terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Luiz Sergio Henriques

O que tem maior interesse é contribuir para apetrechar as forças políticas e culturais que se voltam para a modernização dos costumes e da vida civil, tornando-as mais capazes de escapar das armadilhas da guerra entre culturas, esta mesma que acaba de se insinuar na cena brasileira e por certo reaparecerá mais adiante. Paradoxalmente, o caminho mais promissor parece consistir em revalorizar o papel das próprias religiões e os elementos insubstituíveis que trazem para a convivência de todos, ao escutarem de modo muito particular os humilhados e ofendidos, os que foram postos à margem das promessas do moderno.

Sem que ninguém abra mão das próprias convicções, como nos propõe o último Habermas, cidadãos religiosos e não religiosos podem majoritariamente adotar uma estratégia autorreflexiva que ilumine especialmente os limites das respectivas tradições. E, sem deixar de ser laico e secularizado - um traço que cabe a todos preservar -, o Estado constitucional pode ser, entre nós, a moldura de um multifacetado debate público que nos poupe dos argumentos muitas vezes pouco razoáveis que têm paralisado e dividido outras sociedades em campos irredutíveis.

(HENRIQUES, Luiz Sergio. Além das guerras de cultura. O Estado de S. Paulo, 26/12/2010.)

Não, obrigada:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Não faz sentido agradecer a um governante pelo respeito às regras democráticas. É obrigação. Portanto, não estou entre os que exaltam o presidente Lula pelo fato de ele não ter tentado permanecer. Até ele vê assim. "Se você pede o terceiro mandato, quer o quarto, se pode pedir o quarto e por que não o quinto? Aí você está criando uma ditadurazinha", disse ontem Lula aos jornalistas.

Houve artigos nesses dias de balanço que ressaltaram, como um dos grandes méritos do presidente Lula, o de ter respeitado as regras democráticas e de não ter pleiteado um terceiro mandato. Como se tivesse dependido unicamente de sua vontade. Teria que ser feita uma emenda à constituição e isso, certamente, detonaria uma reação forte da sociedade.

O Brasil não é a Venezuela. Passamos por caminhos diferentes. Com todos os defeitos que tem o sistema político brasileiro, a democracia aqui foi uma dolorosa conquista. Minha convicção é que mesmo sendo um governante popular, ao fim do mandato, Lula poderia ter sido derrotado em sua tentativa de mais um mandato.

Uma reeleição é comum em inúmeras democracias, um terceiro mandato já é um continuísmo intolerável. O presidente Hugo Chávez manipulou as instituições e minou a democracia, por isso tem conseguido a reeleição perpétua, a "ditadurazinha".

Outro mérito de Lula teria sido o de ter mantido a política econômica do governo anterior. Foi de fato importante: para o país, para a estabilidade econômica, mas principalmente para ele mesmo. Dificilmente Lula teria conseguido mais um mandato em 2006 se a inflação tivesse voltado a subir. Se o escândalo do Mensalão tivesse encontrado o país com patamares altos de inflação, certamente a história teria sido outra.

As tentativas de confundir o que foi o caso de corrupção foram tantas, que é preciso lembrar. O Mensalão não foi o único escândalo no governo do partido que, durante 20 anos, se apresentou como sendo o guardião da ética na política, mas sem dúvida foi o pior. A corrupção foi confirmada na CPI, na investigação do Ministério Público, no voto do ministro Joaquim Barbosa e na aceitação do voto pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Dinheiro sem origem comprovada era distribuído a deputados da base governamental, num esquema alimentado por um publicitário que prestava serviços ao governo, e o denunciante foi um deputado da base parlamentar. Até o publicitário da campanha de Lula em 2002, Duda Mendonça, admitiu no Congresso ter recebido em dinheiro vivo ou em contas no exterior. Lula se debate contra os fatos mudando as versões há cinco anos. Primeiro, disse que foi um fato banal. Depois, se disse traído. Distanciou-se do PT. Mais recentemente, alegou que foi uma tentativa de golpe da oposição, e depois, que foi um caso de erro da imprensa como o da Escola Base.

A verdade é que foi um caso espantosamente grave de corrupção. Se ele tivesse explodido no meio de uma economia desorganizada pela volta da inflação, certamente, Lula não teria tido condições políticas de conquistar mais um mandato.

Não ter apoiado emenda constitucional por mais um mandato presidencial fortalece a sua biografia, mas ao mesmo tempo foi o que o permitiu eleger sua sucessora, e agora estar pensando em voltar em 2014, ou reeleger Dilma. Com um ou outro será a realização de um projeto de poder de 16 anos, dentro das regras democráticas. Muito cedo para pensar em 2014, mas até agora, o PT já colocou dois candidatos. O secretário Gilberto Carvalho falou no próprio Lula, e o Lula falou em reeleição de Dilma. Provavelmente, um projeto de trieleição teria provocado convulsão no Parlamento e reação da sociedade. É fazer pouco do Brasil e da sua consciência democrática agradecer a Lula por não ter sido o Chávez. Estou convencida de que o Brasil não aceitaria ter um Chávez, nem na política, nem na economia.

A Venezuela está encerrando o segundo ano recessivo, e a expectativa dos empresários, numa pesquisa feita recentemente, é de um crescimento de menos de meio por cento em 2011 e de uma inflação de 35%. Chávez perdeu a eleição, mas ficou com uma maioria no Congresso pela mudança de regras de contagens de votos que introduziu. No entanto, não terá no ano que vem o número de votos necessário para mudanças constitucionais. Seu último golpe foi o de aproveitar as enchentes e pedir ao congresso moribundo o direito de governar por decreto.

O Brasil não aceitaria uma situação assim, não por ser superior à Venezuela, mas por ter tido uma história diferente. Enquanto as elites dos velhos AD e Copei desmoralizavam a democracia representativa com eleições diretas fajutas, os brasileiros lutavam contra a ditadura escancarada no Brasil. Na economia, o Brasil foi profundamente marcado pela luta contra a hiperinflação. Um presidente - ou uma presidente - que deixar a inflação subir pagará um alto preço em queda de popularidade.

A alternância de poder e a manutenção da estabilidade foram boas para o país, e boas para o grupo que está no poder. Não foram concessões de Lula. Foram as escolhas certas. Lula não colheria os louros que colhe hoje se tivesse escolhido outros caminhos na economia e na política.

O pior dia da vida da Malu:: Eliane Cantanhêde

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Lula voltou a falar ontem que o pior dia do governo foi quando o avião da TAM explodiu em Congonhas, e peço licença para citar trechos da mensagem que uma das viúvas enviou ao presidente em novembro, depois que ele reclamou das críticas da imprensa naquela época e exclamou: "Nunca vi tanta leviandade!".

"Falar em leviandade, Excelência, entendo que tenho muito mais direito de falar.

Leviandade por leviandade, foi a tragédia anunciada durante o caos aéreo instalado de forma gritante (...) no período que antecedeu aquele fatídico 17/07/07. Não se tomou nenhuma providência efetiva e competente por parte do governo para que hoje eu e minha família, juntamente com as demais 198, fôssemos poupadas deste sofrimento terrível e infindável.A qual "jurisdição" estão subordinadas a Anac e a Infraero? Que eu saiba ao Ministério da Defesa. Então ao governo...

Leviandade por leviandade, foi o senhor Marco Aurélio Garcia, numa atitude leviana e afrontosa, enviar-me aquele gesto obsceno pela imprensa (...). Leviano por excelência! Expert em leviandade ! Afronta!

Leviandade por leviandade, foi a então ministra do Turismo, senhora Marta Suplicy, ter encontrado a solução mágica para o caos aéreo com a célebre, inesquecível e indecorosa frase: "Relaxa e goza". Outra leviandade! Outra afronta!

Leviandade por leviandade, foi o presidente do meu país (...) não ter vindo a São Paulo naquele triste dia prestar solidariedade a todos nós, cidadãos brasileiros e familiares das vítimas, fazendo-o só 72 horas após a tragédia. Protocolar.

Quanto à afirmação de V.Exa. na matéria em tela: "O dia em que mais sofri foi no acidente do avião da TAM em Congonhas", quero dizer que, graças a Deus, V.Exa. sofreu, enquanto eu e minha família sofreremos até a eternidade.

Cordialmente, Malu Gualberto, viúva de Antonio Gualberto Filho."

O jogo de risco da presidente eleita:: Raymundo Costa

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Fechado o ministério, pode-se afirmar que Dilma Rousseff levou ao limite a parceria com o Congresso na formação do novo governo. A presidente que toma posse no sábado inovou ao deixar que bancadas partidárias escolhessem livremente seus representantes no gabinete, como nunca antes, talvez, na história deste país. O normal, até bem pouco tempo, era o presidente escolher o ministro e pedir para os líderes partidários viabilizarem politicamente a indicação.

Exemplo de livre escolha da bancada é o deputado Pedro Novais (PMDB-MA), um ilustre desconhecido indicado pelo PMDB na Câmara para o Ministério do Turismo, com o aval da família Sarney. Na mão inversa, Dilma Rousseff engoliu em seco a recondução de Orlando Silva para o Ministério do Esporte, pois o PCdoB não aceitou sua sugestão para a indicação uma mulher.

O governo Lula flexibilizou o relacionamento com os partidos, no pós-mensalão, mas os dirigentes do PMDB não se lembram de caso em que ministro tenha sido eleito pela bancada, caso do supracitado Pedro Novais, ou por abaixo-assinado de parlamentares, como foi a indicação (aceita) do deputado Mário Negromonte (BA), líder do PP, para o Ministério das Cidades (as listas de "apoiamento" são rotineiras, mas não decisivas nas escolhas).

A inovação tem dois efeitos, ambos nocivos para a presidente de um governo que se inicia. O primeiro é que o ministro é da bancada e não da presidente. O segundo é que leva para as negociações maiores a chantagem comum ao varejo político da Câmara dos Deputados.

Pode-se dizer que a presidente, ao aceitar a imposição das bancadas, fica à vontade para exigir a contrapartida dos partidos nas votações, inclusive do PT. Um argumento duvidoso, quando se sabe que o presidente do PP, Francisco Dornelles, levou a Dilma o nome de Negromonte, escolhido pela bancada, mas preferia a manutenção do ministro Márcio Fortes em Cidades.

Outro risco embutido na inovação da presidente eleita: o índice de renovação da Câmara foi de cerca de 50% (46%, para ser mais preciso). Isso quer dizer que cerca de metade da Câmara que assume em 1º de fevereiro não participou da eleição ou integrou as listas de abaixo-assinado. Ou seja, ela só poderá cobrar recíproca dos 50% que trabalharam pelo nome indicado, considerando-se que os indicados receberam o apoio de todos os aliados, o que certamente não é o caso.

A troca de guarda em Brasília, nas eleições de 2002, provocou mudanças em hábitos e rituais da política, entre as quais o estilo Dilma de negociar e compor o ministério é apenas uma das novidade mais recentes. Ela também inovou na liturgia da anunciação. Os nomes escolhidos, em geral, foram divulgados por meio de uma fria nota emitida pelo gabinete de transição.

A exceção foi a apresentação formal da equipe econômica, cujo objetivo evidente era apresentar Alexandre Tombini, o nome escolhido para presidir o Banco Central (BC) e acalmar um mercado que vive à procura de um pretexto para ficar nervoso. Ainda assim, uma nota havia confirmado a manutenção de Guido Mantega no cargo de ministro da Fazenda.

Alguns tabus da política caíram nos anos Lula da Silva, mas nem sempre por responsabilidade do PT. A regra não escrita segundo a qual ex-presidente deve se abster de falar de política, por exemplo, foi quebrada sem meio termo por Fernando Henrique Cardoso, mas em nenhum momento as instituições estiveram ameaçadas pelo senso de humor ferino do ex-presidente da República. A troca de estocadas entre o ex tucano e o futuro ex petista, no máximo, feriram a vaidade de um e de outro. Lula não consegue ser coerente: ora diz que vai se manter ao largo dos assuntos de Estado, ora que ficará vigilante e que vai dar palpites sobre aquilo que achar errado no governo.

Essa é uma das grandes incógnitas do futuro imediato: o papel de Lula no governo do qual foi o principal fiador na eleição. Trata-se de uma situação inédita na política brasileira. Lula, um presidente que deixou o cargo com a popularidade nas alturas, é o maior responsável por tirar Dilma do anonimato para a chefia da Nação. Pode ajudar, mas também atrapalhar, se não calcular e refletir detidamente sobre seus movimentos a partir de janeiro.

Basta lembrar o constrangimento de Guido Mantega ao anunciar cortes no Orçamento de 2011, inclusive em obras do PAC, e ser repreendido por Lula, afinal de contas seu chefe até a meia-noite de sexta-feira, 31. Guido falara após uma longa conversa com a presidente eleita na Granja do Torto. Emparedado por Lula, que ameaçou vetar cortes no PAC, o ministro divulgou nota que só deu contornos mais nítidos ao absurdo da situação.

"O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem razão quando diz que o objetivo dos cortes no custeio "é aumentar investimento em infraestrutura"", dizia a nota.

Em relação ao PAC, o ministro de Lula esclareceu que a prioridade "é terminar os [projetos] que já estão em andamento, que levam um ano ou dois para terminar". Já o ministro de Dilma arrematou dizendo que novos projetos, previstos para 2011, começarão mais lentamente: "Uma questão de ritmo", disfarçou. Mais tarde, em cerimônia no Palácio do Planalto, Lula acabou por dizer que, no final das contas, Guido é quem sabia das coisas. Arrancou sorrisos cúmplices da plateia. Dilma ficou calada.

A presidente também ficou em silêncio sobre os escândalos que alcançaram o já citado Novais e a senadora Ideli Salvatti (SC), ex-líder do PT e do governo, indicada para o Ministério da Pesca e Aquicultura. Os dois foram pilhados usando indevidamente dinheiro do contribuinte - Novais cobrou da Câmara a conta de um motel em São Luís (MA); Salvatti recebeu do Senado a indenização de uma conta de hotel, em Brasília, embora já receba da Casa o auxílio-moradia.

Nada disso foi motivo bastante para a presidente eleita rever a decisão de nomear os dois congressistas, mesmo com os dois congressistas reconhecendo o erro. O governo Dilma nem começou e já é a cara do governo Lula. Nem tanto pela manutenção de grande parte da equipe que acompanhou o presidente nesses oito anos de mandato, mas pela tolerância excessiva em assuntos como a ética na política. Espera-se que não vire padrão.


Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

O axioma do general e os méritos de cada um:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Naquela franja em que, na História do Brasil, os costumes políticos ainda não têm status oficial, destaca-se por conta própria o axioma de autoria do general Golbery do Couto e Silva, pelo qual o presidencialismo se faz sentir em sua plenitude quando, na cerimônia de posse, o presidente eleito chega ao alto na rampa de acesso ao Palácio do Planalto e, de uma vez por todas, se convence de que chegou ali pelos próprios méritos. O resto vira cinza. É o momento culminante do presidencialismo virtual e, dalí por diante, a fonte do poder intransferível.

Durante a passagem pela tropa formada, sob colorido histórico, prevalece o efeito gradual da rampa sobre a primeira pessoa do singular em nome do espírito republicano: é a sensação definitiva de poder. Ao alcançar o alto da rampa, o presidente estará só e, ao seu lado, apenas a própria sombra. É o momento definitivo da metamorfose que se processa a partir das urnas. Daí por diante não resistirá mais ao efeito inebriante do poder que lhe proporciona a certeza de que deve apenas aos próprios méritos ter chegado até ali. É impessoal e transcendental a vertigem, pois a rampa termina onde começa realmente a história de cada um. A rampa do Palácio do Planalto é mais do que o símbolo de uma cerimônia cívica. O carisma transcende a circunstância do próprio mandato. É a tomada de consciência e, se em algum momento a fé faltar, uma voz lhe lembrará que está ali pelos seus próprios méritos.

Ao passar pela tropa formada, o axioma do general Golbery, como ocorre a qualquer verdade que dispensa a necessidade de ser demonstrada, vai sussurrando que o presidente eleito já está sob os efeitos do poder auferido no sentido ascendente. Por se tratar de verdade intuitiva, que dispensa explicações, só não está imune de ser entendida também, desde que as aparências autorizem, como resíduo de fundo napoleônico.

Antes de trazer Bonaparte à cena, não custa lembrar que, ao passar por sua vez à condição de ex, o presidente que sai não é prevenido dos sintomas relativos ao dogma de Golbery, na descida da rampa. Mas tem muito a ver com depressão incurável a que se expõem os que se retiram, à medida que ficam para trás e, queiram ou não, acabam nivelados por baixo depois de viver os dois lados do ritual.

No caso de Luiz Inácio Lula d Silva, com todo o respeito, ao botar o pé na categoria de ex, já terá descido espiritualmente, aos trambolhões, a rampa que galgou inebriado. Mas não há como sair de cena como se fosse apenas o contrário do que entrar. Está num país de pernas para o ar, no bom sentido com que se trata, graças às pompas de quem não foi poupado de ser alertado, de um jeito ou de outro, que um dia desceria a rampa do Planalto.

Um cidadão anônimo, que a história reserva para tais momentos, bem poderia se incumbir de compensar junto a Lula os efeitos equivalentes à descida da rampa contando-lhe o episódio em que emissários de Napoleão Bonaparte foram credenciados para a missão de convencer sua mãe a se abalar da vida rural na Sicília para assistir à coroação do seu filho como imperador da França, quando tomaria das mãos do Papa, de corpo presente, a coroa imperial para não ficar devendo à igreja a sua sagração, e a botaria na própria cabeça. Foi o equivalente ao axioma de Golbery, com antecedência suficiente para não gerar polêmica ociosa.

Conta a História que dona Letícia Remorino, cuja descon fiança em relação ao poder era congênita, cedeu ao pedido do filho e se dispôs à longa viagem em que fazia ouvir, como advertência e ressalva, sua ladaínha – “contanto que dure” ( “Pourvu que çá dure”, no francês que ela pronunciava com forte sotaque italiano). E, realmente, não passou de uma década. Por aí se esvai a glória do mundo.

Poeira do tempo :: Xico Graziano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Está chegando o ano-novo. Dizem que o tempo passa rápido. É verdade. Por ser curta a existência, ele voa na cabeça das pessoas. Na agenda da Terra, porém, funciona outra escala. Milenar.

Basta saber que os fósseis mais antigos de animais vertebrados datam de 530 milhões de anos. Três extinções em massa das espécies ocorreram, quase aniquilando a vida na Terra, até surgirem os primeiros dinossauros, há 230 milhões de anos. Esses bichões encouraçados dominaram o planeta, mas acabaram extintos, possivelmente por causa do impacto de um asteroide. Começou, em seguida, há 65 milhões de anos, a era dos mamíferos.

Façam as contas: o Homo sapiens surgiu há, apenas, 190 mil anos! Com o fim da última era glacial brotou a agricultura, permitindo ao sedentarismo humano substituir o nomadismo tribal. Somente então os povos assumiram, verdadeiramente, as rédeas de sua sobrevivência. A História, portanto, no sentido de ser a narrativa documentada da humanidade, mal ultrapassa 10 mil anos.

Na régua planetária, ou seja, na evolução do mundo, um ano ou mesmo décadas contam pouca coisa. Os processos de mudança na natureza são longos, em geral imperceptíveis aos seres humanos, que tendem a raciocinar com a mente impregnada pelas lembranças do passado recente. Demora a assentar a poeira do tempo.

"A História me absolverá", discursou o jovem Fidel Castro, defendendo-se contra a tirania de Fulgêncio Batista, naquela Cuba de 1953. Acreditava o líder revolucionário que seu julgamento no tribunal seria modificado com o passar dos anos. Estava certo. Em 1959, juntamente com Che Guevara, ele tomou o poder na ilha e virou herói. Mas a democracia que defendeu com tanto ardor cedeu lugar à ditadura cubana, que até hoje persiste. Paradoxo.

É complexa e tortuosa a História humana. Já os assuntos da natureza seguem leis biológicas e físico-químicas mais precisas, conhecidas pela ciência. Mesmo assim, sempre pairam dúvidas. Meu avô Zé Baptistella afirmava que a cada década vivida ele percebia uma demora na chegada das chuvas, obrigando os agricultores a atrasarem a semeadura do milho. Será verdade?!

Cresce a previsibilidade dos modelos utilizados na agenda recente das mudanças do clima. Sim, incertezas ainda persistem, afinal, somente nas últimas duas décadas os cientistas andaram descobrindo o complexo fenômeno do aquecimento global. Mas que ninguém duvide: o clima na Terra, desde a sua origem, muda constantemente, e nós estamos sofrendo esse processo. A civilização humana parece sempre estar despreparada para enfrentá-lo.

Vejam só: o derretimento das geleiras ocasionará uma subida no nível dos oceanos. As cidades litorâneas serão fortemente afetadas até o final deste século. Milhões de pessoas terão de se mudar, prédios enormes ruirão. Não se trata de "terrorismo ecológico". Você sabia que há 20 mil anos, período nem tão distante assim, os oceanos estavam 130 metros abaixo de hoje?

Visão de longo prazo não é comum na sociedade. Líderes sábios ou governos visionários são raros. Os desafios, as angústias e as mesquinharias do cotidiano turvam o olhar para a frente, impedindo os grupos sociais e políticos de tomarem decisões arrojadas no presente, necessárias para assegurar o futuro. Estratégias de longo prazo curvam-se ao imediatismo das pessoas. Olho no umbigo.

O passado está cheio de exemplos mostrando que certas civilizações sucumbiram, enquanto outras prosperaram, dependendo das decisões desastrosas, ou virtuosas, tomadas pela sociedade da época. Idiossincrasias das lideranças, entorpecimento religioso, jogo do poder, vários motivos podem causar dificuldades para identificar e resolver, na ocasião correta, os sérios problemas causados pelo crescimento humano ante seus hábitats.

Pegue-se o caso da civilização maia. Seu colapso, ocorrido há mais de um milênio, ilustra, tristemente, a tragédia do tempo perdido. Os povos maias iniciaram seu período clássico por volta de 250 d. C., atingindo o auge em 500 anos. Depois, declinaram. Estima-se em 5 milhões de pessoas a população maia em seu apogeu. Na chegada dos espanhóis havia apenas 30 mil almas remanescentes.

A antiga sociedade brilhou em vasta extensão entre a Guatemala e o México, sendo composta por vários reinos e cidades-sede. Sua agricultura, preponderantemente o cultivo de milho e feijão, era itinerante e totalmente manual. A razão básica de sua derrocada se assenta na insuportável agressão ambiental causada pelo desmatamento contínuo do território, caracterizado por solos frágeis e acentuada deficiência hídrica. Crescia a população, caía a produtividade da terra, reduzindo a segurança alimentar. Insustentável.

A gigantesca ameaça parecia distante para reis e nobres, que enriqueciam, guerreavam e erguiam suntuosos templos na disputa de sua grandeza. Suas luxúrias os impediram de ver o desastre secular se aproximando. Três secas pronunciadas colocaram a pá de cal na civilização maia.

Sob o patrocínio da ONU, a crise ambiental planetária acaba de ser discutida em Cancún, no mesmo país que conheceu a falência pré-colombiana. Não sei se eles ligaram uma coisa à outra. Mas tem tudo que ver. Os maias, incapazes de prever seu trágico futuro, foram imprevidentes na relação com a natureza. Ao destruí-la, eliminaram-se a si próprios.

"O passado é uma lição para o presente", escreve Jared Diamond em seu magnífico livro Colapso. Hoje, a sociedade globalizada enfrenta seu maior desafio ambiental sem conseguir imaginar como estará, sequer, em 2100. Um século passa rápido. E poderá ser decisivo para o futuro da civilização humana.

Bom ano-novo!

Agrônomo, foi Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

O mundo finito :: Paul Krugman

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Os mercados de commodities estão nos dizendo que vivemos num mundo no qual o crescimento rápido dos emergentes exerce pressão sobre os suprimentos

O petróleo voltou a ficar acima de US$ 90 o barril. O cobre e o algodão atingiram preços recordes. O trigo e o milho estão subindo. Em geral, os preços das commodities mundiais subiram 25% nos últimos seis meses.

O que significa essa alta? Será a especulação tresloucada? Será o resultado de uma criação excessiva de dinheiro, o prenúncio de uma inflação descontrolada dobrando a esquina? Não e não.

O que os mercados de commodities estão nos dizendo é que vivemos num mundo finito no qual o crescimento rápido de economias emergentes está exercendo pressão sobre os suprimentos limitados de matérias-primas, empurrando os preços para cima.

Alguns antecedentes: a última vez em que o preço do petróleo e de outras commodities esteve alto assim, há dois anos e meio, muitos comentaristas relativizaram a alta acelerada dos preços como uma aberração causada por especuladores. Se consideraram justificados quando os preços despencaram no segundo semestre de 2008.

Mas aquele colapso coincidiu com uma severa recessão global, que provocou uma forte queda na demanda por matérias-primas. O grande teste viria quando a economia mundial se recuperasse. As matérias-primas ficariam novamente caras? Bom, as coisas ainda estão um tanto recessivas nos EUA, mas, graças aos países em desenvolvimento, a produção industrial mundial recentemente superou o pico anterior - e, evidentemente, os preços das commodities estão subindo de novo.

Isso não significa necessariamente que a especulação não teve nenhum papel em 2007-08. Nem devemos rejeitar tampouco a ideia de que a especulação jogue algum papel nos preços atuais. Mas o fato de a recuperação econômica mundial ter trazido também uma recuperação nos preços das commodities sugere que as flutuações recentes refletem, sobretudo, fatores fundamentais.

E quanto à questão de os preços das commodities serem um prenúncio de inflação? Muitos comentaristas de direita vinham prevendo há anos que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano), ao imprimir montes de dinheiro - ele não está fazendo isso atualmente, mas essa é a acusação - está nos levando a uma severa inflação.

O leitor deve estar se perguntando o que essas pessoas pensavam há dois anos, quando os preços das matérias-primas despencaram. Se o aumento do preço das commodities dos últimos seis meses prenuncia uma inflação descontrolada, por que a queda de 50% no segundo semestre de 2008 não prenunciou uma deflação descontrolada?

Inconsistência à parte, porém, o problema dos que culpam o Fed pela alta dos preços das commodities é que eles sofrem ilusões de grandeza econômica americana. Os preços das commodities são estabelecidos globalmente. O que os EUA fazem não pesa tanto assim.

Hoje, em particular, como em 2007-08, a principal força motriz por trás do aumento dos preços das commodities não é a demanda americana. É a demanda da China e de outros emergentes. Conforme um número crescente de pessoas de países anteriormente pobres entra na classe média, começam a guiar carros e comer carne, exercendo pressão sobre os suprimentos.

E esses suprimentos não estão acompanhando o ritmo da demanda. No ano passado, condições climáticas extremas - em especial o calor intenso e as secas severas em algumas regiões agrícolas importantes - jogaram um papel importante no aumento dos preços dos alimentos. E, sim, há razão para acreditar que a mudança climática está tornando esses episódios climáticos mais comuns.

Então, quais são as implicações do recente aumento dos preços das commodities? São, como eu disse, sinal de que vivemos num mundo finito. Isso não dará fim ao crescimento nem levará a um colapso estilo Mad Max. Requererá, antes, que mudemos gradualmente a maneira como vivemos, adaptando nossa economia e nossos estilos de vida à realidade de recursos naturais mais caros. / Tradução de Celso M. Paciornik

Prêmio Nobel de economia

O tripé em questão:: Amir Khair

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Interessante a importância atribuída ao tripé: meta de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante. Ele é considerado a base para o sucesso da política econômica. O governo Lula foi elogiado por ter mantido o tripé, criado em 1999. Dilma prometeu mantê-lo.

Vale a pena analisar cada um dos componentes e verificar se eles concorrem para garantir uma evolução rumo ao crescimento econômico.

Meta de inflação. É inegável sua importância como compromisso do governo para sinalizar aos agentes econômicos o nível de inflação perseguido para um período suficientemente longo para auxiliar no planejamento econômico e financeiro das empresas e das pessoas. O que está em questão é: a) a quem cabe a responsabilidade pela sua obtenção; b) qual indicador de inflação usar; c) que instituições devem ser consultadas sobre previsões de inflação; d) quem deve decidir a Selic; e e) qual a flexibilidade permitida no tempo e no afastamento do centro da meta.

Responsabilidade pela inflação. Sempre coube ao Banco Central (BC) a responsabilidade para a obtenção da meta. Se há expansão das despesas do governo, a resposta do BC tem sido, até a recente decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), elevar a Selic para conter a demanda originada da expansão fiscal. O fato é que uma elevação de 0,5 ponto porcentual na Selic causa uma expansão fiscal de 0,2% do PIB. Se a Selic fosse do nível internacional, essa expansão seria desprezível.

Caso a responsabilidade seja do CMN, é possível conjugar as políticas monetária, fiscal e de desenvolvimento de forma integrada usando instrumentos mais amplos e de efeito mais rápido para o controle inflacionário.

É ao que parece a nova orientação da equipe econômica. A partir do dia 6, o CMN elevou a alíquota do depósito compulsório sobre depósitos à vista de 8% para 12% e dos depósitos a prazo de 15% para 20%. Com isso, o governo está retirando R$ 61 bilhões da economia - recursos que não poderão ser mais utilizados pelos bancos para empréstimos.

Além de subir o depósito compulsório, o CMN exige que os bancos devam ter mais capital caso desejem fazer empréstimos para as pessoas físicas com prazos superiores a 24 meses e, no caso do crédito consignado, com prazo acima de 36 meses. Na prática, isso gerou um aumento dos juros para os consumidores que desejem empréstimos com prazos mais dilatados.

Essas medidas demonstram nova orientação para o controle da demanda do que o uso desgastado e ineficaz da taxa Selic.

Núcleo da inflação. O IPCA está sujeito a fatores temporários ou casuais, que não permitem aferir a real inflação consistente com o comportamento de toda a economia. Assim, parece de bom senso que o controle inflacionário se baseie no núcleo do IPCA, que expurga as variações de preços sazonais e circunstanciais. É o que fazem boa parte dos bancos centrais.

Ao mercado financeiro interessa a Selic mais alta possível e a ameaça da inflação é o pretexto usado para isso. A resolução do CMN poderá frustrar a estratégia do mercado financeiro de pressionar o Banco Central.

Como o BC afirma que a alteração da Selic leva nove (!) meses para surtir efeito sobre a inflação, e tantos fatores ocorrem nesse período, fica evidenciado o interesse do mercado financeiro pelo lucro e não pela ameaça da inflação.

Consulta. Parece que sempre houve uma relação simbiótica entre o BC e os bancos. O BC, para aferir as previsões de inflação e da Selic usa, como uma de suas fontes principais, o boletim Focus proveniente de cem instituições financeiras, que antecipa qual será a Selic a ser decidida. O Focus acerta quase 100%, pois antes da reunião do Copom, o BC se reúne com os bancos para a "troca" de informações sobre inflação e Selic. Presidentes e diretores do BC em geral vêm e retornam ao mercado financeiro em seus empregos. Quando se fala de autonomia do BC, talvez se deva falar principalmente de autonomia em relação ao mercado financeiro. Nesse caso a consulta deve ser ampla e, preferencialmente, fora do mercado financeiro, que tem interesse pela elevação da Selic.

Decisão. É generalizada a crítica sobre quem deve participar das decisões do Copom, formado por diretores do BC, a maioria exercendo funções nem sempre relacionadas ao processo inflacionário. Isso traz o risco de que dois ou três mais bem preparados por causa de suas funções conduzam o processo decisório.

Flexibilidade. Quanto à flexibilidade para controlar e corrigir rumos da inflação, é oportuno calibrar a meta para 12 e 24 meses à frente em vez de anual e dois pontos porcentuais de folga para cima e para baixo da meta.

Responsabilidade fiscal. O regime atual de aferição das contas públicas se baseia no resultado primário (receitas menos despesas exclusive juros). É o único país a usá-lo. Todos usam o resultado nominal que consideram os juros como despesa como determina a lei n.º 4.320 de 17/03/64. Para exemplificar: em 2005, o superávit primário foi de 3,9% do PIB, o melhor da série histórica pós Plano Real, e o déficit nominal foi de 3,2% do PIB. Em 2009, o superávit primário foi de 2,1% do PIB, o pior desde 1999, mas o déficit nominal foi o mesmo de 2005. Isso porque caíram as despesas com juros. Ao mercado financeiro, acostumado a trabalhar com as taxas de juros mais altas do mundo, interessa esconder as despesas com juros, por isso falam só em resultado primário. É como se não existissem juros. Nos últimos doze meses, atingiram R$ 187 bilhões ou 5,4% do PIB!

Agora o governo vai passar a ter como meta fiscal o resultado nominal, que considera o impacto da política monetária sobre as contas públicas. Outra questão importante é a dívida. Até agora, se usou a dívida líquida. A capitalização do BNDES e o crescimento das reservas não alteram a dívida líquida, mas elevam a dívida bruta e é sobre ela que incide a Selic. Assim, é danosa às finanças públicas a elevação da dívida bruta. Operações como as do BNDES podem ou não trazer retornos ao Tesouro Nacional que compensem o diferencial de juros entre a Selic e a TJLP, mas a elevação das reservas atenta contra a responsabilidade fiscal. O carregamento das reservas elevará neste ano as despesas do governo em mais de R$ 50 bilhões ou 1,5% do PIB. É a maior expansão fiscal do setor público e criada pelo próprio BC (!) e eleva a relação dívida/PIB por causa da maior despesa com juros.

A atenção à responsabilidade fiscal deveria ser deslocada do superávit primário para o resultado nominal e da dívida líquida para a bruta, com destaque para a Selic e para a elevação das reservas internacionais, que são os principais determinantes dos resultados fiscais e da expansão das despesas do governo.

Câmbio flutuante. Com o advento da guerra cambial e o despejo crescente de dólares nos mercados emergentes, a política de câmbio flutuante deixou de cumprir sua função. Em reação à política americana de elevação da liquidez internacional, dos juros reais negativos dos países desenvolvidos e da política agressiva chinesa de penetrar seus produtos em todos os países, só restou aos emergentes a adoção de políticas defensivas de caráter comercial e financeiro. O protecionismo à penetração de produtos estrangeiros e a tributação na entrada de dólares assumiram o papel antes desempenhado pelo câmbio flutuante. Com a liberdade de fluxos de capital, a taxa de câmbio depende mais do capital especulativo internacional do que dos fluxos de comércio.

Embora se fale de que o câmbio é flutuante, na realidade já faz tempo que passou a um regime mais próximo do câmbio administrado. Caso contrário, a desindustrialização se torna impossível de evitar.

Outras políticas. A política econômica não pode se restringir ao tripé. Outras devem merecer especial atenção. Entre elas as que condicionam o crescimento econômico e social e o custo Brasil. O que limita esse desenvolvimento é a má distribuição de renda e o que eleva os custos das empresas são os gargalos de logística e de infraestrutura, a elevada carga tributária e juros e o cipoal burocrático. Para enfrentar esses problemas são necessárias outras políticas.

A principal é a distribuição de renda, que compete ao governo. Para isso, deve incrementar os recursos e a gestão de políticas públicas para reduzir o déficit social. Esses recursos são constituídos, em sua maioria, por despesas de custeio (recursos humanos e materiais). Assim, reduções de despesas pela racionalização e/ou eliminação e de juros deverão ser usadas para melhorar educação, saúde, segurança e infraestrutura. É o que se espera de uma boa gestão fiscal. O tripé precisa evoluir para se adaptar a políticas eficazes de desenvolvimento econômico e social.

P.S. Saio de férias e volto em 30 de janeiro. Bom ano novo a todos.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

Lula: 'Acordo não pode ser só para ganhar mais'

DEU EM O GLOBO

Lula descarta aumento maior do mínimo, diz que piso será de R$540 e critica sindicalistas

Chico de Gois e Luiza Damé

Embora mantenha no ar a possibilidade de voltar a se candidatar em 2014, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que vai trabalhar pela reeleição de Dilma Rousseff. Disse que esse é o caminho justo e legítimo, mas ressalvou que ainda é cedo para falar sobre a próxima eleição e que esse debate agora só interessa à oposição. Durante café da manhã com jornalistas que fazem a cobertura diária do Palácio do Planalto, Lula falou de vários assuntos. Disse que gostaria de voltar a ser amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, disse que o pior momento de seus dois mandatos foi o acidente com o avião da TAM, em 2007 - e não o escândalo do mensalão - e sustentou que o salário mínimo, hoje de R$510, será de R$540 e não R$580 como querem os sindicalistas.

Lula disse ainda que não tem mais idade para voltar a estudar e considera que já aprendeu muito na Presidência da República:

- Isto aqui é uma pós-graduação elevada à quinta potência.

Quando recebeu a faixa presidencial de Fernando Henrique, em 2003, Lula afirmou que seu antecessor deixava no cargo um amigo. Nos oito anos de mandato do petista, porém, a relação foi marcada por troca de farpas. Ao ser lembrado ontem do que dissera em 2003, afirmou:

- Do ponto de vista pessoal, a hora que eu encontrar o Fernando Henrique voltamos a ser, se não amigos como fomos em 1978, quando eu o procurei para apoiá-lo ao Senado, amigos.

Em quase uma hora e meia de conversa com os jornalistas, no Salão Leste do Planalto, o presidente manteve o bom humor. Tomou pelo menos três xícaras de café e comeu pão com manteiga - enquanto se servia lembrou, descontraído, que pediu ao Inmetro providências em relação às embalagens individuais de manteiga oferecidas nos aviões no Brasil, porque elas não tinham um ponto para abrir, como em outros países.

Ao final do café, Lula mudou o cerimonial e, em vez de tirar uma foto com os mais de 60 repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, como nos anos anteriores, pediu para o fotógrafo oficial, Ricardo Stuckert, fazer fotos individuais com cada um deles.

GOVERNO DILMA: "Estou altamente confiante de que Dilma montou um governo capaz de aprimorar as coisas que fizemos. Ela conhecia a totalidade do conjunto da obra que estava sendo feita. Para ela não tem novidade. Ela conhece todos, boa parte dos ministros que já trabalhava com ela. Ela vai ter uma vida mais facilitada do que tivemos em 2003, quando tudo era novidade: lidar com os ministros, com a imprensa, conhecer o Palácio."

SOLIDÃO: "Quando eu me refiro à solidão, me refiro aos finais de semana em que você não pode convidar as pessoas para irem na sua casa. Sou um ser humano de muitos amigos. Fiz uma opção predeterminada de ficar oito anos em Brasília. Eu não fui a nenhum restaurante, nenhum aniversário, nenhum casamento, nenhum batizado. Hoje, qualquer lugar que você vai tem gente com um celular filmando, gravando, bisbilhotando a vida da gente. Eu fiz uma opção e acho que foi correta porque coloca o cargo de presidente menos vulnerável nas rodas de cerveja e uísque."

DESENCARNAR: "Estou interessado em passar por um processo de desencarnação da Presidência. Se você deixa a Presidência e continua fazendo política logo em seguida vai estar sempre com a Presidência na cabeça. Isso não é correto, não é bom para mim nem para quem vai assumir. Vou passar um tempo sem dar palpite em política. Vou tentar voltar à normalidade."

SAUDADE: "Acho que vou sentir falta da relação de amizade que fiz aqui. Usei muito pouco a piscina (do Alvorada), tenho muito medo do helicóptero e por isso não vou sentir falta da piscina nem do helicóptero. Acho meu apartamentozinho em São Bernardo pequeno, mas é mais aconchegante que o Palácio (da Alvorada). Vou sentir falta, por incrível que pareça, de vocês. A gente sente falta das coisas com que a gente convive, não das coisas abstratas. Sentir falta não é correto. É sentir saudades. E a gente só sente saudades do que a gente gostou."

MEMORIAL: "Eu ainda não sei como, mas pretendo construir um memorial em que a história possa ser contada, e (com isso) dar às pessoas toda a possibilidade de analisar como quiserem. Você tem uma história de vida muito grande, uma história de militância política, de organização sindical, da fundação de um partido, da disputa de tantas eleições. Tudo isso resultou num material riquíssimo. O Lula não surgiu do nada. Ele é resultado de um movimento que começa com a rebelião dos estudantes nos anos 60, a rebelião dos sindicalistas nos anos 70, a criação de movimentos sociais espalhados por este Brasil afora, a Teologia da Libertação. Eu sou resultado de uma sociedade em processo de efervescência."

JOSÉ ALENCAR: "Duvido que no mundo alguém tenha encontrado um vice-presidente da magnitude que eu encontrei o José Alencar. (...) Estou pedindo a Deus que ele esteja bom e venha para a posse."

FERNANDO HENRIQUE: "Sou um homem que não leva para casa as divergências. O que vocês precisam entender é que os tucanos são os principais adversários do governo. É normal que haja um acirramento nas relações. Do ponto de vista pessoal, a hora em que eu encontrar o Fernando Henrique voltamos a ser, se não amigos como fomos em 1978 quando eu o procurei para apoiá-lo ao Senado, vamos ser amigos. Eu vou respeitá-lo e espero que a recíproca seja verdadeira. Obviamente que sempre haverá aquela chatice de ficar comparando os dois períodos. Mas aí são números, e, para a gente não ficar brigando com os números, é melhor a gente não divergir. Deixe que cada um analise como quiser."

ACIDENTE TAM: "A mágoa mais profunda que eu tenho foi o caso do acidente com o avião da TAM. Nós fomos condenados à forca e à prisão perpétua em 24 horas. Jogaram a culpa do acidente da TAM nas costas do governo e depois ninguém teve sequer a sensibilidade de pedir desculpas. Ali foi o momento mais difícil. Fazer o quê? Na vida da gente não acontece só coisa boa. Se tivesse de não lembrar, era desse dia. Foi o pior dia que passei na Presidência. Do ponto de vista pessoal foi pior, porque o outro (a crise do mensalão) era um problema político e, na política, os partidos é que tratem de resolver. Não esqueço nunca editorial que saiu jogando 200 cadáveres nas costas do governo."

CONTROLE DA MÍDIA: "Eu não defendo o controle da mídia, defendo a responsabilidade da mídia. A mídia brasileira precisa parar de achar que não pode ser criticada. Ela se dá ao luxo de criticar todo mundo, mas quando se critica a mídia ela acha que é censura. O dono do jornal ou da revista fazer a matéria que ele quer e contar a mentira que quer é liberdade de imprensa. Alguém criticar é censura? É preciso balizar isso aí. Duvido que você encontre um lugar em que a imprensa é tratada com a liberdade com que é tratada no Brasil."

MARCO REGULATÓRIO: "Não é possível que as pessoas que passam o tempo todo falando em modernidade, inovação, na hora que você fala "vamos fazer o marco regulatório" acham autoritarismo, que está querendo ter intromissão na liberdade de imprensa. Fazer um debate público, como o que fizemos, isso é liberdade de imprensa. Eu acredito numa liberdade de imprensa onde eu possa discordar. Espero que seja feito um debate onde todos participem e ninguém se sinta fora."

CRISE FINANCEIRA: "Tínhamos uma crise econômica em que o dinheiro desapareceu do mercado. Liberamos US$100 bilhões do compulsório para que os bancos pudessem comprar carteiras dos bancos menores. O que queríamos era facilitar o crédito. Foi por isso que houve uma intervenção forte da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES. Por isso voltamos à normalidade mais rápido do que os outros países. Se a Alemanha tivesse ou se a Grécia tivessem tomado as medidas com a rapidez que tomamos, não teria se aprofundado a crise europeia. Nesse aspecto, tem de valorizar muito o trabalho do ministro Guido Mantega (Fazenda) e do (Henrique) Meirelles (presidente do Banco Central)."

FACULDADE: "Eu não tenho mais idade para estudar. Eu queria mesmo era ser economista. Mas temo que tenho pouco mais a aprender do que aprendi na Presidência da República, porque isto aqui é uma pós-graduação elevada à quinta potência. Ou seja: aqui você tem de entender de um conjunto de coisas e tem de deliberar, por isso só pode um de cada vez. Não sei se tenho idade de fazer o Enem."

2014: "Em 2014, eu trabalho com a ideia fixa de que a companheira Dilma será outra vez candidata à Presidência da República. É justo e é legítimo que quem está no exercício do mandato e está fazendo um bom governo continue governando. Então a Dilma será a minha candidata em 2014. Só existe uma hipótese de a Dilma não ser candidata: ela não querer. Na minha opinião, é líquido e certo o direito de ela ser candidata à reeleição. E ela sabe disso. Portanto, acho que é muito cedo para a gente discutir 2014. Nós nem começamos 2011. Você nem deu posse e já está pensando em 2014. Isso interessa a quem quer correr contra a Dilma. Terá um monte de adversários querendo transformar 2014 na pauta de segunda-feira, e cabe a quem está no governo governar."

INFLAÇÃO: "Eu não posso mais dar palpite sobre economia. Inflação, 5,3%, estamos dentro da meta. Se a meta é 4,5% e você pode dois para mais ou dois para menos, qual é o problema? A inflação me preocupa todo dia e toda hora. A inflação corrói o salário. A nossa, neste momento, está dentro da meta. Portanto, não tem nenhuma preocupação. Se houvesse risco de ultrapassar a meta, essa preocupação teria maior importância. Em janeiro vai ter reunião do Copom, o presidente do Banco Central será outro, a presidente será outra."

JUROS: "A última vez em que o Copom se reuniu no meu governo não aumentou juros. É o máximo que eu posso falar. Eu não vou ficar nem como aqueles monetaristas que acham que tem de aumentar juros a toda hora nem como aqueles que ficam na Fiesp dizendo você tem de baixar os juros. Esta coisa é o seguinte: a dosagem do remédio dá quem tiver autoridade para cuidar do paciente. O Brasil está seguro, e a Dilma sabe, porque participou de muitas reuniões, para enfrentar qualquer situação de adversidade."

SALÁRIO MÍNIMO: "R$540 foi o valor aprovado no Congresso. Se tiver que fazer alguma mudança, a presidente Dilma fará em janeiro.Temos uma proposta justa, coerente e que tem de ser levada a sério. Os companheiros sindicalistas não podem fazer um acordo e esse acordo só valer quando é para ganhar mais. Quando é para ganhar menos, não vale. Temos uma proposta de recuperar o salário mínimo até 2023, numa combinação de inflação e crescimento do PIB. É fato que, na crise americana, tivemos um PIB menor, e vai ser só a inflação. Mas é importante olhar para o ano que vem, que vamos ter um crescimento do PIB de 8%, com uma inflação de 5%, e será um reajuste de 13%. As pessoas precisam olhar isso."

TERCEIRO MANDATO: "Estou tendo dificuldade de deixar (o mandato)? Não. Tomei posse no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo no dia 24 de abril de 1975. Em 76, convoquei assembleia e defini, sem ninguém pedir, que o presidente do sindicato não poderia ficar mais do que dois mandatos. Ora, quando eu tinha liberdade de ficar o tempo que eu quisesse, não quis. Por que num mandato que está na Constituição com prazo de entrada e de saída eu iria pedir para continuar? Acredito muito na democracia e acredito na necessidade da alternância. É preciso ter sangue novo para fazer coisas novas. Por isso eu não pleiteei. Se vale para mim, vale para os outros. Aí você pega o terceiro e quer o quarto. Aí você pega o quarto e quer o quinto. Em vez de criar uma democracia, está criando uma ditadurazinha."

VENEZUELA: "A Venezuela tem o regime que eles querem ter."

ESTADOS UNIDOS: "Eu gostaria que a relação dos Estados Unidos com a América Latina fosse diferente do que é hoje. É preciso que os EUA compreendam a importância da América Latina pela proximidade, pela quantidade de latino-americanos que vivem nos Estados Unidos. Os americanos não têm uma visão otimista para América Latina. Sempre houve uma relação de império com os países pobres. Essa visão precisa mudar. Espero que ele (Barack Obama) venha ao Brasil em 2011 e visite outros países da América do Sul, porque 2012 é ano eleitoral lá, e é difícil ele sair. A verdade é que não mudou nada a visão dos Estados Unidos para a América Latina. Vejo isso com tristeza."

IRÃ: "Um momento importante da política externa foi a nossa proposta de negociação com o Irã. Todo mundo aqui vai viver um pouco mais, todos um pouco mais do que eu, e vão saber que o Brasil estava certo de negociar com o Irã, quando conseguiu que o Ahmadinejad aceitasse a proposta de participar do grupo de Viena. E a única coisa que fez não ter resultado foi que o Conselho de Segurança achou que era demais alguém que não era do meio deles ter conseguido o que eles não conseguiram. Isso foi triste, lamentável, mas, de qualquer forma, foi feito."

DIREITOS HUMANOS: "O Brasil não fez nenhuma concessão. O Brasil defende mudança no Conselho de Segurança porque não quer ser subserviente, porque quer preservar a sua soberania. Os nossos críticos são aqueles que acham que o Brasil vai acordar de manhã e pedir licença para espirrar, pedir licença à União Europeia para tossir. Esses são nossos críticos."

CARGO NA ONU: "Acho que na questão da ONU devemos ter alguns burocratas muito competentes para dirigir os fóruns internacionais e diminuir o ímpeto da política. Se o presidente do Brasil aceita ser secretário-geral da ONU, por que amanhã não pode ser o dos Estados Unidos? Aí fica muito difícil. É melhor que a gente coloque sempre um bom técnico, uma pessoa competente."

NOBEL: "Não sei se o Nobel da Paz teria vindo bem. Ele vem para pessoas que merecem receber o Nobel da paz. Não sei qual o critério e não vou fazer julgamento."

Mínimo de R$ 540 opõe Lula a sindicatos

DEU EM O GLOBO

Em mais um evento de despedida, dessa vez com jornalistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que o valor do salário mínimo, que hoje está em R$ 510, não ultrapassará os R$ 540. Lula criticou os sindicalistas, que propõem o valor de R$ 580. A Força Sindical reagiu ao presidente e classificou o aumento de “pífio”.

Força chama aumento de pífio e critica Lula

Central sindical diz que vai propor emendas, no Congresso, para tentar elevar o mínimo para R$580

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. O movimento sindical reagiu de pronto ontem à declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu a elevação do salário mínimo de R$510 para R$540, valor aprovado pelo Congresso no Orçamento da União de 2011. Em nota, a Força Sindical chamou o valor de "pífio aumento" e anunciou que, se não for mudada a proposta, o presidente da entidade, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), apresentará emenda com o valor de R$580, durante a votação da Medida Provisória a ser editada pelo presidente da República fixando oficialmente o novo salário mínimo que vai vigorar a partir do próximo dia 1º de janeiro.

A expectativa das centrais sindicais era de que, em comum acordo, Lula e a presidente eleita, Dilma Rousseff, anunciassem uma proposta maior, fixando um mínimo de pelo menos R$550. Por enquanto, interlocutores do governo dizem que prevaleceu a ordem das equipes econômicas, a de Lula e a de Dilma Rousseff, de não passar dos R$540.

"No final de seu mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece querer que esqueçamos que seus oito anos de governo foram direcionados para o enfrentamento das desigualdades sociais. Os insensíveis tecnocratas, ainda enraizados na área econômica, insistem em dar um pífio aumento para o salário mínimo", diz a nota da Força Sindical, assinada pelo deputado Paulinho.

Em seguida, o sindicalista avisa que, assim que a medida provisória do mínimo chegar ao Congresso, serão protocoladas emendas elevando-o para R$580 e também com aumento de 10% para os aposentados que ganham acima do piso.

Semana passada, o PDT ameaçou obstruir a votação do Orçamento por causa do mínimo de R$540 e da concessão de reajuste limitado ao índice da inflação para os aposentados que ganham acima desse valor. Mas houve acordo diante da promessa do vice-líder do governo no Congresso, deputado Gilmar Machado (PT-MG), de que a palavra final seria do presidente Lula.

Na ocasião, a ideia alardeada era de que o governo poderia "melhorar" o valor do mínimo, utilizando parte da reserva especial de R$6 bilhões que a relatora-geral do Orçamento, senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), criou na proposta orçamentária para 2011.

- Meu compromisso foi o de aprovar o Orçamento com R$540 e de dizer que havia um colchão (uma reserva especial) e que o presidente Lula poderia usá-lo, se quisesse. A MP do mínimo deverá ser o primeiro teste da presidente eleita - previu ontem Gilmar Machado.

O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, acredita que Dilma poderá fazer o gesto de bondade:

- Acho que ele (Lula) quis deixar que algo bom já seja feito pela Dilma.

A CUT também vinha brigando pelos R$580. "Se mantido esse valor (R$540), o governo Lula perderá, assim, a oportunidade de terminar seus oito anos com a adoção de aumento real para o salário mínimo de 2011", afirmou o presidente da entidade, Artur Henrique, no dia 23 passado.

Lula muda discurso e afirma que Dilma será sua candidata em 2014

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A quatro dias do fim do mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou ontem desfazer o mal-estar causado pela afirmação de que pode disputar o terceiro mandato em 2014, feita em entrevista na semana passada. Em conversa no Palácio do Planalto, disse a jornalistas que fará campanha por Dilma Rousseff. “A Dilma será minha candidata”, garantiu. Lula preferiu atribuir a antecipação do debate sucessório à oposição. “Cabe a quem está no governo governar e não ficar preocupado com a pauta de 2014.” Ele disse ainda que não será copiloto de Dilma. “Ficarei na torcida, na arquibancada”.

Lula diz ter "ideia fixa" de que Dilma será candidata à reeleição em 2014

Após haver indicado que ele mesmo poderia concorrer, presidente aproveitou café da manhã com jornalistas para defendera a "legitimidade" de governante disputar segundo mandato

Leonencio Nossa
BRASÍLIA - A cinco dias de deixar o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou nesta segunda-feira, 27, desfazer o mal-estar causado pela declaração de que poderia disputar um terceiro mandato em 2014, escanteando as ambições da presidente eleita, Dilma Rousseff. Em café da manhã com jornalistas, no Palácio do Planalto, ele disse que fará campanha pela reeleição da petista.

"Trabalho com a ideia fixa de que a nossa companheira Dilma será outra vez a candidata a presidente da República", afirmou Lula. "É justo e legítimo que quem está no exercício do mandato e está fazendo um bom governo continue governando. A Dilma será minha candidata."

Na conversa, Lula disse que Dilma só não disputará a reeleição se não quiser. "Ela sabe disso", ressaltou. "Só existe uma hipótese na qual Dilma não seria candidata à reeleição: ela não querer ser. Mas, na minha opinião, é líquido e certo o direito de ela ser candidata à reeleição."

As declarações foram feitas após um repórter de rádio perguntar se ele, ao "voltar" em 2014, apoiaria o senador José Sarney (PMDB-AP) e nomearia novamente Nelson Jobim, titular da Defesa, para ministro.

Em entrevista na semana passada, Lula deixou claro que poderá disputar a Presidência. A afirmação causou constrangimentos na própria equipe de governo. Ontem, ele atribuiu aos adversários o debate sucessório. "Isso interessa a quem quer correr contra a Dilma", afirmou. "Cabe a quem está no governo governar e não ficar preocupado com pauta de 2014."

Estranha. Lula ressaltou que Dilma não será uma "pessoa estranha" no Planalto. "Ela sabe onde está a cadeira, conhece as pessoas, sabe quem são os governadores, quem é boa parte dos ministros", disse. "Penso que ela terá uma vida mais facilitada do que eu tive em 2003. Era novidade lidar com a imprensa e os ministros, conhecer o palácio."

Na entrevista, o presidente foi questionado se seria copiloto de Dilma Rousseff. "Não. Ficarei na torcida, na arquibancada."

Lula se esforçou para dar um clima de descontração ao encontro. Ao abrir uma caixinha de manteiga, contou que pediu ao Inmetro que analisasse as embalagens. "No Brasil, as embalagens de manteiga não tinham isso. Um dia peguei no avião e mandei para o Inmetro. Um relatório mostrou que nenhuma empresa tinha o requisito necessário para facilitar a abertura da manteiga", relatou. "Mas tem umas que a gente é obrigado a pegar o garfo e furar."

Memorial. O presidente deixou escapar que ainda sente mágoas da oposição e da imprensa. Disse que vai precisar de tempo para escrever suas memórias. "Você não está preparado para fazer um livro no dia seguinte. Você está com mágoa. É preciso dar um tempo. Imagina se um marido e uma mulher no dia seguinte à separação resolvem escrever um livro? Vai ser um desastre. Você tem que deixar o ódio se assentar."

Embora tenha usado palavras fortes, Lula fez esses comentários com o semblante tranquilo e observou que Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi bastante criticado durante seu governo. "Ele todo o santo dia era chamado de corrupto e ladrão. Depois de um tempo, reconheceram a importância dele."

Lula disse ainda que pretende trabalhar na construção de um memorial que permita a todas as pessoas fazerem uma análise própria do que representaram seus oito anos de governo. "Eu pretendo fazer isso devagar. Nada apressado."

OUTROS TRECHOS DA ENTREVISTA

TERCEIRO MANDATO. "Em vez de democracia, você faria uma ditadurazinha. Eu acredito na alternância de poder, pois é preciso ter sangue novo, com pessoas com cabeça para fazer coisas novas. É por isso que eu não pleiteei."

SOLIDÃO. "Ela não deveria existir quando você está no poder, porque você está cercado de gente toda hora. Quando me refiro à solidão, me refiro aos fins de semana, em que você não pode convidar pessoas a irem à sua casa. Você não pode convidar empresários, ministros e amigos para o fim de semana com você. Vou convidar um amigo de São Bernardo e outro vai saber que não o convidei. Então, arrumei um amigo e um inimigo."

DOMINGO COM MARISA. "Fiz uma opção premeditada nos oito anos que fiquei em Brasília. Não fui a restaurante, aniversário, casamento, almoço. Hoje, em qualquer lugar que você vai tem gente com celular filmando, gravando, bisbilhotando a vida da gente. Tem sempre um cara que vem pedir um favor ou dizer que tem um projeto maravilhoso. (...) Foi uma opção correta porque isso coloca o cargo de presidente menos vulnerável nas rodas de cerveja, de uísque, de vinho. Foi um período rico na minha vida."

DOUTOR HONORIS CAUSA. "Eu temo que tenha pouco a aprender depois de deixar a Presidência. Isso aqui é pós-graduação na quinta potência."

SEMPRE FHC. "Acho que é possível (uma reconciliação). Sou um homem que não levo para casa as divergências. Ora, o que vocês precisam entender é que os tucanos são os principais adversários do governo. É normal que haja um acirramento nas relações. Mas, do ponto de vista pessoal, na hora em que eu encontrar o Fernando Henrique Cardoso, voltamos a ser, senão amigos como fomos em 78, quando eu o procurei para apoiá-lo como candidato ao Senado – não foi ele quem me procurou, fui eu que o procurei –, mas vamos ser amigos. Eu vou respeitá-lo e espero que a recíproca seja verdadeira. Obviamente que sempre haverá aquela chatice de números, sempre haverá comparação entre os dois períodos."

O PIOR MOMENTO. "A mágoa mais profunda (da imprensa) que eu tenho é (em relação à cobertura) do acidente do avião da TAM, aquele avião que pegou fogo lá em Congonhas. Fomos condenados à forca e à prisão perpétua em 24 horas. Jogaram nas costas do governo a culpa e depois ninguém teve sequer a sensibilidade de pedir desculpas. Foi o pior dia que eu passei na Presidência. Do ponto de vista pessoal, foi maior. O outro problema (mensalão) estava no âmbito da política. Eu não esqueço nunca do editorial jogando cadáveres nas costas do governo. Se alguém daqui a cem anos escrever um livro sobre acidente de avião, vão achar que foi culpa do governo Lula."

AUTORRETRATO. "O Lula não surgiu do nada. Ele é resultado de um movimento que começa envolvendo a rebelião dos estudantes nos anos 60, depois a rebelião dos sindicalistas nos anos 70, depois a criação de movimentos sociais espalhados por este Brasil afora, da teoria da libertação... da Teologia da Libertação. Houve uma sequência no surgimento de movimentos e tudo foi confluindo para determinado caminho. Sou resultado disso."

CASO CESARE BATTISTI. "Tenho que tomar a decisão nesta semana. Quando eu tomar a decisão, você vai saber. Eu nunca disse qual é a posição que eu vou tomar. A Advocacia-Geral da União que faz os pareceres jurídicos para mim. Obviamente, vou convidar o companheiro Luís Inácio (Adams), que vai dizer para mim: ‘Presidente, na nossa ótica, a decisão é essa.’ Eu, prontamente, concordarei."

FHC diz ter 'dificuldade' para entender o que Dilma fala

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

'É uma dificuldade minha, você sabe que eu sou curto em inteligência. Às vezes eu não consigo, ela não termina o raciocínio e eu não tenho imaginação suficiente para saber o que ela iria dizer', ironizou

Anne Warth
SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou ter sérias dificuldades para entender o que fala a presidente eleita, Dilma Rousseff (PT).

Em entrevista ao programa Manhattan Connection, exibido no domingo, 26, à noite pelo canal de TV por assinatura GNT, FHC ironizou a petista e disse não ter "imaginação suficiente" para adivinhar o que Dilma quer dizer quando começa algum raciocínio e não o conclui.

"Não, não entendo não, eu confesso a você que tenho uma série dificuldade (para entendê-la)", afirmou. "É uma dificuldade minha, você sabe que eu sou curto em inteligência. Às vezes eu não consigo, ela não termina o raciocínio e eu não tenho imaginação suficiente para saber o que ela iria dizer."

FHC disse que Dilma assumirá um País em condições muito melhores que as que encontrou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o sucedeu no cargo.

Na avaliação dele, o principal problema a ser enfrentado pela presidente eleita é a questão fiscal. "A Dilma vai pegar uma economia em bom momento, mas vai pegar uma situação fiscal bastante difícil também. Os gastos públicos aumentaram muito e é difícil você aumentar mais o imposto. Vai ter que ter algum ajuste."

Porém, o ex-presidente afirmou que não prevê um cenário pessimista para Dilma e enalteceu as conquistas que o País obteve nos últimos anos, principalmente durante seu governo (1995-2002). Ao falar de si mesmo, FHC fez um autoelogio. "Eu mudei o Brasil, vamos dizer com clareza aqui, sem falsa modéstia. O Brasil era um antes da consolidação da economia e passou a ser outro", afirmou.

"Vamos ser francos, o Brasil está melhorando, está melhorando muito, há muito tempo vem melhorando e vai melhorar mais. Depois que você põe em movimento uma máquina, você começa a pedalar e ela vai. Não sou pessimista nesse sentido, mas acho que ela (Dilma) vai ter que fazer alguns ajustes", afirmou.

FHC também aproveitou para criticar o presidente Lula. "O ano em que ele (Lula) pegou (assumiu o governo) piorou por causa dele, por causa do medo que os mercados tinham do que ele dizia que iria fazer e que, para a sorte de todos nós, não fez."

Dossiê

O tucano condenou a montagem de um dossiê sobre seus gastos e os de sua mulher, Ruth Cardoso (morta em 2008), durante sua gestão na Presidência. O dossiê teria sido feito em 2008 pela então secretária-executiva da Casa Civil Erenice Guerra a pedido da então ministra Dilma, quando o Congresso manifestou interesse em investigar os gastos do presidente Lula e de sua família com cartões corporativos.

"Realmente foi grave aquilo, porque ela (Dilma) telefonou pra a Ruth e disse que não estava fazendo nada", afirmou. "Era simplesmente para justificar os gastos que nunca foram explicados, até hoje, da primeira parte do governo Lula. Inventaram que nós tínhamos gastos que não tínhamos, não havia nem cartão corporativo, não havia nenhum gasto de coisa nenhuma, mas fizeram aquela onda, aquele chantagem toda, foi bastante desagradável."

FHC disse esperar que o ato não se repita durante o governo Dilma. "Mas se quiserem fazer espionagem da minha vida podem fazer à vontade, não tenho nada para esconder, mas espero que não", afirmou. "Eu digo não é o procedimento correto ficar fazendo dossiê." A entrevista com FHC foi a última do programa Manhattan Connection na GNT, que disponibilizou alguns trechos em seu site na internet.

“Eu mudei o Brasil. Sem falsa modéstia. O Brasil era um antes da consolidação da economia e passou a ser outro. O Brasil foi muito melhor do que o que o presidente Lula pegou. O ano que ele pegou piorou por causa dele. Por causa do medo que o mercado tinha do que ele dizia que ia fazer. A Dilma vai pegar uma economia em bom momento mas vai pegar uma situação fiscal bastante difícil também”, adianta.

Mas o ex-presidente evita maiores comparações de seu governo com o de Lula.“Fiz um governo de mudanças profundas. O presidente Lula aproveitou a economia e os programas que criamos, para expandir. Mas acredito que muito foi mérito dele também”, comenta.

Quanto a Dilma Rousseff, o ex-presidente diz não entendê-la com perfeição. “A Dilma, às vezes, não termina um raciocínio. E eu não tenho imaginação suficiente para entender o que ela ia dizer”, brinca. Ao final do programa, é questionado sobre o livro que sugeriria a Dilma. Ele diz “A Democracia na América”, de Alexis De Tocqueville. “Ela já deve ter lido. Eu espero”.

Previsões para economia do Brasil

Sobre as previsões que colocam a economia do Brasil em 5ª lugar, em 2016, o ex-presidente - que governou o Brasil de 1995 até 2003 - é realista. “Nós sabemos lidar com a economia. Não sabemos é lidar com as pessoas, com a segurança, com a justiça, com a saúde, com o meio ambiente... Essa preocupação se vamos ser uma das cinco maiores é desconversar o país. Nós já somos uma das 10 maiores economias do mundo. Vamos tentar ser uma das 10 melhores e não maiores”, opina FHC.

Aos 79 anos, o ex-presidente diz não ser adepto das redes sociais mas admite gostar muito de Blackberry e iPad. “Facebook e Twitter eu não uso. Estou fora desse jogo de prestígio. Já o Blackberry eu gosto muito. Já até escrevi um artigo nele”.

No programa, Fernando Henrique ainda aproveita para revelar suas preferências gastronômicas e diz ir com frequência ao restaurante de Roberta Sudbrack, a primeira chef do Palácio da Alvorada.

FH afirma que ele, e não Lula, mudou o Brasil

DEU EM O GLOBO

Ex-presidente critica seu sucessor e Dilma, além de dizer que tem dificuldades para entender a presidente eleita

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse anteontem ao programa "Manhattan Connection", do GNT, que ele, "sem falsa modéstia", e não o presidente Lula, mudou o Brasil. Segundo o ex-presidente, o Brasil era um, antes da consolidação da economia conquistada em seu governo. E disse que Lula só não herdou um país melhor por causa do medo que o mercado tinha do que o petista poderia fazer. O ex-presidente disse ainda que a presidente eleita, Dilma Rousseff, encontrará um país num bom momento, mas frisou que, em função do aumento de gastos públicos no governo Lula, terá que fazer "ajustes na economia". E afirmou ter dificuldades para entender o que ela, por vezes, quer dizer:

- Eu mudei o Brasil. Sem falsa modéstia. O Brasil era um, antes da consolidação da economia, e passou a ser outro. O Brasil foi muito melhor do que o que o presidente Lula pegou. O ano que ele pegou piorou, mas por causa dele. Por causa do medo que o mercado tinha do que ele dizia que ia fazer. E, para sorte de todos nós, não fez. A Dilma vai pegar uma economia em bom momento, mas uma situação fiscal bastante difícil também.

Após criticar a ação de Lula na formação do Ministério de Dilma ("ele está se metendo em tudo, quando deveria deixar Dilma governar"), disse não entender direito o que ela quer fazer:

- A Dilma, às vezes, não termina um raciocínio. E eu confesso que tenho inteligência curta, porque ela não termina um raciocínio e eu não consigo entender o que ela ia dizer.

Um jornalista, provocando FH, perguntou então se Dilma fará outro dossiê sobre sua vida particular, como fez quando chefiava a Casa Civil, onde teria encomendado um dossiê contra os gastos da ex-primeira-dama Ruth Cardoso:

- Foi grave aquilo. Dilma telefonou para a Ruth e disse que não estava fazendo nada. E não tinham o que fazer mesmo. Fizeram aquilo para justificar gastos que até hoje não justificaram, na primeira parte do governo Lula. Eles ainda não explicaram. No meu tempo não tinha nem cartão corporativo. Fizeram aquela onda toda, aquela chantagem toda, que era para justificar gastos do governo. Mas, se quiserem fazer um dossiê sobre a minha vida, podem fazer porque eu não tenho nada a esconder.

Para tucano, Vargas foi o maior presidente

DEU EM O GLOBO

FH diz que oposição não assumiu seu papel no governo Lula

SÃO PAULO. Ao ser perguntado sobre quem teria sido o maior presidente do Brasil, Fernando Henrique não incluiu seu nome nem o do presidente Lula na resposta. Disse que o maior presidente foi Getulio Vargas. Citou ainda Juscelino Kubitschek, Campos Salles, Rodrigues Alves e o general Castelo Branco.

- Getulio pensou o futuro do país e também Castelo, ao seu modo.

FH criticou Lula pelo uso da máquina pública para eleger Dilma Rousseff:

- Lula desrespeitou a legislação, a Justiça multou, mas ele até satirizou a Justiça e não aconteceu nada.

Um jornalista perguntou por que a oposição foi fraca e não pediu o impeachment de Lula na investigação do mensalão, principalmente após o publicitário Duda Mendonça confessar no Congresso que recebeu recursos ilegais da campanha que elegeu Lula em 2002.

- Aquilo era caso de a Justiça considerar nula a eleição de Lula, mas não aconteceu nada - disse FH.

FH justificou o motivo de o PSDB, como oposição, não ter pedido o impeachment de Lula.

- Tínhamos receio do que poderia acontecer nas ruas. Iam falar que impedimos um presidente que veio do movimento sindical e ele iria mobilizar o povo na rua dizendo que a elite o tirou do poder e ficamos com receio do que poderia acontecer.

Aos 79 anos, FH afirmou que gostaria de poder ajudar o país a repensar seu futuro.

- O Congresso foi cooptado por Lula. Os parlamentares abdicaram do poder. Fazem o que o Planalto manda, em troca de favores. Lula fez o é dando que se recebe. Hoje ninguém discute o futuro do país, como serão usados os recursos do pré-sal. Vejo o governo liberando recursos do Tesouro para o BNDES, que repassa o dinheiro às empresas com juros subsidiados. Isso dá uma sangria de mais de US$20 bilhões ao Tesouro, mas não vejo ninguém falando nada. E o custo de se manter reservas cambiais tão altas? Eu gostaria de poder ajudar a discutir isso e faço no Instituto Fernando Henrique Cardoso, mas gostaria de contribuir mais - disse FH, para quem a oposição deveria ser mais atuante. - Tem que assumir que é oposição.

Planalto pulveriza sua propaganda em 8.094 veículos

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Em oito anos de mandato, o presidente Lula elevou de 499 para 8.094 o número de órgãos de comunicação que recebem verbas publicitárias do governo federal. A alta, de 1.522%, beneficiou veículos espalhados por 2.733 municípios; em 2003, eram 182 cidades. Os dados incluem jornais, revistas, rádios, TVs e "outros", categoria que inclui sites e blogs e saltou de 11 para 2.512 veículos no mesmo período.

Lula coloca publicidade estatal em 8.094 veículos Desde 2003, aumento é de 1.522% em rádio, TV, jornal, revista e blog atendidos

Neste ano eleitoral, 1.047 novos meios de comunicação passaram a receber recursos de publicidade federal

Fernando Rodrigues

BRASÍLIA - Quando Luiz Inácio Lula da Silva tomou posse, em janeiro de 2003, apenas 499 veículos de comunicação recebiam verbas de publicidade do governo federal. Agora, o número foi para 8.094.

Esses jornais, revistas, emissoras de rádio, de TV e "outros" estão espalhados por 2.733 cidades. Em 2003, eram só 182 municípios.

Só neste ano eleitoral de 2010, o dinheiro para publicidade de Lula passou a ser distribuído para 1.047 novos veículos de comunicação.

A categoria "outros" inclui portais de internet, blogs, comerciais em cinemas, carros de som, barcos e publicidade estática, como outdoors ou painéis em aeroportos.

Chama a atenção o aumento do número de "outros". Em 2003, eram apenas 11. Agora, são 2.512. A informação do governo é que a maioria é composta por sites e blogs na internet.

Lula e sua equipe de comunicação não escondem a simpatia pelo novo meio digital. O presidente foi o primeiro a conceder uma entrevista exclusiva dentro do Planalto para o que a administração petista chama de "blogs progressistas".

Lula da Silva avançou na transparência em relação ao governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.

Nunca existiu esse tipo de estatística até 2003. Ainda assim, há buracos negros no processo.

Não se sabe quais são os veículos que recebem verba de publicidade estatal nem quanto cada um ganha.

O valor total gasto nos dois mandatos de Lula, até outubro deste ano, foi R$ 9,325 bilhões. Dá uma média anual de R$ 1,2 bilhão.

Essa cifra não inclui três itens importantes: custo de produção dos comerciais, publicidade legal (os balanços de empresas estatais) e patrocínio -dinheiro para financiar projetos esportivos e culturais, entre outros.

Produção e publicidade legal consomem cerca de R$ 200 milhões por ano. No caso de patrocínio, o governo gastou uma média anual de R$ 910 milhões de 2007 a 2009.

Tudo somado, Lula gasta R$ 2,310 bilhões por ano com propaganda. Os valores são semelhantes aos do governo FHC, embora inexistam estatísticas precisas à disposição.

A diferença do petista para o tucano foi a dispersão do dinheiro entre os atuais 8.094 jornais, revistas, emissoras de rádio, de TV e sites na web. Um espetáculo de 1.522% de crescimento de veículos atendidos.

Filhos de Lula são sócios em 2 holdings

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Lulinha e Luís Cláudio têm participações em seis empresas, nas áreas de esporte, entretenimento e tecnologia

Único negócio com sede própria e funcionários é a Gamecorp; outros 5 não funcionam nos endereços informados

José Ernesto Credendio e Andreza Matais

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Dois dos filhos do presidente Lula, Fábio Luís e Luís Cláudio, abriram em 16 de agosto deste ano duas holdings -sociedades criadas para administrar grupos de empresas-, a LLCS Participações e a LLF Participações.

Ao final de oito anos de mandato do pai, Lulinha e Luís Cláudio figuram como sócios em seis empresas.

A Folha constatou, porém, que apenas uma delas, a Gamecorp, tem sede própria e corpo de funcionários.

Seu faturamento em 2009 foi de R$ 11,8 milhões, e seu capital registrado é de R$ 5,2 milhões. Ela tem como sócia a empresa de telefonia Oi, que controla 35%.

As demais cinco empresas não funcionam nos endereços informados pelos filhos de Lula à Junta Comercial de São Paulo. São, por assim dizer, empreendimentos que ainda não saíram do papel.

As seis empresas dos filhos de Lula atuam ou se preparam para atuar nos ramos de entretenimento, tecnologia da informação e promoção de eventos esportivos.

São segmentos em alta na economia, que ganharam impulso do governo federal -Lula, por exemplo, foi padrinho das candidaturas vitoriosas do Brasil para organizar a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.

SÓCIOS

Na maioria desses negócios, Lulinha e Luís Cláudio têm como sócios pessoas próximas de Lula.

Um dos mais novos empreendimentos da dupla, a holding LLCS, por exemplo, foi registrada no endereço da empresa Bilmaker 600, na qual os dois não têm participação societária.
A Bilmaker tem como controlador o engenheiro Glaucos da Costamarques, 70, que é primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do presidente Lula.

Os outros sócios da Bilmaker, Otavio Ramos e Fabio Tsukamoto, são sócios de Luís Cláudio, filho do presidente, na ZLT 500, empresa de produção e promoção de eventos esportivos.

Assim como a holding, a ZLT também só existe no papel. Está registrada num endereço no Morumbi onde há só uma casa abandonada.

Criada em julho, a ZLT tem ainda como sócio José Antonio Fragoas Zuffo, empresário da região do ABC.

Sócio na Bilmaker e na ZLT, Otávio Ramos disse à Folha que não sabia que os filhos de Lula haviam registrado uma empresa na sede da Bilmaker.

"Isso me preocupa. Vou ligar para eles. Não sabia nem da existência dessa holding. Não sei nem do que se trata nem quero saber", disse.

Ramos afirmou que a empresa não faz negócios com o governo para não gerar especulações. "Somos amigos deles e já iriam ver maldade." A Bilmaker, disse, é uma empresa de exportação e importação de "qualquer coisa".

A outra holding criada pelos filhos de Lula neste ano, a LLF, foi registrada no prédio da PlayTV, emissora de jogos on-line.

Os programas da PlayTV só são veiculados na Sky, que distribui o canal como cortesia, e pela OiTV. A PlayTV é controlada pela Gamecorp, o maior dos empreendimentos de Lulinha.

A Folha acompanhou um dia de programação e não viu anúncios publicitários.Inaugurada em dezembro de 2004, a Gamecorp recebeu injeção de R$ 5 milhões da telefônica Telemar (hoje Oi), num negócio investigado pela Polícia Federal há três anos -sem resultados.

Quando se soube em 2006 que a Oi, então Telemar, havia se associado à Gamecorp, o presidente Lula disse à Folha que seu filho era o "Ronaldinho" dos negócios."Eles fizeram um negócio que deu certo. Deu tão certo que até muita gente ficou com inveja", afirmou. No final de 2009, a empresa tinha capital negativo.

G4

Meses antes de a Gamecorp ser constituída, Fábio Luís se tornou sócio da G4 Entretenimento e Tecnologia Digital, tendo como parceiros filhos de um velho amigo de Lula, Jacó Bittar, fundador do PT e ex-prefeito de Campinas, hoje no PSB.

Foi por meio da G4 que Lulinha virou sócio de outra empresa, a BR4 Participações, criada em 2004, e que, três anos depois, ganhou como sócio Jonas Leite Filho, sobrinho do ex-senador Ney Suassuna (PMDB-PB).

Jonas Leite é conhecido pelo projeto que criou a versão da Bíblia lida pelo apresentador Cid Moreira, da TV Globo, um sucesso de vendas. A BR4 é, por sua vez, acionista da Gamecorp.

Embaixador rejeitou encontro com Gabeira

DEU EM O GLOBO

Telegramas mostram, no entanto, que desconfiança americana pelo sequestro de Elbrick foi amenizada no governo Obama

Tatiana Farah

SÃO PAULO. O sequestro do embaixador americano Charles Elbrick durante os chamados "Anos de Chumbo", em 1969, ainda pautava, até bem pouco tempo, as discussões dos diplomatas dos Estados Unidos radicados no Brasil. Telegramas revelados ao GLOBO pelo WikiLeaks indicam, no entanto, uma mudança de postura nos últimos anos. Enquanto em 2004, durante o governo George W. Bush, o então deputado federal Fernando Gabeira, um dos envolvidos no sequestro, teve negado um encontro formal com o embaixador americano, John Danilovich, em 2009, já na gestão de Barack Obama, outro envolvido na ação, o economista Paulo de Tarso Venceslau, obteve no Consulado Geral de São Paulo seu visto de turista para entrar em território americano pela primeira vez. O documento, no entanto, quase foi barrado pela embaixada em Brasília.

O que pesou para a liberação do visto de Venceslau foi o risco da repercussão negativa e de um golpe nas relações bilaterais, segundo a ministra-conselheira da embaixada, Lisa Kubiske, em 15 de outubro de 2009.

"Com o novo governo dos EUA, tanto o governo brasileiro quanto o público estão considerando novas possibilidades para as relações bilaterais. Apesar de o cancelamento do visto ser um problema estritamente consular, pode gerar um significativo noticiário negativo que põe em questão se a política dos EUA para a América Latina mudou", escreveu a diplomata ao Departamento de Estado, lembrando, ainda, que outros integrantes do governo também poderiam se ressentir - como o ministro de Comunicação, Franklin Martins, outro envolvido no sequestro, o ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, que foi preso político com Venceslau, e o ex-ministro José Dirceu, um dos presos "trocados" pelo embaixador.

O telegrama mostra uma mudança no comportamento com a eleição do presidente Barack Obama. Se Kubiske teve dúvidas quanto ao visto de Paulo de Tarso Venceslau, em 12 de novembro de 2004, o embaixador John Danilovich não quis se encontrar com o então deputado Fernando Gabeira na Confederação dos Parlamentares das Américas, em Porto Príncipe. Danilovich chegou a sugerir ao Departamento de Estado que Gabeira não fosse sequer recebido na embaixada do Haiti.

Gabeira não tem visto para os EUA e não tentou obtê-lo. Ele confirmou ter ido ao Haiti duas vezes, mas diz não ter procurado a embaixada americana.

- Quando fazemos essas viagens, procuramos a embaixada, mas a do Brasil - afirmou o ex-deputado, que recebeu a notícia do "veto" com tranquilidade.

Procurado pelo GLOBO, Paulo de Tarso não retornou os telefonemas.

Por causa de você - Gal Costa

Receita de ano novo:: Carlos Drummond de Andrade

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.