domingo, 17 de janeiro de 2021

Luiz Werneck Vianna* - Hic Rhodus hic salta

Nesse tempo de espantos algo já se pode dizer: perderam todos os que se empenharam em imprimir uma marcha à ré no movimento das coisas no mundo com a derrota no processo eleitoral de Donald Trump que os liderava a partir do poder e da influência que o governo dos EUA exerce na cena mundial. Em poucos dias, Joe Biden, cuja campanha se orientou por princípios opostos de política externa será ungido com a faixa presidencial, devolvendo o seu país ao seu leito natural historicamente constituído, exemplar no processo de criação da ONU.  O eixo do mal, portador de versões degradadas do nacionalismo em moldes populistas, perde a sustentação do pino que garantia seu funcionamento, e as peças que ainda lhe restam não terão como operar sem o amparo do sistema de quem faziam parte.

Cerra-se um ciclo que se iniciou no governo Thatcher, aprofundou-se com Reagan e culminou com Donald Trump, em que se tentou com a fórmula neoliberal nos devolver ao capitalismo vitoriano. As promessas de um novo tempo, contudo, se encontram embaçadas pelo flagelo da pandemia que nos assola e tolhe a livre movimentação das forças sociais embora estimulem a procura por soluções cooperativas supranacionais. Nesse sentido, o esforço mobilizado para o combate contra ela ainda mais reforça o processo de transição em que estamos envolvidos para uma era de superação do modelo de estado-nação em favor de organizações multinacionais que se comprometam com os ideais da igual-liberdade.

Essa transição não será um processo fácil, à sua frente poderosos obstáculos, políticos, sociais e econômicos, como se constatou dramaticamente com a insurreição frustrada da invasão do Capitólio quando se intentou obstar a certificação das eleições por um golpe de mão. O cenário dantesco daquele episódio foi registrado ao vivo e a cores, e seu macabro inventário tem sido exposto pela imprensa americana com a identificação dos seus personagens, conformando um quadro assustador de supremacistas brancos, neonazistas, de milicianos, de uma gente sem eira e beira, inflada pela cólera do ressentimento social, escória cevada com as bênçãos do governante do país.

Luiz Sérgio Henriques* - A corrupção da realidade

- O Estado de S. Paulo

É o cenário ideal para projetos de poder que mal disfarçam um fundo niilista

Depois dos espantosos acontecimentos sucessivos à derrota eleitoral de Donald Trump, que culminaram no assalto ao Capitólio, acompanhado em tempo real por todo o mundo, pode-se afirmar que a esfinge do nacional-populismo contemporâneo não guarda nenhum segredo para ninguém.

Singularmente reativos à globalização e à construção de uma ordem internacional capaz de regular minimamente essa mesma globalização, que confundem de propósito com um fantasmagórico “governo mundial”, os diferentes nacionalismos mundializaram-se à sua maneira e renderam-se, ainda que de modo enviesado, às novas realidades. Não é de estranhar, por isso, que tenham até subtraído do movimento histórico dos trabalhadores a ideia de uma “internacional” que informalmente os congrega e entre eles difunde experiências “revolucionárias” ou que parodiam grotescamente as velhas revoluções.

Nada difícil, também, imaginar que serão bem parecidos os problemas que colocam, ou ainda vão colocar, para cada uma das democracias em cuja sala de comando já entraram ou ameaçam entrar. E cabe falar propriamente de ameaça, pois, como o caso norte-americano deixa evidente, trata-se de grupos com pretensões antissistêmicas, avessos à ideia simples, mas fundamental, de que eleições podem ser ganhas ou perdidas e que uma democracia de verdade repousa na recíproca legitimação dos contendores. Ninguém está fora do jogo, desde que recuse a violência e demonstre lealdade às instituições e suas normas, escritas ou não.

Chega a ser obsceno, depois da trágica experiência dos totalitarismos do século 20, transformar adversários em “inimigos internos” ou “traidores da pátria”, como se fazia, e se faz, nas ditaduras de qualquer tipo ou natureza – nas que se instauraram em nome da “segurança nacional” e nas que aviltaram a palavra “socialismo”. Por esse caminho se abdica da lógica política em favor da lógica da guerra e se entra num campo minado onde o combate salutar entre partidos, que sempre supõe acordos e compromissos, degenera no jogo feroz de facções inconciliáveis. Partidos e outros atores razoáveis são elementos de civilização, mesmo quando se defrontam duramente; facções são fatores de barbárie, ruína e perdição.

Celso Lafer – Consequências do trumpismo

- O Estado de S. Paulo

Dante inseriria Trump nos círculos do inferno em que penam os falsários e os traidores

A tomada da Bastilha prefigurou a Revolução Francesa; a invasão do Palácio de Inverno, a implantação do comunismo na Rússia; a marcha sobre Roma, a afirmação do fascismo na Itália; a Noite dos Cristais, na Alemanha, o Holocausto. O que configura a ocupação violenta do Congresso em Washington por uma horda de adeptos do trumpismo, inconformados com a vitória eleitoral de Joe Biden? Ela foi uma surpreendente e inédita ruptura dos tradicionais limites que sempre cercaram e protegeram a autoridade das instituições políticas dos Estados Unidos.

A República americana continuadamente teve como uma das características da sua identidade o respeito às instituições e a afirmação de um “governo das leis” sob a égide e a aura da Constituição. É o que foi configurando, no correr de uma longa experiência histórica, a autoridade da democracia ensejando um patamar de estabilidade aos seus processos de mudança política, com destaque para a dinâmica das sucessões presidenciais provenientes de eleições periódicas.

O que mina e corrói a autoridade é o desprezo pelos limites que ela naturalmente impõe. Daí, nos Estados Unidos, a figura jurídica do contempt of Court, que penaliza, num processo, quem deliberadamente cria obstáculos à administração da justiça, descartando a dignidade e a autoridade da Corte. Contempt of Congress aplica-se aos que obstam ou buscam impedir o due course dos seus procedimentos.

Desprezo pelos limites, foi isso que configurou o que se passou em Washington. O estrépito do “vale-tudo” da violência pôs em questão a autoridade das instituições. Buscou comprometer o alcance do abrangente poder conjunto da cidadania de lidar com os problemas e desafios do país pela via do processo eleitoral.

Entrevista | ‘Elites têm de ter coragem de romper com os populistas’, diz historiador

Estudioso da democracia, Jan-Werner Müller diz que só fazer oposição a líderes autoritários não basta, é preciso também apontar saídas para a sociedade

Paulo Beraldo / O Estado de S. Paulo

A derrota eleitoral do presidente Donald Trump e sua saída do governo são um golpe para populistas que o tinham como referência, mas estes grupos só podem ser evitados com o fortalecimento de instituições e a oposição unida.

A avaliação é do cientista político alemão Jan-Werner Müller, autor do livro O que é Populismo?, publicado em 2016, uma referência na discussão sobre o avanço desse movimento em diferentes países. 

Müller, professor da Universidade de Princeton, também defende que os líderes democráticos precisam oferecer soluções que respondam aos problemas reais das pessoas e não apenas fazer oposição a governos autoritários.

A ideia de “como as democracias morrem” tornou-se famosa depois do livro de Levitsky e Ziblatt, de 2018, e muito se fala sobre ela. Mas o que as democracias devem fazer para sobreviver?

Três fatores importam: primeiro, a ampla mobilização em favor de ideais democráticos básicos. Ao mesmo tempo, não é suficiente dizer “não somos Donald Trump ou algum outro autoritário”. É preciso oferecer uma visão positiva que responda aos problemas reais das pessoas. Nesse sentido, Joe Biden realmente não se saiu tão bem. Em segundo lugar, as elites privadas precisam ter a coragem de romper com os populistas. Isso não é apenas uma questão de psicologia individual. É preciso entender que será cobrado um preço por concordar com um líder autoritário. Em terceiro, a renovação do que chamo de infraestrutura crítica da democracia, principalmente dos partidos políticos e da mídia. Essa é uma questão para uma reforma estrutural de longo prazo.

O que pode ser feito pelos sistemas democráticos para conter e prevenir o populismo?

O populismo nunca pode ser completamente evitado. Além do ponto óbvio de que as preocupações dos cidadãos devem ser tratadas, ajuda ter um sistema partidário funcional e um ambiente midiático no qual a mídia não lucre com a polarização das sociedades. O que, segundo Alexis de Tocqueville [intelectual francês], poderíamos chamar de “poderes intermediários” – partidos e mídia – permanecem cruciais para o funcionamento da democracia representativa. 

Eliane Cantanhêde - A dupla do balacobaco

- O Estado de S. Paulo

No Brasil faltam oxigênio, vacina, ministro da Saúde e presidente, mas panela faz barulho

Afinal, o que o ministro da Saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, foi fazer em Manaus? Não viu, não ouviu e não soube nada, nem que o caos estava instalado e que as pessoas estavam prestes a ver seus pais, filhos e amores morrendo asfixiados, por falta de oxigênio nos hospitais. Ele só foi lá para uma coisa: tirar foto. E aproveitou para empurrar cloroquina encalhada para a população em pânico, como poção mágica. 

O colapso de Manaus e a crise das vacinas são a história de uma tragédia anunciada. Cadê o oxigênio para o Amazonas? Cadê as vacinas para os brasileiros? Cadê as seringas e agulhas? Cadê um plano nacional detalhado com governadores e prefeitos? Cadê o “dia D e a hora H”? Já foram em março, dezembro, fevereiro, janeiro e o último chute foi o dia 20, próxima quarta-feira. Se fosse uma guerra tradicional, os soldados do intendente ficariam sem armas, sem balas e sem coturnos. 

Luiz Carlos Azedo - Faca manchada de sangue

- Correio Braziliense

Erros de conceitos, geralmente, provocam fracassos estratégicos, e transformam eventuais qualidades em grandes defeitos. O sujeito vira o “burro operante”

O colapso do sistema de saúde pública em Manaus, por falta de oxigênio, indignou a sociedade, além de traumatizar os profissionais de saúde do país inteiro, porque o episódio provocou a morte por asfixia de pacientes que estavam estabilizados e chegou a obrigar a transferência de crianças recém-nascidas para outros estados, ou seja, que não tinham nada a ver com a pandemia de covid-19. Dois dias antes do colapso, o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, fora avisado da falta de oxigênio. Esteve em Manaus, com o propósito de convencer as autoridades locais a prescreverem em massa o “tratamento precoce” da covid-19, que vem sendo a opção preferencial dos militares à frente da pasta para combater a pandemia.

Trata-se de um coquetel utilizado em larga escala por médicos clínicos, como tratamento alternativo: hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina, já usada preventivamente, a cada 15 dias, de forma generalizada, por parte da população de baixa renda, como santo remédio contra o novo coronavírus. Rejeitada pelos infectologistas, por falta de comprovação científica, na surdina, essa fórmula virou o eixo da política sanitária do Ministério da Saúde. Na cabeça do presidente Jair Bolsonaro, o coquetel é mais eficiente e mais barato do que as vacinas, além de dispensar as políticas de distanciamento social, ao supostamente transformar a covid-19 numa “gripezinha”.

Ricardo Noblat - Covid-19: Procurador Geral da República só enxerga o que quer

- Blog do Noblat / Veja

Augusto Aras é tão negacionista quanto Bolsonaro

Depois de cinco dias consecutivos com mais de mil mortos pela Covid-19 no Brasil, finalmente o procurador-geral da República, Augusto Aras, acordou e determinou a abertura de um inquérito no Superior Tribunal de Justiça.

Não tire conclusões apressadas. O inquérito não é para apurar a eventual omissão do governo federal no combate à pandemia do coronavírus que até aqui matou 209.350 pessoas, infectando quase 8.500 mil. Aras acha que não houve omissão.

Se omissão houve, foi do governador Wilson Lima (PSC), eleito há dois anos com o apoio de Bolsonaro, e da prefeitura de Manaus, comandada pelo recém-empossado David Almeida (Avante),  na crise de saúde do Amazonas.

Embora tenha afirmado que levou em consideração o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que cabe à União, Estados e municípios atuarem em conjunto no combate à pandemia, Aras preferiu deixar a União de fora do inquérito.

Sabe como é. Antigamente – quer dizer: antes de Bolsonaro -, o presidente da República escolhia um dos três nomes mais votados pelos procuradores para o cargo de procurador-geral. No caso de Aras, ele sequer foi votado.

Janio de Freitas - Carta branca para a morte

- Folha de S. Paulo

Governo sabota, à vista de todos, tudo o que pode combater a pandemia

O ser imoral que atende por Jair Bolsonaro forçou o jornalismo a deseducar e endurecer a linguagem em referências ao governo e, ainda mais incisiva, sobre o intitulado mas não presidente de fato.

Com os assassinatos por asfixia cometidos pela incúria e o deboche no Amazonas; mais de 200 mil mortos no país entregue à pandemia e à sabotagem, e a patifaria contra a vacinação vital, mesmo a grosseria realista é insuficiente.

Nem a liberação dos chamados palavrões, feita pela Folha e O Globo há algum tempo, soluciona o impasse. Muitos as consideramos aquém do jornalismo e os demais ficariam expostos a inconvenientes legais.

A asfixia é reconhecida como uma das mais penosas formas de morte, acréscimo ao nosso horror com as mortes em campos de concentração nazistas, nas câmaras de gás para condenações passadas nos Estados Unidos, como nas perversões criminosas. Hoje, é aqui que essa morte terrível ocorre, vitimando doentes que tiveram a infelicidade preliminar de nascer no Brasil.

Que considerações valeria tentar sobre esse fato? Seus responsáveis são conhecidos. Um presidente ilegítimo pela própria natureza e pela contribuição para a morte alheia. Um general patético e coautor, sobre os quais apenas vale dizer aqui, ainda, da lástima de que não terão o merecido: o julgamento por um sucedâneo do Tribunal de Nuremberg.

Cláudio Couto* - Na disputa pela Câmara, resultado é imprevisível

- O Estado de S. Paulo

Presidente Jair Bolsonaro tem motivos adicionais para valorizar a eleição na Casa

A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados é crucial no xadrez político brasileiro, pois o chefe máximo dessa casa legislativa detém considerável poder de agenda, cabendo-lhe encaminhar decisões cruciais – em especial as que interessam ao Poder Executivo.

Por determinação constitucional, todo projeto de lei oriundo do Executivo inicia sua tramitação na Câmara, cabendo ao seu presidente determinar – junto com os líderes partidários – a pauta de votações. Também processos de impeachment, para começarem a tramitar, dependem da anuência do presidente da Câmara; daí porque o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) é bastante criticado por não ter dado seguimento às dezenas de pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Bruno Boghossian – A matemática do impeachment

- Folha de S. Paulo

Apesar do descalabro produzido pelo governo, matemática ainda favorece o presidente nesse processo

Jair Bolsonaro está mais próximo de eleger aliados para comandar a Câmara e o Senado do que de perder o cargo. O presidente já foi minoritário no Congresso, mas adquiriu proteção suficiente para ficar no poder, apesar do descalabro produzido pelo governo na pandemia.

Hoje, o cálculo do impeachment beneficia Bolsonaro. Para que a destituição avance, são necessários os votos de 342 dos 513 deputados. Graças ao apoio do centrão, o governo tem a seu lado um bloco que pode superar 200 parlamentares, o que torna essa matemática impossível.

Presidentes têm mais chances de escapar de processos desse tipo em ambientes políticos com alta fluidez ideológica. Como o centrão tem mais afinidades do que divergências com Bolsonaro, o governo consegue atrair essas siglas com facilidade, distribuindo cargos e verbas públicas.

Hélio Schwartsman – Privatizando a censura

- Folha de S. Paulo

O que fazer com as sandices que líderes populistas publicam nas redes sociais?

Uma das características da onda de extrema direita que varre o mundo é a instrumentalização da liberdade de expressão para propagar notícias falsas e discursos virulentos. A reação de muitos dos democratas tem sido a de defender uma relativização das proteções à liberdade de expressão. Será que é esse mesmo o caminho?

Vale lembrar que, durante ao menos dois séculos, versões razoavelmente fortes da liberdade de expressão desempenharam papel central na consolidação de algumas de nossas melhores instituições, como a democracia e a ciência. Não penso que devamos correr o risco de retrocesso nessas áreas só porque experimentamos um quinquênio de dissabores.

Entrevista | Para Jungmann, projeto que limita controle sobre as policias permite 'poder paralelo'

Para ex-ministro da Defesa, textos em tramitação na Câmara que diminuem o poder de governadores sobre as polícias Militar e Civil ferem o pacto federativo

João Paulo Saconi  / O Globo

RIO - Alterar as leis orgânicas das polícias Civil e Militar, aproximando-as do governo federal, é, na opinião de Raul Jungmann, um movimento inconstitucional que fere o pacto federativo do país.

Em entrevista ao GLOBO, o ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública — durante o governo de Michel Temer — criticou duas propostas articuladas pelo governo e pela bancada da bala na Câmara para restringir o poder dos governadores sobre as corporações e afirmou que pode existir risco de “aventuras autoritárias” em patentes iniciais.

Governadores têm criticado os projetos sobre as polícias que tramitam na Câmara. Eles perderão poder em caso de aprovação?

Não há dúvida de que precisamos atualizar o funcionamento das nossas polícias, sobretudo a militar, que se organiza por um decreto-lei de 1969, do regime militar. Essas propostas, no entanto, são inconstitucionais, porque ferem o pacto federativo, na medida em que reduzem o poder dos governadores.

Elas não vão passar no Congresso Nacional. Eu tenho conversado com parlamentares de diversos partidos. Caso viessem a passar, seriam derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Caso válidas, as medidas obrigariam governadores a escolher comandantes-gerais em lista tríplice e dificultariam exonerações. Há outros pontos críticos?

Não faz sentido um policial militar que sai da corporação, perde uma eleição e depois retorna com direito às suas promoções. Outra emenda permite que os praças ascendam na carreira sem precisar prestar concurso para sargento. É ruim para a profissionalização das polícias. A criação de três escalas de generais eleva os níveis hierárquicos da PM para 19. Seria uma burocratização negativa para a integração e a agilidade.

Dorrit Harazim – Misericórdia

- O Globo

Numa cidade agonizante chamada Manaus, um cilindro de oxigênio pode valer ainda mais do que a vacina

 ‘Bem-vindo ao inferno’ anunciava em inglês a gigantesca faixa levada por policiais no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, numa manhã radiosa de julho de 2016. Na Cidade Maravilhosa que escancarava seu abraço a turistas e atletas olímpicos do mundo inteiro, o protesto informava que, devido ao atraso no salário dos agentes de segurança, a Rio-2016 era um território sem lei. “Estamos morrendo. Os criminosos olham para a nossa identidade e nos matam”, acrescentava a faixa.

Neste início de 2021, basta substituir “criminosos” por “governantes” ou, ainda melhor, juntá-los como “governantes criminosos”, e temos o retrato do horror nacional. O inferno é aqui . O Brasil inteiro está no direito de se insurgir, de cobrar responsabilidade, ação, vergonha na cara — não de quem já é criminoso, mas de quem silencia apesar de ter voz e poder. A começar pelo Congresso Nacional.

De Jair Bolsonaro nada há a esperar. Como escreveu a jornalista Eliane Brum, “afirmar que Bolsonaro é incompetente ao tratar da Covid-19 é colaborar com ele. A negligência é deliberada. Não é incompetência para enfrentar a Covid, e sim, competência para o extermínio”. Gritar contra a montanha de inépcias das três esferas do poder (prefeituras, estados, Brasília) no combate ao coronavírus aplaca momentaneamente nossa consciência, alivia por um átimo a sensação de impotência. Mas até para gritar é preciso ter ar, conseguir respirar, sair da asfixia interior na qual estávamos confinados até sermos sacudidos pelo sufocamento real de Manaus.

Elio Gaspari - O chaveco do Chavismo bolsonariano

- O Globo / Folha de S. Paulo

Treze anos de poder petista não fizeram estragos nas Forças Armadas semelhantes ao que o capitão Bolsonaro conseguiu em dois anos

Treze anos de poder petista não fizeram estragos nas Forças Armadas semelhantes ao que o capitão Bolsonaro conseguiu em dois anos. Durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, nenhum general foi demitido de forma constrangedora e sem motivo razoável. Os oficiais-generais nomeados pelos presidentes petistas para funções civis tiveram desempenhos discretos. Bolsonaro jogou militares em torvelinhos, associando a disciplina da carreira às suas fantasias. O que sucede ao general Eduardo Pazuello é prova disso.

As cerejas desse bolo anárquico, reveladas pelo repórter Felipe Frazão, são os projetos de parlamentares bolsonaristas que tramitam no Congresso. Teriam jogado meia dúzia de jabutis em cima da ideia de reorganizar as polícias civil e militar. Olhando-se os detalhes, nem jabutis são. Transformaram a ideia num terreno baldio, onde cada um que passa joga o que quer.

É conhecida a admiração de Bolsonaro pelas PMs, apimentada pela simpatia de oficiais do pelotão palaciano diante de alguns motins.

Pelos projetos, os comandantes das PMs deveriam ser escolhidos a partir de listas tríplices saídas da corporação. (Os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica são de livre escolha do presidente, dentro do quadro de quatro estrelas.)

Míriam Leitão - Conspiração Bolsonaro

- O Globo

A oposição ao governo Bolsonaro só não pode dizer que não entendeu aonde ele quer chegar. Conspiradores como Donald Trump e Jair Bolsonaro fazem tudo às claras, e o daqui repete o roteiro com alguma defasagem. A distância que existe é entre original e cópia. Quando parlamentares do PT, PDT, PSDB se alinham ao candidato que Bolsonaro defende para presidir o Senado sabem o que estão fazendo. Compactuam. Os votos serão no escurinho, onde Tancredo ensinou que é o lugar das traições, mas os oposicionistas fazem às claras achando que todos entenderão o pragmatismo.

A História olhará esse distópico tempo nosso de forma implacável. Não adiantará explicar que foram oferecidos bons lugares na mesa diretora, distribuídas presidências de comissões. Não há nada contra o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em si. Não é pessoal. É porque na situação em que ele se encontrará terá que pagar o apoio. O presidente se mobilizou, seu padrinho Davi Alcolumbre (DEM-AP) negocia lugar no Ministério. Pacheco se abrigou sob esse teto. Isso terá de ser pago. E o preço é o apoio à pauta que o presidente acha relevante para o seu projeto.

Bolsonaro quer tumultuar a próxima eleição, reduzir o poder dos estados sobre as polícias para aumentar sua força sobre os efetivos armados, quer armar seus seguidores, quer bloquear recursos para a ciência, quer estimular o desmatamento da Amazônia, quer incentivar garimpeiros e invasores em terras indígenas, quer enfraquecer instituições de controle do combate à corrupção. Bolsonaro sonha, como diziam as faixas dos atos que estimulou e dos quais participou, com o fechamento do Congresso e do STF. Esse é o plano, essa é a pauta.

Marco Aurélio Nogueira* - Impeachment Já

- Blog do Marco Aurélio Nogueira

A crise está exposta, inflamada pelo Palácio do Planalto. E quanto antes ela for efetivamente enfrentada, melhor.

A situação nacional chegou a tal ponto de absurdo e incompetência governamental que deveria estar pondo em alerta todas as forças responsáveis do País, dos partidos e movimentos às instituições, das Forças Armadas ao Poder Judiciário e ao Congresso. Ultrapassamos as barreiras do razoável, do suportável, e não há qualquer indício de que o atual governo vá mudar de orientação e de qualificação: continuará a agir com os olhos nos seus, de costas para a sociedade como um todo, seja ela entendida pela ótica dos interesses mais poderosos, seja a dos setores mais desfavorecidos, que formam a maioria do povo.

A opção pelo impeachment não é uma opção pelo confronto ou pela ruptura, mas pela salvação nacional, pela convergência política das maiorias, pela serenidade, pelo bom-senso. É algo para evitar que caiamos de vez no precipício. O País não aguentará mais dois anos de desgoverno. Se nada for feito, chegará ao fim de 2022 em pandarecos, perdendo quase tudo de positivo que conseguiu acumular nas últimas décadas. Falo das políticas sociais, dos direitos, da política educacional e ambiental, mas também da pujança econômica e do posicionamento no cenário internacional como potência média.

Cristovam Buarque* - O presidente asfixiador

- Blog do Noblat / Veja (16/1/2021)

A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil.

Política é a arte de um povo para definir seu caminho com coesão e rumo, por meio de dirigentes escolhidos. O colapso do sistema de saúde em Manaus é prova do fracasso da política. Irresponsabilidade, incompetência, insensibilidade dos governantes que nós elegemos, sobretudo o obscurantismo deles provocaram a tragédia da asfixia de doentes por falta de oxigênio. A imagem de brasileiros se afogando nos corredores de hospitais, por falta de um balão de oxigênio, é uma metáfora real de um governante com o pé no pescoço do país inteiro.

A falta do oxigênio é consequência do colapso político de um governo despreparado para cuidar do Brasil. O sofrimento e morte no Amazonas, previsto por todos os cientistas e pelos ministros de saúde que foram demitidos porque alertaram, é consequência do descuido do presidente com o sofrimento, seu apego à feitiçaria no lugar da ciência, sua mesquinharia ao politizar a saúde pública e seu despreparo gerencial e sua falta de patriotismo. A crise sanitária é apenas um dos males que ele está provocado.

Merval Pereira - Novo atraso na vacinação

- O Globo

Há a perspectiva de um novo atraso, esse ainda mais grave, no calendário nacional de vacinação, pois o envio do IFA ( Ingrediente Farmacêutico Ativo) para a produção na Fiocruz das doses de vacinas da AstraZeneca/Oxford ainda não foi liberado pelas autoridades da China. O primeiro carregamento deveria chegar na próxima semana, mas problemas burocráticos impedem a liberação.

O Brasil já está cobrando da matriz da AstraZenaca na Inglaterra, se essa documentação não for liberada pela China em tempo de chegar aqui ainda este mês, como estava previsto, que a remessa seja feita através de outros países. Eles têm o compromisso por contrato de nos entregar a IFA de outro lugar, ou a vacina pronta. A multa prevista no contrato não é em dinheiro, mas em vacinas. Como a vacinação está com problemas em vários países, não é certo que a farmacêutica tenha doses extras para o Brasil.

A linha de produção da Fiocruz já está pronta para produzir, depois desses 2 milhões de doses simbólicas a serem importadas da Índia, em fevereiro mais 5 milhões de doses e iniciar em abril a produção de mais 50 milhões de doses. Outros 50 milhões estão  previstos até julho, com acerto de entrega de IFA a cada quinze dias, o que, a esta altura, não é garantido.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Segurança colhida no campo – Opinião | O Estado de S. Paulo

Se nenhum tropeço político impedir, o agronegócio brasileiro tende a ganhar importância, ano a ano, como supridor da crescente demanda global de alimentos

O setor mais eficiente da economia nacional, o agronegócio, deve ser novamente, neste ano, um importante motor dos negócios. Mais um recorde na colheita de grãos, de 264,8 milhões de toneladas, deve ser alcançado na safra 2020-2021, segundo a nova estimativa do Ministério da Agricultura. Com a colheita já iniciada em Mato Grosso, principal Estado produtor, a soja deve ser mais uma vez a estrela principal. Sua produção, estimada em 133,7 milhões de toneladas, deve ser 7,9% maior que a da temporada anterior. Além de representar cerca de 50% da colheita anual de grãos, a soja continua sendo, com seus derivados, a maior fonte de dólares da agropecuária.

Com exportação de US$ 100,81 bilhões, a segunda maior da série histórica, superada somente pelos US$ 101,17 bilhões de 2018, o agronegócio proporcionou quase metade – 48% – de toda a receita comercial do Brasil em 2020. Com US$ 52,69 bilhões de compras, os países da Ásia Oriental se mantiveram como principal destino regional das exportações de alimentos e matérias-primas originárias do agro. A China continuou sendo o número um, entre os países compradores, tendo importado produtos no valor de US$ 34 bilhões, cerca de um terço de todo o valor exportado pelo agronegócio brasileiro.

A União Europeia comprou US$ 16,30 bilhões e permaneceu como segundo destino regional mais importante, apesar das tendências protecionistas observadas em vários países, especialmente na França. O presidente francês, Emmanuel Macron, manifestou-se de novo, há poucos dias, contra a importação de soja brasileira, um produto cultivado, segundo ele, com devastação da mata amazônica. Só os desinformados podem levar a sério essa afirmação.

Música | Roberta Sá - Covardia

 

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Mãos dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.