NOBEL DAS MULHERES
Presidente e ativista da Libéria e ícone da revolta do Iêmen dividem o prêmio
Ellen Johnson-Sirleaf, a Dama de Ferro da Libéria, desafiou militares, reduziu a dívida do país e ganha ponto na véspera de eleição
Leyman Gbowee, pacifista que usou greve de sexo como arma para o fim da guerra, vê no prêmio uma plataforma global.
Primeira mulher árabe a receber o prêmio, Tawakkul Karman prega vitória pacífica da revolução contra o regime do ditador do Iêmen
Essa avó baixinha, de 72 anos e roupas coloridas, parece, à primeira vista, uma figura frágil. Mas o apelido que ganhou nos 30 anos de carreira política na Libéria não dá margem à dúvida: a presidente Ellen Johnson-Sirleaf é conhecida como a Dama de Ferro. Um episódio no convulsionado passado do país ilustra bem isso. Quando o general Samuel Doe tomou o poder num golpe na década de 1980, Sirleaf foi presa e ameaçada de morte. Ela encarou os soldados e disparou:
- Vocês não podem fazer isso. Pensem em suas mães.
Foi nessa época que a economista virou ativista política, depois de estudar em Harvard e ser vice-presidente do Citybank. Foi presa duas vezes, uma delas por chamar os soldados de idiotas, e por duas vezes se exilou nos EUA. Voltou, perdeu uma eleição e ganhou outra. Agora, a primeira mulher eleita presidente no continente é vista no exterior como "o símbolo da nova África", algo que parece se concretizar na escolha para o Nobel pelo esforço na pacificação da Libéria.
- Isso reforça o meu compromisso em trabalhar pela reconciliação - disse Sirleaf em sua casa, em Monróvia, ao saber do resultado. - Os liberianos devem ficar orgulhosos.
O prêmio encheu as ruas da capital de festa e de polêmica. Elogiada por simpatizantes por mudar a imagem de um país marcado pela guerra civil que matou mais de 200 mil pessoas e criticada por opositores por não conseguir recuperar a infraestrutura, ela disputará a reeleição na próxima terça-feira.
O anúncio, a quatro dias do pleito, irritou opositores, como Winston Tubman, seu principal adversário. As críticas refletem também o fato de a presidente ter uma imagem melhor no exterior do que em casa. O Nobel, agora, não só aumenta suas chances de ganhar, como de evitar o segundo turno.
- Eu fiz mais para parar a guerra. Ela era a favor de sua continuação - protestou Tubman.
Divorciada, Sirleaf tem quatro filhos e oito netos. Pesa no seu passado ter apoiado os rebeldes de Charles Taylor (hoje julgado por crimes de guerra), antes de se voltar contra ele e ser processada por traição em seu governo. Depois de perder a disputa presidencial para Taylor em 1997, ela foi eleita em 2005. Desde então, reduziu a dívida do país, ao mesmo tempo em que manteve a estabilidade. Não conseguiu, no entanto, diminuir a criminalidade e o desemprego, em 85%.
Passeatas e orações foram alguns dos meios dos quais a liberiana Leymah Gbowee lançou mão para buscar a paz em seu país e defender a participação da mulher na política. Mas sua estratégia mais famosa foi uma greve de sexo. Em 2002, Leymah persuadiu mulheres de combatentes a suspenderem as relações sexuais até que os companheiros concordassem em se sentar à mesa de negociações. A campanha bem-sucedida foi inspirada em "Lisístrata", personagem do grego Aristophanes que numa peça usa a mesma artimanha na Guerra do Peloponeso.
Nove anos depois, o avião de Leymah havia acabado de pousar em Nova York quando chegou a mensagem de um amigo no celular: "Nobel, Nobel, Nobel." Leymah começou a chorar, não resistiu e cutucou o passageiro ao lado:
- Quando você recebe uma boa notícia, quer compartilhar. Eu tinha ficado sentada ao lado do sujeito por cinco horas no voo, sem trocar uma palavra. Mas eu tinha que cutucá-lo e dizer: "Senhor, eu acabei de ganhar o Nobel da Paz!"
Aos 39 anos e mãe de seis filhos, Leymah está em Nova York para divulgar seu livro de memórias "Mighty Be Our Powers" ("Maiores são nossos poderes", em tradução livre). Alguns em seu país chegam a dizer que não haveria uma Ellen Johnson-Sirleaf se não existisse uma Leymah. À frente de mulheres de vestidas de branco, ela foi às ruas contra a guerra que assolou a Libéria de 1989 a 2003. Cantou e rezou com outras integrantes do movimento Mulheres pela Paz e estimulou o voto feminino, numa campanha que culminou com a vitória da atual presidente.
Amigos a descrevem como "uma guerreira ousada" - o que ficou evidente em 2003, quando liderou centenas de manifestantes pelas ruas de Monróvia para pedir o desarmamento de combatentes que estupravam mulheres e meninas.
- Não permitiremos mais ser estupradas, aleijadas e mortas - disse na ocasião.
Isso foi três meses antes de o acordo de paz ser assinado. Ele, no entanto, não acabou com os problemas ou a violência. Leymah hoje trabalha em Gana, como diretora Rede de Paz e Segurança para Mulheres na África e diz que o Nobel lhe dá mais energias e uma plataforma global para sua causa.
- Vou continuar o que faço de melhor: defender os direitos das mulheres e um mundo mais seguro - disse.
Conhecida como "a mãe da revolução no Iêmen", a jornalista e defensora de direitos humanos Tawakkul Karman descobriu que havia se tornado uma das ganhadoras do Nobel da Paz em sua tenda azul, no acampamento de manifestantes contrários ao ditador Ali Abdullah Saleh, onde vive desde fevereiro. Com um véu florido sobre a cabeça, a mãe de três filhos exclamou: "Eu não esperava". Em janeiro, a prisão temporária da ativista de 32 anos - em um país onde raramente as mulheres são detidas - impulsionou o levante contra o regime do ditador, há 33 anos no poder. Tawakkul defende manifestações pacíficas pela democracia mesmo diante da escalada de violência que transformou em zonas de guerra os combates entre forças do governo e dissidentes militares. Primeira mulher árabe a conquistar o Nobel da Paz, ela dedicou o prêmio à juventude e ao povo iemenita.
- É uma vitória para a nossa revolução e para nossos jovens que elegeram a via pacífica. Porque nossa revolução começou e acabará de forma pacífica. Reconstruiremos nosso país sobre a paz - disse, oferecendo o Nobel às mulheres do mundo árabe. Apesar da popularidade, ela não é uma unanimidade no país. Muitos a consideram uma islamista radical.
Tawakkul nasceu em Taiz, cidade no sul do Iêmen conhecida pela classe média proeminente, pela presença de intelectuais na universidade e pela oposição ao regime de Saleh. Ontem, o presidente evitou comentar a vitória da compatriota. O engajamento de Tawakkul na defesa dos direitos humanos começou bem antes da Primavera Árabe - a explosão de frustração contra os governos de regimes ditatoriais instalados há décadas em países que viviam os efeitos de graves disparidades econômicas. Desde 2007, ela faz parte de manifestações na Praça da Mudança, local de protestos antigoverno. Tawakkul integra o Partido Islah, de oposição fundamentalista islâmica.
A jornalista preside a organização Mulheres Jornalistas Sem Correntes, voltada para a defesa da liberdade de expressão. Ela já chegou a receber ameaças por telefone por se recusar a aceitar a rejeição do governo aos pedidos para iniciar legalmente as atividades de um jornal e de uma estação de rádio.
- O Islã tem sido sempre associado ao terrorismo radical e à intolerância. Conceder o prêmio a uma mulher islâmica? Isso significa uma reavaliação. Significa que o Islã não é contra a paz e nem contra as mulheres - resumiu.
FONTE: O GLOBO