Neste fim de semana, a presidente Dilma Rousseff pretendia avançar na preparação das duas falas que fará no Fórum Econômico Mundial de Davos, na sexta-feira, dia 24. Uma delas, aberta ao público. Outra, reservada, com inscrições já esgotadas. Em ambas, Dilma tentará reverter percepções externas negativas que se adensaram ao longo de seu governo, sobre um Brasil que "bombou" no cenário externo durante a era Lula. Sob Dilma e os reflexos da crise mundial, o crescimento encolheu, a inflação subiu, vieram as críticas à política fiscal, a um suposto estatismo intervencionista da presidente e à baixa competitividade do país. Finalmente, ao azedume de algumas publicações estrangeiras, somaram-se ameaças das agências de risco, de retirar do país o distintivo "grau de investimento". Dilma acha que tem bons argumentos para desconstruir o que seus auxiliares chamam de "percepções falsas" sobre o Brasil.
Muito antes de projetar-se como sede da reunião anual dos grandes do mundo, a bucólica cidadela sob os cumes nevados dos Alpes suíços fez fama como cenário de A montanha mágica, um dos livros prediletos de Dilma, que valeu a Thomas Mann o Prêmio Nobel de Literatura em 1929. Naquele mesmo ano, Davos foi palco de um duelo intelectual entre dois gigantes da filosofia do século passado, o existencialista Martin Heidegger e o cartesiano Ernst Cassirer. A vocação telúrica para a reflexão deve ter pesado na escolha do lugar como sede do que, desde 1969, ali reúne estadistas, políticos, empresários e executivos globais, investidores, economistas e pensadores em geral para debater a situação e os rumos do mundo.
Dilma, nos últimos três anos, recusou os convites e enviou ministros como representantes, mas um fórum tão exclusivo prefere ouvir diretamente os governantes. Com o pessimismo sobre o Brasil se ampliando no ano de sua reeleição, Dilma resolveu ir à montanha. O fundador e dirigente do fórum, Klaus Schwab, mediará sua apresentação, uma deferência já precedida de uma declaração favorável: "O Brasil tem todos os ingredientes para a superar a crise de meia-idade que afeta os emergentes".
O pessimismo externo é alimentado por indicadores indiscutíveis, como o baixo crescimento e a inflação teimosa, e também por implicâncias com sotaque ideológico, seja com ações do governo ou com o estilo de sua presidente. Haverá, portanto, um alto ceticismo na plateia da conferência reservada de Dilma, composta basicamente por executivos e investidores que terão direito a lhe fazer perguntas. Lula, em suas participações em Davos, pregou o combate à pobreza e difundiu as políticas sociais que implementou. Ele falava a favor do vento: a crise mundial do capitalismo tornara o fórum mais sensível às questões sociais, a um papel mais forte do Estado, ao ressurgimento dos interesses nacionais em detrimento do mundo global. Dilma vai a Davos com o vento um pouco virado, pedindo mais mercado e menos Estado, ecoando palavras como liberação, competitividade e produtividade. Seu discurso não pode ser o de Lula, que naquela conjuntura seduziu Davos e ajudou a forjar a imagem do Brasil como emergente promissor, um dos Brics, potências do futuro. Agora, porém, trata-se de derrotar o ceticismo, vendendo o Brasil como terra de oportunidades para investidores.
Dilma pode dar suas pinceladas sociais no quadro brasileiro, mas vai se concentrar na defesa da solidez da economia e das contas públicas e, principalmente, na apresentação do repertório de concessões ao setor privado lançadas por seu governo. Citará cada um dos leilões já realizados ou programados, nas áreas de petróleo (com destaque para o campo de Libra), energia, ferrovias, rodovias e portos. Outras oportunidades virão, dirá ela, na medida em que foram bem sucedidas as parcerias entre o Estado brasileiro e os investidores privados, impulsionando o crescimento de um país dotado de um grande mercado interno e de enormes riquezas naturais. Beijará a cruz reiterando compromisso com a estabilidade e a saúde fiscal. Nesse sentido, dizem os analistas, Dilma leva como sinal de zelo monetário a recente elevação da taxa interna de juros a 10,5% anuais, depois de constatado que o IPCA de 2013 fechou em 5,91%. O anúncio do presidente Barack Obama, na sexta-feira, de que os EUA não mais investigarão "governos amigos" também jogará mais luz sobre sua figura. Foi ela, seguida por Angela Merckel, que primeiro se insurgiu contra a bisbilhotagem americana. Tudo conta, mas ela terá de ser convincente no que diz respeito à economia.
Rolezinho e segregação
Diferenças partidárias para lá, governantes e políticos entraram em rara sintonia, com petistas, tucanos, socialistas e outros istas falando a mesma coisa: não se deve criminalizar o "rolezinho" nem apelar para a repressão policial, que pode virar "fogo na gasolina", como disse o ministro Gilberto Carvalho. Não haveria motivação política, mas apenas comportamental/cultural, no afluxo de centenas de jovens aos shopping: eles querem apenas "zoar", se divertir, compartilhar os espaços e os símbolos que a sociedade elegeu como indicadores de prestígio.
Na reunião em que Dilma tratou do assunto com alguns ministros, houve quem lembrasse uma das primeiras reações ao rompimento da segregação urbana. Brizola governava o Rio e autorizou linhas de ônibus ligando diretamente a Zona Norte à Zona Sul do Rio. Os pobres, pardos e pretos do subúrbio começaram a frequentar as praias. Os da Zona Sul se incomodaram com suas farofas e maus modos, reclamando da falta de lazer nas periferias. Garotinho virou governador e construiu o Piscinão de Ramos. É verdade que a elite e a classe média tradicional passaram a reclamar da invasão de outras praias: da piora do trânsito com o maior acesso ao carro, dos aeroportos cheios e, agora, da invasão dos shopping pelos da periferia. Tudo isso procede, mas, no caso dos rolezinhos, fica a pergunta: todos têm direito de ir ao shopping, ainda que só para zoar. Mas tem que ser em grupos de 200, 500, mil?
Fonte: Correio Braziliense