quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Sérgio Abranches – Transgressões à democracia

• O que achou das declarações de Eduardo Bolsonaro e Paulo Guedes sobre AI-5?

"As menções ao AI-5 são feitas como ameaça. Nos dois casos referiam-se aos protestos do Chile e prometiam o AI-5 se ocorresse algo assim por aqui. Por outro lado, mostra que eles têm medo das ruas.

O mais importante são as muitas transgressões à democracia que o governo vem fazendo ou estimulado seus simpatizantes a fazer, como perseguições aos que pensam diferente, ameaças a professores que dão tópicos que eles consideram “ideológicos”; aparelhamento do estado para desmontar mecanismos de fomento à cultura e às artes; censura, que chamam de “filtragem” nas concessões para áreas de pesquisa; ameaças a funcionários que querem cumprir o seu dever, no Ibama e, no ICBMBio.

O ministro da Educação promete deixar as áreas de filosofia e ciências humanas sem apoio. Há muita vingança e retaliação por parte de membros do governo contra instituições nas quais não conseguiram entrar ou progredir por mérito. São inúmeras as ameaças à liberdade de expressão e à liberdade de cátedra. A tentativa de Bolsonaro de tirar a "Folha de S. Paulo" da licitação para renovar assinaturas, os ataques à TV Globo. Estão fazendo o país escorregar para o autoritarismo. Há risco institucional e, até agora, pouca reação articulada a essas ameaças."

*Cientista Político, em entrevista, O Globo 24/12/2019

José Serra* - Presidencialismo de colisão x parlamentarismo

- O Estado de S.Paulo

Precisamos alcançar, nos termos da Constituição, caminhos para enfrentar crises conjunturais

Os recorrentes embates entre o Executivo e o Congresso representam uma generosa fonte de incentivos para a reflexão sobre a mudança do sistema de governo em nosso país. Os exemplos desses embates são numerosos e não estão circunscritos aos mandatos atuais.

Tudo começa com a falta de entendimento entre o Executivo e os parlamentares que apresentam proposições para a solução de problemas nas mais diferentes áreas, que acabam sendo atropeladas por recursos que o governo utiliza heterodoxamente com o propósito de formar maioria. É esta maioria que lhe permite dar curso a seus projetos ou amenizar a fiscalização que poderia e deveria sofrer.

Nesse contexto, as saídas propostas pela sociedade (impeachment, por exemplo) para contornar as ondas de perda de credibilidade que recaem sobre o presidente tendem a transformar o nosso sistema de governo num verdadeiro presidencialismo de colisão. Penalizando o País, como trava ao nosso desenvolvimento.

Para a opinião pública, passamos a impressão de que nos dedicamos mais a aparar as arestas políticas do dia a dia do que a dar retorno positivo aos que depositaram em nós a confiança para resolver as dificuldades econômicas e sociais.

O parlamentarismo é uma convicção que carrego desde a época da Constituinte, partindo de um argumento fundamental: a necessidade de participação mais efetiva e responsável do Congresso na definição, implantação e controle das políticas governamentais. O presidencialismo favorece a situação oposta: a grande concentração do poder de decisão nas mãos do Executivo leva o Parlamento a sentir-se pouco comprometido, flertando constantemente com a polarização.

William Waack - A oportunidade

- O Estado de S.Paulo

Uma onda política sem precedentes abriu uma janela histórica

A década foi curta, parafraseando título famoso de livro de Eric Hobsbawm. Começou com a vitória do “dedaço” de Lula em 2010 (a primeira eleição de Dilma) e terminou com a onda disruptiva de 2018. Destaco essa onda, e seu resultado eleitoral, como o principal fato do período, sabendo muito bem que é impossível tomá-lo de forma isolada (mas nosso editor de Política, o Eduardo Kattah, disse que os colunistas só poderiam destacar um fato).

Ela alterou os rumos da política, destruiu figuras consolidadas, encerrou um período de capitalismo de Estado que produziu resultados catastróficos do ponto de vista econômico – mas, sobretudo, moral –, destruiu por período ainda imprevisível o chamado “centro” do eleitorado político, alterou o funcionamento do sistema de governo (com o Legislativo encurtando as prerrogativas do Executivo). Por último, expôs à sociedade o severo desafio que uma geração (a partir de 1988) não conseguiu enfrentar de forma satisfatória: o de diminuir a desigualdade, aumentar a prosperidade e encurtar a diferença que separa o País das economias mais avançadas.

José Pastore* - A classe média está espremida

- O Estado de S. Paulo

As tecnologias modernas têm criado no mundo poucos espaços para a ascensão dos profissionais na pirâmide social

Nos últimos anos, além de substituir os trabalhos mais simples (de rotina), as novas tecnologias começaram a realizar muitas tarefas dos profissionais de classe média. Para eles, a educação convencional deixou de ser um passaporte para a ascensão social. Apesar de escolarizados, eles passaram a descer na escala social por não conseguirem entrar nas poucas e concorridas profissões sofisticadas de status mais alto.

O resultado final desse processo é a polarização do mercado de trabalho. As tecnologias modernas abrem espaços para poucas pessoas subirem na pirâmide social e fazem encolher as profissões de classe média. Ao fim, muitos profissionais são forçados a descer.

Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 1 em cada 6 profissionais de classe média está tendo a sua profissão eliminada pelas novas tecnologias. É um fenômeno que atinge liberais, técnicos em várias áreas, chefes, supervisores e outros. A maioria desce na escala social. Os que ainda resistem correm o risco de descer nos próximos anos (OECD, Under pressure: the squeezed middle class, Paris: OECD, 2019).

Zeina Latif* - Será que desta vez será diferente?

- O Estado de S. Paulo

A julgar pelo nosso passado, o risco a ser combatido é a complacência

Os anos 2010 se vão sem deixar saudades. O PIB per capita cresceu tímidos 0,5% ao ano – muito pouco para um País onde 60% dos trabalhadores ganham até 1 salário mínimo –, em meio ao aumento da pobreza e à piora da distribuição de renda.

As medidas demasiadas e equivocadas de estímulo já davam sinais de exaustão em 2010, pela inflação teimosa acima da meta e pela rápida deterioração das contas externas. Ajustes eram necessários para que a fartura não virasse indigestão. Além disso, a expectativa era de o País avançar nas reformas estruturais pró-crescimento. O que se assistiu, no entanto, foram retrocessos. Prometeu-se muito e entregou-se uma grave crise.

Dilma preferiu ignorar os “sinais vitais” da economia e dobrou irresponsavelmente a aposta, em meio a muito intervencionismo estatal e ingerência em órgãos e empresas públicas. Para citar alguns dos equívocos, os bancos públicos, menos eficientes e sujeitos a pressão política, tornaram-se mais importantes na concessão de crédito do que os bancos privados e políticas setoriais equivocadas foram feitas aos montes. Os resultados foram investimentos economicamente inviáveis e a rápida deterioração das contas públicas, mascarada por truques contábeis.

Ricardo Noblat - O amargo presente de Natal que Bolsonaro deu a Sérgio Moro

- Blog do Noblat | Veja

Caberá ao Supremo Tribunal Federal validar ou não a criação da figura do juiz das garantias

O presidente Jair Bolsonaro ainda não se recuperou da pancada na cabeça que levou ao cair no banheiro do Palácio da Alvorada. Sancionou a emenda do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) ao pacote anticrime do ministro Sérgio Moro que criou a figura do juiz das garantias. A oposição ao governo no Congresso comemora.

Pergunta que desde ontem teima em ser feita: a criação da figura do juiz das garantias poderá de um modo ou de outro beneficiar o senador Flávio Bolsonaro, o Zero UM, encrencado com a Justiça desde que o Ministério Público do Rio descobriu que funcionários do seu antigo gabinete de deputado devolviam parte dos salários?

Por duas vezes em um período de menos de 12 horas, Moro registrou sua contrariedade com o ato de Bolsonaro. Da segunda vez foi mais direto:

– Sancionado hoje o projeto anticrime. Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente.

Maria Cristina Fernandes - Contra a polarização, surge um roteiro torto

- Valor Econômico

Para a maior aposta da terceira via, a corrupção é um defeito de fábrica do brasileiro

A soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacendeu, no maior partido de oposição, a expectativa de que seria capaz de dar sobrevida à polarização. Para consumo público, o #LulaLivre foi trocado pelo #VoltaLula. Entre quatro paredes, os petistas reconhecem que as condenações e processos judiciais que o ex-presidente enfrenta dificilmente lhe deixarão ser candidato em 2020, mas exibem a certeza de que Lula será capaz de pautar a agenda da oposição e ungir o nome petista para a sucessão. A maratona jurídica que o ex-presidente tem pela frente, porém, é apenas um dos fatores que concorrem para tirar o fôlego da polarização.

A existência de um segundo turno favoreceu a que as oito eleições presidenciais desde a redemocratização tenham levado a disputas finais entre PT e anti-PT. Na primeira delas, em 1989, o conjunto de alternativas, liderado por Leonel Brizola (PDT), somou metade dos votos válidos no primeiro turno. No outro extremo, em 2006, a reeleição de Lula levou ao ápice da polarização. As demais candidaturas amealharam menos de 10% dos votos válidos.

De lá para cá, a aposta numa terceira via só cresceu. E, em 2018, atingiu um quarto dos votos válidos. Uma parte vem do antipetismo recalcitrante. Outra, do próprio PT. Se a centralidade de Lula parece incontornável, o discurso não o é. Hoje a estratégia do partido parece focada na associação do presidente Jair Bolsonaro, ora às milícias, ora às ameaças à democracia. Não é preciso acreditar que Fabrício Queiroz, ex-assessor do presidente, seja um vendedor de carros usados de sucesso, ou que os Bolsonaro tenham a Constituição como descanso de tela para constatar que a estratégia tem fôlego curto.

Fabio Graner - Salário mínimo, um dilema para Guedes

- Valor Econômico

Com base em argumentos principalmente fiscais, aumento real do piso salarial oficial do país encontra forte resistência na área econômica do governo

Em recente entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, aparentou flertar com a ideia de dar aumento real para o salário mínimo em 2020. Diante dos jornalistas, chegou a pedir para o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, fazer a conta de quanto seria o impacto adicional de subir 1% acima da inflação. Um tanto constrangido, Waldery informou: R$ 4,5 bilhões. Guedes evitou se comprometer, mas disse que tomaria uma decisão até o próximo dia 31.

Apesar do aceno do ministro, nos bastidores da área econômica há forte resistência à ideia, o que dificulta seu avanço. As preocupações maiores são de natureza fiscal, pelo impacto direto na Previdência e outras despesas indexadas. Mas os interlocutores do governo ouvidos pelo Valor também levantaram questionamentos sobre se essa seria a melhor política distributiva e para o mercado de trabalho.

“Aumento do salário mínimo tem impacto relevante nas contas públicas, devido ao fato de haver várias despesas indexadas. Na atual restrição fiscal, qualquer aumento de despesa implica maior dificuldade para estabilizar a dívida, bem como a necessidade de reduzir alguma outra despesa para reequilibrar o orçamento”, comenta uma fonte. “Geralmente será necessário reduzir investimentos ou outras despesas discricionárias, com impacto negativo na oferta de serviços públicos”, completa.

Outro interlocutor aponta que o salário mínimo no Brasil seria relativamente alto, considerando o universo de pobreza do país. “Se colocássemos cem brasileiros enfileirados, aquele que recebe o salário mínimo estaria na posição 72 ou 73, mais perto dos mais ricos”, explica a fonte. Esse mesmo integrante do governo lembra que quando começou a era Lula, em 2003, estava abaixo de 40% da “renda mediana”.

Merval Pereira - Em causa própria

- O Globo

Se indulto visa a atender base eleitoral, sanção de pacote anticrime pode beneficiar Flávio Bolsonaro

As surpresas natalinas que Bolsonaro deu aos brasileiros, ao assinar indulto que, por vias tortuosas, coloca em vigor o excludente de ilicitude para os agentes de segurança, que fora barrado pelo Congresso, e também permitir a instalação do juiz de garantias que o ministro Sergio Moro havia pedido que vetasse, dão bem a dimensão pessoal com que o presidente lida com questões de Estado.

Ele também sancionou a limitação da delação premiada ao caso em investigação, restringindo, assim, sua abrangência. Não é à toa que ontem a hashtag Bolsonaro traidor foi das mais comentadas.

O indulto a policiais e agentes de segurança condenados por homicídio culposo, isto é, sem intenção de matar, e a soldados que, participando de ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), tenham tido o mesmo fim, é uma maneira que o presidente Bolsonaro encontrou de suplantar a vontade expressa do Congresso, que rejeitou o excludente de ilicitude no pacote proposto pelo ministro Sergio Moro.

O subprocurador-geral da República, Domingos Sávio da Silveira, coordenador da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial da Procuradoria-Geral da República (PGR), considera que este é um dos pontos inconstitucionais do indulto, que classificou, em declaração ao GLOBO, de um “ornitorrinco jurídico”, um “excesso de poder” por parte do presidente.

Para o subprocurador, Bolsonaro confundiu a clemência com o indulto individual, que é o instrumento da graça, previsto na Constituição. O presidente cogitou usá-lo para beneficiar os policiais condenados pelos massacres do Carandiru e de Eldorado dos Carajás, mas foi desaconselhado.

Bernardo Mello Franco - A maior derrota de Sergio Moro

- O Globo

A criação do juiz de garantias foi uma resposta direta à atuação de Sergio Moro na Lava-Jato. A novidade “acaba com o jeito Moro de julgar”, diz o petista Paulo Teixeira

A criação do juiz de garantias é a maior derrota imposta a Sergio Moro desde que ele abandonou a toga para entrar na política. O ministro da Justiça já havia sido contrariado outras vezes pelo Congresso e pelo próprio chefe. Mas a nova figura jurídica, sancionada na véspera do Natal, é uma resposta direta à sua atuação na Lava-Jato.

“É uma grande ironia. No chamado pacote Moro, foi aprovada uma medida que acaba com o jeito Moro de julgar”, diz o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos autores da proposta sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. “Muitas vezes, o juiz que determina as medidas cautelares perde a imparcialidade e contamina sua atuação. Foi o que aconteceu na Lava-Jato”, afirma o petista.

Ascânio Seleme - Ataque à inclusão

- O Globo

Luta do ‘good doctor’ é igual à de milhões de pessoas

Quem já viu episódios da série “The good doctor”, em cartaz na TV Globo e no Globoplay, sabe que a famosa frase “de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo” é mais falsa do que nota de três reais. O autor da frase, Apparício Torelly, o conhecido Barão de Itararé, não conheceu o médico residente Shaun Murphy, personagem que dá título ao seriado. Shaun é autista, não é capaz de responder a qualquer pergunta feita diretamente a ele, mas consegue manter alguns diálogos. Todos muito difíceis e tortuosos. À primeira vista, não se pode mesmo esperar nada dele.

Ocorre que, conforme a severidade do transtorno, autistas conseguem desenvolver diversas habilidades. A condição comportamental e neurológica do portador do transtorno é caracterizada pela dificuldade em interagir socialmente, sobretudo em razão da sua reduzida capacidade de comunicação verbal. Ele desenvolve também manias restritivas e repetitivas, que muitas vezes geram obsessão. Obviamente, os portadores desse transtorno não são pessoas fáceis de lidar, mas nem por isso são incapazes. Em alguns casos, podem até ser melhores no exercício de uma atividade por ter foco absoluto nela.

Luis Fernando Veríssimo - Obrigado, Joana

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Greta está fazendo história e barulho com seu ativismo idealista

Greta Thunberg é a pessoa do ano para a revista “Time”. A ambientalista sueca é uma das poucas adolescentes a sair na capa da revista que todos os anos destaca uma personalidade mundial notável por fazer história ou apenas fazer barulho. Tempos atrás, uma capa com Greta ou similar seria impensável. Para começar, a escolha era sempre do Homem do Ano, nunca a Mulher do Ano, muito menos uma mulher com 16 anos. E os editores responsáveis pela escolha da personalidade para botar na capa anual tinham que convencer leitores de que “personalidade” não queria, necessariamente, dizer herói e notável não significava aprovado. Osama Bin Laden foi capa da “Time”. E os editores não precisavam de outro exemplo: o Homem do Ano da “Time” em 1938 foi Adolf Hitler.

Míriam Leitão - Riscos ambientais atravessam o ano

- O Globo

Dados mostram que pode ter novo aumento do desmatamento em 2020. Maior risco dos desatinos da agenda contra o meio ambiente recai nos indígenas

Foram tantos desatinos ambientais ao longo de 2019 que é difícil esperar boas novas para o ano que vem nesta área. As estatísticas de desmatamento dos quatro meses de agosto a novembro já pertencem a 2020. E nesses meses a destruição aumentou 100%. Há para o ano que vem um enorme risco de novo desastre. “O Brasil entrou pequeno na COP 25 e saiu minúsculo”, diz um participante da Conferência. O ano ambiental do Brasil superou as piores expectativas, porque acreditava-se que o bom senso iria se impor num país que depende da boa imagem para ter mercados para o seu agronegócio.

No início do ano havia previsão de que a retórica agressiva e atrasada iria ceder, nem que fosse por cálculo. Não cedeu. Houve queimadas, aumento do desmatamento, fake news divulgadas pelo próprio governo, inação diante do desastre do petróleo nas praias, demissão injusta no INPE, briga com a ciência, incentivo a garimpeiros, leis generosas com grileiros, desmonte do Fundo Amazônia, morte de líderes indígenas e o país assumindo o papel de vilão na COP, que fora inicialmente prevista para ser realizada no Brasil.

A bancada ruralista comemorou o bom ano em que teve dois ministros da Agricultura e nenhum do Meio Ambiente. Em que liberou-se um volume de agrotóxico recorde, e várias leis aprovadas o beneficiaram. É vitória de curta duração e de visão estreita. O consumidor está mudando mais rapidamente do que se previa. Conversei com pessoas que foram a Madri e que são veteranas em conferências do clima. O que eles disseram é que a vibração e a mobilização da sociedade ficou muito mais intensa desta vez. Não é onda passageira, por causa do encontro, tanto que a expressão “emergência climática” foi um dos termos mais usados em 2019.

Maria Hermínia Tavares* - Por que Moro é popular

- Folha de S. Paulo

Ex-juiz tem respostas simples, e erradas, para a corrupção política e a segurança dos cidadãos

O ministro da Justiça, Sergio Moro, é a mais bem avaliada figura pública entre aquelas que a pesquisa XP-Ipespe acompanha periodicamente. Numa escala de 0 a 10, os entrevistados lhe atribuíram nota média 6,2, superior a de seu chefe Jair Bolsonaro, com 5,4, e do principal inimigo de ambos, Luiz Inácio Lula da Silva, com 4,9.

Seu prestígio resistiu às devastadoras revelações do site The Intercept sobre o facciosismo com que agiu, não raro na contramão da lei, como juiz da Operação Lava Jato. Resistiu também à sua apagada atuação como ministro submisso aos devaneios autoritários do presidente, e à derrota que lhe impôs o Congresso, ao desmanchar boa parte de seu pacote anticrime.

A popularidade de Moro resulta das suas respostas simples —e erradas— a dois problemas que tocam fundo os brasileiros comuns e para aos quais nem os passados governos progressistas nem as forças de centro e esquerda deram atenção devida, incapazes de formular discursos críveis e soluções compatíveis com o respeito mínimo aos direitos individuais. Tais problemas, como se sabe, são a corrupção política e a segurança dos cidadãos.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro e a nova questão religiosa

- Folha de S. Paulo

Em um país com mais conflitos de religião, presidente leva assunto para o Planalto

A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios não podem “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”, diz o artigo 19 da Constituição.

No seu pronunciamento de Natal, em cadeia de rádio e televisão, Jair Bolsonaro (sem partido) disse que acredita em Deus, afirmação em si inócua. Discursou ao lado da mulher, que usava uma camiseta com a inscrição “Jesus”. Michelle Bolsonaro não exerce função pública remunerada, mas preside o Conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado, o “Pátria Voluntária”, criado por decreto presidencial em julho deste ano e vinculado ao Ministério da Cidadania.

A Carta de 1988 não trata da relação da pessoa do presidente com religiões, nem está explícito se ou quais atos do presidente podem implicar “relações de dependência ou aliança” da União com cultos religiosos e igrejas.

Roberto Dias - Bandeira vermelha

- Folha de S. Paulo

Praias do país registram maior incidência de sujeira dos últimos quatro verões

É incrível a mudança de percepção sobre o litoral no imaginário humano ao longo da história.

A praia era antes um lugar amedrontador, como narra Alain Corbin em “The Lure of the Sea: The Discovery of the Seaside in Western World” (“O Fascínio do Mar: a Descoberta do Litoral no Mundo Ocidental”, em tradução livre). Tornou-se uma atração a partir do século 18 —as elites europeias começavam a ter preocupações com saúde e atividades ao ar livre.

Hoje em dia, o encanto da água salgada ignora fronteiras culturais ou de hemisférios. Prova disso são as imagens de chineses lotando pedaços de areia ou a estreia do surfe como esporte olímpico no Japão, no ano que vem. Poucos hábitos são tão universais quanto aproveitar a praia.

Bruno Boghossian – Os brasileiros

- Folha de S. Paulo

Retomada do PIB e distribuição de renda agem como vetores diferentes sobre eleitor

Steve Werner já votou no Partido Democrata, mas fez campanha para Donald Trump em 2016. Ele era um dos trabalhadores que, diante de dificuldades econômicas, entraram em greve numa fábrica de caminhões da Pensilvânia, em outubro.

Sem ligar para os dados que indicavam um aumento da desigualdade nos EUA, o operário estava convencido de que era preciso dar mais quatro anos para o presidente americano. Ele disse aos repórteres Marina Dias e Lalo de Almeida que, num segundo mandato de Trump, todos os americanos começariam a sentir os benefícios da melhora da economia.

Personagens da série “Os Americanos”, da Folha, mostram que o crescimento econômico e a distribuição de renda agem como vetores diferentes em determinados grupos do eleitorado. Num Brasil em recuperação, esses elementos também estarão no centro do debate político.

A oposição fez sua aposta. Lula e outros líderes de esquerda sabem que Jair Bolsonaro deve ser favorecido pela melhora gradual no PIB. Eles investem, então, na ponta da distribuição desse crescimento.

Mariliz Pereira Jorge - Mais três anos

- Folha de S. Paulo

Já se passou um ano deste governo ignóbil, mas ainda restam três

Ótima notícia sobre 2019: já se passou um ano deste governo ignóbil. A ruim: ainda restam três. Mais três anos que a mamata acabou, menos o filé mignon das crianças. Um Gabinete do Ódio pro filho do meio, alguma bocadinha pro Dudu, uma opressãozinha no Ministério Público pro primogênito. Tudo pelo Bolso Família.

Teremos mais três anos de um presidente terrivelmente reacionário, homofóbico e machista. Haverá comemoração do golpe de 1964, exaltação da ditadura, ameaça a todos os tipos de ativismos, discursos violentos contra minorias e deve sobrar para índios, árvores e mães. Ele ganhou, porra!

Mais três anos em que a Constituição que garante um país laico será pisoteada. Deus, ou seja lá quem, nos salve do Estado Evangélico. Faz a conta. Três anos de um governo que tem como método intimidação, linchamentos virtuais, assassinatos de reputação contra críticos, adversários e imprensa. Três anos de fake news com cara de nota oficial.

O que a mídia pensa – Editoriais

Diplomacia da camaradagem – Editorial | O Estado de S. Paulo

Quase todas as decisões adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro na condução da política externa deram em nada ou impuseram severos prejuízos, sejam os de ordem econômica, sejam os danos à imagem do Brasil no exterior.

O fiasco da diplomacia brasileira observado neste ano era totalmente previsível porque o presidente da República erra no básico e não emite qualquer sinal de que está disposto a aprender com seus erros. Jair Bolsonaro crê que a relação entre as nações se estabelece por meio da afinidade pessoal e ideológica entre chefes de Estado, e não pela concertação dos interesses em jogo em uma complexa trama comercial e geopolítica. Ou seja, o presidente Bolsonaro trata o que é um mero facilitador na aproximação entre lideranças internacionais como princípio orientador de suas ações.

A opção pelo alinhamento praticamente automático ao presidente norte-americano, Donald Trump, parece ser a linha mestra da política externa do governo Bolsonaro. Na visão do presidente, isso implicaria resultados que nenhum outro governo antes dele conseguiu produzir, como o ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a abertura do comércio entre os dois países. De fato, Donald Trump apoiou a entrada do Brasil no chamado “clube dos ricos”, mas tratou-se de um apoio vago, sem a definição de prazo ou condições para que o pleito do País fosse de fato analisado. Na verdade, Trump optou por dar preferência aos interesses argentinos no âmbito da OCDE, em detrimento dos brasileiros.

Música | Teresa Cristina - Tudo se transformou

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Amor é bicho instruído

Amor é bicho instruído
Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.