terça-feira, 7 de março de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Considerações sobre política monetária

Valor Econômico

As certezas das políticas de metas abriram as portas para o descaso com o uso de outros instrumentos

O regime de metas, dizem os entendidos, tem o propósito de definir a regra ótima de reação do Banco Central. Trata-se da regra que, ao longo do tempo, fortalece a confiança dos mercados no manejo da taxa de juros de curto prazo entregue à responsabilidade dos BCs. Ao adequar suas decisões às expectativas (racionais) dos formadores de preços e dos detentores de riqueza, os bancos centrais tornariam mais suave o processo de manutenção da estabilidade do nível geral de preços, reduzindo a amplitude das flutuações da renda e do emprego.

No livro “Interest and Prices”, um dos luminares do regime de metas, Michael Woodford, recomenda: o regime de metas deve almejar a estabilização dos preços que são reajustados com pouca frequência (sticky prices). Flutuações mais intensas nos preços sujeitos a ajustamentos frequentes ou choques de oferta atípicos devem ser excluídas dos modelos que adotam o regime de metas de inflação.

Diz Woodford: “Um regime apropriado de metas deve descartar as flutuações nos preços dos ativos (financeiros)... A teoria sugere também que nem todos os bens são igualmente relevantes. Os bancos centrais deveriam adotar a meta de estabilização do núcleo da inflação (core inflation), o que coloca maior ênfase nos preços mais rígidos”, ou seja, menos sujeitos a choques de oferta.

Andrea Jubé - Urnas dominaram ‘fake news’ em 2022

Valor Econômico

Opinião que mais mudou no Brasil em 2022 foi sobre urnas

Um levantamento inédito da Quaest revelou que durante a campanha eleitoral de 2022, a desconfiança dos brasileiros em relação às urnas eletrônicas cresceu 38 pontos percentuais em 18 meses. Em novembro, logo após o segundo turno, 56% dos brasileiros - mais da metade da população - declararam não confiar, ou confiar pouco, no voto eletrônico. Em junho de 2021, esse índice era de 18%.

Este dado pode estar associado ao redemoinho de notícias falsas sobre o sistema eletrônico de votação que engoliu parcela expressiva dos brasileiros, principalmente pelas redes sociais, durante a campanha eleitoral.

Após monitorar 20 mil grupos públicos de WhatsApp no Brasil, e identificar, no período de agosto a dezembro de 2022, 720 diferentes tipos de “fake news”, a Quaest concluiu que 51% do noticiário falso era sobre as urnas eletrônicas.

Merval Pereira - O paradoxo do PT

O Globo

A ala mais radical petista puxa o governo para a esquerda, quando ele deveria estar indo para o centro

A relação do governo petista com sua suposta base parlamentar começa a azedar diante de evidências de que a disputa por cargos e poder não está pacificada. A crise mais recente envolve o ministro das Comunicações, Juscelino Filho — um nome que é um estelionato eleitoral —, mas outras desconfianças rondam o ministério.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é acusado pelo PT de ter indicado nomes para o conselho de administração da Petrobras não comprometidas com os “valores” do novo governo. Fora outros ministros que indicaram outros que já estiveram em cargos semelhantes no governo Bolsonaro.

O PT, com sua tendência hegemonista, procura avançar em cargos hoje nas mãos do Centrão, que também tem apetite aguçado por ministérios e empresas hoje nas mãos do PT. Esse é o clima que explica a fala do presidente da Câmara, Arthur Lira, ontem, em que afirma que o governo Lula ainda não tem uma base consolidada no Congresso, nem mesmo para aprovar matérias que exigem maioria simples, quanto mais para mudanças constitucionais.

Carlos Andreazza - Diamantes vitalícios

O Globo

No Brasil, a República ainda não superou o império do contrabando, eterno o uso do Estado para abrigo de interesses privados.

Os diamantes são eternos. Os almirantes bentos, eternos. Os assessores dos almirantes com coragem para entrar no país com encomenda de Jair Bolsonaro: eternos. (Os assessores com dinheiros nas cuecas, idem; os senadores com dinheiro na cueca.)

Eternos porque, no Brasil, a República ainda não superou o império do contrabando. (Nada a ver, hoje, com o capitão da Liesa.) Daí por que, até o último dia, mobilizando pelo menos três ministérios, o capitão Bolsonaro, presidente, tentou fazer entrar ilegalmente no país o presente milionário da ditadura saudita. Tinha certeza de que conseguiria. Não conseguiu. Terá havido outras vezes? O que haverá passado? Quanto passou?

Míriam Leitão - A resiliência da Receita Federal

O Globo

Antes do escândalo das joias, o ex-presidente e a família já tinham tentado intervir diversas vezes no Fisco, com a exoneração de funcionários e acessos indevidos a dados fiscais

O presidente Bolsonaro e sua família tentaram durante todo o mandato usar a Receita Federal. Primeiro para tirar o senador Flávio Bolsonaro de encrencas, depois para esse contrabando das joias sauditas. E por que contrabando? Um assessor coloca R$ 16 milhões numa mochila e diz que não tem nada a declarar, qual é o nome disso? Se é espantosa a cara de pau e o uso do aparelho do estado para lucros privados pela família Bolsonaro, é incrível também a resiliência do serviço público. Na cúpula, Bolsonaro às vezes teve sucesso, mas a máquina resistiu e disse “não” ao então presidente da República.

A notícia dada inicialmente pelo jornal “Estado de S. Paulo", em reportagem assinada por Adriana Fernandes e André Borges, se desdobra em cada vez mais revelações. Na edição de ontem, a matéria conta em detalhes a ida de um avião da FAB com o primeiro sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva para tentar pegar as joias, e o não rotundo que recebeu do servidor da Receita Marco Antônio Lopes Santanna.

PSB e PDT discutem federação e miram 2026

Cúpula pessebista discutirá assunto nesta quinta. Pedetistas acenam positivamente, de olho também em eleição municipal

Bernardo Mello / O Globo

Após encolherem no Congresso neste ano, PSB e PDT, duas siglas aliadas do presidente Lula (PT), darão nesta semana o pontapé inicial nas articulações para formar uma federação, de olho nas eleições municipais de 2024 e no pleito de 2026. O PSB reunirá sua Executiva nacional nesta quinta-feira e apresentará formalmente a possibilidade de se juntar ao PDT por, no mínimo, quatro anos. Entre os pedetistas, o movimento tem recebido sinalizações positivas.

Os dois partidos já concordaram em formar um bloco na Câmara, que somará 31 deputados — 17 do PDT e 14 do PSB. A federação teria ainda sete senadores

Segundo o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, o objetivo na reunião desta quinta-feira é “discutir hipóteses” para o futuro da sigla. Na avaliação da cúpula pessebista, o fim das coligações proporcionais, que entrou em vigor no ano passado, e o avanço da cláusula de barreira forçam a análise de caminhos para a sobrevivência de partidos de diversos campos. No campo da esquerda, houve duas federações no ano passado: PT, PCdoB e PV, de um lado, e PSOL e Rede em outra iniciativa.

— Os resultados mostraram que o isolamento não é a solução. PSB e PDT são dois partidos com o mesmo tamanho, e o equilíbrio é muito importante numa federação — disse Siqueira.

Ranier Bragon – Lava Jato e udenismo

Folha de S. Paulo

Democracia deve manter tentativa de entender o que aconteceu e o que precisa ser feito para que não aconteça

A libertação de Sergio Cabral e a suspensão do juiz Marcelo Bretas simbolizaram o fim de um ciclo de quase nove anos em que o mundo político foi posto de ponta-cabeça e em que ascendeu ao poder algo da qualidade de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo.

Como foi possível o mais alto cargo da República ter sido ocupado por um grupo reconhecidamente limítrofe, preconceituoso, incompetente, ignorante de regras e de ideias, profícuo apenas em produzir bobagens e em se imiscuir em mutretas de gabinete?

Hélio Schwartsman - As joias da coroa

Folha de S. Paulo

Caso envolvendo casal Bolsonaro testa limites do autoengano ideológico

Mais uma prova de que a ideologia cega está no fato de que ainda há bolsonaristas afirmando que o ex-presidente é honesto. Jair Bolsonaro deve ter batido algum recorde. O primeiro dos escândalos a sobressaltar seu governo surgiu antes mesmo de o capitão reformado assumir, e suspeitas continuam a aparecer depois que ele deixou o cargo. A notícia do primeiro cheque de Fabrício Queiroz para Michelle Bolsonaro se tornou pública poucas semanas antes da posse. O caso das joias sauditas veio à tona dois meses depois do fim do mandato.

Alvaro Costa e Silva - Trem-bala é sonho de outro mundo

Folha de S. Paulo

No Rio, além de faltar climatização nos ônibus, empresas desligam o ar-condicionado no verão

Estão de volta as notícias sobre o trem-bala que ligaria o Rio a São Paulo. A ANTT autorizou a empresa TAV Brasil, que tem capital de R$ 100 mil, a investir R$ 50 bilhões para que o brasileiro possa ter a sensação conhecida pelo japonês desde 1964: uma linha ferroviária de alta velocidade. Como tudo ainda é um sonho —que começou no primeiro governo Lula—, me lembrei do trem de prata.

Funcionou de 1994 a 1998. Saía-se da Leopoldina às 20h30 e, numa velocidade de 60 km/h (ideal para pegar no sono), às 6h estava-se na Barra Funda. A composição tinha um carro-bar, dois carros-restaurantes e quatro carros-dormitórios de cabines duplas com suíte (ideal para namorar). Com o barateamento das passagens da ponte-aérea (lembram-se dessa época?), os passageiros foram sumindo na proporção em que o serviço decaía, com atrasos e interrupções provocados por falta de manutenção na linha.

Joel Pinheiro da Fonseca - MST coloca dilema para o governo

Folha de S. Paulo

Ação do movimento na Bahia coloca um dilema para o governo Lula no início do mandato

Ao invadir terras produtivas da Suzano na Bahia, o MST testa as águas do novo governo para ver o quanto consegue obter. As invasões, que já começaram a aumentar ano passado, devem crescer ainda mais. Se forem premiados pela invasão, é evidente que dobrarão a aposta. Inclusive é o que já promete.

Para a Suzano, é péssimo. Milhões de reais perdidos e mais dor de cabeça. Para o governo Lula, então, nem se fala. Essa invasão é concretização —em meros dois meses de mandato— dos piores fantasmas projetados pela extrema direita em 2022. A cereja no bolo é que o presidente da Suzano foi se engajou publicamente na defesa da democracia em 2022, ou seja, contra o projeto bolsonarista. Parece ser punido por suas virtudes.

Eliane Cantanhêde - E se o 8/1 tivesse sido na Nicarágua?

O Estado de S. Paulo

Brasil e ditaduras: diamantes das arábias para Bolsonaro, silêncio de Lula sobre Nicarágua

Bolsonaristas criticam o presidente Lula por relações complacentes ou até amigáveis com ditaduras absurdas, mas o então presidente Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle, são presenteados com joias em ouro e diamantes, em valores do outro mundo, por uma das ditaduras mais sanguinárias do planeta, a da Arábia Saudita. E nem se sabe o porquê dos presentes...

Com toda razão, petistas e adversários caem de pau em Bolsonaro e Michelle, por causa das mil e uma noites e joias das arábias, mas o presidente Lula se recusa a assinar um manifesto de 55 países contra a ditadura abjeta da Nicarágua e a favor da população nicaraguense. Também não se sabe o porquê...

Paulo Hartung - Encontros e desencontros do governo

O Estado de S. Paulo

Dia a dia se cava um abismo diante de um governo eivado por contradições. De um lado, iniciativas reparadoras e urgentes; de outro, impressionante volta a um passado nocivo

Os primeiros passos do novo governo federal desenham jornada marcada por acertos notáveis, mas também atravessada por descaminhos inacreditáveis, evidenciando, a rigor, preocupante falta de rumo em direção à gigantesca tarefa de governar o País para todos. Observa-se cenário de desencontros, fragmentações e impasses que atravancam a ação, o que implica prejuízos à retomada da normalidade, um desafio num país que se mostrou profundamente dividido desde as eleições.

Naturalmente, é um alívio testemunhar decisões como a busca de inspiração e fundamentos na bem-sucedida experiência da educação básica do Ceará, com vistas à melhoria da aprendizagem dos nossos jovens. Louvável, também, a prioridade de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS), necessidade cabalmente demonstrada durante a pior fase da pandemia da covid-19, seja por sua relevância na travessia, seja pelos problemas gerenciais registrados. Digno de nota, o Brasil ter voltado à cena global como interlocutor e player decisivo em questões como integração regional, comércio internacional e convulsão climática. Vale lembrar o protagonismo na COP27, no Egito, antes mesmo da posse.

Luiz Carlos Azedo - "Terceira via" pode renascer das cinzas em São Paulo

Correio Braziliense

O prefeito Ricardo Nunes busca a reeleição, com Guilherme Boulos e Ricardo Salles na disputa. Sua reeleição pode reviver das cinzas a chamada "terceira via"

São Paulo terá a disputa de poder de maior amplitude política e ideológica do país em 2024. O ex-ministro e deputado federal Ricardo Salles, do PL, confirmou que concorrerá ao cargo de prefeito paulistano, após chamar uma reunião da bancada federal do partido de seu estado e ser apoiado por todos os colegas de mandato. Representa com mais nitidez a direita brasileira, pelas decisões tomadas e polêmicas em que se envolveu. Salles é o farol ideológico do bolsonarismo real. Seu principal adversário ideológico é o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e deputado federal Guilherme Boulos, o candidato da esquerda, principalmente de suas alas mais radicais. Sob o manto do PSol, uma confederação de dissidências do PT que deu certo, Boulos está em campanha para prefeito de São Paulo desde 2020, quando disputou o segundo turno com o tucano Bruno Covas. Para o próximo ano, conta com o apoio declarado do presidente Lula, desde a disputa contra Bolsonaro no ano passado.

Cristovam Buarque* - Bondades contaminadas

Correio Braziliense

Quando adotada, em 1995, no Distrito Federal, a ideia da Bolsa Escola teve a bondade de trazer para o Brasil o sentimento de que "lugar de criança é na escola". Passou-se a utilizar recursos públicos para remunerar as mães pobres, desde que os filhos frequentassem a escola no lugar de trabalhar.

O Auxílio Brasil perverteu a bondade ao destituir o programa de sua conotação educacional: exigência de frequência às aulas. Ao voltar a exigir a frequência às aulas e outras condições, a reforma feita pelo presidente Lula recupera parte da bondade, mas deveria ter colocado como condição a ida dos pais à escola dos filhos, ao menos uma vez por mês, e passado a chamar o programa de Bolsa Família-Educação ou Bolsa Educação da Família, além de levar sua gestão para o Ministério da Educação (MEC).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Evolução do novo Bolsa Família não elimina armadilhas

O Globo

Programa apresentado pelo governo é superior ao antigo Auxílio Brasil, mas ainda precisa ser aperfeiçoado

É inegável que o Bolsa Família, lançado no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi uma conquista. A sociedade brasileira se convenceu de que não podia deixar os miseráveis à própria sorte. De lá para cá, governos de diferentes matizes ideológicos mantiveram programas de transferência de renda, em larga medida porque se tornaram uma forma de atrair votos. O sucesso do Bolsa Família, porém, criou uma armadilha. Quem ousaria criticar uma iniciativa para trazer alívio a quem mais precisa?

O próprio Jair Bolsonaro, outrora crítico do assistencialismo, elevou o valor do benefício e estendeu o alcance de seu programa, rebatizado Auxílio Brasil. Resultado: multiplicação das famílias de um só integrante e fraudes endêmicas. Lula reassumiu prometendo trazer um novo formato ao Bolsa Família e usou a manutenção do benefício em R$ 600 como pretexto para aprovar a emenda à Constituição que, na prática, acabou com o teto de gastos.

Poesia | Não se mate - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Do chão não passa - Os Bicudos & Fios de Choro