A liberdade de expressão parecia questão pacificada na democracia brasileira. A Constituição de 1988 protege o discurso em termos quase absolutos, com exceções mínimas. O Supremo Tribunal Federal (STF), quando instado a se manifestar sobre o tema, vinha garantindo tal liberdade várias vezes: sepultou a Lei de Imprensa da ditadura, assegurou o direito à publicação de biografias não autorizadas, à livre manifestação política nas universidades, à exibição de um especial natalino ofensivo a grupos religiosos — e sempre vetou tentativas de censura judicial.
Em
tempos recentes, a questão voltou a irromper do pântano dos conflitos
institucionais. No inquérito das fake news, o próprio STF censurou uma
reportagem da revista “Crusoé”. O Executivo vem exercendo vigilância cerrada
sobre vozes contrárias ao presidente Jair Bolsonaro. No arsenal usado pelo
governo federal para intimidar os críticos, ressurgiu a infame Lei de Segurança
Nacional (LSN), que caíra em desuso. A PF abriu 26 inquéritos com base nela em
2019 e 51 em 2020 (nos anos anteriores, a média era de 11).
Os alvos da intimidação são variados. Pode ser um cartaz em Palmas comparando Bolsonaro a um “pequi roído” (algo de pouco valor, na gíria local). Ou os professores da Universidade Federal de Pelotas, obrigados a assinar um termo de ajustamento de conduta depois de criticar Bolsonaro numa transmissão digital. O humorista Danilo Gentili. O colunista da “Folha de S.Paulo” Hélio Schwartsman. O youtuber Felipe Neto, intimado pela PF a depor por ter chamado Bolsonaro de “genocida”. Os manifestantes que estenderam faixa com os mesmos dizeres em Brasília.