quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Reflexão do dia – Antonio Gramsci

Seria interessante estudar concretamente, em um determinado país, a organização cultural que movimenta o mundo ideológico e examinar seu funcionamento prático. Um estudo da relação numérica entre o pessoal que está ligado profissionalmente ao trabalho cultural ativo e a população de cada país seria igualmente útil, com um cálculo aproximativo das forças livres. A escola – em todos os seus níveis – e a igreja são as duas maiores organizações culturais em todos os países, graças ao número de pessoas que utilizam. Os jornais, as revistas e a atividade editorial, as instituições escolares privada, tanto as que integram a escola de Estado quanto as instituições de cultura do tipo de universidade populares. Outras profissões incorporam em sua atividade especializada uma fração cultural não desprezível, comoa dos médicos, dos oficiais do exército, da magistratura. Entretanto, deve-se notar que em todos os países, ainda que em graus diversos, existe uma grande cisão entre as massas populares e os grupos intelectuais, inclusive os mais numerosos e mais próximos à periferia nacional, como os professores e os padres. E isso ocorre porque o Estado, ainda que os governantes digam o contrário, não tem uma concepção unitária, coerente e homogênea, razão pela qual os grupos intelectuais estão desagregados em vários estratos e no interior de um mesmo estrato. A Universidade, com exceção de alguns países, não exerce nenhuma função unificadora; um livre pensador, frequentemente, tem mais influência do que toda a instituição universitária, etc.

(Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, volume I, pag. 112 – Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006)

Dois comandos :: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula chegou à perfeição, dá ordens no seu governo, que está chegando ao fim, e no de Dilma Rousseff, que nem mesmo começou. Indicou mais da metade do Ministério, e o ministro Guido Mantega, que é e continuará sendo o titular da Fazenda, está experimentando a estranha sensação de ter dois chefes.

Um dia, ele anuncia que os cortes serão drásticos e não pouparão nem mesmo obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), a galinha dos ovos de ouro da presidente eleita, Dilma Rousseff.

Certamente não falou isso sem o consentimento dela. Mas ambos esqueceram-se de combinar com Lula, e deu no que deu.

O presidente, que já demonstrou, por palavras e obras, que não está se sentindo muito confortável com o fim de seu "reinado", desautorizou seu ministro, que também é ministro do futuro governo.

Lula garante que a próxima presidente não terá necessidade de cortar "nenhum centavo" das obras do PAC, a menina dos olhos de seu governo.

É a situação mais esquizofrênica de que já se teve notícia na política brasileira.

Mantega, na atual administração, é um ministro gastador, responsável pela mudança de orientação que resultou na busca de um crescimento do PIB que superasse a média de 3,5%, considerada o teto para a economia brasileira ficar protegida da inflação.

Ainda no Ministério do Planejamento, e depois no BNDES, Mantega defendia a tese de que o PIB potencial brasileiro era mais próximo de 5% e pautou sua atuação à frente da Fazenda, quando substituiu Antonio Palocci na crise da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Pereira, na busca desse crescimento sem inflação.

Na crise internacional de 2008, não colocou obstáculo à política de Lula de estimular o consumo interno para enfrentar a ameaça de depressão econômica e aderiu de corpo e alma aos estímulos fiscais para animar o mercado interno.

Ao mesmo tempo, o BNDES passou a ter papel relevante no financiamento de empresas, diante da falta de crédito no mercado internacional. E passou a ser a principal fonte de direcionamento de política econômica, escolhendo setores e empresas.

O superávit primário foi reduzido ao mínimo possível, e os gastos do governo foram acelerados, mais para financiar salários, pensões e programas assistenciais do que para investimentos.

O crescimento do PIB deste ano, que deve estar por volta de 7%, é uma demonstração viva de que a política expansionista deu certo, ajudando o país a enfrentar a crise internacional de maneira exitosa.

Mas também trouxe de volta o fantasma da inflação, e por isso, ainda no governo Lula, várias medidas estão sendo tomadas para contê-lo.

Os efeitos serão sentidos apenas no próximo governo, e talvez por isso o presidente não tenha se incomodado tanto.

As medidas de restrição do crédito tiveram também a intenção, tudo indica, de evitar que a última reunião do Banco Central na administração de Henrique Meirelles, e, sobretudo, a última do governo Lula, decretasse o aumento da taxa de juros.

A questão foi jogada para a frente, quando teremos que ver na prática o que significam as palavras do futuro presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, que ontem, na sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, repetiu um mantra que poderia ter saído da boca de Meirelles: "Taxas elevadas de inflação têm efeitos nocivos sobre a economia e perversos sobre a renda da população, em particular sobre segmentos de renda mais baixa."

Ora, manter a inflação em níveis baixos, embora um assunto técnico, sempre teve um caráter político no governo Lula justamente porque a inflação alta afeta a base de apoio popular do presidente.

Deve-se ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o feito de ter convencido o presidente Lula desse efeito nocivo da inflação sobre qualquer projeto de melhoria da capacidade de consumo das classes mais baixas.

A partir daí, qualquer outro objetivo está subordinado ao controle da inflação.

Mesmo o descontrole de gastos dos últimos dois anos foi feito com um acompanhamento técnico da área econômica, que deve ter medido até que ponto o governo poderia chegar para ganhar a eleição sem perder o controle da situação.

A contenção de custos agora anunciada certamente já era de conhecimento da candidata Dilma Rousseff, mas não podia ser alardeada na campanha eleitoral.

Aliás, esta e outras medidas e posições surgidas após a vitória nas urnas demonstram que a campanha eleitoral de pouco serve para que se saiba como vai governar este ou aquele candidato.

Suas juras e promessas são mais falsas que as de amantes de bolero.

Veja-se o caso da presidente eleita. Após a vitória nas urnas no segundo turno, fez um discurso de estadista e calou-se, atitude, aliás, das mais sensatas.

Abriu a boca oficialmente para o "Washington Post" e, na entrevista, deu pistas fundamentais sobre seu próximo governo, ensaiando inclusive um ligeiro distanciamento do governo de seu preceptor em questões de política externa.

Um distanciamento nem tão grande que pareça um rompimento, mas também não tão tímido que não sugira a possibilidade de um voo solo, pelo menos em questões sensíveis como os direitos humanos.

Resta ainda saber a amplitude dessa mudança, mas já existe uma expectativa de haver vida própria no próximo governo, e não apenas a repetição enfadonha de gestos e movimentos ditados pelo manipulador dos cordéis.

Talvez por isso Lula tenha sentido a necessidade de dar palpite público sobre um assunto que só diz respeito ao próximo governo.

Resta saber se ele fez isso porque ainda está no comando ou se está querendo continuar no comando depois do dia 1º de janeiro de 2011.

O abre-alas:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A nomeação do senador Garibaldi Alves para o Ministério da Previdência Social embute um recado político. Quer dizer alguma coisa, além da versão difundida nos bastidores de que seria a única opção do PMDB depois que Renan Calheiros vetou a indicação do senador eleito Eduardo Braga.

Vamos por partes, fazendo um exercício de dedução e de combinação de peças regido por pura lógica. Por que Garibaldi se seria ele o candidato natural do PMDB para a presidência do Senado com apoio de outras bancadas, inclusive de oposição?

Ah, o candidato natural do PMDB não seria José Sarney? Depende do ponto de vista. Na perspectiva do partido talvez sim, mas sob a ótica do governo - o mais poderoso ator da disputa pelo comando do Congresso - provavelmente não.

Sarney conseguiu que o presidente Luiz Inácio da Silva sacrificasse sem piedade o PT do Maranhão para eleger a filha, Roseana, governadora. Conseguiu que Edison Lobão voltasse ao Ministério de Minas e Energia, conseguiu indicar o deputado maranhense Pedro Novais para o Ministério do Turismo.

Das quatro pastas (de verdade) destinadas ao PMDB ficou com a metade. Muito mais poderoso que o vice-presidente, Michel Temer, que indicou um ministro (Agricultura) e meio (Secretaria de Assuntos Estratégicos).

Seria lógico que ainda ficasse com a presidência do Senado acumulando um poder digno da criação de uma república do Maranhão dentro do governo do PT? Pois é. O segundo da fila era Garibaldi.

Ora, se dizem que ele foi escolhido para o ministério porque não havia outro, então quem haverá para a presidência do Senado?

De onde se conclui que a Previdência foi dada a Garibaldi para remover uma peça importante do caminho na disputa pela presidência do Senado.

Só não é possível vislumbrar quem seria, então, o predileto. Se no PMDB não "há ninguém", do PT é que o próximo presidente não pode ser. O partido vai presidir a Câmara ficando com a vice no Senado.

A terceira bancada mais numerosa é a do PSDB, com dez senadores. Sim, mas e o governo com isso? Não há a menor chance de o novo governo aceitar, por exemplo, Aécio Neves na presidência da Casa.

De fato, não haveria mesmo, mas quem sabe que tipo de artifício pode ser engendrado por cabeças políticas cujos olhos miram muito adiante?

Quem sabe também se a oposição quer mesmo se opor? E quem sabe onde estará um político no futuro?

De nítido mesmo nessa história o que dá para enxergar é um Aécio conversador demais para quem está prestes a integrar a pouco influente bancada da oposição.

Noves fora, tudo isso quer dizer o quê?

Nada de muito objetivo, só um exercício de dedução e de composição de peças regido pela lógica para convidar o caro leitor, a amiga leitora a pensar.

Roupa nova. Só não se pode dizer que se arrependimento matasse o PMDB estaria mortinho da Silva porque para o partido é melhor ser governo que oposição.

A parte que coube ao partido no latifúndio da Esplanada desagradou, à revolta, à bancada na Câmara e à cúpula do partido, que promete esperar o governo na esquina.

Não na disputa pela presidência da Casa, mas mais à frente quando a presidente precisar de votos no plenário ou de solidariedade em comissões de inquérito.

Os dirigentes acham que foram humilhados e um deles fez a frase: "O PMDB estava louco para mudar a imagem. Mudou, antes era fisiológico e esperto agora é fisiológico e bobo."

Antes tarde. Gim Argello renuncia à relatoria e deixa a Comissão de Orçamento, aonde nunca deveria ter chegado.

Dá licença. Dessa conversa sobre "refundação" do PSDB o que deu para entender até agora é que se trata de uma espécie de programa de aceleração do afastamento de José Serra.

Corte de despesas, imprensa e política externa : para não dizerem que não falei de flores:: Bolívar Lamounier

Deu no Blog do Bolívar Lamounier

No momento o Brasil tem dois presidentes – Lula saindo e Dilma entrando. Ministros eu não sei ao certo quantos são, suponho que uns 50, contando os 37 do governo Lula e alguns novos que vão integrar o governo Dilma.

Com tanta gente sondando, auscultando, dando palpite e decidindo, não dá para imaginar que todos vão cantar no mesmo tom. Alguma desafinação vai haver.

Mas ouvir Mantega e Lula desafinando num assunto tão sério como o ajuste fiscal, convenhamos que é estranho. Na apresentação da nova equipe econômica, ao lado de Miriam Belchior (Planejamento) e Alexandre Tombini (Banco Central), Mantega foi enfático. Disse que o ajuste seria feito e que haveria um corte substancial de despesas.

Aos ouvidos do mercado e dos mortais comuns que pagam impostos, isso soou como música. No governo Lula, a gastança aumentou que foi uma grandeza e o ajuste foi feito pelo lado da arrecadação.

E há muita coisa em jogo. Quando Lula chegar a São Bernardo e girar a chave na porta de sua casa, sua visão do Brasil como “uma ilha de tranqüilidade num mundo em turbulência” (qualquer semelhança com o slogan do general Geisel não é mera coincidência) já deverá estar a caminho de algum arquivo.

A economia mundial ainda parece longe de se recuperar da crise de 2008. A americana cambaleia. Mais dia, menos dia, a estagnação global irá forçando a China a reduzir seu crescimento, complicando o saldo comercial brasileiro.

Ao mesmo tempo, o aquecimento excessivo da economia brasileira e o real super-valorizado provocam forte aumento nas importações. Moral da história, é preciso desaquecer e desvalorizar. Um ajuste fiscal corajoso e bem feito serve para as duas coisas.

Foi por isso que a ária solfejada dias atrás por Mantega, Belchior e Tombini foi recebida com aplausos pelos mercados. Mantega disse que vai cortar, cortar e cortar. Inclusive no PAC.

Mas hoje no Rio o presidente Lula, com sua conhecida sutileza, disse para cortar onde quiser, desde que não seja no PAC. Quer cortar, corte no custeio, investimento não.

Devemos então entender que Lula está dizendo para cortar na máquina – inclusive ou principalmente nos gastos com o funcionalismo? Não vou dizer que não acredito, direi apenas “a conferir”.

E com os russos – ou seja, com os partidos da base, a começar pelo PT e pelo PMDB – Lula e Dilma já terão combinado alguma coisa ? Essas gloriosas legendas, como sabemos, podem ser acusados de qualquer coisa, menos de austeridade fiscal.

Outro fato avaliado de maneira positiva foi a indicação de Helena Chagas para a Secretaria Especial de Comunicação, em substituição a Franklin Martins. Afinal, a escolhida, ela mesma jornalista, é filha de Carlos Chagas, um dos jornalistas mais respeitados e liberais do país; presume-se, pois, que sua conduta como secretária será orientada por valores semelhantes aos do pai.

Mas a troca em si parece alvissareira. Significa que a questão do novo marco regulatório para a mídia será tocada pelo Ministro das Comunicações e oxalá bem longe de certos conceitos restritivos a que o ministro Martins vinha dando guarida.

Um terceiro fato auspicioso foi a declaração de Dilma Rousseff sobre o Irã em sua recente entrevista ao Washington Post. Respondendo a uma questão sobre direitos humanos, Dilma criticou de maneira taxativa a posição do governo Lula em dois pontos importantes.

Primeiro, manifestou inconformidade com a situação de Sakineh, a iraniana condenada à morte por adultério, que aguarda a execução por apedrejamento. Segundo, discordou da posição adotada pelo Brasil na ONU, abstendo-se de condenar a conduta do governo do Irã em relação aos direitos humanos.

Não se conhece ainda o pensamento de Dilma a respeito do programa nuclear iraniano, mas no que toca aos direitos humanos ela já marcou uma distância considerável, e irreversível, em relação ao governo Lula. Dir-se-á que é apenas um primeiro passo. De fato, é um apenas primeiro passo, mas é importante.

Se a presidente quer de fato reorientar a nossa política externa, terá claras oportunidades de o fazer em conexão com Cuba. O tratamento dispensado pelo Irã a Sakineh é chocante, mas o que a ditadura cubana tem proporcionado a seus prisioneiros políticos não fica muito longe. Praticamente no mesmo dia em que Lula visitou a ilha, no começo deste ano, um deles morreu após 85 dias em greve de fome.

No caso cubano, a oportunidade brasileira transcende a questão dos direitos humanos.

Tem a ver com o equacionamento de um futuro próspero, pacífico e democrático para o país no pós-socialismo.

Mais que notório, agora é público e oficial que o regime dos irmãos Castro chegou ao completo colapso econômico. Raúl Castro e o próprio Partido Comunista não só o admitem sem rodeios como preparam um mega-ajuste fiscal para os próximos meses.

Deste assunto e da política externa, de modo abrangente, Dilma ainda não tratou, e nem caberia esperar que o tivesse feito, mas sua entrevista ao Washington Post foi alvissareira.

Com assessores mais sensatos e livre de certas peias ideológicas de que Lula não quis ou não soube se livrar, ela poderá melhorar sensivelmente o desempenho brasileiro no plano internacional.

Lula e a psiquiatria :: Roberto Romano

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

No imaginário sobre o Estado, a prudência aparece com a alegoria das três faces: a do ancião, a do homem maduro e a de um jovem. Presente, passado e porvir são unidos para o domínio do instante oportuno, o kayrós grego. Os feitos dos legisladores ou governantes devem ser definidos com meticulosa sapiência, mas executados na hora exata. Um minuto antes, ou depois, a medida salutar transforma-se em crime contra a sociedade. A obra de Maquiavel se alicerça na prudência: o que foi dito, se negado pela mesma pessoa, joga ilegitimidade sobre o seu poder.

O site WikiLeaks atualiza a lógica que norteia a máquina do Estado. A guerra entre imprensa e poder existe desde o século 17. As duas frentes - a oficial e a crítica - usam armas perigosas. É o caso da propaganda que gera o culto dos governantes. Quanto maior a censura estatal, mais eficientes as técnicas de manipulação popular. O poder moderno fundamenta-se no binômio de segredo e propaganda. A censura garante o primeiro e os escritores venais aprimoram a segunda (*).

Norberto Bobbio mostra o quanto é antigo o disfarce político. "Que o poder tenda a usar máscara para não ser reconhecido e agir longe de olhares indiscretos, é uma velha história. Tal velha história tem mesmo um nome célebre que, somente com sua pronúncia, dá calafrios na espinha: "arcana imperii". Em análise magistral, escreveu Elias Canetti: "O segredo está no mais íntimo núcleo do poder" (Massa e Poder). Os fundadores da democracia pretenderam dar vida à forma de governo sem máscara, na qual os segredos do domínio fossem abolidos definitivamente e destruído aquele "núcleo interior"." Da tese extrai Bobbio o corolário ignorado no Brasil pelos que controlam o Estado: "O poder oculto não transforma a democracia, perverte-a. Não a golpeia mais ou menos gravemente nos seus órgãos vitais, extermina-a." Entre os "órgãos vitais" da alma democrática encontra-se a liberdade de pensamento e de expressão (**).

Em dias recentes, o sr. Luiz Inácio da Silva retomou uma faceta de sua figura pública, o vezo autoritário de esconder práticas políticas usando, para tal fim, ataques à imprensa. Recordo um fato da sua campanha vitoriosa de 2002.

A Folha de S.Paulo realizou debate com ele, quando perguntei: "Governos eleitos na América do Sul enfrentam pesadas críticas da imprensa (...), isso ocasiona choques que chegam a ameaçar a estabilidade institucional, como no caso da Venezuela. Qual será a sua política para a mídia internacional e brasileira, como pretende Vossa Senhoria se relacionar com os formadores de opinião?"

O candidato afirmou ser "preciso acertar na política, ou seja, esse negócio de o presidente da República ficar dizendo que não conversa com A, com B, não cabe ao presidente da República (...), ele é presidente de todos." Disse mais: "Ou você estabelece uma negociação com a sociedade, com os empresários, mesmo com aqueles que são mais duros contra você, com os donos dos canais de televisão, com os donos dos jornais, para que se estabeleça a possibilidade de governar este país (...). Eu sou tão negociador que em 1975, quando Petrônio Portella disse "vai começar o processo de negociação", me chamou, tinha muita gente que dizia: Lula, não vá. Eu falei: eu vou. Por que você vai? Porque eu tenho o que dizer. Eu fui lá. Então a minha vida inteira só fiz isso, (...) fazer acordos, fazer negociações (...)". Mesmo com certo general houve acordo: "Fui lá, conversei três horas com ele e cumpri o que ele disse para mim. Fiquei no sindicato e o Exército não se meteu nas nossas greves. Depois, então, veio o Miltinho e botou o Exército para bater na gente." E Lula defendeu o diálogo com jornalistas: "Até porque se o cara não quiser conversar comigo eu vou em cima dele para conversar." A matéria, na íntegra, pode ser lida em
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u35797.shtml.

Ao ser perguntado, na semana passada, sobre o apoio que recebe da oligarquia Sarney, que exigiu (e obteve) a censura deste jornal, Lula foi "em cima" do repórter: "Pergunta preconceituosa como esta é grave para quem está há oito anos cobrindo Brasília. Demonstra que você não evoluiu nada. O presidente Sarney é presidente do Senado... Preconceito é uma doença. O Senado é uma instituição autônoma diante do Poder Executivo, da mesma forma, o Poder Judiciário. O Sarney colaborou muito para a institucionalidade. E ademais é o seguinte: o Sarney foi eleito pelo Amapá, eu não sei por que o preconceito. Você tem de se tratar, quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito."

A conveniência política que rende segredo e censura em favor de quem o apoia se justifica, segundo o presidente, pela "institucionalidade". Tragicômica e nada original razão de Estado. Hospícios para intelectuais independentes e jornalistas surgiram no século 19. Hölderlin foi internado por suas posições jacobinas, acusado de loucura. Depois dele, o tratamento psiquiátrico foi a solução contra a crítica na Alemanha, na Itália e na União Soviética. O silêncio sobre tais medidas durou o tempo em que a propaganda enganou as massas, gerando a "popularidade" dos governantes. Mas os "loucos" venceram. Caíram as paredes dos manicômios totalitários com o Muro. O pêndulo, hoje, retorna ao poder e à propaganda. Devemos agradecer ao WikiLeaks.

(*) Burke, Peter: A Fabricação do Rei (RJ, Zahar Ed.) e Thuau, E.: Raison d"État et Pensée Politique à l"Époque de Richelieu (Paris, Armand Colin Ed.).

(**) Il Potere in Maschera, in L"Utopia Capovolta.


Filósofo, professor de Ética e Filosofia na Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), é autor, entre outros livros, de ""O caldeirão de medeia"" (Perspectiva)

Do Torto, Dilma já governa o país:: Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Com gestos estudados e cuidado para não projetar a mínima sombra sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente eleita Dilma Vana Rousseff já governa o Brasil. Suas marcas surgem, naturalmente, sem imposições óbvias. Estão embutidas no discurso de um ministro, no anúncio de uma medida, no espaço concedido a um partido, na decisão de comum acordo com o dirigente ainda no cargo.

Com suavidade, Dilma deu um piparote no complexo - e alvo de múltiplo lobby internacional - caso da licitação dos caças para a Aeronáutica. Por dez anos esse negócio de U$ 15 bilhões foi passando de um presidente a outro, dividindo opiniões técnicas e opções políticas, sem solução.

As empresas interessadas - francesa, sueca e americana - que disputaram a venda dos equipamentos lotearam o governo para convencer e tentar vencer a disputa pela venda de tão dispendioso produto. O presidente Lula, amigos seus, como o prefeito Luiz Marinho, os brigadeiros da força aérea, todos foram alvos do ataque comercial numa negociação de desfecho sempre adiado. O tema, considerado delicado, seria resolvido por Lula para não deixar herança maldita a Dilma. Esta semana, a presidente eleita, ao confirmar o convite ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, para permanecer no cargo, deu o desfecho: a compra dos caças foi postergada e o assunto passa por mais um governo sem conclusão.

Esta não foi a primeira despesa controvertida cancelada pela presidente eleita à última hora. Também o trem-bala, projeto de R$ 33 bilhões, criticado técnicamente por inúmeros especialistas que emitiram pareceres contra, aos quais o governo Lula se mostrava surdo, está praticamente suspenso.

São gastos polêmicos de cuja desnecessidade Dilma Rousseff se deu conta e toma providências, discretamente, para suspender. A entrevista fiscalista que o ex-gastador ministro da Fazenda, Guido Mantega, concedeu esta semana, não é, claro, de sua lavra, pois anunciou cortes de verbas generalizados, que deverão atingir duas frentes sempre preservadas: aumento salarial de servidores e obras.

Em entrevista ao jornal americano Washington Post, Dilma deixou mais sinais de sua política externa do que em qualquer pronunciamento ao longo da campanha eleitoral. Primeiro, pelas declarações públicas e inequívocas sobre seu desacordo com a política externa em vigor, do governo Lula, em questões de fundamental importância, como os direitos humanos. Dilma condenou a abstenção do Brasil na votação de resolução da ONU contra abusos praticados pelo Irã.

Depois, pelo fato de ter escolhido um único jornal para dar sua primeira entrevista exclusiva após eleita, e este ter sido exatamente dos Estados Unidos, país que se recusou a visitar antes da posse, emitindo um sinal dúbio, mas em seguida marcou viagem para o início de janeiro. Sua postura, provou, não é de alinhamento automático com o antiamericanismo da atual política externa.

Dilma já está no comando, também, quando nomeia um Ministério à imagem e semelhança do presidente Lula, com a recondução até injustificada de alguns nomes impostos para preservar posições do presidente que deixará o cargo, mas faz intervenções de grande significado. Como, por exemplo, o controle que demonstra ter sobre o PMDB. Dilma entregou lotes do governo aos partidos mas deixou o PMDB, de onde saiu seu vice, menor do que o partido imagina ser.

A expectativa do partido era enorme tendo em vista a parceria de primeira hora. O PMDB tinha, no governo Lula, seis cargos de ministros, bons de verba, poder e produção de voto, entre eles os da Integração Nacional e das Comunicações, por exemplo. E a divisão estava equilibrada entre as bancadas do Senado e da Câmara. Sai da composição para o novo governo Dilma desbalanceado.

O senador José Sarney é dono de um ministro do Senado, Edison Lobão (Minas e Energia), e um da Câmara, deputado Pedro Novaes (Turismo). Tomou, sem reação, uma das vagas que não eram do seu lote. Moreira Franco, que o vice-presidente eleito e presidente do PMDB, Michel Temer, queria em um vistoso cargo, deve acabar aceitando a Secretaria de Assuntos Estratégicos, um posto de consolação sem poder para nada. Para quem deixou uma diretoria da Caixa Econômica Federal no governo Lula para coordenar o programa de governo da chapa vitoriosa PT-PMDB, é uma humilhação.

Como a presidente eleita conseguiu a proeza de reduzir o PMDB é algo que já merece considerações nos debates sobre a iniciação de Dilma. Avalia quem entende de seus procedimentos que a presidente percebeu o tamanho real do PMDB, menor do que imaginava ser. Ou melhor, sempre blefou que era maior. Continua dividido, uma confederação de interesses. Pode ser forte ainda na micro-política, na disputa caso a caso, especialmente no Parlamento, mas na política maior ainda não se comporta como um partido.

Os que têm estado com Dilma a descrevem numa excelente fase: discreta, fechada em casa mas conduzindo com calma as decisões, uma pessoa que tirou um peso dos ombros com o fim da campanha eleitoral. Trocou algo que não sabia fazer, a campanha, por uma atividade que acha que sabe fazer. Está segura.

Ao contrário de Lula, que encontrou todos os cargos vazios, Dilma encontrou o governo ocupado, todos querem ficar, por isso sua capacidade de nomeações é limitada. Mas não se perde por esperar, diz-se dela: está montando um Ministério Lula-Dilma para transformá-lo lentamente em um Ministério Dilma.

Em dois dias Aécio Neves passou por São Paulo, almoçou com o governador eleito Geraldo Alckmin, jantou com o presidente de honra do seu partido, Fernando Henrique Cardoso, deu entrevista de retomada política ao programa Roda Viva, e desembarcou ontem em Brasília: passou por gabinetes do seu partido, entrou na briga interna do coligado DEM para dar apoio a uma das facções em litígio, e em vários momentos desta reentrée repetiu dois adjetivos da oposição que vai fazer: propositiva mas qualificada. O significado deve aparecer na prática.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

A política da não-política :: Roberto DaMatta

DEU EM O GLOBO

Seria possível viver sem política? Haveria alguma situação humana sem necessidade de decisão e, portanto, de politizar? De escolher e inventar destinos?

Só nos intervalos, nos entreatos, nas pausas e na plenitude das grandes passagens - quando o mundo fica suspenso entre alguma coisa que vai chegar, mas ainda não está presente - surge o não político, o que não pode ser falado. Só aí o jogo é interrompido. A política do jogo ou o jogo como política continua, mas deve ser visto como um "não jogo". Fica como aquelas fases pré-vestibulares, quando a expectativa é maior do que o exame. Na preparação de uma peça ocorre o mesmo. O texto está pronto, mas a produção requer um duro encontro entre os atores e os papéis a serem representados. Nos ensaios, vive-se um momento crítico de representações que não são representações, mas experimentos. Não se pode negar que não exista teatro nos ensaios, mas não se pode afirmar ou confundir o ensaio com a peça. Nesses casos, surge o humano do humano: o ser e o não ser; o papel sem ator e o ator sem papel. Nascimentos e mortes, seguidos de renascimentos e ressurreições.

Assistir a um ensaio é testemunhar, como está acontecendo agora no Brasil, a política da não política. Há muita politicagem, mas tudo ocorre em nome de uma não política. Predomina o silêncio dos fracos e não o grito dos poderosos. Estão todos "tapados" como o caso mexicano exprimia de modo nítido. A peça só vira espetáculo quando a cortina é solenemente aberta.

Estamos nessa fase. Temos os papéis, temos a presidente eleita e o presidente que vai sair de cena, mas a peça ainda não está pronta. E como há teatro na política, mas política não é teatro, pois nela não há ensaio e os custos são impagáveis; temos o preocupante não saber como os atores vão viver esses papéis. Revela-se em toda a sua nudez de corista os bastidores da peça a ser montada pelo governo da presidente Dilma. Olhar o não político no político mostra o lado pessoal e relacional da vida palaciana. Nada mais complicado que escolher num universo de coalizão, um mundo onde se deseja tudo, menos ter o que se foi: oposição. Ademais, quem escolhe: o Lula (que, me fez) ou eu (que devo me fazer)? Fico com o PT ou com o PMDB que imagina ser o partido da modernidade política nacional? Convoco aquele canalha ou fico com este conhecido canastrão porque, afinal, ele me foi indicado por X que, sendo amigo de Z do partido N, tem influência junto a F que pode ser útil justamente porque é de uma teórica oposição?

Sobre os canastrões pairam as dúvidas de sempre. Mas mesmo sobre o diretor-ator principal da peça - a presidente eleita - cabem incertezas porque até hoje ninguém sabe se o teatro imita a vida ou se a vida imita o teatro. Sem ensaio, ninguém pode dizer como a pessoa vai se sair no papel (e o papel na pessoa). Se os dois vão se juntar como a luva branca na mão do mordomo inglês ou se o ator-presidente vai usar luvas de boxe. Já vivemos os dois casos. Sabemos, porém, que todo palhaço usa botinas maiores do que os seus pés, o que acentua a ambiguidade que conduz ao riso e à comiseração. Quem não riu e chorou com Carlitos? Ou com os presidentes que iam liquidar de uma vez por todas a corrupção nacional e, no curso da peça, revelaram-se larápios dignos de um Oscar?

Esse momento sem política, revela os bastidores da politicagem. Primeiro a luta por um partido do Brasil, algo impossível numa sociedade democrática, liberal e igualitária. Impossível porque isso seria equivalente a ter uma única marca representando toda uma indústria ou um time englobando todo um esporte. Como ser o melhor e o mais eficiente se não existe o mais ineficiente?

A disputa relacional, a conta de chegar entre princípios e pessoas, anuncia a peça a ser vista. Pagamos pela sua qualidade de tragédia ou farsa. Pagamos pelos artistas e pelo teatro. Aliás, somos nós - os cidadãos comuns - esse "povo" com ou sem Deus que segura todos os espetáculos deste mundo. Dos enterros anônimos aos funerais faraônicos; das escolhas baseadas na competência dos atores e das que pagam um favor ou se cumpre um requisito formal de apoio de modo que lá vai um canalha para o papel de ministro, o qual, diga-se de passagem, ele irá desempenhar com o mesmo rigor de um Procópio Ferreira.

Pois atores somos todos desde o dia em que, sem convite ou contrato, viemos ao mundo para tomar parte do dramalhão humano. Uma peça que não iniciamos e jamais iremos terminar. Felizes seremos se, dentro dela, pudermos compreender algum entrecho ou cena. Mais gratos ainda se tivermos a sinceridade para nos havermos bem nos papéis que nos foram confiados e que, no fundo, são muito mais importantes que nós. Afinal, nós todos passamos, mas os papéis ficam - eis a lição com a qual nossos políticos ainda não atinaram. Melhor seria disputar menos e pensar mais nas competências. Quanto mais não seja por causa da noção de limite do papel que se disputa. O que, afinal de contas, não é disputado nesse nosso Brasil? Com todas essas claras aspirações autoritárias e um grupo de mandões devidamente entrosados e prontos a enriquecer com o nosso trabalho?

Roberto DaMatta é antropólogo.

O que pensa a mídia

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COP 16: 72 horas críticas:: Raul Jungmann *

DEU NO PORTAL DO PPS

Jungmann: O Protocolo de Kioto corre o sério risco de ir para o espaço.

De Cancún - O presidente mexicano, Felipe Calderón, fez ontem, por mais de uma hora, um pronunciamento, seguido de debate aberto, com a plenária multinacional da COP 16. Defendendo a participação da sociedade civil para quebrar o impasse nas negociações, ele atestava, indiretamente, a dificuldade para o avanço de um acordo multilateral que salvasse a face de Cancún. Não vai ser fácil.

Até aqui, passados 9 dias do início da Conferência e faltando apenas três para sua conclusão, não há nenhum texto ou rascunho escrito das decisões a serem tomadas. Isso porque a estratégia dos anfitriões é a de manter ao máximo as conversações na informalidade, evitando assim o que se passou em Copenhagen. Lá, o primeiro ministro dinamarquês Hans Rassmussen, antes do inicio da COP 15, negociou um texto preliminar com os EUA e China. A proposta acabou sendo "vazada" pela China para alguns países, o que gerou um caos que paralisou por dias a Conferência, quebrando a confiança nos mediadores.

Os mexicanos tentam uma "fuga para frente", organizando os países chave dois a dois. O Brasil está de par com a Inglaterra, na expectativa de não engessar o processo, deixando o máximo de possibilidades abertas, o que é positivo. Hoje, porém, a onça começa a beber água.

É que algum texto ou rascunho tem que fluir, ainda hoje, desse emaranhado de conversações. Estas, como convivas num jantar, vão muito bem até que chega a hora de pagar a conta. E, na “conta” da COP 16 temos problemas salgados.

O Protocolo de Kioto corre o sério risco de ir para o espaço. Japoneses e europeus relutam em bancar a fase dois de Kioto se os EUA não aderirem. E eles não vão fazer isso tão cedo. Já os americanos, queixam-se de que China, Brasil e Índia, que permanecem com programas e metas voluntárias. Assis, eles não teriam porque aceitarem um acordo que seja vinculante e monitorado pela ONU.

Em outro nível, se os recursos emergenciais do Fundo Clima de US$ 30 bilhões estão praticamamente equacionados, tudo permanece indefinido com relação aos US$ 100 bilhões anuais a serem aplicados de 2020 em diante. Sem falar que vai se tornando consenso que as atuais metas de redução de emissões, em curso e previstas, não irão segurar o aquecimento global abaixo dos dois graus até o fim do século XXI.

Se todos estes obstáculos forem driblados, o que esperar de Cancún? Duas coisas. Uma, a principal, que se vai ter a fase dois de Kioto, preservando o seu arcabouço e processo, ficando a definição das metas para 2011. Em segundo lugar, que se encontre uma fórmula de auditar os programas voluntários dos grandes emergentes mais os EUA, de modo satisfatório para as demais nações, em especial europeus e japoneses.

Há uma imensidão de obstáculos a superar nas próximas 72 horas para que se possa alcançar esses dois objetivos. Não vai ser fácil, mas oxalá dê certo.

* Raul Jungmann é deputado federal, membro da comissão de Relações Exteriores da Câmara e dirigente nacional do PPS.

Trocar a Internacional pela Internet?:: Adão Cândido*

DEU NO PORTAL DO ´PPS

Folgo em saber que por trás da capa reformista do PPS ainda pulsam corações revolucionários, mas infelizmente, as grandes mudanças que o mundo precisa não foram e nem serão entregues pela Internet.

Após o vazio deixado pela queda do socialismo real a esquerda tem visitado várias temáticas na busca de um novo ideário: direitos humanos, ecologia, multiculturalismo e etc...

Se por um lado o ideário do ecologismo apocalípitico tem dominado amplas parcelas do que antes era hegemonizado pelo chamado pensamento socialista, por outro, vemos o surgimento de uma vertente de análise que vê no desenvolvimento da Rede o novo demiurgo das relações na sociedade contemporânea: a ciber-utopia. A ideologização desses fenômenos leva ao que Marx chamou de mascaramento do objeto e a transformação do mesmo em um instrumento de dominação.

Sem a devida análise crítica do fenômeno corremos o risco de embarcar na “ciber-utopia”, fazendo uma aplicação mecânica de velhas fórmulas: agora, ao invés de classe operária como agente da transformação, temos o novo ser conectado, a democracia operária virou interação virtual descentralizada, a socialização dos meios de produção mudou para Inteligência Coletiva (Pierre Levy) etc...Temperemos com algumas categorias marxistas e uma retórica apocalíptica de superação do capitalismo e voilà: temos uma Revolução.

Dominic Wolton, Evgeny Morozov e tantos outros estudiosos têm chamado a atenção para a mistificação do tema e suas colocações devem nos fazer refletir, pois a Internet é portadora de grandes expectativas desde seu surgimento: uma sociedade em rede horizontalizada, integração entre os povos, libertação do trabalho repetitivo e alienante, inclusão sócio-cultural das massas, democratização da informação e dos meios de comunicação, maior participação política e etc... Que até agora, passados 15 anos, não se verificaram.

As maiores apostas de mudança com o advento da Internet giraram em torno do binômio democracia/participação. Se supunha que com um espaço livre da rede as massas tomariam para os palácios de inverno da velha mídia e das bolorentas elites políticas.

Nada disso aconteceu. A velha mídia (TV-Rádio-Jornal-Cinema) convive muito bem com o novo membro da família, apesar de todo mundo poder produzir conteúdo, como na Teoria da Cauda Longa (Chris Anderson), os portais mais acessados são exatamente os da mídia tradicional.

Na seara política, todo mundo comentou a utilização da Internet na campanha do Obama, mas poucos deram atenção para o fato que para cada dólar investido na Rede a campanha dele pôs cinco em Rádio/TV. Interessante salientar, também, que com a mesma facilidade que os usuários de Internet aderiram a candidatura Obama, aderiram agora ao Tea Party, movimento da extrema direita norte-americana.

Existem diversos outros estudos mostrando que o uso que as pessoas fazem da internet não tem nada a ver com o que gostaríamos que fizessem. Elas trocam emails, navegam por sites de seus interesses, freqüentam as redes sócias e lêem notícias sobre futebol e variedades. Ou seja, as pessoas continuam sendo elas mesmas, talvez tenhamos de despertá-las dessa consciência em si para uma consciência para si. Já que a classe operária não compareceu ao último encontro marcado, tentemos novamente.

Sobre o Partido Digital, é preciso esclarecer que não há a menor possibilidade de dar certo sem um partido real, com uma IDENTIDADE política claramente definida, que permita aos usuários da Internet identificarem-se com nossa agremiação. A rede tem a característica de ser altamente descentralizada, como bem falou o Raulino (leia aqui), isso nos leva a ter de contar com a boa vontade das pessoas que compartilham os mesmos valores e crenças com a gente.

Para isso, uma agenda temática-identitária deve ser nosso cartão de apresentação. Não há outro jeito, a rede não organiza nada, ela agrega por interesse, cabe as nós gerar esse conteúdo para atrair e envolver os usuários.

A minha ideia com essa resposta é por a bola no centro do gramado. E para finalizar um vídeo provocativo postado no TED: http://migre.me/2IbFM

* Adão Cândido é secretário de Comunicação do PPS.

As agências erram:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Já virou lugar comum dizer que as agências de rating erram ao classificar os riscos. Erros sequenciais foram detectados nas avaliações que fizeram sobre os países e empresas ao longo dos últimos anos. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é só mais um que aponta esse erro, ao comparar o BBB- do Brasil com as nota entre A e A- que a Standard & Poor"s dá para os encrencados Irlanda e Portugal.

Elas são indefensáveis. Davam nota A para a Enron, um pouco antes de a gigante americana se espatifar. O mesmo com a seguradora AIG, que acabou resgatada pelo dinheiro do contribuinte americano. A General Motors era outra empresa bem avaliada até que quebrou. O Lehman Brothers foi um banco que morreu com um atestado de saúde perfeita. Assim foi também nas crises da Ásia, quando países com suas notas robustas, como a Coreia, despencaram em agudas crises cambiais.

Meirelles disse que as agências deveriam melhorar a nota do Brasil porque a dívida bruta é de 60% do PIB, enquanto Irlanda, Portugal e Itália estão com 65%, 77% e 116% e têm notas melhores que a nossa.

A primeira impressão que fica da declaração do presidente do BC é que o Brasil melhorou. Não é fato; foram os outros que pioraram. Esse é o mesmo erro que está na declaração da presidente eleita, Dilma Rousseff, ao "Washington Post". Ela disse: "não é para me gabar, mas o nosso déficit é 2,2% do PIB".

Não é mesmo para se gabar, porque só está abaixo de 3% porque o país cresceu forte este ano, mas em vez de aproveitar o momento e buscar o déficit zero, o governo ampliou os gastos para atender ao ciclo eleitoral. Ministro confirmado e presidente eleita disseram durante a campanha que o Brasil não precisava de ajuste nas contas. Hoje, o ministro muda o discurso radicalmente em flagrante desrespeito à memória alheia.

O perigo não é apenas o 60% de dívida bruta/PIB. É o fato de que os juros são altos porque o governo gasta demais e juros altos realimentam o déficit público. Nesse circulo vicioso, o ajuste é fundamental para abrir espaço para a queda dos juros. Além de cara, a dívida é de curto prazo. Além de alta, cara e curta, há poucas perspectivas de que caia, porque o superávit primário tem sido corroído pelo aumento dos gastos e pela manipulação estatística do governo.

Enquanto o Brasil estiver crescendo e a situação internacional nos favorecer, 60% de dívida bruta não parece muito, mas o mais sensato seria aproveitar o momento para derrubá-la. E o que o governo promete é reduzir a dívida líquida. Há três problemas com esse objetivo. O indicador está meio desacreditado, dado que o superávit primário foi falsificado. A dívida líquida não inclui certas operações, como o dinheiro transferido para o BNDES. Se as reservas subirem muito, a dívida líquida cai, apesar de o custo de carregar as reservas ser muito alto. Mas o pior problema é que o governo promete derrubar de 40% para 30% do PIB a dívida líquida sem dizer como, e apostando apenas numa meta de juro real de 2%. Ora, a queda dos juros será consequência de uma política fiscal mais sensata.

O fato de os países europeus terem piorado tanto suas contas públicas não é motivo para relaxarmos as nossas. Se as agências de rating dão nota A para países sobre os quais se fala em risco de renegociação da dívida soberana, o problema é mais uma vez da incapacidade das agências de verem os fatos antes de acontecerem. Deveria ser obrigação profissional delas antecipar-se aos fatos, mas elas sempre rebaixam as notas quando já é tarde e, ao rebaixarem, acabam afundando mais o paciente.

Mas quem se importa com o que as agências dizem? Essa é uma pergunta que ouço sempre. Ninguém, exceto o mercado financeiro internacional. Isso significa que quando o país é rebaixado, as dívidas do governo e das empresas do país ficam mais caras. Os erros passados não fizeram com que elas deixassem de ser levadas em consideração.

Então é bem possível que as agências mais dia menos dia melhorem as notas do Brasil, mas o mais provável é que, antes disso, rebaixem a dos países europeus que estão com notas maiores do que as do Brasil.

O esforço de equilíbrio fiscal tem que ser feito antes de tudo para nós mesmos. O Brasil é um país cuja carga tributária subiu 10 pontos percentuais do PIB em 15 anos. A carga é alta, mal distribuída, pesa sobre as empresas e o contribuinte pessoa física, tirando recursos de investimentos e consumo.

A piora dos outros países não melhora a nossa situação, pelo contrário. Quanto mais instável estiver o cenário internacional maior será o desafio brasileiro. E há muitas incertezas. Num ambiente assim, o melhor a fazer é ajustar a casa retirando fatores que podem ser gargalos numa crise. Um deles é o fato de que mesmo num ano de crescimento acima de 7,5% o Brasil tem déficit e gasta mal. Outro é que há gastos ainda não contabilizados adequadamente.

Há quem, no governo, insista em dizer que comparados aos outros estamos bem. Por que nos comparamos a quem piorou e não aos países que passaram pela crise com desempenho melhor do que o do Brasil?

A inflação dos pobres: Rolf Kuntz

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A inflação está sendo especialmente severa para os pobres, neste ano, por causa dos preços da comida. Quanto mais pobre a família, mais ela gasta, proporcionalmente, para se alimentar. O custo da alimentação tem subido em todo o mundo, puxado pela piora nas condições da oferta e pela especulação financeira. Grandes investidores contribuem para a alta das cotações aplicando muito dinheiro em produtos agrícolas e outras commodities. Mantido o cenário, as exportações de soja e derivados poderão render no próximo ano US$ 19,6 bilhões ao Brasil, 15,2% mais que o valor estimado para este ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais. O aumento das cotações ganha um impulso especial quando os juros são muito baixos, sobram recursos no mercado financeiro e ainda há a perspectiva de novas emissões de dólares. Mas o consumidor fica fora da festa.

Em novembro, subiu 1,33% o índice de preços ao consumidor de baixa renda (IPC-C1) calculado pela Fundação Getúlio Vargas. O indicador acumulou alta de 6,41% no ano e 6,58% em 12 meses. O índice mais amplo (IPC-BR) aumentou 1% no mês, 5,47% no ano e 5,73% em 12 meses. A alimentação tem pesos diferentes para diferentes faixas de renda. Principalmente por isso a inflação dos pobres foi maior que a dos outros grupos em 2010.

Os alimentos ficaram 2,62% mais caros em novembro para as famílias com renda mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, cobertas pela pesquisa do IPC-C1. O custo da alimentação subiu 9,29% para esse grupo em 12 meses.

Para entender o significado real desses números é preciso levar em conta o padrão de consumo dessas famílias. A alimentação representa em média 39,62% de seus gastos habituais. Em outras palavras, de cada R$ 100 desembolsados mensalmente por essas famílias para atender às suas necessidades, quase R$ 40 são destinados à compra de alimentos.

O quadro muda consideravelmente quando se consideram as famílias com renda mensal entre 1 e 33 salários mínimos. A evolução de seus gastos é representada pelo IPC-BR e a alimentação corresponde a 27,49% de seu orçamento de consumo. O contraste fica mais forte quando se examina o padrão do mundo rico. Nos Estados Unidos, o custo da alimentação tem peso próximo de 15% no índice calculado pelo Departamento do Trabalho.

O custo da comida perdeu importância relativa, no Brasil, desde a segunda metade dos anos 80, com os ganhos de produtividade no campo. A modernização do setor, resultante da adoção de novas tecnologias e estimulada pela liberação de preços e pela abertura comercial, eliminou as crises de abastecimento e transformou o País numa das principais potências agrícolas.

Os pesquisadores de índices de preços tiveram de refazer duas ou três vezes suas ponderações, desde o começo da última década, para refletir as mudanças no orçamento familiar. Com o barateamento da comida, sobrou mais dinheiro para despesas de outros tipos e essa mudança foi um dos fatores de expansão do mercado interno de bens industriais. Mas a alimentação continuou pesando muito para as famílias de baixa renda. A melhora de seu padrão de consumo tem dependido em boa parte dos programas de transferência de recursos. O alimento produzido no Brasil é barato pelos padrões internacionais e por isso o País é competitivo. Não há problema de produção, mas há deficiências graves nas condições de emprego dos mais pobres.

Não há, por enquanto, perspectiva de uma reversão nos preços agrícolas em 2011. Se as cotações se mantiverem elevadas, ou até em alta, as contas externas brasileiras serão beneficiadas e as condições de emprego serão favorecidas. Mas continuarão as pressões sobre o custo de vida e isso poderá resultar em sacrifício para muitas famílias.

O problema será pelo menos atenuado se for possível evitar o contágio dos demais preços. As medidas anunciadas na semana passada pelo Banco Central podem contribuir para isso, limitando a expansão do crédito e esfriando um pouco o entusiasmo dos consumidores. Hoje, o Comitê de Política Monetária informará sua nova decisão sobre os juros. Sua avaliação das perspectivas será apresentada em ata oficial na próxima semana. Empresários do comércio e da indústria resistirão, como sempre, a qualquer sinal de aumento de juros. Nenhum deles gasta quase 40% de sua renda - ou mesmo 27% - para alimentar a família. Para eles, a inflação não é tão feia.

Jornalista

Aécio defende Rodrigo Maia para manter DEM unido à oposição tucana

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Raquel Ulhôa De Brasília

Em plena campanha para se consolidar como pré-candidato do PSDB a presidente em 2014 e se contrapor a eventuais articulações do ex-governador José Serra para voltar a disputar a Presidência da República ou mesmo de conquistar o comando do partido, o ex-governador de Minas Gerais e senador eleito Aécio Neves fez ontem um gesto importante para consolidar aliança com o Democratas e tentar manter o partido aliado unido.

Em sua primeira visita a Brasília como senador eleito, antes de encontro com a bancada do PSDB no Senado, Aécio deu enfático recado ao DEM da necessidade de a oposição estar unida em torno de um projeto futuro de poder. "O Democratas fortalecido, unido, sólido, é absolutamente vital para a construção de um projeto alternativo para o país", disse. "Nada agrega mais do que a expectativa de poder. (...) Os embates pra valer que vamos enfrentar é com nossos adversários."

O pronunciamento foi feito na sede do DEM, em encontro com parlamentares reunidos pelo deputado Rodrigo Maia (RJ), que enfrenta uma oposição interna do partido, comandada pelo ex-presidente da legenda Jorge Bornhausen (SC) e pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Aécio manifestou apoio a Maia, que defendeu abertamente opção por sua candidatura a presidente, em vez do nome de Serra.

O tom de Aécio surpreendeu os presentes. "Temos que superar um decréscimo de cadeiras que tivemos na Câmara e no Senado com uma ação eficiente, qualificada do ponto de vista da oposição e muito firme e corajosa do ponto de vista político. E o DEM é vital para isso", afirmou. Depois da reunião com o DEM, Aécio reuniu-se com a bancada de senadores - atuais e eleitos - do seu partido.

Nos últimos dias, o ex-governador fez claros movimentos em busca de apoios para seu projeto futuro. Uma das iniciativas foi a aproximação com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que sempre foi o aliado mais importante de Serra no partido, ao lado de sua mulher, a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, morta em 2008. Tucanos históricos dizem que, pela primeira vez, FHC dá sinais claros de simpatia por uma pré-candidatura do mineiro.

O ex-governador tem procurado governadores eleitos pelo partido, como o aliado Geraldo Alckmin (SP), com quem se encontrou na segunda-feira, e Beto Richa (PR), praticamente um novato na cúpula partidária. Nos encontros, o ex-governador prega a ideia da "refundação" do PSDB, baseada principalmente na modernização do programa do partido.

A ideia é que um conselho de "notáveis" fique responsável pelos estudos das mudanças necessárias ao programa. A proposta de Aécio é que participem FHC, Serra e o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) - que hoje faz seu discurso de despedida do Senado.

Ontem, o ex-governador mineiro reuniu-se com os senadores atuais e os eleitos do PSDB, no gabinete de Tasso, que passará a ser seu após assumir o Senado - assim como o apartamento do cearense. O gesto tem um simbolismo: é como se Tasso tivesse transferido a Aécio uma espécie de coordenação política da bancada.

Nos oito anos de seu mandato, o gabinete do cearense era o local mas frequente em que a bancada tucana do Senado se reunia. Em geral, para almoço oferecido pelo anfitrião. Nessas oportunidades, os senadores tucanos discutiam temas da pauta e estratégias de atuação. Pelos almoços e reuniões, passavam também senadores de outros partidos de oposição ou dissidentes da base governista, como Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE).

Aécio também busca fortalecer a relação com outros partidos. Ontem, fez a visita a Rodrigo Maia, que foi um de seus maiores aliados na fase em que disputava com Serra a vaga de pré-candidato a presidente. Pressionado a antecipar a troca de comando do partido, Maia pediu o gesto de apoio de Aécio.

Em outra frente de articulação, Aécio reforça os laços com o PSB do governador Eduardo Campos (PE), reeleito, com quem se reuniria ontem à noite. Campos já declarou que pretende ajudar na interlocução de setores da oposição com o futuro governo Dilma Rousseff.

O primeiro item da pauta da conversa com Campos é a política mineira. Aécio está preocupado com a troca de comando do PSB de Minas. Sairá o deputado estadual Vander Borges e assumirá o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda. A preocupação de Aécio deve-se ao fato de que setores da nova direção não compõem com o governador eleito, Antonio Anastasia (PSDB), de quem a atual cúpula do PSB é aliada.

Setores do PSDB mais ligados ao ex-governador José Serra consideraram a movimentação de Aécio "um factoide" de fim de ano.

(Colaborou Raymundo Costa)

Lenta, desindustrialização já atinge produção e emprego

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Marta Watanabe De São Paulo

A produção de TVs de LCD cresceu 153% de janeiro a outubro de 2010 em relação ao ano passado. Os fabricantes de televisores integram os segmentos que puxam as empresas do Polo Industrial de Manaus, que deve bater recorde de faturamento este ano. A Gatsby do Brasil, porém, que há 17 anos fabrica cabos para televisores na capital amazonense, deve terminar o ano com um terço do quadro de funcionários que possuía no ano passado e com faturamento 40% menor do que o de 2009.

Puxada pela expansão da produção agrícola em razão da forte exportação de commodities, a venda de tratores e máquinas agrícolas está em franca expansão. Este ano a venda desses itens no mercado interno cresceu 28% no acumulado até outubro na comparação com igual período de 2008, antes dos efeitos da crise financeira. A Engrecon, que desde 1973 fabrica engrenagens para tratores no município paulista de Santana de Parnaíba, contudo, deve terminar o ano com produção de peças 30% menor e um terço a menos de trabalhadores em relação ao mesmo período pré-crise.

A Gatsby e a Engrecon são dois exemplos de indústrias cuja produção ficou em 2010 em total descompasso com a expansão das vendas do produto cuja cadeia de produção elas integram. O que as tirou da festa de comemoração de vendas crescentes no mercado interno foram as importações. Dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) mostram que a importação de peças para receptores e televisores, por exemplo, triplicou de janeiro a setembro deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. "Na mudança de TVs de tubo pelas de tela plana os fabricantes passaram a importar kits de componentes que já incluem os cabos que fornecemos", diz Josué Indalécio, diretor da Gatsby do Brasil.

"A desindustrialização começa assim, aos poucos, em alguns segmentos específicos. Quando chega a afetar os números mais gerais de capacidade de produção é porque muitas empresas já fecharam as portas e demitiram funcionários", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Para ele, por enquanto são pontuais as situações em que a importação foi além da complementação de produção para atender a demanda interna. São casos em que a importação já toma espaço do fabricante nacional com força suficiente para causar queda na produção e demissão de empregados.

O economista Fernando Montero, da corretora Convenção, diz ser cedo para saber se há desindustrialização. Para isso, acredita, seria necessária uma mudança estrutural que não se sabe se já ocorreu. "O que chama a atenção, porém, é que em períodos anteriores houve queixas das indústrias somente quando o mercado interno deixava de crescer", lembra. "Atualmente as importações estão muito agressivas e as empresas estão se queixando mesmo com as vendas domésticas em elevação." Ao mesmo tempo, lembra, as indústrias concederam, de forma geral, reajustes salariais de 15% em dólar, o que eleva o custo de produção e tira competitividade. "Isso também pode ser reflexo de um mercado de trabalho muito apertado."

De qualquer forma, acredita ele, os dados mais recentes mostram um descompasso entre o desempenho da produção e do comércio varejista. Na passagem do segundo para o terceiro trimestre, lembra, as vendas do varejo ampliado cresceram 3,4%, enquanto a produção industrial teve queda de 0,5% em variações que já descontam os efeitos sazonais.

Montero observa que parte do crescimento varejista é permitido pelos preços baixos decorrentes da própria valorização do real. Resta saber o que deve acontecer se o mercado doméstico recuar.

A perda de mercado para os importados em um momento de real valorizado, lembra Castro, não significa que as encomendas retornarão aos níveis anteriores caso o dólar volte a ficar mais forte, mesmo se o consumo doméstico continuar aquecido. "Indústrias que estão sendo minadas pelos importados tendem a perder a ligação com seus clientes. Não só perdem ritmo de produção e ficam desatualizadas, mas também deixam de ter capacidade de investimento."

Por enquanto, a Gatsby tenta novas soluções para manter a atividade produtiva. A empresa procura diversificar a clientela com o desenvolvimento de cabos para máquinas automáticas de banco, por exemplo. A Engrecon também resiste às importações e abre 2011 com perspectiva de fabricar a partir do terceiro trimestre engrenagens mais sofisticadas para caminhões e menos sujeitas à concorrência com os produtos estrangeiros. Segundo José Carlos Nadalini, presidente da empresa, a nova linha é alvo de investimento de US$ 15 milhões em máquinas alemãs.

Castro lembra que o câmbio está fazendo grande diferença atualmente para as indústrias, mas não age sozinho. "Essa influência do câmbio não seria tão grande se outras condições estruturais estivessem resolvidas, como carga tributária elevada ou infraestrutura precária."

Essas são questões, diz, que fazem diferença para a competitividade das indústrias, seja no mercado interno ou no externo.

Fundada em 1943, a fabricante de calçados femininos Schmidt Irmãos, com sede em Campo Bom, interior gaúcho, é um caso emblemático. Ela vendia para os Estados Unidos e Europa 100% da produção de 21 unidades fabris distribuídas em oito municípios. Desde julho, desativou fábricas em seis cidades e o quadro de 3 mil funcionários foi reduzido para cerca de 500 pessoas. Até o início de 2011 a empresa deixará o Brasil e passará a produzir calçados na zona franca de Zaratoga, na capital da Nicarágua. Além de um acordo comercial que lhe dará vantagem competitiva, em Manágua a empresa ficará livre do impacto da valorização do real.

(Colaborou Sérgio Bueno, de Porto Alegre)

'Farra' de eventos desvia milhões do Orçamento

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Ribamar Oliveira e Caio Junqueira De Brasília

As denúncias sobre irregularidades na aplicação de recursos proporcionados por emendas apresentadas pelo senador Gim Argello (PTB-DF) aos Orçamentos da União de 2010 e 2011 podem ser a "ponta de um iceberg", avaliam parlamentares da Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Só para promover a divulgação do turismo, as emendas dos parlamentares transferiram dos cofres públicos para entidades privadas e prefeituras R$ 948,1 milhões de 2004 até outubro de 2010. Nessa rubrica estaria a origem dos desvios de dinheiro público.

Com esses recursos, as entidades favorecidas, geralmente institutos criados para essa finalidade, promovem shows, festivais, rodeios e outras festas. Os técnicos da Comissão desconfiam que, como ocorreu com algumas emendas do senador Argelo, muitas dessas empresas podem ser de fachada ou beneficiar pessoas ligadas a parlamentares.

O uso do dinheiro público para promover "eventos" teve crescimento vertiginoso. Em 2004, o Tesouro transferiu R$ 15,01 milhões para entidades privadas e prefeituras promoverem "eventos", a preços de outubro. Em 2009, esse valor pulou para R$ 337,8 milhões. Neste ano, até outubro, já está em R$ 167,8 milhões.

Essa situação levou o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) a apresentar emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias para impedir transferências de recursos com essa finalidade. No Orçamento de 2011, portanto, essas transferências serão proibidas.

Guerra disse que tomou a iniciativa depois da "farra" das transferências de recursos para promoção de eventos em Pernambuco. Segundo apuração da época, boa parte desses eventos existia apenas no papel. O então secretário de Turismo do governo do Estado foi afastado. "A minha emenda foi uma vacina para uma doença que estava próxima de se tornar uma epidemia", disse Guerra.

Levantamento feito pelo Valor constatou que poucos parlamentares deixaram de apresentar emendas com essa finalidade nos últimos anos. Os autores estão em todos os partidos. Não há irregularidade nas emendas, como lembrou ontem um especialista da área, pois elas não eram proibidas por lei. O problema reside, de acordo com a fonte, na aplicação dos recursos.

Mas a proibição criada pela emenda de Guerra está levando os parlamentares a apresentar emendas em outra rubrica orçamentária. O alvo agora é a ação "Fomento a Projetos em Arte e Cultura".

Por causa das denúncias, Argelo renunciou ontem ao cargo de relator-geral do Orçamento. O PT indicou a senadora Idelli Salvatti (PT-SC) para ocupar o posto.

Criação de agência de mídia é alvo de críticas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para entidades do setor de radiodifusão, regular o conteúdo de rádios e TVs poder dar margem a tentativas de controle da liberdade de expressão

João Domingos e Lucas de Abreu Maia

Entidades que representam empresas de comunicação e radiodifusão criticaram ontem a ideia de se criar uma agência para regular o conteúdo levado ao ar por rádios e TVs. A proposta faz parte das medidas em debate no governo para elaboração do anteprojeto do marco regulatório do setor, sob responsabilidade do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Franklin Martins.

O diretor-geral da Associação Brasileira de Radiodifusão (Abert), Luís Roberto Antonik, discorda da criação de uma Agência Nacional de Comunicação (ANC) em substituição à Agência Nacional de Cinema (Ancine), proposta que constaria da primeira versão do projeto de lei, segundo publicou ontem o jornal Folha de S. Paulo.

Para Antonik, o setor já está submetido a um "excesso" de normas. "Existe uma miríade de hiper-regulação a nosso respeito. Tem a lei de 1962, a Lei Geral das Telecomunicações, o Estatuto da Criança e do Adolescente, as regras da Anvisa e do Conar, a Anatel e o Ministério das Comunicações." Para Antonik, regular conteúdo é um retrocesso, pois dá margem a tentativas de controle da liberdade de expressão.

"Inconstitucional". Opinião semelhante tem o presidente da Associação Nacional dos Editores de Revista (Aner), Roberto Muylaert, que classificou a ideia como "chover no molhado". "Já vimos a mesma proposta com outros nomes", disse, acrescentando que o projeto "parece inconstitucional". "A liberdade de expressão está garantida no artigo 5.º da Constituição - e é tão importante que depois é repetida no 220."

Para Muylaert, a proposta ainda não foi apresentada claramente. "O que sabemos é que a agência teria poderes para aplicar multas por programação considerada ofensiva, preconceituosa ou inadequada para o horário. A pergunta que fica é: quem julga o que é ofensivo, preconceituoso ou inadequado?"

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) não vai se manifestar até que o governo divulgue oficialmente um projeto de lei. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também não quis comentar o caso.

DEM é vital para projeto alternativo de poder, diz Aécio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Na primeira visita a Brasília desde que se elegeu senador, o ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG) defendeu ontem a unidade do DEM.

Em meio ao racha que atinge a legenda de oposição, Aécio disse que a unidade do partido é fundamental para que se construa no país um "projeto alternativo de poder" ao governo do PT.

"Os embates para valer nós vamos enfrentar é com os nossos adversários", disse Aécio.

O tucano se reuniu com o presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), e líderes da sigla sem a presença do ex-senador Jorge Bornhausen (SC), desafeto de Maia.

Aécio fez elogios públicos a Maia numa tentativa de demonstração de força do atual presidente do DEM.

De acordo com o ex-governador, unido, o DEM tem um "papel vital" no processo eleitoral do país.

"Se soubermos fazer uma oposição qualificada, vamos nos transformar em uma alternativa viável de poder", afirmou o tucano ao grupo de democratas.

DEM pode decidir hoje antecipar saída de Maia

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente do partido mantém guerra com Kassab desde que alteração de ata de convenção tirou do prefeito poder de conduzir sucessão presidencial

Christiane Samarco / BRASÍLIA

A Executiva Nacional do DEM reúne-se hoje para discutir a sucessão antecipada do atual presidente nacional do partido, deputado Rodrigo Maia (RJ), em meio a uma guerra de bastidor pelo comando partidário entre o grupo de fundadores e a nova geração de dirigentes. No centro dessa disputa estão Maia e o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que vivem às turras desde que a ata da convenção na qual o PFL foi rebatizado de DEM sofreu alteração.

A modificação do texto suprimiu o poder de Kassab de conduzir os interesses do partido na sucessão presidencial, na condição de presidente do Conselho Político do partido. Por conta disso, o prefeito e o deputado já bateram boca e, quando Kassab decidiu cobrar a alteração do texto de Maia, há cerca de um mês, por pouco os dois não trocaram socos. Para ficar no DEM ao menos até o fim de seu mandato na prefeitura, Kassab quer ver Maia fora da presidência o quanto antes.

O novo estatuto do partido, aprovado em convenção por orientação do então presidente da legenda Jorge Bornhausen, conferia ao presidente do Conselho Político a tarefa de negociar os interesses do partido na disputa ao Palácio do Planalto. Para garantir uma sucessão sem traumas, dividindo poder, Maia ficou com a presidência do DEM e Kassab à frente do conselho. Na versão do estatuto registrada em ata, porém, cabe ao presidente do partido, e não do conselho, conduzir o processo sucessório.

Solução. Em busca de uma saída para evitar a implosão do DEM, Bornhausen procurou o senador José Agripino (DEM-RN) na segunda-feira, com o apelo para que ele aceite suceder a Rodrigo Maia na presidência do partido. O mandato do deputado fluminense foi prorrogado até novembro do ano que vem, mas boa parte da Executiva Nacional do partido já entendeu que é preciso ajustar o calendário da legenda ao das eleições municipais e fazer a sucessão em maio.

A ideia é trocar o comando nacional do partido antes do fim do prazo para a filiação partidária dos candidatos, que se encerra um ano antes das eleições municipais de 2012. A proposta do grupo de Bornhausen é renovar os diretórios municipais em março, os estaduais em abril e o nacional em maio.

Os aliados de Maia acusam o grupo de Bornhausen de manobrar para encurtar seu mandato e argumentam que estão dando ao atual presidente do partido uma prorrogação de cinco meses para manter o calendário tradicional das convenções. Em abril, Rodrigo Maia completa quatro anos à frente do DEM e a prorrogação vigente pode esticar sua permanência até o fim de 2011.

Aécio. Ontem, o ex-governador de Minas e senador eleito Aécio Neves (PSDB) desembarcou em Brasília no papel de árbitro da disputa. De acordo com Aécio, o "DEM fortalecido e bem articulado com o PSDB é fundamental para a construção de um projeto de poder alternativo". O ex-governador é aliado, especialmente, de Maia - que o apoiou e defendeu sua escolha, e não a do tucano José Serra, como candidato da oposição para enfrentar a petista Dilma Rousseff na disputa presidencial. "Os embates para valer vamos ter contra nossos adversários", emendou o tucano.

PMDB fica com cinco ministérios

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O PMDB acertou com Dilma Rousseff seu espaço no futuro governo, com 5 ministérios. No loteamento, os grandes vencedores foram José Sarney e Michel Temer.

Sarney e Temer emplacam ministros

Os 5 nomes do PMDB levados a Dilma têm a chancela do presidente do Senado, que pode seguir no cargo, e do vice-presidente eleito

Eugênia Lopes, Christiane Samarco

BRASÍLIA - O PMDB fechou ontem com a presidente eleita, Dilma Rousseff, seu espaço no futuro governo privilegiando os "padrinhos" da legenda. Os vencedores na indicação para cinco pastas - Minas e Energia, Previdência, Turismo, Agricultura e Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) - são o presidente do Senado, José Sarney (AP), e o presidente nacional da legenda e vice-presidente eleito, Michel Temer (SP).

Sarney e Temer emplacaram dois ministros cada na cota do partido. O sexto ministério ocupado por um peemedebista - Nelson Jobim, na Defesa - é considerada cota pessoal de Dilma. No xadrez da reforma, o PMDB cedeu Saúde, Comunicações e Integração Nacional em troca de Turismo, SAE e Previdência, pastas sem o mesmo prestígio político e orçamentário.

"Com certeza a indicação do meu nome tem a influência do senador Sarney e da governadora Roseana Sarney", admitiu o deputado Pedro Novais (PMDB-MA). Seu nome é dado como certo para assumir o Ministério do Turismo, pasta que nos últimos dias passou a ser alvo de cobiça de partidos aliados, como o PSB.

Além de Novais, o grupo de Sarney já havia conseguido o retorno de Edison Lobão para Minas e Energia. No segundo mandato do presidente Lula, Lobão substituiu a então ministra Dilma Rousseff.

Na cota de Temer estão Wagner Rossi, que será mantido na Agricultura, e o ex-governador do Rio, Moreira Franco, que ficará na SAE. Moreira Franco relutou em aceitar a secretaria porque reivindicava um ministério mais robusto. Sem sucesso na empreitada, os peemedebistas passaram então a defender que a SAE fosse "turbinada" com a absorção de novas tarefas.

Mais uma vez, não foram bem sucedidos. Obtiveram só a promessa de que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conhecido como "conselhão", ficará subordinado à SAE. Também conseguiram garantir a permanência do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) na pasta.

Previdência. Na escalação ministerial, a novidade ontem ficou por conta do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), cotado para assumir a Previdência. O nome do ex-governador do Amazonas e senador eleito Eduardo Braga chegou a ser confirmado. Segundo peemedebistas, Braga teria aceitado ser ministro, mas com a expectativa de assumir outra pasta. Ele queria um ministério mais ligado à área empresarial e industrial. Como não foi possível trocar de ministério, o ex-governador desistiu de assumir a Previdência. O PMDB decidiu, então, apresentar o nome de Garibaldi. Mas, ao contrário dos demais ministros indicados pelo partido, o nome do senador enfrenta resistências e sua ida não estava assegurada.

"Ninguém me ligou para me convidar. Mas, se me ligarem, aceito", disse Garibaldi. A sondagem foi feita no início da tarde de ontem pelo líder do partido no Senado, Renan Calheiros (AL). "É um desafio muito grande e a gente tem que aceitar os desafios", observou Garibaldi.

A escolha de Garibaldi para o ministério abre caminho para uma reeleição tranquila de Sarney na presidência do Senado. O senador potiguar já havia declarado disposição de lançar seu nome como alternativa do partido para comandar o Congresso. Garibaldi lembra que já esteve "dos dois lados do balcão", no Executivo e no Legislativo.

Além dos três mandatos no Senado, foi prefeito e governador. A Previdência seria sua estreia na Esplanada dos Ministérios.

Lula atropela Dilma e diz que PAC não terá cortes em 2011

DEU EM O GLOBO

Mesmo tendo de deixar o governo daqui a 24 dias, o presidente Lula desautorizou ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega - que continuará no cargo com Dilma Rousseff -, ao dizer que não haverá corte de um centavo sequer do PAC. Na véspera, Mantega anunciara justamente o contrário: que o novo governo fará cortes em todos os ministérios e que nem mesmo o PAC será poupado. "Hoje, o Guido teve que falar com dois presidentes ao mesmo tempo (ele e Dilma)", disse Lula, afirmando ter "certeza absoluta" de que o PAC não será atingido. Em nota, Mantega reafirmou que os cortes permitirão mais investimentos e redução de juros, negando contradição com Lula. Mas a nota confirmou que os novos projetos do PAC "começarão mais lentamente", Dilma não se pronunciou.

Lula atropela Dilma e Mantega sobre PAC

Presidente diz que "nenhum centavo" do programa será cortado, apesar de ministro ter anunciado cortes na véspera

Fábio Vasconcellos

Um dia depois de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter anunciado que o futuro governo Dilma Rousseff cortará gastos em todos os ministérios, inclusive no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva atropelou tanto o ministro como a presidente eleita ao dizer "ter certeza absoluta" que não haverá cortes no PAC.

- Vocês estão vendo a minha fisionomia? Vocês acham que eu estou com ar de que vai ser cortado algum centavo do PAC? Vocês acham que o meu semblante está dizendo que vai ser cortado? Hoje o Guido teve que falar com dois presidentes ao mesmo tempo (ele e Dilma). Há uma contradição, inclusive na matéria (dos jornais). Eu não sei se foi entendido ou não, porque, quando o companheiro Guido Mantega diz a jornalistas que, se tiver que cortar (gastos), ele vai cortar no custeio para aumentar o investimento em infraestrutura, há uma contradição ao (também) dizer que vai cortar recursos do PAC - disse Lula, que esteve no Rio para o lançamento do Família Carioca - um programa da prefeitura que paga um complemento a beneficiários do Bolsa Família.

Lula disse ter "certeza absoluta" de que o PAC não sofrerá cortes, mesmo com Mantega - que continuará no cargo no governo Dilma - tendo dito na véspera que novas obras terão um ritmo mais lento.

- Não acredito que a gente tenha necessidade de cortar um centavo do PAC. O que nós temos que ter em conta é que temos que manter a inflação controlada, a estabilidade econômica e manter dinheiro para investimentos. Se tiver que mexer em alguma coisa, vai-se mexer em custeio e não em obra de infraestrutura - disse Lula, para em seguida lembrar:

- Eu não vou estar mais no governo. O que eu estiver falando aqui morre dia 31. Pelo que conheço do Guido e da nova presidente do Brasil, eu sinceramente tenho muitas dúvidas.... Eu diria que tenho certeza absoluta que não serão cortadas obras do PAC.

Lula chegou a dizer que houve um mal-entendido na declaração de Mantega. E que ele e Dilma conversaram com o ministro ontem de manhã, reafirmando que os cortes serão feitos no custeio, não em obras. Na entrevista de anteontem, porém, Mantega fora claro ao anunciar que o corte de gastos afetaria os desembolsos para as obras do PAC.

Para o presidente, porém, o que poderá haver no governo Dilma é o remanejamento de recursos de uma obra que esteja com pendências judiciais, e por isso mais atrasada no cronograma, para outros projetos que já estejam em andamento.

- Às vezes, uma obra aqui no Estado do Rio que vai demorar um pouco mais, você repassa para uma que está mais regularizada, e assim você vai ganhando tempo. Para nós, o PAC é como o oxigênio que a gente respira. Nós sabemos o quanto ele deu certo no país e quanto ele vai continuar dando. Graças ao PAC é que as obras não são paralisadas. Estou muito tranquilo com relação a isso - afirmou o presidente, negando ter dado uma bronca no ministro Mantega.

Lula ressaltou ainda que Dilma tem uma relação importante com o PAC, projeto que ela coordenou como ministra da Casa Civil, especialmente com as obras em andamento no Rio:

- Eu conheço a Dilma. Foi aqui na Rocinha que ela foi batizada de "mãe do PAC". Sei do carinho que a Dilma tem pelas coisas do PAC e do carinho com que ela vai tratar as coisas do PAC.

Royalties: Lula anuncia veto e reabilita acordo

DEU EM O GLOBO

O presidente Lula anunciou que vetará a proposta aprovada pelo Congresso que redistribui royalties do petróleo. Ele prometeu enviar medida provisória para restabelecer os direitos de produtores, como o Rio, mas há poucas chances de aprovação.

União busca acordo para royalties

O ÓLEO DA DISCÓRDIA

Após Lula anunciar veto à emenda que tira receita do Rio, Planalto tentará solução intermediária

Gustavo Paul e Fábio Vasconcellos


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem no Rio que vai vetar a proposta aprovada pelo Congresso que revê toda a atual política de distribuição de royalties do petróleo. Segundo Lula, o artigo sobre o royalties, aprovado dentro do novo marco regulatório do pré-sal, foi adiante porque pesou "a questão eleitoral" e, por isso, decidiu vetar o texto. Definido o veto, o governo federal estabeleceu três diretrizes para repartir essa riqueza no futuro. Serão levadas em conta as condições dos campos do petróleo - se estão ou não licitados e se já rendem ou não royalties. A principal orientação será não mexer na atual receita dos estados e municípios produtores, sobretudo de Rio e Espírito Santo.

- O ponto importante é o fluxo financeiro, ou seja, dinheiro que está entrando não se mexe. Seria uma insanidade - disse ao GLOBO o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), também relator de um projeto que trata dos royalties.

Mas ainda não há consenso sobre o formato da nova proposta nem dentro do governo, nem entre os parlamentares aliados. O presidente Lula adiantou ontem que pretendia enviar a proposta em uma Medida Provisória (MP) e na sexta-feira passado comunicou a decisão aos governadores do Rio e Espirito Santo. Mas a ideia foi rechaçada pelos dois, pois o prazo de vigência de uma MP é de apenas 90 dias, tempo insuficiente para negociações. De todo jeito, na avaliação da União, essas diretrizes - assim como a proposta que vem sendo costurada no âmbito do Comitê de Articulação Federativa (CAF), ligado à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, de uma regra de transição de dez anos - têm mais chances de entendimento entre as 27 unidades da federação.

Bancada fluminense teme nova derrota

A primeira diretriz é não alterar o fluxo de caixa dos estados e municípios produtores. Ou seja, a renda com a produção no pós-sal - como os da Bacia de Campos, que fazem do Rio o maior produtor brasileiro de petróleo - não seria alterada. O regime destes campos é o de concessão. A segunda diretriz é que deve haver uma regra de transição para o pré-sal já licitado, mas que ainda não gera receitas. Até agora, os campos de Tupi, no litoral do Rio, e de Baleia Franca, no Espírito Santo, estão nesta situação. Na terceira categoria estariam todos os campos a serem licitados sob o novo regime de partilha, aos quais se aplicariam a fórmula futura de divisão do pré-sal.

Segundo o governo, a receita de royalties e participações sob regime de concessão devem pular de R$22 bilhões em 2010 para R$50 bilhões em 2019, quando as receitas no modelo de partilha estarão no patamar de R$5 bilhões. Em 2027 as receitas com o novo regime de exploração devem chegar a R$62 bilhões, passando as da concessão, de R$55 bilhões.

Com base nesses pressupostos, o governo está costurando uma proposta a ser apresentada ao Congresso tão logo formalize o veto à emenda Pedro Simon (PMDB-RS), que determina a redivisão das receitas de royalties dos estados e municípios igualmente entre as unidades da federação. Caberia à União ressarcir o prejuízo dos estados produtores. O veto deve ser anunciado até dia 31.

Ontem, Lula disse que a base da nova proposta será o acordo fechado em novembro de 2009 com os governadores do Rio, Sérgio Cabral, e do Espírito Santo, Paulo Hartung. Na ocasião ficou acertado que não seriam alteradas as regras para os campos já concedidos; a alíquota dos royalties subiria de 10% para 15%; e a União cederia uma parcela de sua parte para compensar os demais estados e municípios. A redução na receita dos estados produtores seria marginal: a alíquota atual de 26,25% cairia a 25%.

A questão agora é saber como essa proposta será enviada ao Congresso, se via medida provisória ou projeto de lei. Para o governador eleito do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), é preciso tempo para negociar.

- Conversei com Cabral e entendemos que é importante mandar a proposta por um projeto de lei, que dá mais tempo para negociar - disse o governador eleito do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB).

Hartung também defendeu que a proposta do governo seja enviada por projeto de lei para facilitar as negociações. Segundo ele, a decisão de Lula sinaliza para o entendimento:

- O presidente coloca as discussões em torno do projeto e tira os olhos do veto - disse.

Na prática, as bancadas de Rio e Espírito Santo temem que a edição de uma MP possa levá-los a nova derrota na Câmara e no Senado.

Governadores do NE poderiam aceitar

Do outro lado da trincheira, há sinais de que uma proposta intermediária facilitará um futuro acordo. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, disse ontem que aceita manter intacta a divisão de arrecadação do pré-sal já licitado, desde que se monte uma fórmula mais equitativa para os recursos do pré-sal. Campos liderou os governadores do Nordeste, que foram a principal resistência contra o Rio na batalha dos royalties. Foi a partir de sua mobilização e do governador do Ceará, Cid Gomes, que as bancadas se uniram para tirar a compensação dos estados produtores.

Ontem, no Rio, Lula disse que é preciso buscar um meio termo:

- Acho que o pré-sal tem recurso suficiente para que a gente possa garantir que os estados produtores, como Rio, São Paulo e Espírito Santo, não tenham prejuízo e ao mesmo tempo garantir que os outros estados possam ganhar uma fatia muito grande.

Para o presidente, interesses eleitorais impediram que a proposta inicial acertada com os governadores fosse aprovada. Já o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, disse ontem acreditar que o Congresso aprovará uma solução intermediária, caso Lula vete a Emenda Simon na lei da Partilha.

Colaborou Ramona Ordoñez

Ibsen e Simon, autores da emenda dos royalties, ironizam veto de Lula

DEU EM O GLOBO

O ÓLEO DA DISCÓRDIA: Proposta do governo é mal recebida pela oposição

Confederação dos municípios faz manifesto pela distribuição equitativa

Gustavo Paul


BRASÍLIA. A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que vetará a Emenda Simon e ao mesmo tempo enviará ao Congresso uma proposta que mantém o acordo fechado em 2009 com o Rio e o Espírito Santo foi recebida com ironia pelos autores das emendas polêmicas. O deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), autor da emenda original, lembrou que os termos do entendimento foram derrubados pela Câmara e pelo Senado.

- O presidente está falando daquela proposta que foi derrubada pela Câmara por 370 a 72 e pelo Senado por 54 a 27? - disse Ibsen, ao ser questionado sobre a proposta do presidente. - Não posso comentar a proposta, pois preciso ter clareza do que ele enviará ao Congresso.

O senador Pedro Simon (PMDB-RS), autor da emenda que acabou sendo aprovada pelo Parlamento na madrugada da quinta-feira passada, voltou a defender seu texto e criticou a ideia do Palácio do Planalto:

- Pela nossa proposta, o Rio e o Espírito Santo não perdem nada, pois a União vai ressarcir seus prejuízos. O Lula está gastando os 80% de prestígio que tem. Vai baixar, ele vai pagar a conta (se enviar a proposta).

João Almeida, líder do PSDB, vê afronta ao Congresso

No Congresso, a proposta foi mal recebida pela oposição. O líder do DEM, Paulo Bornhausen (SC), alertou para os efeitos políticos da medida, caso seja efetivada ainda este ano. Segundo ele, uma proposta de Lula no fim do mandato só causará tumulto.

- O veto é uma obrigação, mas o presidente deveria tratar agora da sua mudança. Uma proposta dessa natureza tem de ser enviada e negociada pela presidente Dilma Rousseff, para ter credibilidade.

O líder do PSDB, João Almeida, também considera que a proposta oficial pode ser um tiro no pé do próximo governo e dos estados produtores.

- Esse projeto vai ser um problema para a Dilma, pois ao reeditar um acordo já derrotado, será encarado como uma afronta ao Congresso. Isso mostra arrogância do presidente.

Integrante do Comitê de Articulação Federativa (CAF), ligado à Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, o prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PCdoB), defendeu que Lula mande um projeto de lei para que a discussão da divisão dos royalties seja ampliada.

Confederação de municípios pede "modelo mais igualitário"

Nogueira defende que seja incorporada a proposta de transição de dez anos entre o modelo atual e o novo, que evitaria perdas imediatas dos produtores e o aumento da renda dos demais. Essa proposta, que seria discutida ontem no CAF, foi retirada de pauta.

- O justo é o escalonamento. A proposta elaborada no âmbito do CAF está pronta e podemos colocá-la como opção - disse Nogueira.

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) entregou ontem ao ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, um manifesto em defesa da distribuição equitativa dos royalties do petróleo, assinado por 16 representantes de entidades estaduais de municípios.

"Acreditamos que a sanção deste projeto, sem vetos de qualquer natureza, representará um passo concreto na instituição de um modelo federativo mais igualitário, marcado por mais justiça social e menos desigualdades regionais."

O manifesto diz ainda que a nova distribuição dos royalties aprovada pelo Congresso corrigirá uma injustiça: "O fato inegável é que não podemos continuar perpetuando um sistema altamente concentrador das receitas de royalties que, além de injusto, tende a criar oásis de desperdício de recursos públicos, como se vê atualmente."