vê as justificativas dessa pressão feita pela S&P e a maneira como os dirigentes vêm fazendo uso dela em favor de suas políticas tem a sensação de que continua o diálogo de surdos.

Entre as principais razões pelas quais a S&P rebaixou a qualidade das dívidas de nada menos que nove países da área do euro está a falta de empenho de suas autoridades em resolver o problema. Ocorre que, para a S&P, a questão de fundo não é o superendividamento dos países do bloco, mas, sim, a enorme diferença de competitividade entre eles - o que gera brutais distorções nas contas correntes (fluxos de pagamentos).

Se há cada vez maior competitividade da Alemanha, da Holanda e dos países nórdicos ao mesmo tempo que diminui, também progressivamente, o poder de competição dos países do Sul (Itália, Espanha, França, Grécia e Portugal), então não basta somente o ajuste das contas públicas.

Alguns analistas entenderam o problema mais profundo, mas não chegam a apontar solução convincente. Limitam-se a pedir que a Alemanha eleve suas transferências de capital para a periferia do euro e, simultaneamente, aumente os salários e o consumo interno - para que seus custos de produção se equiparem aos das demais economias do euro.

Mas, na medida em que restringem o ajuste à Alemanha, se esquecem de que a principal insuficiência de competitividade do bloco monetário não é dos países mais fracos em relação à Alemanha. Toda a área do euro sofre de baixa competitividade diante do resto do mundo, sobretudo em relação aos emergentes da Ásia e aos Estados Unidos.

Isso significa que o ajuste tem de ser extensivo a todos os países-membros. Se tudo se limitasse ao rebaixamento de salários e impulso do consumo na Alemanha, a área do euro como um todo perderia competitividade.

Falta os dirigentes políticos da Europa compreenderem que estão diante do mesmo Desafio Americano (que inclui a China) que, nos anos 70, tirou o atraso da Europa ante a economia dos Estados Unidos.

CONFIRA


A baixa do dólar no câmbio interno (valorização do real) alcança 4,5% somente em janeiro (até esta segunda-feira).

‘Não foi nada’. A primeira reação do presidente da França, Nicolas Sarkozy, à perda do triplo A foi ficar de fora. Providenciou que seu ministro das Finanças, François Fillon, desse a cara para bater. Mas, nesta segunda, Sarkozy reapareceu: “Não mudou rigorosamente nada”, falou. Seu principal concorrente às eleições de abril, líder nas pesquisas, o socialista François Hollande, defendeu a ortodoxia: “Não foi a França que foi rebaixada”, disse. “Foi a política de Sarkozy.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Cozinha francesa, churrasco grego:: Vinicius Torres Freire

Rebaixamento coloca um pingo de molho francês na crise, mas problema mesmo está em calotes e falências

Os donos do dinheiro grosso já tinham rebaixado a França desde o começo do ano passado, pelo menos. A S&P, a agência que degradou a nota de crédito do governo francês, chutou um "caniche" (poodle) morto, para variar. Ou melhor, um cão tosquiado (morta está a Grécia).

Os povos do mercado faz tempo cobram juros mais altos dos franceses -mais altos em relação à Alemanha. Na verdade, a taxa para o governo alemão caiu; subiu um tanto para o francês. Mas 3% ao ano é muito? É o que o mercado pede para ficar com títulos de dez anos do governo da França.

Sim, se trata de mais um pingo de vinagre no caldo francês e europeu. Decerto os socialistas vão fazer chacrinha com Nicolas Sarkozy, que concorre à reeleição. Mas o "ponto negativo" que a pífia S&P colocou na caderneta francesa não é o que "está pegando" na Europa.

Para variar, no curto prazo, os assuntos sérios são calotes e falências. As gentes esqueceram da Grécia, que ficou tempo demais no noticiário e cansou o público. Mas o país está queimando no espeto, e isso é muito ruim. Está claríssimo que o governo grego não pagará um pedação de sua dívida (pelo menos 50% da dívida em títulos).

Está ficando claro que os gregos darão um calote ainda maior que o combinado em outubro do ano passado (os tais 50%). A dúvida é saber quem vai ficar com a conta.

Se a banca credora ou parte dela recusar a proposta grega, as alternativas são apenas: 1) "Calote desordenado", coisa que pelo jeito a União Europeia quer evitar; 2) Um empréstimo ainda maior da União Europeia, a fundo perdido.

Como a UE não quer colocar mais dinheiro algum na Grécia, vai haver pressão firme (ou coisa pior) para que a banca aceite o calote ampliado. Outro motivo para que a UE force gregos e banqueiros a se acertarem é que, se o desconto na dívida for grande demais, Portugal também vai querer coisa parecida.

As negociações, que recomeçam amanhã, terão idas e vindas que vão render paniquitos na praça.

O outro problema de curto prazo muito sério é saber se os donos do dinheiro grosso estão ao menos um tico mais animados em relação à dívida dos países em estado crítico, como Itália e Espanha, ou quebrados (como Portugal).

Nesta semana, haverá pedidos de empréstimos (venda de títulos da dívida) de Espanha, Portugal, Grécia e França. Também o fundo europeu de socorro vai captar dinheiro (trata-se do European Financial Stability Facility, que empresta dinheiro para os falidos e que também teve a nota de crédito rebaixada).

Se o mercado pedir juros menos escorchantes, quer dizer que está fazendo algum efeito o empréstimo de meio trilhão de euros que o Banco Central Europeu concedeu aos bancos da eurozona, em dezembro.

Isto é, de algum modo, estaria sobrando um pouco mais de dinheiro para financiar governos. Não é uma solução, mas ajuda a empurrar o problema com a barriga ainda por um bom tempo. Isso significaria que diminuiu o temor de falência de bancos (que estão no entanto bichados mesmo) e que a Itália, por exemplo, não irá logo para o vinagre.

Mas tudo isso (evitar calote iminente, falência imediata) é apenas problema de curto prazo. Como a Europa vai crescer para de fato sair da crise são outros quinhentos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

PIB da China cresce 9,2% em 2011 e supera previsão

Ritmo de crescimento no 4º trimestre, porém, foi o mais fraco em dois anos e meio

PEQUIM - A economia da China cresceu 9,2% em 2011, após uma expansão de 10,4% em 2010. Apesar do crescimento menor, o resultado veio acima da meta estabelecida pelo governo chinês, de 8%. Mas o ritmo de crescimento no último trimestre do ano foi o mais fraco em dois anos e meio e pareceu ter se encaminhado para uma desaceleração ainda mais profunda nos próximos meses, na medida em que diminui a demanda por exportações e o mercado imobiliário enfraquece.

O crescimento do quarto trimestre em base anualizada foi de 8,9%, ligeiramente acima dos 8,7% do que tinham previsto economistas consultados em uma pesquisa da Reuters. No terceiro trimestre, a expansão anual do PIB havia sido de 9,1%.

Em comparação com o terceiro trimestre, o PIB da China cresceu 2,0% no quarto trimestre (dado sazonalmente ajustado).

Revisões

O Escritório Nacional de Estatísticas (NBS, na sigla em inglês) da China anunciou que revisou suas estimativas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), com ajuste sazonal, para os dois primeiros trimestres de 2011. Esta é a segunda revisão para os dados neste ano, após as mudanças feitas apenas alguns meses atrás.

A China só começou a publicação de estimativas sobre o trimestre com ajuste sazonal de crescimento do PIB neste ano. Anteriormente, o governo chinês apontava dificuldades em fazer ajustes sazonais adequados para não liberar tais dados.

O Escritório Nacional de Estatísticas revisou sua estimativa de crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2011 de 2,1% em relação ao trimestre anterior, ante uma estimativa prévia de 2,0%. Em uma base anualizada - forma como a maioria das economias mais importantes mede suas taxas de crescimento - isso equivale a uma taxa de crescimento de 8,7%, com base em cálculo da Dow Jones.

A taxa de crescimento para o segundo trimestre de 2011 foi revisada para 2,3% em relação ao trimestre anterior, ante estimativa anterior de 2,4%. Isso equivale a uma taxa anualizada de 9,5%.

A estimativa de crescimento para o terceiro trimestre ficou inalterada em 2,3%.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilma sanciona a lei que eleva gastos com Saúde

Depois de 11 anos de discussões no Congresso, a lei que regulamenta a Emenda 29 e impede que estados e municípios maquiem gastos com Saúde foi sancionada ontem pela presidente Dilma Rousseff com 15 vetos. A nova lei eleva os gastos com o setor, que hoje são da ordem de R$ 127 bilhões por ano, mas é mais dura com estados e municípios - que não poderão, por exemplo, usar verbas da Saúde para projetos de saneamento básico e pagamento de aposentadorias de servidores. Os vetos de Dilma a trechos da lei aprovada em dezembro pelo Congresso provocaram críticas da oposição, especialmente do PSDB. Um dos pontos vetados previa que a verba federal para Saúde deveria ser alterada sempre que, houvesse uma revisão do Produto Interno Bruto (PIB). Outros trechos vetados davam mais transparência à execução dos gastos, como a exigência de conta separada para a Saúde

Depois de 11 anos de debates, 15 vetos

Dilma sanciona lei da Saúde com ressalvas; oposição critica

Cristiane Jungblut

Depois de mais de 11 anos de espera, foi sancionada ontem pela presidente Dilma Rousseff a lei complementar que regulamenta os gastos da União, de estados e municípios em Saúde Pública, previstos na chamada Emenda 29, em vigor desde 2000. A presidente vetou 15 trechos do texto aprovado no fim do ano passado pelo Congresso - entre eles o que previa correção da verba federal para o setor sempre que houvesse revisão do Produto Interno Bruto (PIB) usado no cálculo original. A oposição criticou os vetos, afirmando que o governo foge à sua responsabilidade. E frisou que, com a vigência da regulamentação, estados e municípios é que terão que gastar mais em Saúde.

Ao justificar o veto, o governo alegou que o objetivo da medida foi evitar que revisões posteriores na metodologia de cálculo do PIB alterem, de forma retroativa, os valores do piso nacional de Saúde, que é o orçamento federal para a área estabelecido na Emenda 29.

O governo ainda optou por retirar da regulamentação da Emenda 29 itens que davam mais transparência no acompanhamento dos gastos em Saúde. Foram vetados trechos que previam que os recursos do setor fossem depositados em contas separadas, conforme a fonte de receita. A área econômica, porém, argumentou que os recursos deveriam ficar na conta geral do Tesouro.

Outro artigo excluído previa que as verbas não aplicadas na Saúde deveriam ser depositados em conta específica, cujos rendimentos financeiros deveriam ser, depois, investidos na área.

Serra: vetos são lamentáveis

A oposição criticou os vetos - em especial dos artigos que permitiam aumento de gastos e os que davam mais transparência às despesas - e quer que o Congresso os analise o mais rapidamente possível.

- Mais uma vez, o governo federal foge de suas responsabilidades e joga o peso das contas da Saúde nas costas de estados e municípios - disse o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira (SP), citando que os vetos abrem a possibilidade da União aplicar menos dinheiro no setor: - O descompromisso e a insensibilidade do atual governo com a Saúde Pública brasileira levou a presidente da República a vetar esses dispositivos importantes. Ou seja: menos dinheiro para hospitais, remédios e material hospitalar, por exemplo. Vamos solicitar que os vetos sejam analisados com urgência.

O ex-ministro da Saúde e ex-governador José Serra, autor e maior defensor da Emenda 29, lamentou os vetos. Disse que as distorções que se pretendia corrigir foram mantidas.

- Acho lamentável, porque (com os vetos) é deixar de se corrigir as distorções. A lei regulamentar veio para corrigir as distorções, e, agora, elas continuam. O que é conta federal (mais dinheiro federal para o setor) ela vetou - disse Serra.

- Esses vetos não comprometem a essência da lei. Mas a intenção era mesmo garantir mais recursos, se houvesse revisão do PIB. E garantir mais transparência nos gastos - reconheceu o deputado Pepe Vargas (PT-RS), que foi relator da lei na Câmara.

Dilma manteve todos os artigos que, a partir de agora, proíbem os estados de mascarar as contas, incluindo nos seus orçamentos para a Saúde despesas como merenda escolar, aposentadoria de servidores e ações de saneamento básico. Os estados têm que aplicar 12% de suas receitas líquidas em Saúde; enquanto os municípios precisam aplicar 15%. Esses percentuais já existiam, mas a falta de regulamentação da lei permitia a maquiagem dos gastos.

A nova lei mantém o atual sistema de cálculo sobre quanto a União tem que gastar no setor. Pelo chamado piso nacional de Saúde, o governo federal aplicará anualmente em Saúde o valor empenhado no exercício financeiro anterior, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do PIB. Com essa fórmula, a União gasta anualmente, em média, 7% de sua receita bruta com Saúde.

O texto vetado por Dilma dizia que "na hipótese de revisão do valor nominal do PIB que implique alteração do montante (para a Saúde), créditos adicionais deverão promover os ajustes correspondentes". A área econômica argumentou que a "necessidade de constante alteração nos valores a serem destinados à Saúde pela União pode gerar instabilidade na gestão fiscal e orçamentária".

Este ano, piso de Saúde é de R$80 bi

Para 2012, o piso foi calculado em cerca de R$80 bilhões no Orçamento da União aprovado pelo Congresso. O valor foi definido com base na variação de 11,82% entre o valor do PIB de 2010 (R$3,4 trilhões) e o estimado na proposta para 2011 (R$4,10 trilhões).

Normalmente, a definição do PIB passa por três fases. Em março do ano seguinte, o governo anuncia o PIB oficial do ano anterior. É essa apuração que servirá de base para eventuais correções nos valores e gastos apontados no Orçamento da União, inclusive nas despesas com Saúde - ou seja, se essa variação for superior aos 11,82% aplicados até agora, a correção será feita.

Mas não serão consideradas, a partir daí, as novas revisões do PIB. No caso do PIB de 2011, em dezembro de 2012 haverá uma segunda revisão e, em novembro de 2013, haverá outra. Os técnicos da área econômica temiam que mudanças bruscas nessa terceira revisão obrigassem o governo a rever todos os cálculos passados.

A manutenção da fórmula de cálculo do piso nacional de Saúde foi a grande vitória do governo na discussão da regulamentação da Emenda 29. O governo conseguiu derrubar proposta que obrigava a União a gastar com a Saúde 10% de sua receita bruta.

Entre os 15 vetos, o governo retirou trechos que permitiam que estados e municípios adotassem, gradativamente, as novas regras. O texto falava em adequação até 2011, sendo que a lei foi aprovada no ano passado.

FONTE: O GLOBO

Dilma reúne ministros antes da reforma

Ainda sem uma definição sobre o tamanho da reforma ministerial que pretende fazer, a presidente Dilma reunirá na segunda-feira toda a sua equipe para tratar de rumos do governo no segundo ano de mandato

Dilma e ministros se reúnem segunda

Tema é o corte no Orçamento, mas reforma também pode ser abordada

BRASÍLIA. Às vésperas de uma reforma ministerial, a presidente Dilma Rousseff marcou para a próxima segunda-feira uma reunião com todos os ministros para discutir o corte orçamentário que o governo fará este ano e dar o norte de seu segundo ano de mandato. A extensão da tesourada ainda não está definida, mas pode chegar a R$60 bilhões, como defende a área econômica do governo. Na penúltima semana do ano passado, o Congresso aprovou Orçamento de R$1,6 trilhão para a União, um incremento de R$32 bilhões à proposta original enviada pelo Executivo. Na reunião, poderão também ser abordadas superficialmente as mudanças já previstas para o Ministério, como a saída de Fernando Haddad (Educação) e Iriny Lopes (Mulheres).

Esta semana, Dilma fará reuniões setoriais com ministérios para definir a agenda de 2012. Nesses encontros, previstos para amanhã, quinta e sexta-feira, os 38 ministros serão convocados segundo áreas temáticas. As pastas relacionadas com infraestrutura - Transportes, Portos, Comunicação, Minas e Energia e Cidades - participarão de reunião conjunta com a área econômica. Em outro encontro, os ministérios da área de direitos humanos - Políticas para as Mulheres e Igualdade Racial - juntam-se aos ligados a políticas sociais, como Educação, Desenvolvimento Social e Saúde.

A demora de Dilma para dar início às consultas sobre a reforma ministerial abriu nos bastidores uma guerra entre partidos por ampliação de espaço no governo. Nos últimos dias, o Planalto identificou forte pressão do PT e do PMDB para comandar ministérios como Cidades e Transportes, enquanto o PP e o PR trabalham para manter ou recuperar pastas.

Já está praticamente definida a substituição do ministro da Educação, Fernando Haddad, pelo ministro Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia). Para o lugar de Mercadante, iria um nome com perfil técnico. A presidente tem que efetivar também um novo ministro do Trabalho no lugar do interino Paulo Roberto Pinto. O nome mais cotado para a vaga deixada por Carlos Lupi é o do deputado Vieira da Cunha (PDT-RS).

Além disso, Dilma deseja fazer alterações nos ministérios das Cidades, com a substituição de Mário Negromonte pelo seu antecessor, Márcio Fortes. Na Secretaria de Política para Mulheres, de onde a ministra Iriny Lopes sairá para disputar a eleição de Vitória, a presidente pretendia deixar um nome técnico também, mas a tendência petista Articulação de Esquerda quer fazer indicações para a vaga.

O PMDB aguarda que o vice-presidente Michel Temer seja chamado ainda esta semana pela presidente para analisar a reforma. O partido já sinalizou que precisa de um ministério com estrutura e máquina para "ficar competitivo" nas eleições municipais deste ano. Por isso, Transportes e Cidades passaram a ser alvo de cobiça do partido. O PT também deseja Cidades.

FONTE: O GLOBO

Verbas para saúde põem Alckmin em colisão com Dilma

Presidente sancionou ontem, com 15 vetos, a regulamentação da Emenda 29; tucano diz que União não vai aumentar recursos

Rafael Moraes Moura, Daiene Cardoso

BRASÍLIA - Com 15 vetos, a presidente Dilma Rousseff sancionou ontem a lei complementar que fixa os recursos mínimos a serem investidos por União, Estados e municípios em saúde. Um dos vetos descarta recursos adicionais para a área em caso de revisão positiva do PIB, sob a justificativa de que a "necessidade de constante alteração nos valores a serem destinados à saúde pela União pode gerar instabilidade na gestão fiscal e orçamentária".

O texto diz que a União aplicará em saúde o correspondente ao valor empenhado no orçamento anterior, corrigido pela variação do PIB. O artigo vetado previa "créditos adicionais" em caso de revisão positiva do valor do PIB. "O Produto Interno Bruto apurado a cada ano passa por revisões periódicas nos anos seguintes", justifica a presidente.

Em caso de variação negativa, os recursos não poderão ser reduzidos. A lei determina que Estados invistam, no mínimo, 12% da receita em serviços públicos de saúde. Para municípios, o mínimo é de 15%.

Promessa de campanha de Dilma, a regulamentação da chamada Emenda 29 abalou a lua de mel entre a presidente e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). "Não altera absolutamente nada. A Emenda 29 é totalmente inócua, não traz nenhum dinheiro novo para a saúde", criticou Alckmin. Para o tucano, o governo federal precisa colocar mais dinheiro no setor.

"Vamos continuar com o grave problema de financiamento da saúde no Brasil", previu. O governo paulista, de acordo com Alckmin, destina 12,5% de seu orçamento para saúde. O prefeito Gilberto Kassab também afirmou que não haverá alteração porque a capital já investe mais que o previsto em lei - entre 19,5% e 20%. "São Paulo é um exemplo", gabou-se Kassab.

Maquiagem. A presidente também vetou o artigo que previa que taxas, tarifas ou multas arrecadadas por entidades da área não fossem considerados na conta dos recursos mínimos previstos em saúde. Manteve, no entanto, a relação de despesas que não constituem serviços públicos de saúde, como o pagamento de aposentadorias e pensões, gastos com merenda escolar, ações de assistência social, saneamento básico e limpeza urbana - subterfúgios usados por governantes para maquiar as contas. São consideradas despesas desse gênero gastos com aquisição de insumos hospitalares, remuneração de pessoal da área e obras de reforma da rede SUS.

Dilma vetou ainda artigo que previa que a legislação fosse revista neste ano e rejeitou a determinação de que os recursos de saúde fossem aplicados em conta específica, o que poderia facilitar a fiscalização.

"A União está nadando em berço esplêndido com a arrecadação que tem, enquanto o cidadão pressiona a prefeitura, que já investe 22% na área", criticou o presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski. "Os vetos desfiguram a regulamentação sob o ponto de vista do objetivo maior, que é prover mais recursos", disse o líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Fundo Partidário cresce sem parar e vai a R$ 324 milhões

Em apenas dois anos, os recursos do Fundo Partidário aumentaram 61%. Em 2012, os partidos políticos vão dividir entre si R$ 324 milhões. O valor é R$ 100 milhões superior ao proposto pelo Executivo e foi elevado pelo Congresso durante a votação do Orçamento. Com isso, o PT vai receber neste ano R$ 53,9 milhões do fundo e o PMDB, R$ 41,6 milhões. O PSDB terá R$ 37,7 milhões e o DEM, R$ 24 milhõe

Partidos receberão recursos públicos recordes em ano eleitoral

Cristiane Agostine

SÃO PAULO - Os partidos políticos começaram o ano eleitoral com uma verba recorde de R$ 324,7 milhões prevista para o Fundo Partidário. São R$ 100 milhões a mais do que o governo federal havia proposto para o fundo, que é considerado um instrumento para financiar campanhas políticas com recursos públicos.

Os recursos extras para turbinar candidaturas em todo o país foram garantidos por parlamentares em uma articulação no Congresso, durante a tramitação do Orçamento de 2012, no fim do ano passado.

O incremento garantiu a previsão de R$ 16,6 milhões a mais para o PT, que deve receber neste ano eleitoral R$ 53,9 milhões.

O PMDB, com a segunda maior fatia do Fundo Partidário, deve receber R$ 41,6 milhões.

Somados, os dois maiores partidos da base governista têm cerca de 30% dos recursos do Fundo Partidário. Já as duas maiores legendas da oposição, juntas, têm 20% do fundo. O PSDB receberá R$ 37,7 milhões e o DEM, R$ 24 milhões.

Além do reforço a candidaturas, a verba extra poderá ajudar as legendas a saldarem dívidas de campanhas anteriores. O PT, sigla que detém a maior fatia do Fundo Partidário (16,6% do total), pagou no ano passado a dívida estimada em R$ 3,85 milhões, de 2003, com os bancos Rural e BMG. Segundo a assessoria de imprensa do partido, parte dos recursos para o pagamento dessa dívida veio do fundo.

Ao ampliar os recursos do Fundo Partidário para o Orçamento de 2012, os parlamentares repetiram a estratégia usada no Orçamento de 2011, quando também acrescentaram R$ 100 milhões ao valor proposto pelo governo, aumentando-o de R$ 201 milhões para R$ 301 milhões. Na época, o incremento foi visto como uma ajuda aos partidos, em especial PT e PSDB, para pagar as dívidas da campanha presidencial de 2010.

O PT informou que não usou o Fundo Partidário para saldar a dívida de R$ 27,7 milhões da campanha de Dilma Rousseff à Presidência. De acordo com a assessoria do partido, com a eleição de Dilma ao cargo, o PT recebeu "muitas doações", que foram usadas para solucionar o problema.

O tesoureiro do partido, João Vaccari Neto, informou, via assessoria, que a sigla também já saldou dívidas da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e disse que a maior credora do partido continua a ser a Coteminas, empresa fundada por José Alencar, vice-presidente morto no ano passado. A dívida foi contraída em 2004 na compra de 2,75 milhões de camisetas para a eleição daquele ano.

O PSDB, que saiu da disputa presidencial de 2010 com uma dívida de R$ 9,6 milhões da campanha de José Serra, não informou até o fechamento desta edição qual é a situação financeira do partido, nem se manifestou sobre o uso do Fundo Partidário.

De acordo com a legislação eleitoral, o fundo pode ser usado para "o alistamento e campanhas eleitorais", para a propaganda doutrinária e política e para a manutenção das sedes e serviços do partido. "Sem dúvida nenhuma esse dinheiro será usado como forma de financiamento público de campanha", comenta o advogado Alberto Rollo, especialista em legislação eleitoral. "O dinheiro desse fundo é para todas as atividades do partido, desde a divulgação até a campanha", explica Rollo. O aumento de R$ 100 milhões deverá beneficiar também fundações e institutos partidários, que são mantidos com verbas desse fundo.

O advogado especialista em legislação eleitoral ressalta que o dinheiro do Fundo Partidário pode ser usado no financiamento de campanhas políticas, mas os recursos arrecadados pelas candidaturas não podem ser usados pelas legendas.

De acordo com a legislação eleitoral, o Fundo Partidário não pode ser menor do que R$ 181,2 milhões, em um cálculo que leva em conta o número de eleitores do país. O fundo é alimentado predominantemente por recursos públicos, do Orçamento da União, e por multas eleitorais.

A divisão dos recursos entre os partidos é feita de acordo com a proporção de votos obtidos para a Câmara dos Deputados, apesar de um pequeno percentual do fundo ser dividido igualitariamente entre os partidos.

O relator do Orçamento de 2012, deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP), foi procurado pela reportagem para comentar a articulação que levou a esse aumento de R$ 100 milhões no Fundo Partidário, mas até o fechamento desta edição não respondeu aos pedidos de entrevista.

FONTE: VALOR ECONÔMICO