A situação no Egito está evoluindo bem, já há consenso para reformar a Constituição, dando-lhe uma feição mais liberal, e as negociações estão sendo encaminhadas sem a presença do ditador Hosni Mubarak. Ele continua na presidência, mas afastado das negociações, sem poder real, que está sendo exercido pelo vice-presidente Omar Suleiman, que negocia com as oposições, inclusive com a Irmandade Muçulmana.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, está convencido de que "nunca mais" o Egito será igual depois do que está acontecendo nesses últimos dias, e ele tem razão, embora não se possa dizer ainda o que acontecerá com o país ao final das negociações e da transição para um futuro governo.
Tudo indica que se chegou à conclusão de que não será possível retirar Hosni Mubarak da presidência, e optou-se por prosseguir nas negociações para a transição com o ditador afastado delas, mas ainda no poder. Com condições, por exemplo, de reunir o ministério e dar um aumento para os funcionários públicos.
A manutenção de Mubarak, que o governo dos Estados Unidos não queria inicialmente, serve, sobretudo, para acalmar Israel, o maior aliado dos Estados Unidos na região.
A onda de reivindicações, que a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, já classificou como de uma "tempestade perfeita", continua varrendo a região.
Mesmo com a promessa de levantar o estado de emergência, em vigor há 19 anos, de flexibilizar a legislação para ampliar as liberdades democráticas, e de criar novos empregos, o presidente da Argélia não consegue conter o ímpeto das ruas, e já há uma manifestação sendo anunciada para o próximo sábado.
Além do anseio por mais liberdade, e a capacidade de mobilização facilitada pelo uso dos novos meios tecnológicos de relacionamento pela internet, como o Facebook e o Twitter, há questões práticas também em jogo naquela região.
O desemprego está muito alto em países que, como o Egito, têm a maioria da população em idade de procurar emprego, e a inflação permanece comendo o já baixo salário dos cidadãos.
Por isso os governos acenam com aumentos salariais e promessas de mais empregos, mas nem mesmo com a concretização dessas promessas poderá haver um pouco mais de ordem nas ruas.
Tudo indica que essa onda de reivindicações não cessará tão simplesmente, e o resultado natural será uma renovação de governos.
A grande dúvida é se estas mudanças, que atingem principalmente as chamadas "ditaduras amigas" dos Estados Unidos e do mundo ocidental de maneira geral, levarão a governos democráticos ou se haverá, como alguns temem, a uma onda de governos de radicais islâmicos.
Este é o grande receio dos que apostam em uma onda democrática na região, como o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Segundo fontes israelenses, é indiferente o tipo de governo que vier a se instalar no Egito, isto seria "questão interna" do povo egípcio, embora muitas nações dependam do petróleo que passa pelo Canal de Suez e da posição estratégica egípcia no norte da África.
O que preocupa realmente o governo de Israel é a manutenção do acordo de paz com o Egito. Eles ressaltam que desde 1979, quando foi assinado por Sadat e Begin, o acordo jamais foi "arranhado" e o governo egípcio tem tido papel fundamental de intermediário nas negociações entre israelenses e palestinos.
O governo israelense não engole a definição de "moderada" da Irmandade Muçulmana e lembra que ela sempre se colocou contra o acordo de paz, e, segundo a mesma fonte, "jamais reconheceu os legítimos direitos à existência de Israel, tendo inclusive planejado uma vingança e executado o assassinato de Sadat em praça pública durante parada militar, em 1981".
Apesar disso, o Egito continuou cumprindo fielmente todos os itens do acordo original. Em troca recebeu o Sinai de volta, áreas petrolíferas e ganhou um parceiro estratégico e comercial de relevância.
O que mais importa para Israel é a tranquilidade de mais de três décadas na fronteira com o maior e mais poderoso pais árabe do mundo.
Em consequência desse relacionamento, egípcios visitam Israel desde 1979, enquanto os israelenses "invadem" a maravilhosa cidade balneária de Sharm al Sheik - local onde Hosni Mubarak tem uma casa e onde deseja terminar seus dias -, além de intenso comércio bilateral.
As duas embaixadas ainda funcionam normalmente. O entendimento do governo israelense é de que, se o Egito cair nas mãos do fundamentalismo islâmico liderado pela Irmandade Muçulmana, como aconteceu com o Irã após a queda do Xá e o advento dos Aiatolás, todo o mundo árabe, aliado do Ocidente, estará em gravíssimo risco de ebulição.
O Hamas em Gaza recebe apoio da Irmandade e qualquer ascensão deste grupo ao governo do Egito significaria uma grave derrota para os palestinos do Fatah na Cisjordânia, e um profundo golpe na liderança de Mahmoud Abbas, que, juntamente com Ehud Olmert, primeiro-ministro de Israel, desenhou uma proposta de paz em 2008 que é o único plano existente com a possibilidade de ser retomado para discussões.
FONTE: O GLOBO